Assunto que vem preenchendo as páginas dos jornais, revistas e o tempo dos noticiários televisivos é a revisão administrativa dos benefícios previdenciários do INSS, mais precisamente as aposentadorias concedidas entre 1994 e 1997. Conseqüência da revisão administrativa seria o pagamento dos atrasados aos aposentados ou pensionistas, bem como o aumento da renda mensal. O que trouxe o assunto para a mídia, efetivamente, é o montante dos atrasados, que segundo o próprio INSS, somariam algo em torno de R$ 12 bilhões. O Governo já avisou: paga, mas para cobrir o "rombo" é necessário a criação ou majoração de algum tributo.
Então a leitura da situação, singelamente, é a seguinte: "Vitória dos aposentados! O governo reconhece o direito dos segurados e decide rever os benefícios pagando a todos os atrasados e concedendo o reajuste devido no salário, mas para isso, é preciso criar uma fonte de custeio". Entretanto, a leitura mais atenta, menos singela e mais crítica nos leva a outra conclusão: "Vitória do governo, derrota de toda a sociedade, inclusive dos aposentados".
Vejamos qual das duas conclusões é, efetivamente, a mais apropriada. Antes, é necessário que o leitor entenda o que aconteceu com as aposentadorias concedidas no período acima mencionado (1994 a 1997). Em 1994, o Brasil acordou em março com a URV, jogando para debaixo dos tapetes, num passe de mágica, a inflação. Tratava-se da lei 8.880/94, instituindo a URV, dispondo sobre a transição do cruzeiro real para a mencionada unidade referencial (que não era uma moeda), instituindo, após, o Real. A transição de moedas, evidentemente, é que gerou os problemas na concessão das aposentadorias do período acima mencionado. A regra geral previdenciária vigente naquele momento (hoje a regra é distinta) determinava que para o cálculo do valor do benefício (aposentadoria) deveria ser obtida a média dos 36 salários de contribuição anteriores à data do pedido administrativo de aposentadoria. Exemplificando, um segurado que requeresse a aposentadoria junto ao INSS em abril de 1995, teria o valor de sua aposentadoria calculado com os salários de contribuição de março de 1995 até abril de 1992. A média era feita com os salários de contribuição corrigidos até a data do requerimento da aposentadoria. No caso exemplificativo, temos um período de cruzeiro real, período com inflação, um período de URV, início de estabilização econômica, e um período de REAL, com estabilização.
O INSS, então, corrigiu os salários de contribuição, porém deixando de repor a inflação ocorrida no mês de fevereiro de 1994. Como o INSS não aplicou o reajuste do mês de fevereiro de 1994, todos os salários de contribuição anteriores àquele mês deixaram de ser corrigidos em 39,67% que correspondia ao índice de correção do mês de fevereiro de 1994 (IRSM de fevereiro de 1994), divulgado em março de 1994. Segundo o INSS, em março já não havia mais inflação diante da vigência da URV pela lei 8880/94, razão pela qual não aplicou referida correção de 39,67%. Uma mordida e tanto nos segurados, cuja soma, hoje queixa-se o INSS e o Governo, totaliza R$ 12 bilhões.
Algum tempo depois das primeiras aposentadorias concedidas desta forma, os aposentados, descobrindo o truque, foram à Justiça requerer a revisão dos seus benefícios. Em massa e numa só voz, o Judiciário, de norte ao sul, de primeira até última instância, reconheceu o erro do INSS, determinando a revisão dos benefícios com o conseqüente recálculo da aposentadoria incluindo o índice de 39,67% do mês de fevereiro de 1994 nos salários de contribuição anteriores àquele mês.
A jurisprudência tornou-se uníssona. Com o recente advento dos Juizados Especiais Federais, as revisões puderam ser feitas com muito mais celeridade. Então, diante do entendimento pacífico em favor dos aposentados que têm no seu PBC (Período Base de Cálculo) o mês de fevereiro de 1994, recentemente, o Governo anunciou sua intenção de pagar administrativamente todos os aposentados atingidos pelo equívoco do INSS.
Conforme restou explicado acima, ocorreu por parte do INSS a subtração de um mês de correção no PBC. Não há que se falar em rombo. Este dinheiro é, e sempre foi, dos aposentados. A fonte de custeio das aposentadorias concedidas naquele período sempre existiu, e suficiente para pagar as aposentadorias corretamente. O que se verifica é uma manobra, novamente em desfavor da sociedade, para criar um novo tributo. Ora, se o INSS subtraiu, dolosa ou culposamente, um mês de correção dos salários de contribuição, o que fatalmente diminuiu o valor das aposentadorias da época, não há que se falar agora em aumento ou rombo. Não existe aumento na aposentadoria já que hoje os aposentados atingidos pela omissão da Autarquia recebem menos do que deveriam. Não há rombo pois estes R$ 12 bilhões não são mesmo do Governo, tendo este, apenas, apropriado-se indevidamente deste montante.
Então, ou o Governo devolve a contribuição feita pelos aposentados e empresas – já que cobrou mas não pagou correspondentemente – ou paga a devida retribuição (benefício), inclusive com todos os atrasados. Como a diferença é vultosa, fato que acaba justificando o que ocorreu já que o esquecimento do INSS rendeu ao seu cofre uma economia indevida mas monstruosa, hoje o Governo alardeia que para pagar essas diferenças é necessário criar uma fonte de custeio. Se a Justiça não fulminar com o vício da inconstitucionalidade este novo tributo, já que um novo tributo para esta finalidade seria em verdade bi-tributação pois a contribuição já foi feita como explicamos, então mais alguns fatos estranhos acontecerão. Mais estranhos do que o próprio sumiço de R$ 12 bilhões.
O primeiro deles é o fato de que o Governo custearia com novo tributo o pretenso pagamento de R$ 12 bilhões. Entretanto, que garantia teria a sociedade de que todos, efetivamente todos os aposentados atingidos receberiam o dinheiro? Do contrário, novamente estaríamos pagando sem que os aposentados vissem a cor do dinheiro. O pagamento seria feito integral ou para os que entrassem no acordo coletivo, ao exemplo do que ocorreu no caso do FGTS, haveria um redutor percentual? Se houver redutor, não há mais uma diferença de R$ 12 bilhões. Quando cessaria a cobrança deste tributo novo, ou a majoração de algum já existente, já que a disposição desta cobrança é para cobrir uma "pequena" diferença? Ou não cessaria? Seria mais uma contribuição provisória, como a CPMF, cuja provisoriedade está ligada à saciedade dos nossos governantes?
Na verdade, tudo é uma questão de ponto de vista, neste caso, já quase uma ilusão de ótica auxiliada pela miopia que acomete a quase todos nós governados. De um lado, uns enxergam um Governo preocupado com os aposentados, comprometido em corrigir o erro. Outros, como eu, mesmo limpando meus óculos e minha cabeça de idéias pessimistas, não conseguem ver outra coisa senão um novo tributo para cobrir um buraco que nunca existiu.