INTRODUÇÃO
O presente artigo é resultado de pesquisa de revisão bibliográfica e serão tecidas considerações sobre o tema “Inseminação artificial post mortem: questionamentos jurídicos e subjetivos”. Será feita uma abordagem preliminar acerca da definição Direito Penal e criminologia, bem como, o bem tutelado pelo Direito Penal e o conceito de bioética e direito. Mister salientar que se objetiva apresentar “um crime” hipotético, tipificá-lo, adequá-lo ao direito penal e tecer considerações sobre sua origem.
No decorrer da elaboração do presente artigo algumas indagações vieram à baila, necessitando esclarecimentos, dentre os quais, se pode mencionar:
ü Nos casos de reprodução assistida como ficam as relações de parentesco?
ü Quais os direitos do nascido por inseminação artificial post mortem?
ü Há violação de princípios constitucionais?
ü O Direito é silente sobre Reprodução Assistida, como agir?.
ü E a ética, onde está?
Ora, para o esclarecimento e satisfatória resposta às questões suscitadas, necessário discorrer sobre os pontos apontados, objetivando clarificar de maneira solar o tema abordado.
Carneiro (2008, p. 49) assegura que os vínculos familiares possuem natureza sociocultural e se exprime de posturas do ordenamento jurídico, sendo necessário o fenômeno biológico da reprodução humana, como critério norteador para a existência destes vínculos.
Todavia, há obstáculos biológicos a impossibilitar a alguns casais a procriarem, sendo necessário socorrer-se das técnicas trazidas pela biotecnologia.
Aldovani (2002) destaca que o Brasil não possui legislação sobre reprodução assistida e afirma que os julgados que tratam sobre o tema são raros.
Entretanto, é cediço que a reprodução assistida – inseminação artificial e fertilização in vitro – é a técnica de intervenção do ser humano no processo de procriação natural e objetiva possibilitar pessoas inférteis e estéreis alcançar o sonho da maternidade/paternidade.
Imprescindível esclarecer, como bem observado por Carneiro (2008, p. 56), que a utilização das técnicas de reprodução assistida não tem se pautado apenas nos casos de infertilidade. Existem outras situações, com as quais as clínicas de reprodução começaram a se deparar, quais sejam:
· Paciente aidético que quer ter filhos, mas não pode correr riscos numa relação sexual;
· Paciente portador de câncer que, aténs do processo de quimioterapia, pode, querendo, recorrer às novas técnicas para garantir a prole futura;
· Necessidade de procriar dos casais homossexuais (informação verbal) [1]
Existem duas formas de reprodução humana assistida reconhecida pela legislação brasileira, quais sejam:
· Inseminação artificial
· Fecundação in vitro
A primeira pode ser classificada como homóloga – o sêmen do companheiro é inseminado na própria parceira – ou heteróloga – o espermatozóide ou óvulo fecundado, ou ainda os dois, são de terceiros.
O foco central do presente artigo e sobre o qual será lançado nosso olhar é a inseminação artificial post mortem e se objetiva esclarecer os possíveis questionamentos e indagações sobre o tema proposto. Abordaremos também, com o intuito de clarificar, as diferenças existentes inseminação e fertilização in vitro.
Adentrando no tópico acerca dos materiais e métodos, necessário esclarecer que a metodologia utilizada foi baseada na revisão integrativa da literatura e classifica-se enquanto pesquisa do tipo não experimental, que atende às normas de clareza e rigor. As contribuições colhidas através das pesquisas feitas foram de suma importância para o desenvolvimento e elaboração do presente artigo.
BREVE ESCORÇO SOBRE DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA
“Se o crime é variável, é porque o direito penal também o é: afinal, quem diz crime diz direito penal, sabendo-se que o segundo é quem cria, tipificando, o primeiro” (Bonfim e Capez,2004, p. 28).
Bonfim e Capez (2004) asseveram a existência de duas tendências que classificam o crime, quais sejam: a essencialista e a relativista. A primeira considera o crime como uma realidade físico-social que preexiste a incriminação pelo direito penal. É dizer, o crime existe e o direito penal apenas oficializa a infração, prevendo-lhe a imputação da pena. A segunda tendência entende que o crime não seja uma realidade psicossocial específica, mas apenas uma construção arbitrária do sistema social, desde a criação do direito penal até sua aplicação pelos órgãos de execução das penas. Os relativistas acreditam que o crime é apenas invenção social, sem correspondência com o real. Em assim sendo, o ato criminoso é assim considerado porque o sistema penal o estigmatiza.
O Direito penal tem por função a defesa do bem jurídico. Necessário portanto a conceituação do que seja bem jurídico.
Para Rosal (s.d. p. 50) bem jurídico é, in verbis:
...una situación o hecho valorado positivamente. El concepto de situación se entiende, em este contexto, em sentido amplio, comprendiendo no solo objetos (corporales y otros), sino también estados y processos. Um bien llega a ser bien jurídico por el hecho de gozar de protección jurídica. Sin embargo, podría argumentarse que la protección jurídica constituye prueba suficiente y decisiva de la valoración positiva de la sicutación. El bien jurídico se determina entonces de modo positivista y el concepto abarca <<todo lo que a los ojos de la ly, em tanto quecondición de la vida sna de la comunidad jurídica, es valioso para ésta>>.
Passando à abordagem do conceito de criminologia, tem-se que para Andrade (1995), a Criminologia (positivista) é definida como uma Ciência causal-explicativa da criminalidade é dizer, que tendo por objeto a criminalidade concebida como um fenômeno natural, causalmente determinado, assume a tarefa de explicar as suas causas segundo o método científico ou experimental e o auxílio das estatísticas criminais oficiais e de prever os remédios para combatê-la.
Há ainda a indagação, pela Criminologia, de como o homem (criminoso) faz e porque o faz. O pressuposto, pois, de que parte a Criminologia positivista é que a criminalidade é um meio natural de comportamentos e indivíduos que os distinguem de todos os outros comportamentos e de todos os outros indivíduos. Sendo a criminalidade esta realidade ontológica, preconstituída ao Direito Penal (crimes "naturais") que, com exceção dos chamados crimes "artificiais", não faz mais do que reconhecê-la e positivá-la, seria possível descobrir as suas causas e colocar a ciência destas ao serviço do seu combate em defesa da sociedade.
Andrade (2005) noticia o fato de que a primeira e célebre resposta sobre as causas do crime foi dada pelo médico italiano LOMBROSO que sustenta, inicialmente, a tese do criminoso nato: a causa do crime é identificada no próprio criminoso. Partindo do determinismo biológico (anatômico-fisiológico) e psíquico do crime e valendo-se do método de investigação e análise próprio das ciências naturais (observação e experimentação) procurou comprovar sua hipótese através da confrontação de grupos não criminosos com criminosos dos hospitais psiquiátricos e prisões, sobretudo do sul da Itália, pesquisa na qual contou com o auxílio de FERRI, quem sugeriu, inclusive, a denominação "criminoso nato". Procurou desta forma individualizar nos criminosos e doentes apenados anomalias sobretudo anatômicas e fisiológicas vistas como constantes naturalísticas que denunciavam, a seu ver, o tipo antropológico delinqüente, uma espécie à parte do gênero humano, predestinada, por seu tipo, a cometer crimes.
Bonfim e Capez (2004, p. 31) asseguram que a criminologia surgiu como ciência auxiliar do direito penal, margeando-se paralelamente a ele. A criminologia é estudada como ciência multidisciplinar, porque o conhecimento da criminalidade é multifário, exigindo-se o concurso de inúmeras especialidades, quais sejam: a biologia, a antropologia, a sociologia, a psicologia, psiquiatria, dentre outras.
Enquanto o direito penal objetiva o estudo do crime a criminologia concentra-se no homem criminoso. Noutro viés, ainda nas palavras de Bonfim e Capez (2004, p. 32) “a criminologia moderna pretende estudar a ação criminosa com o concurso de todas as ciências humanas.”
PRESUNÇÃO DE UM CRIME
Hipoteticamente apresenta-se o seguinte caso para exame:
Augusto, portador de cardiopatia grave, antes de morrer, deixou recolhida em uma clínica conceituada algumas amostras de seus espermatozóides. Ocorrendo a morte, sua viúva, tenta por diversas vezes a inseminação, sem sucesso. Numa última tentativa de ter um filho do grande amor da sua vida, se submete a nova fertilização. Todavia, infrutífera.
Passado alguns meses, a equipe médica responsável pela inseminação constatou a troca de materiais (espermatozóides), e fertilizou com o espermatozóide de Augusto uma estranha (C), obtendo resultado positivo.
A viúva fora chamada e tomou ciência do ocorrido. Sem que ‘C’ soubesse, passou a segui-la e ingressou em seu grupo de amigos. Manteve-se silente até o momento do parto quando sequestrou o bebê.
Posto isto, faz-se as seguintes indagações: A viúva teria direito à criança? A clínica deve ser responsabilizada? Com quem deve ficar o bebê? A viúva deve ser punida pelo seqüestro? O fato de saber que o bebê era filho do grande amor da sua vida (viúva), não desencadeou naquela um sentimento incontrolável de angústia e conflito a ensejar a atitude? O desejo de ter para si àquele bebê, afinal era filho do seu marido, a quem tanto amou e se dedicou, não poderia funcionar como atenuante do crime? A clínica agiu com dolo? A viúva deve lutar pela guarda compartilhada do bebê? “C” não poderia ter funcionado com barriga de aluguel, estando configurada a que a criança pertencia efetivamente à viúva?
Ora, Hannah Arendt citada por Prado (s.d, p. 83/84), afirma que:
“Os processos criminais, uma vez que são obrigatórios, e devem ser iniciados mesmo que a vítima prefira perdoar e esquecer, repousam em leis cuja ‘essência’... é que o crime não é cometido só contra a vítima, mas primordialmente contra a sociedade cuja lei é violada. O malfeitor é levado à justiça porque seu ato perturbou e expôs a grave risco a comunidade como um todo, e não porque, como os processos civis, indivíduos foram prejudicados e têm direitos à compensação. A compensação efetivada nos casos criminais é de natureza inteiramente diferente: é o corpo político em si que exige ‘compensação’, é a ordem pública que foi tirada de prumo e tem de se restaurada, por assim dizer. Em outras palavras, é a lei, não a vítima, que deve prevalecer”. (grifos do autor)
Em assim sendo, tem-se que as indagações não mereceriam prosperar, haja vista a violação da lei. Todavia, chama-se à atenção para o que Pablo Molina chama de Criminologia, in verbis:
Ciência empírica e interdisciplinar que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis do crime – contemplado como problema individual e social -, assim como sobre os programas de prevenção eficaz, as técnicas de intervenção positiva do homem delinqüente e os modelos de resposta ao delito. (grifamos)
Ora, o agente ativo estava envolvido por uma gama de sentimentos desconhecidos. Não se objetiva neste momento justificar a atitude delituosa, todavia deve existir uma explicação para o crime, e trazem-se as indagações realizadas pela Criminologia tradicional, quais sejam:
1. Quais as causas do crime?
2. Quem é o criminoso?
3. Qual a diferença entre o criminoso e as pessoas que respeitam a lei?
Talvez, a viúva não tenha pretendido o crime, mas tão somente ter para si o filho do seu amor, e neste momento possa ser classificada como uma “delinqüente enferma mental” – classificação criminológica dada por Di Tullio.
O fator desencadeante do crime praticado fora o fato de diversas vezes ter tentado engravidar, sem sucedo. Tomou conhecimento que, por negligência da clínica responsável pela preservação e guarda do material (espermatozóide) do marido (de cujus), havia inseminado, com resultado positivo, uma estranha.
Mais uma vez, questionamentos inquietantes:
Quais as conseqüências da atitude da viúva? O que fazer para aplacar a dor que ela está sentindo? O bebê também não seria seu filho? Qual o grau de parentesco que a mesma teria com o filho do marido? Não existe aí uma ligação afetiva? Afinal, neste caso, quem é a vítima?
Ora, se analisarmos a questão à luz da ciência da vitimologia, que afirma que “a vítima do delito experimenta um secular e deliberado abandono”, “a vítima é protagonista do drama a quem o sistema deve servir”, poderia assegurar-se que a vítima, com precisão, seria a viúva.
Debruçando-se sobre o caso sob o olhar do paradigma da reação social, tem-se a explicação de Andrade (1994) apud Azevedo (1999, p. 33):
...o “crime” não é uma entidade ontológica, nem a “criminalidade” uma qualidade intrínseca da conduta, preconstituída à reação social e penal, mas rótulos atribuídos a determinados comportamentos e determinados sujeitos através de complexos processos, formais e informais, de interação social, que servem à definição do que é “crime” e à seleção que etiqueta e estigmatiza alguém como “criminoso” (...) Aí porque ser mais apropriado falar em criminalizado e criminalização...” (grifo nosso).
Vê-se, portanto, que a hipótese proposta traz consigo indagações e questionamentos que devem ser solucionadas/respondidos, numa análise crítica dos mecanismos do Direito Penal.
BIOÉTICA E DIREITO
Bioética é um neologismo construído a partir das palavras gregas bios (vida) + ethos (relativo à ética). Segundo Diniz & Guilhem (2002) "...por ser a bioética um campo disciplinar compromissado com o conflito moral na área da saúde e da doença dos seres humanos e dos animais não-humanos, seus temas dizem respeito a situações de vida que nunca deixaram de estar em pauta na história da humanidade..."
Diz-se que as diretrizes filosóficas dessa área começaram a consolidar-se após a tragédia do holocausto da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo ocidental, chocado com as práticas abusivas de médicos nazistas em nome da Ciência, cria um código para limitar os estudos relacionados. Formula-se aí também a idéia que a ciência não é mais importante que o homem. O progresso técnico deve ser controlado e acompanhar a consciência da humanidade sobre os efeitos que eles podem ter no mundo e na sociedade para que as novas descobertas e suas aplicações não fiquem sujeitas a todo tipo de interesse.
Noticia-se que o termo bioética foi mencionado pela primeira vez em 1971, no livro “Bioética: Ponte para o Futuro", do biólogo e oncologista americano Van R. Potter. Pouco tempo depois, uma abordagem mais incisiva da disciplina foi feita pelo obstetra holandês Hellegers.
Tem-se ciência que a bioética transpõe-se a um movimento cultural: é neste humanismo que se pode englobar conceitos entre o prático biodireito e o teórico biopoder. É desta maneira que sua constante revisão e atualização se torna uma característica fundamental. O campo acerca do tema é claramente árido, a envolver questões eminentemente ligadas à bioética.
Citando Débora Diniz, Minahim (2004), assegura que a bioética pode ser enfocada através matrizes diferenciadas, abarcando três abordagens, quais sejam: a filosófica, a temática e historicista.
A problemática da bioética é numerosa e complexa, envolvendo fortes reflexos imprimidos na opinião pública, sobretudo, pelos meios de comunicação de massa. Todavia, Mianhim (2004), observa que a bioética não pretende estabelecer dogmas gerias para as ações, “não tendo força coercitiva para impedir certos comportamentos; ela questiona o papel da tecnociência para o bem-estar da humanidade, validando-a, na medida em que serve ao ser humano.”
Kottow (s.d., p. 116) citando Levi na abordagem sobre Bioética e Biopolíatica, assim se manifestou, in verbis:
Si el campo de concentración es el paradigma de lesado de excepción donde opera la biopolítica, será ingênuo pensar que la bioética tendrá alguma influencia o capacidad de regulación: “pero aqui, em el Lager... no hay criminales porque no hay una ley moral que infringir”. Su campo de acción se situa allí donde uma incipiente biopolítica aventura ciertas posturas sin todavia haberse apropriado del poder. Se entiende ai que lá política se mueva siempre em la espacio público, em tanto la biopolítica se inmiscuye em lo privado y lo desnuda em público. Em esa correlación, la bioética sería la protectora del espacio privado y del indivíduo, protestando cuando lo público produce daño al individuo. (grifos nossos).
Segundo o estudioso Severo Hryniewicz apud Valente[2] Bioética é o "estudo interdisciplinar, ligado à Ética, que investiga, nas áreas das ciências da vida e da saúde, a totalidade das condições necessárias a uma administração responsável da vida humana em geral e da pessoa humana em particular". A disciplina nasceu justamente da necessidade de se exercer um controle da utilização crescente de tecnologias nas práticas biomédicas, em especial as que têm por finalidade a manipulação da vida humana.
Minahim (2004) noticia que o Relatório de Belmon, encomendado pelo Congresso dos Estados Unidos, foi importante para a configuração da Bioética, ante as práticas abusivas realizadas nas pesquisas com seres humanos. Neste documento foram estabelecidos três princípios, que serviriam como base hermenêutica para as reflexões específicas: o respeito pelas pessoas (autonomia), o da beneficência e o da justiça.
É certo que, como bem dito por Carneiro (2008, p. 141), a escalada da evolução da biotecnologia, impõe tanto aos operadores do direto quanto aos demais estudiosos da família e suas implicações sociais uma nova postura no tratamento dispensado à questão. Isto porque, os paradigmas, sejam eles religiosos ou sociais, são afetados por anúncios de novas técnicas ou possibilidades de paternidade/maternidade por vias não naturais. O que nos resta é, “esperar do Direito uma resposta aos desafios impostos pelas novas demandas da sociedade”, disciplinando o legislador sobre a temática posta sub examine.
INSEMINAÇÃO E FERLITILIZAÇÃO IN VITRO: Diferenças existentes
É comumente noticiado o fato de que a inseminação artificial e a fertilização in vitro serem os dois procedimentos mais utilizados no que concerne à reprodução assistida, e possuem em comum a estimulação ovariana. De maneira geral, a fertilização in vitro está indicada se existem defeitos na permeabilidade das tubas (trompas) ou baixa concentração, motilidade ou morfologia dos espermatozóides.
Tem-se abaixo um esquema realizado para clarificar o entendimento e as diferenças entre as duas técnicas.
Tabela 1 1ª etapa: estimulação controlada dos ovários |
No ciclo menstrual natural, em geral um único óvulo (oócito) cresce até a maturação e pode ser fertilizado. Já nos ciclos destinados a fertilização in vitro (FIV) ou inseminação intrauterina (IIU), são utilizadas gonadotrofinas injetáveis (LH e FSH) que atuam estimulando a produção de mais de um óvulo (oócito) no ciclo. A figura (ultra-som do ovário) mostra o ovário com vários folículos (estruturas escuras); dentro de cada folículo existe um oócito. Em geral, as gonadotrofinas são administradas a partir do segundo ou terceiro dia do ciclo menstrual, e sua ação é monitorizada por meio de ultra-sonografias transvaginais sucessivas. |
Fonte: http://www.unifesp.br/grupos/rhumana/iiuivf.htm
Tabela 2 2 - 2ª etapa: indução da ovulação |
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Quer o procedimento seja a inseminação intra-uterina, quer seja a fertilização in vitro, quando os folículos atingem diâmetros médios de 17 a 18 mm, a maturação final dos óvulos é induzida por meio de uma injeção de um outro hormônio chamado gonadotrofina coriônica humana (hCG). Sua ação é similar à do LH no ciclo menstrual natural: mais ou menos 36 horas após a injeção ocorrerá a ovulação. A figura (ultra-som uterino) mostra o aspecto do endométrio antes do uso do hCG. |
Fonte: http://www.unifesp.br/grupos/rhumana/iiuivf.htm
Tabela 3 3ª etapa: aqui começam as diferenças entre a inseminação e a fertilização in vitro |
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Na inseminação intra-uterina após 36 hora da aplicação do hCG, é feita a colocação dos espermatozóides (preparados) dentro do útero, por meio de um cateter flexível. Feito isto, espera-se que todas as outras etapas da reprodução ocorra (ovulação, captura dos óvulos pelas tubas, fertilização, transporte do embrião para dentro do útero e implantação no endométrio). Assim, a inseminação depende muito da integridade funcional do genital feminino para ter sucesso. |
Na fertilização in vitro antes de 36 horas da aplicação do hCG é feita uma cirurgia para captura dos óvulos, por via vaginal. Esses são levados ao laboratório e inseminados in vitro com os espermatozóides previamente preparados, com ou sem a utilização de injeção dos espermatozóides nos óvulos (ICSI). Após 3 a 5 dias, os embriões são colocados dentro do útero por meio de um cateter flexível. |
Fonte: http://www.unifesp.br/grupos/rhumana/iiuivf.htm
Tabela 4 3ª etapa: aqui começam as diferenças entre a inseminação e a fertilização in vitro |
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IIU - Inseminação intra-uterina · Sem cirurgia; · Exige pelo menos uma tuba íntegra; · Exige pelo menos 5 milhões de espermatozóides móveis; · Exige morfologia estrita >4%; · Custos menores. |
FIV - Fertilização in vitro
· Com cirurgia; · Indicada se as tubas não funcionam bem; · ICSI se menos de 5 milhões de espermatozóides móveis; · ICSI se morfologia estrita <= a 4%; · Custos maiores. |
Fonte: http://www.unifesp.br/grupos/rhumana/iiuivf.htm
Como visto, a fertilização in vitro (FIV) é uma técnica de reprodução medicamente assistida que consiste na colocação, em ambiente laboratorial, (in-vitro), de um número significativo de espermatozóides à volta de cada ovócito, procurando obter embriões de qualidade a transferir posteriormente para a cavidade uterina. Para a execução dessa técnica tem-se a exigência de prévia estimulação do ovário.
A inseminação artificial consiste na realização de uma série de procedimentos mediante os quais se procura facilitar o encontro entre o esperma e o óvulo, tornando possível a fecundação. O método há muito tempo é utilizado em animais, mas é relativamente recente entre os seres humanos.
Passando à abordagem acerca do congelamento de esperma, óvulos e embriões, é cediço que este foi um passo importante rumo ao progresso da reprodução assistida, o que permitiu a criação de bancos de esperma, óvulos e de embriões. Os primeiros resultados de congelamento e descongelamento de embriões datam de 1972, ocasião em que foram utilizados embriões de camundongos. Atualmente esses procedimentos se realizam com êxito em diferentes espécies de mamíferos.
Diz-se que a primeira gravidez em humanos decorrente de embriões congelados e descongelados ocorreu nos idos de 1983. A partir dessa data, milhares de crianças nasceram por meio desse processo de reprodução assistida.
Já na década de 90 os cientistas já faziam todo tipo de experiência em termos de inseminação artificial.
Começaram, aí, a nascer os filhos de mulheres virgens ou na menopausa, algo impensável poucos anos antes. As manipulações genéticas bizarras não pararam. Surgiram semens congelados de pessoas falecidas que fecundavam óvulos de pessoas vivas e avós que deram à luz os seus próprios netos.
Em 1996 ocorreu um fato que se tornou notícia no mundo inteiro, algo que abalou o mundo científico. Através da fusão do núcleo de uma célula retirada da glândula mamária de uma ovelha de seis anos com o óvulo de outra ovelha os investigadores do Roslin Institut de Edimburg trouxeram à existência a ilustre Dolly.
Tem-se ciência de que as técnicas de reprodução assistida representam enorme contribuição para a ciência. A inseminação artificial para casais com problemas de infertilidade, no entanto, é apenas um sonho para as famílias da camada pobre da população, já que os preços cobrados pelos procedimentos são elevados.
Entretanto, imperioso esclarecer os limites do direito constitucional à procriação devem ser discutidos. Isto porque existe o questionamento sobre a utilização das técnicas reprodutivas por pessoas férteis. É dizer, a técnica pode se estender a qualquer homem e mulher que prefira o auxílio da ciência ao método sexual de gerar ou apenas deve ser utilizada por pessoais inférteis. Ademais, indaga-se se a vontade de procriar deve ser protegida para além da morte, tendo em vista que, tal posicionamento tem dividido diversos doutrinadores.
Aliás, Silvia da Cunha Fernandes (2005, p. 17) assevera que:
“A Constituição Federal de 1988, consagrou, em seu art. 5º, inciso IX, a liberdade de criação científica, contudo a pesquisa genética deve encontrar seus limites em outros valores maiores prestigiados no texto constitucional, como a dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 5º, caput), a integridade física (CF/88, art. 5º, III), a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país (CF/88, art. 225, § 1º, II)”
Portanto, as técnicas científicas de reprodução assistida representam uma revolução[3] na medida em que permite gerar uma nova vida sem a condição elementar da relação sexual, o que representa um alento para aqueles que possuem problemas de esterilidade. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS)[4] o conceito de infertilidade está ligado à ausência de concepção após, pelo menos 02 (dois) anos de relações sexuais não protegidas, sendo que somente a partir daí deverá ser detectado qual o tipo de anormalidade do casal e qual a técnica de reprodução assistida mais viável ao caso.
Outro ponto a ser considerado assenta-se na atribulada questão de controle e limites à procriação assistida, ainda mais em face da inexistência de legislação específica sobre a utilização de técnicas, que recai necessariamente para o campo ético e moral. No entendimento de Alvarez e Borges[5] verifica-se que “há intervenção mínima do Direito, ou seja, ele só aparece e interfere quando há violação de determinados bens essenciais para o Estado garantir a vida em sociedade, a paz e a ordem pública”.
Os citados estudiosos apontam uma solução para a questão com o espeque constitucional:
“Mesmo sem uma lei especial, das normais que já existem em matéria constitucional, é possível extrair que o ponto de equilíbrio na utilização das técnicas de reprodução assistida é a dignidade da pessoa humana, que, ainda com a legislação específica, continuará a ser observada, pois a dignidade da pessoa humana é o princípio básico de um estado democrático.”
Posto isto, pode-se afirmar que, a inseminação artificial ou fertilidade assistida, trouxe consigo discussões sobre a bioética, despertando o interesse de membros do Congresso Nacional, que trabalham na elaboração de projetos de Lei, objetivando regular o uso das técnicas de Reprodução Assistida, que, repise-se, consiste na implantação de gametas ou embriões humanos no aparelho reprodutor de mulheres receptoras.
Ademais, o Código Civil alça questões controvertidas, principalmente as que dizem respeito ao direito sucessório.
INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM
No que concerne à filiação, a inseminação artificial não gera problemas, haja vista o material genético utilizado na técnica ser fornecido pelo próprio casal – inseminação artificial homóloga. É dizer, existe conciliação entre a filiação afetiva/biológica.
Todavia, adentrando no tópico da inseminação artificial post mortem, surgem dúvidas no que se refere à filiação. Isto porque a esposa (viúva) será fertilizada com os espermatozóides de uma pessoa (marido) falecido.
Ora, o artigo 1597, inciso III, do Código Civil estabelece que:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
(...)
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
É dizer, fica assegurada a filiação da criança gerada através da inseminação post mortem, independente do momento em que ocorrer o seu nascimento.
Entretanto, não existe apenas o problema relativo à filiação. Surgem outras indagações no campo do direito sucessório. Sobre o tema Moreira Filho apud Aldrovandi e França (2002) assegura que pelo fato de a concepção se dar após o falecimento da pessoa que forneceu o gameta, não há que se falar em direitos sucessórios à crianças.
Neste ponto, verificam-se o choque entre a regra que determina a presunção da paternidade dos filhos havidos, a qualquer tempo, decorrentes de inseminação artificial homóloga quando utilizados embriões excedentários, e aquelas que estabelecem que a sucessão abre-se com a morte, quando os direitos e deveres são transmitidos aos herdeiros, os quais devem já estar nascidos ou concebidos. Entretanto, cumpre esclarecer que existem doutrinadores que defendem os direitos sucessórios à criança, desde que seja mediante testamento.
Aliás, cumpre trazer à colação entendimento já codificado, inserto no art. 1799 do Codex Civil:
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
Vê-se, portanto que o direito da criança nascida por inseminação artificial post mortem estará garantido, desde que, o de cujus tenha deixado testamento.
Uma das questões mais relevantes quando o assunto em questão é a inseminação póstuma segundo o professor José Carlos Teixeira Giorgi apud Valente[6], é que a criança assim nascida não se beneficia de uma estrutura bi parental de filiação. Ela fica condicionada a uma família unilinear ou monoparental. “O filho já nasce órfão de pai, o que afetará seu pleno desenvolvimento, pois paternidade e maternidade constituem valores sociais eminentes”, destaca.
Nesta conjuntura, as discussões se intensificam quando o assunto é a inseminação póstuma, ou seja, a inseminação da mulher, após a morte do marido, com o sêmen coletado deste, quando em vida. São tantas as complicações que podem surgir com a inseminação póstuma, que o assunto tornou-se tema de debates nos diversos ordenamentos jurídicos mundiais.
Nos Estados Unidos, o Comitê de Ética da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, em 1997, deliberou que se um indivíduo determina que gametas ou embriões congelados possam ser usados após sua morte pela esposa (o), seria apropriado atender essa determinação.[7] A Human Fertilisation and Embriology Authority permite o uso de gametas ou embriões após a morte, se houver consentimento prévio.
No Brasil, o Conselho Federal de Medicina não aborda a reprodução póstuma. Para o professor de Urologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, Cláudio Telöken, se era desejo do casal ter filhos e se o procedimento é “pró-vida”, parece eticamente aceitável a reprodução pós-morte[8]. Por outro lado, estando à criança fadada a nascer órfã de pai, isso feriria o princípio da não-maleficência. Ele aborda, ainda, outro aspecto importante: se a motivação do cônjuge restante em gerar essa criança for para preencher o espaço deixado pelo parceiro ou por motivos financeiros relacionados à herança, o filho estará sendo buscado como um meio e não um fim, o que fere a dignidade do ser humano.
Alguns países já iniciaram a regulamentação da inseminação artificial post-mortem. A lei espanhola 35/88 vedava radicalmente a inseminação post mortem, deixando claro que se efetuada, só estabeleceria vínculo de filiação se houvesse declaração expressa nesse sentido do marido, por instrumento público ou testamento.[9] O modelo atual permite a inseminação posterior à morte do doador, desde que feita dentro do prazo de seis meses a contar do falecimento e se consentida em escritura pública, resguardando à criança todos os direitos advindos da filiação.
A lei francesa possibilita a inseminação artificial post mortem, entretanto de forma condicionada. O Projeto Português sobre a Utilização de Técnicas de Procriação Assistida proíbe a utilização de esperma de marido falecido ou de companheiro para inseminação de sua mulher, mesmo que tenha ocorrido o consentimento do falecido. Uma proposta de lei portuguesa também proíbe a inseminação artificial e a fertilização in vitro post mortem, entretanto prevê a possibilidade de reconhecimento da criança como filha do falecido no caso de ocorrer violação dessa proibição. As normas inglesas aceitam a inseminação póstuma, mas sem direitos hereditários, salvo documento expresso[10].
Ferdinandi e Casali (2007, p. 111) afirmam que, ante a ausência no Brasil de legislação específica sobre o tema, o Conselho Federal de Medicina apresentam suas normas através da Resolução nº 1.358/92.
Percebe-se, portanto, que a criança havida por inseminação artificial post mortem nasce desprotegida de alguns direitos, e seu nascimento traz consigo problemas jurídicos enormes. Neste ponto crucial, têm-se os questionamentos alçados por Ferdinandi e Casali (2007, p. 112): “Seria justo fazer nascer um órfão, em situação diferenciada? Como poderia adquirir todos os direitos que lhe são inerentes?”
Adentrando na abordagem acerca da inseminação heteróloga surge uma grande problemática, haja vista as inúmeras complicações existentes e a ausência de manifestação jurídica doutrinária sobre a questão. Inclusive, esta técnica de inseminação encontra-se em total conflito com o quanto estabelecido pelo Diploma Civil, precisamente no que concerne à presunção de paternidade.
É dizer, são tantas as complicações decorrentes da inseminação póstuma, que o assunto tornou-se questão de debates nos diversos ordenamentos jurídicos.
Aliás, diversos órgãos internacionais que tratam do controle ético da reprodução assistida emitem opinião no sentido de que a técnica deveria ser utilizada apenas como auxiliar da concretização de um projeto parental, o que implicaria na consideração não só do desejo dos candidatos a pais, mas, e principalmente, dos interesses do futuro ser humano que vier a ser concebido.
Posto isto, surge à indagação do que seja efetivamente a inseminação artificial póstuma.
Para Aguiar[11] as técnicas biogenéticas de reprodução constituem uma faceta da sociedade de nossos dias, provocando um novo paradigma social.
Na reprodução humana assistida, os profissionais devem sempre levar em consideração os princípios básicos da bioética, quais sejam:
· A autonomia: que se inspira no respeito ao outro e na dignidade da pessoa humana.
· A beneficência e não-maleficência: que significam que o médico deve evitar provocar danos aos seus pacientes, maximizando os benefícios e minimizando os riscos possíveis, buscando sempre o seu bem-estar.
· A justiça: que propõe a imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios, levando-se em conta as desigualdades entre as pessoas, sejam sociais, morais, físicas ou financeiras e, também, a dignidade da pessoa humana e a recusa total a qualquer tipo de violência.
É dizer, os profissionais que lidam com reprodução humana assistida devem cercar-se de todos os cuidados médicos e legais para que os reflexos futuros estejam amparados e sejam aqueles esperados pelos participantes, tanto médicos quanto pacientes. Entretanto, a grande parte das legislações alienígenas que aceitam a inseminação póstuma afasta qualquer direito sucessório da criança.
Giorges[12] afirma que ao consagrar a inseminação póstuma feita com o esperma varonil, o problema parece residir na possibilidade de concepção acontecer após o falecimento e o nascimento superar os 300 dias seguintes à dissolução da sociedade conjugal pelo óbito, eis que dispositivo legal inibe a presunção de paternidade além deste prazo (CC, artigo 1.597, II).
Ora, saber se a vontade de procriar deve ser protegida para além da morte, é tema que divide os doutrinadores em duas correntes básicas.
Aguiar[13] informa que na inseminação artificial post mortem, a morte funciona como causa revogadora da permissão ao emprego da técnica médica, pois, cada uma das declarações individuais somente tem relevância jurídica quando, e se, unida à outra em uma única manifestação de vontade.
Para compreensão da vocação hereditária e sua interpretação de acordo com o artigo 1.798, do Código Civil, deve-se levar em conta, em princípio, a simultaneidade de existência entre o herdeiro concebido e o autor da sucessão[14]. Guilherme Calmon doutrina que “(...) tal regra é inserida no âmbito do artigo 1.798, do Código Civil, de forma mais técnica porque se refere tanto à sucessão legítima quanto à sucessão testamentária (...)”[15].
O que se percebe é que as novas técnicas de inseminação artificial possibilitam a ocorrência material de filiação biológica após a morte do autor da sucessão, de modo que o homem ou a mulher que houver conservado material genético, esperma ou óvulo, poderá possibilitar que terceiro, especialmente o cônjuge ou companheiro, utilize do mesmo após o seu falecimento. Nessa acepção registra Guilherme Calmon:
“(...) é possível que o sêmen, o embrião, e também o óvulo – quanto a este, as experiências científicas são mais recentes – possam ser crio preservados, ou seja, armazenados através de técnicas próprias de resfriamento e congelamento, o que possibilita, desse modo, que mesmo após a morte da pessoa seu material fecundante possa ser utilizado, em tese, na reprodução medicamente assistida”[16].
Entretanto, abrigar a inseminação póstuma no Brasil, não se pode descartar a hipótese de que, aberta a sucessão, compartilhados os bens do de cujus, com o inventário concluído, apareça tempos depois um filho com capacidade para postular seu quinhão hereditário.
A controvérsia reside no seguinte fato: quanto tempo depois da morte do pai biológico pode o filho obtido por inseminação póstuma postular seu direito quanto aos bens de sua família? Novamente a legislação brasileira mostra-se omissa, a provocar verdadeira insegurança jurídica. O legislador deveria definir/estabelecer um limite temporal para a realização da inseminação póstuma, assim como a adaptação das normas de direito sucessório, vez que há possibilidade de se manter o esperma congelado por um período de tempo indeterminado, a ensejar o prolongamento da incerteza jurídica por tempo indefinido.
CONCLUSÃO
Como já delineado, a fecundação ou inseminação homóloga é realizada com sêmen originário do marido. A fecundação ou inseminação artificial post mortem é realizada com embrião ou sêmem conservado, após a morte do doador, por meios de técnicas especiais.
Ora, o tema sub examine é por demais polêmico, abarcando diversos setores sociais. Pode-se, inclusive, afirmar a existência de duas correntes que se posicionaram sobre o objeto em foco: uma defende a não possibilidade da inseminação ante o argumento de que a criança nasceria sem a perspectiva da presença paterna. Noutro viés, a segunda corrente defende a inseminação após a morte do doador, atrelando, todavia, a sua possibilidade ante a expressa concordância do cônjuge (falecido).
A inseminação post mortem necessita de normas disciplinadoras temporais, éticas e protetivas, sem abandono do direito do pretenso pai de expressar sua vontade quanto a uma possível paternidade póstuma.
A questão abordada apela à atenção dos legisladores no sentido de normatização do tema da inseminação póstuma, que se hoje é técnica pouco utilizada, o acelerado processo da tecnologia nos leva a acreditar que muito em breve será uma prática usada em grande escala.
Aliás, ao se falar em ciência e tecnologia têm-se dois sentimentos que vem à tona: o religioso e o ideológico. Ambos estão profundamente ligados a questões políticas. Porém uma coisa é certa: a construção do Direito Objetivo deriva, necessariamente, da evolução natural da sociedade.
É certo, como bem observado por Martim (2004, p. 117), que o avanço tecnológico não poderá ser evitado, nem tampouco paralisado. Se assim o fosse, seria como impedir as ondas do Pacífico de banharem a costa oeste. A reprodução assistida é uma realidade, “uma onda no mar biotecnológico, que não pode ser evitada, nem enxugada.”[17]
O especialista em biodireito, Erickson Gavazza Marques apud Valente[18], define com clareza esse distanciamento entre o Direito e a tecnologia:
“O Direito não pode responder de imediato às mudanças que ocorrem na sociedade porque as mudanças são voláteis. Uma hora elas pendem para um lado, outra hora elas pendem para o outro. E o Direito tem de estar alicerçado em bases firmes. É necessário que os avanços tecnológicos se sedimentem para que o Direito discipline isso.”
Mas como dito, necessários à observância dos princípios basilares da Carta Magna vigente: a dignidade da pessoa humana, a igualdade entre todos, o respeito à vida.
A vida é considerada como o maior valor humano e bem jurídico, o maior bem jurídico, e, em termos de Direitos Humanos, é o primeiro a ser reconhecido e respeitado, quer corresponda a valor humano quer a bem jurídico.
Sergio Ferraz apud Miotto assegura que: “Uma coisa é indiscutível: desde o zigoto, o que se tem é vida, diferente do espermatozóide e do óvulo; vida diferente do pai e da mãe, mas vida humana, se pai e mãe são humanos.”
Ora, socorrendo-se das palavras de Andrade (2008), como fonte inesgotável de controvérsia, é de se pautar por um discurso comprometido com o olhar ético, humanista e, inclusive, respeitando as convicções espirituais circundantes. Igualmente, orientando-se pelos princípios da bioética, quais sejam: a autonomia, a beneficência e não-maleficência e a justiça.
As maiores dificuldades a serem enfrentadas com a questão da inseminação post mortem consiste na existência ou não dos direitos da criança nascida desta técnica. E esta não é uma realidade apenas brasileira.
É cediço, que a toda criança deve ser assegurada a possibilidade de conhecer seus ascendentes. Todavia, isto não será possível com as crianças nascidas através da inseminação póstuma, problema que jamais encontrará solução legislativa.
Dilema crucial, pois se de um lado tem-se o direito da viúva gerar um filho do seu falecido companheiro, quando em verdade esse era o sonho do casal, diga-se, interrompido por morte prematura, na outra vertente tem-se o direito da criança, amparado por legislação específica, de conhecer seus ascendentes. Tais questões levam a uma discussão interminável que confronta duas ciências importantes, quais sejam: a Ética e o Direito.
Repise-se, a fecundação artificial post mortem é procedimento não regulamentado na legislação constitucional ou infraconstitucional vigente no Brasil. Diante da possibilidade material da utilização dessa técnica, necessária a compreensão da vocação hereditária, através da interpretação do artigo 1.798, do Código Civil, diante da perspectiva da inseminação póstuma.
Quando a técnica envolve um casal casado surge à presunção de paternidade prevista no artigo 1.597, inciso III, do Código Civil, regramento que se aplica à união estável, desde que devidamente demonstrada a sua existência e não havendo litígio sobre a materialização da referida entidade familiar.
É dizer, a criança assim concebida e gerada tem iguais direitos de família e de sucessões em comparação com os herdeiros da mesma classe e do mesmo grau, ou seja, é filha do falecido e do cônjuge ou companheiro sobrevivente, em atenção ao princípio constitucional da igualdade de filiação.
A possibilidade de não se reconhecer direitos à criança concebida mediante fecundação artificial post mortem pune, em última análise, o afeto, a intenção de ter um filho com a pessoa amada, embora eventualmente afastada do convívio terreno. Pune-se o desejo de ter um filho, de realizar um sonho. Pune-se o amor que transpõe barreiras temporais, o amor perene, o amor verdadeiro, a fim de se privilegiar supostos direitos – patrimoniais – dos demais herdeiros. Tal perspectiva vai de encontro aos modernos princípios do direito de família, especialmente aos princípios da igualdade de filiação, da afetividade e da dignidade da pessoa humana, princípio basilar do Direito Constitucional.
E como bem dito por Alexandre de Moraes (2005, p. 124/125):
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”
Em assim sendo, o direito que se encontra órfão de legislação específica sobre o tema, deveria aplicar as técnicas de reprodução humana assistida, agasalhando os princípios da bioética e os princípios constitucionais, e principalmente, incentivando o governo a “criar uma legislação séria, embasada em cânones éticos, decorrentes de uma discussão ampla com todos os setores da sociedade civil.”[19]
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