Resumo: O presente trabalho tem a aspiração de construir uma noção lógica da seletividade criminalizante no âmbito do Direito Penal, a fim de apontar possíveis causas e abrir espaço de discussão com o foco de raciocinar soluções para o problema. Para isto, será observado o que se pensa abertamente sobre o tema da criminalidade em conjunto com o que é vinculado pelos empresários morais. No seguimento será considerada vulnerabilidade social e os processos de seletividade criminalizante para, por fim, bastar ao conceito de Lei e Ordem e sua importância para o tema. O presente emprego não visa, obviamente, esgotar o assunto diante da complexidade do tema. Mas antes trazer à discussão uma temática que é tão pertinente na vida hodierna nacional.
Palavras-chave: seletividade criminalizante; vulnerabilidade; movimento lei e ordem.
INTRODUÇÃO
Em linhas gerais, o Estado Democrático de Direito, tendo como seu princípio os direitos fundamentais e como elementos o governo, o povo e um território, necessita de legitimidade. A legitimidade é o poder concedido pelo povo ao Estado que garante a capacidade de decisão, de coerção perante o próprio povo por parte do poder político. É este caráter da legitimidade que justifica o ius puniendi e, consequentemente, o Direito Penal quando o Estado assume para si a prerrogativa da busca da justiça, retirando de cena a vingança privada ou o ius talionis. Fica notória, assim, a função do Estado Democrático de Direito no âmbito da atualidade, ratificado pela Carta Magna nacional, obrigando-o ao cumprimento das prerrogativas emanadas das conquistas sociais, fundamentais e humanas ao longo da História na forma de uma administração de “governo do povo, pelo povo e para o povo” 3 . Dentre as obrigações se encontra o dever de proteção ao homem, onde se compreende o advento do ius puniendi.
O Direito Penal, apesar de ter como base o monopólio do poder de punir não pode se orientar, em um Estado Democrático, unicamente motivado pela violência legítima do Estado. Ele deve ser ao mesmo tempo a segurança do cidadão contra seus iguais e também do cidadão em face o Estado. A este último tópico interessa o breve aprofundamento a que se propõe este trabalho.
Assim sendo, o Direito Penal possui certa dualidade, cabendo nele a personificação do poder de punir e também um limitador do poder concedido ao Estado por meio de seus princípios e regras4.
TEORIAS PÚBLICAS E EMPRESÁRIOS MORAIS DIANTE DO CAOS
O Direito Penal é uma ramificação do Direito Público, que se baseia na repreensão de práticas delituosas por meio de normas emanadas do legislativo. Consequentemente, visa preservar a sociedade, protegendo os bens jurídicos mais importantes. A qualificação e quantificação de suas ações são pautadas por regras de aplicação e princípios norteadores dos procedimentos, que recebem o nome de processo. O processo é o que garante legitimidade ao ato de punir, sempre em conformidade com os princípios arraigados pela Constituição Federal. É por meio deste complexo sistema que o sujeito infrator da norma penal é coagido5.
Dessa forma, demonstra o Professor Cezar R. Bitencourt (2012) a complexidade no conceito atual de bem jurídico, por não ser unicamente quesito de aplicação cega, mas antes um instituto hábil a dar legitimidade ao Ius Puniendi:
Atualmente, o conceito de bem jurídico desempenha uma função essencial de crítica do Direito Penal: por um lado, funciona como fio condutor para a fundamentação e limitação da criação e formulação dos tipos penais; por outro lado, auxilia na aplicação dos tipos penais descritos na Parte Especial, orientando a sua interpretação e o limite do âmbito da punibilidade. Ocorre que, diante do atual momento de expansão do Direito Penal, resulta, como mínimo, uma tarefa complexa deduzir o conceito e conteúdo de bem jurídico, como objeto de proteção do Direito Penal. Com efeito, atravessamos um período de transição entre a tradicional concepção pessoal de bem jurídico e posturas que prescindem do dogma do bem jurídico para a legitimação do exercício do ius puniendi estatal. BITENCOURT (2012, p.72).
Avança Bitencourt (2012), no sentido da interpretação por meio da filosofia da linguagem de Schümann, que o direito penal não está apto apenas a agir em direção vertical descendente Estado-indivíduo, mas também de forma ascendente indivíduo-Estado, propenso, dessa forma, a proporcionar proteção ao invés de unicamente ser objeto de violência legítima do Estado.
Como dito anteriormente, a coação deve respeitar normas e princípios. Ao levar a cabo sua legitimidade6, o Direito Penal deve levar em consideração sempre o que preconizam esses princípios e regras.
Porém, existe uma fenda praticamente intransponível entre o que é preceituado e a realidade hodierna. Onde o Direito Penal não consegue, assim como o Estado, cumprir o que se obriga. E os problemas apontados para essa falha são os mais diversos: desde os escassos recursos destinados a segurança pública até um suposto aumento vertiginoso da delinquência – originada não só na desigualdade social, mas também da hipertrofia legislativa. Fala-se, então, em crise congênita do direito7, da qual o Direito Penal faz parte. E as soluções apontadas pelas agências estatais e opinião pública para resolução desta crise são diversas e capciosas. Habitam em torno de absurdos como: penas mais severas, dentre elas trabalhos forçados, isolamento e banimento; redução da maioridade penal; ampliação do rol de crimes penalmente tutelados, etc. Tais teorias, além de deficientes por ineficácia, são contraproducentes, pois se há maior criminalização e penas mais longas, consequentemente haverá maior número de criminalizados, que ficarão mais tempo sob custódia do Estado, em um ciclo vicioso destinado ao colapso.
Uma resposta mais sensata já oferecida ao direito é a noção do iluminista Cesare Beccaria (2002)8, na qual a efetivação de uma prevenção geral positiva está mais ligada à efetivação da pena do que quão rígida ela é.
Como afirma, e talvez solucione Beccaria (2002), constata-se que as soluções anteriormente mencionadas não são aptas a sanar a crise da segurança pública. No entanto, é evidente que estas soluções, mesmo falhas já na origem, são difundidas em larga escala – quase que de maneira industrial –, e acabam sendo assimiladas como única forma de trato dos problemas que derivam da segurança pública deficiente. O processo de sistematização do senso comum se dá através dos empresários morais 9 , como a grande mídia, discursos políticos, autoridades, movimentos sociais, etc.
Diante disto, o resultado final dessa sistematização é um pensar coletivo altamente vicioso, que ganha fôlego na baixa instrução sobre o tema e traz à tona no seio social outras formas, exatamente mais controvertidas de racionalização do problema, implicando em concepções de reprodução de violência, como o adágio; “bandido bom é bandido morto” ou em supressão de direitos fundamentais em prol do “bem comum”, da “paz pública”, do “sentimento de justiça”. Estes aspectos além de genéricos são modos rudes e esdrúxulos de concepção que acabam por serem interiorizadas não só no âmbito subjetivo dos cidadãos, mas no sistema penal como um todo de maneira formal e material. No policial que tortura ou agride em uma revista, seja no juiz que se veste de justiceiro e condena na dúvida, no âmbito legislativo penal com a possibilidade de redução da maioridade penal, criado pelo processo de criminalização primária e, inclusive no próprio Código Penal. É o caso do crime de rixa, presente no referido código, artigo 137 que em sua forma qualificada com resultado lesão corporal grave ou/e morte, quando não se sabe quem foi o autor todos respondem pela forma qualificadora do crime em tela10. Onde o in dubio pro reo, principio basilar de legitimação do ius puniendi, transforma-se em “in dubio pro hell”11, descortinando a verdadeira face do Direito Penal, de controle social na forma de perseguição do Inimigo. Neste sentido, Bitencourt (2012, p. 68).
A VULNERABILIDADE ECONOMICO-SOCIAL
Pensar em soluções imediatas para o problema posto não é pensar sobre o problema. Essa simples, mas substancial dedução auxilia a colocar em pauta o problema em si, que reside em um platô hierárquica e axiologicamente superior. Está na ineficácia dos Direitos Fundamentais, já mencionado. Esse descaso estatal produz efeitos devastadores, que se potencializam com uma cultura galgada no consumo proveniente de uma sociedade capitalista. destarte, Ranieri Neto:
Por isso a importância de ressaltar a convicção de que o crime, como fenômeno social, principalmente no contexto brasileiro, está ligado, umbilicalmente, à desigualdade social que define nossa sociedade. Em um mundo marcado pela distancia abissal entre pobres e ricos, em que três das pessoas físicas mais ricas do mundo concentram uma riqueza equivalente ao PIB dos 48 países mais pobres, o Brasil é um exemplo dessa má-distribuição de renda. NETO (2007. p. 12).
Como abona Ranieri Neto, em se tratando de um fenômeno, pensar em soluções para problemas sociais (em específico a criminalidade de forma isolada, como o especialista que analisa cartesianamente a parte afetada e prescreve o remédio milagroso e o tratamento a ser seguido) é um erro grosseiro, pois estaria vendo o problema sob um viés, verdadeiro, porém resultante e casuístico. Faltando atentar para uma sociedade polarizada, onde a classe pertencente tem aptidão para tornar pessoas em Humanas ou tornar pessoas em objetos, simples mão de obra, e mais vulneráveis ao descaso estatal.
Uma vertente dessa vulnerabilidade está expressa na criminalização da classe economicamente inferior. Quando o médico Cesare Lombroso e Enrico Ferri tentaram traçar o perfil do “criminoso nato”, analisando a população carcerária e seus crimes em uma pesquisa que objetivava fornecer dados fenotípico-biológicos exatos para um precoce reconhecimento do criminoso natural, não lograram êxito. Coletaram, porém, dados importantes que, ao invés de traçar o perfil do criminoso nato, traçaram o perfil dos indivíduos criminalizados.
Contudo, há de se fazer nova referência a Lombroso, em uma vertente que ganha terreno em um Estado capitalista como o Brasil. É o denominado “neolombrosianismo12”, que prega, de forma sistematizada e quase canônica, a demonização do crime, tratando esse como uma doença social que reside em sujeitos desprovidos de moral.
Os negros, feios13, pobres, homossexuais e etc., formam a maior parcela da população carcerária, e isso não tem ligação com características criminosas, mas sim com a parcela propensa a criminalização14.
A ligação substancial dessa classe com o efeito criminalizante do Estado é observada em uma aplicação extensiva de Rousseau, o Homem é um criminoso nato, onde não há de se negar que o simples fato de viver em sociedade proporciona a potencialidade de ser um criminoso. Dentro do rol dos crimes existem diversas formas de praticá-los e, em alguns casos, até mesmo a inércia configura um tipo penal15, além do instituto da culpa – stricto sensu –. Há, porém, diferenças substanciais em que pese à possibilidade de condutas, onde existem os crimes chamados de rudes ou grosseiros, de fácil detecção, em contra partida aos crimes sofisticados, que necessitam de certa qualidade do agente – seja de conhecimento ou/e de material hábil –, e por serem mais complexos, sua detecção é dificultada16.
No entanto, somente este apontamento não forma o pleno conceito de cifra oculta 17. Há por ser preconcebido, que determinados crimes são cometidos em grande escala por determinada classe e, sendo esses crimes os grosseiros e criminalizados, consequentemente, a criminalização da cifra oculta é assaz renegada ao descaso por se tratar de sujeitos com maior acesso aos meios de defesa, maior autodeterminação e evidência social.
Diante disto, o sistema penal, formado por princípios, normas, penas e agências, proporciona uma ferramenta hábil na tentativa de controle social, com o principal objetivo alicerçado na manutenção da ordem social, sendo o sistema punitivo o monopolizador da violência legal. Porém quando, o sistema age de maneira seletiva, a violência, o poder outrora legal, toma caráter ilegal, sendo exagerada a aplicação dele nos que habitam situações de vulnerabilidade. Precisamente inverso e praticamente ineficaz contra quem não lhe é vulnerável. A respeito disto, considera o Professor Eugenio Raúl Zaffaroni:
Todas as sociedades contemporâneas que institucionalizam ou formalizam o poder (estado) selecionam um reduzido numero que submetem à sua coação com o fim de impor-lhes uma pena. Esta seleção penalizante se chama criminalização e não se leva a cabo por acaso, mas como resultado da gestão de um conjunto de agências que formam o chamado sistema penal... Criminalização primaria é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a punição de certas pessoas... criminalização secundaria é a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas, que acontece quando as agencias policiais detectam uma pessoa que supõe-se tenha praticado certo ato criminalizado primariamente, a investigam, em alguns casos privam-na de sua liberdade de ir e vir, submetem-na à agência judicial, que legitima tais iniciativas e admite um processo... no caso de privação de liberdade de ir e vir da pessoa, será executada por uma agencia penitenciária (prisonização). ZAFFARONI (2006, p.43).
SELEÇÃO PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA DE CRIMINALIZAÇÃO
A seleção criminalizante atua de dois modos a se saber: na seleção primaria de criminalização, diz respeito às agências políticas que elegem os bens jurídicos mais importantes a serem tutelados pelo direito penal. Para tanto, não se trata de um processo natural, antes, trata-se de um processo de seleção de bens que merecem a tutela e ações consideradas danosas a partir de valores deontológicos que cerceiam a sociedade no momento de criação de tais institutos.
Estes institutos, criados pelas agências do poder criminalizante primário, vinculam o poder de criminalização secundário, que são imbuídas de aplicar e exercer em concreto o preconizado pelo primário. Sendo assim as agências do poder criminalizante secundárias agem como controle social, ao passo que o processo de criminalização primário, apesar de ser o início da criminalização seletiva, ainda mantem certa abstração, visto que as agências do primário não sabem ao certo quem será individualizado pelo secundário. Desse modo, sua atuação, apesar de dar azo à seletividade, sempre está limitada ao poder de ação das agências secundarias de criminalização.
O Estado, nesse momento, se mostra duplamente contraditório. Além da omissão dos direitos fundamentais, ele revela uma postura de infrator de direitos fundamentais diante da atuação superior de suas agencias contra as classes mais vulneráveis.
A seleção criminalizante secundaria não apenas se orienta pelo poder de outras agencias como também se exerce condicionada a suas limitações operativas, inclusive quantitativamente: em alguma medida, toda burocracia acaba por esquecer seus objetivos, substituindo-os pela reiteração ritual, finalizando geralmente por fazer o mais simples. A regra geral da criminalização secundaria se traduz na seleção: a) por fatores burdos ou grosseiros (a obra tosca da criminalidade, suja detecção é mais fácil), e b) de pessoas que causem menos problemas (por sua incapacidade de acesso positivo ao poder político e econômico ou a comunicação massiva). No plano jurídico é óbvio que esta seleção lesiona o principio da igualdade, desconsiderando não apenas perante a lei, mas também na lei. O principio constitucional da isonomia (art.5º CF) é violável não apenas quando a lei distingue pessoas, mas também quando a autoridade pública promove uma aplicação distintiva (arbitrária) dela. ZAFFARONI (2006, p.46).
As agências secundárias de criminalização e a opinião pública respondem a está afirmação no sentido que a constantemente sobrecarga pela grande demanda provinda, em partes das agências primarias, e sua constante edição de tipos penais e, em parte ao aumento da criminalidade, além de condições precárias, encontram sérias dificuldades em obterem eficácia. Desse modo tendo duas escolhas, uma permanecer inerte ao passo de sua limitação, o que é inviável, posto que esta escolha lhe furtaria a legitimidade o que levaria a extinção. Portanto, na verdade a única possibilidade encontrada é se tornar seletiva. E esta seleção encontra arcabouço nos estereótipos difundidos pelos empresários morais18ao longo da história19 20.
A seleção criminalizante secundaria conforme ao estereotipo condiciona todo o funcionamento das agencias do sistema penal, de tal modo que o mesmo se torna inoperante para qualquer outra clientela, motivo pelo qual: a) é impotente para os delitos do poder econômico (os chamados crimes “do colarinho branco”); b) também o é, de modo mais dramático, diante de conflitos muito graves e não-convencionais, como uso de meios letais massivos contra a população indiscriminada, usualmente chamado terrorismo; c) torna-se desconcertado nos casos excepcionais em que há seleção de alguém que não se encaixa nesse quadro (as agências politicas e de comunicação pressionam, os advogados formulam questionamentos aos quais não sabe responder, destinam-se-lhes alojamentos diferenciados nas prisões etc.). Em casos extremos, os próprios clientes não-convencionais contribuem para a manutenção das agencias, particularmente das cadeias, com o que o sistema atinge sua maior contradição. (Zaffaroni, pp. 46-47).
CONSEQUÊNCIAS DA SELETIVIDADE
Destarte, a omissão do Estado, junto ao sentimento de perseguição que se forma nas classes mais vulneráveis, torna o sentimento “intrínseco e bruto” de contrato social relativizado, cabendo ao sujeito a potencialidade de se adequar definitivamente à criminalização já imposta por descrença nas instituições estatais. Nesse contexto, o Estado tenta reaver para si a credibilidade e a legitimidade, usando de maneiras deturpadas para enfrentar um problema que, em suma, ele mesmo proporcionou21.
O Estado encontra no problema da criminalidade um bode expiatório ideal para justificar sua legitimidade, tirando de foco, ainda que de forma indireta, os problemas sociais por não tornar efetivo o mínimo existencial para grande parcela da população. Sendo causa/efeito de sua omissão na raiz do que preconiza o Estado Democrático de Direito, levando o centro do problema para a “crescente criminalidade”, como se esta viesse exclusivamente,de um problema de moral subjetiva. Esse processo se transforma em um ciclo vicioso, onde o Estado faltoso encontra nas consequências de tal falta o motivo de sua necessária intervenção nas formas degeneradas já mencionadas, que não produzem outros resultados além do instantâneo e falso sentimento de segurança22, e o aumento da criminalização. Portanto, tem-se a imagem amplamente divulgada em pesquisas quantitativas de um aumento vertiginoso da criminalidade, quando o que ocorre é o aumento da criminalização – consequência da inflação do sistema penal, que é fruto da resposta estatal para o descrédito que este sofre quando faltoso.
Este processo criminalizante como bode expiatório estatal acaba por encontrar na parcela mais afetada por sua omissão os antagonistas perfeitos.23 A parcela social que sofre duplamente com a conduta estatal possui, segundo o viés sociopolítico adotado, duas condutas, sendo elas a do “pobre bom” e a do “pobre mau”. Atribui-se ao pobre bom, valores morais que, mesmo com as dificuldades latentes, se mantém no caminho virtuoso, sendo um “cidadão de bem”. Ao pobre mau cabe um valor torpe, não possuindo suficiente moral, e por isso, usando do livre-arbítrio, encaminha-se pelo caminho dos delitos, da então doença social24.
Este discurso polarizante se alimenta da propaganda capitalista do sonho americano de possibilidade de ascensão dentro do neoliberalismo, no qual o sujeito, mesmo nascendo na extrema pobreza, poderá, com seu trabalho e mérito, vir a se tornar um sujeito bem sucedido e com grande poder aquisitivo. Onde a classe em que se pertence não tem nada haver com suas atitudes, principalmente quando delituosas. Discurso tal também é usado para justificar a pena, onde essa visa retirar o delinquente do convívio social para que esse seja reeducado, ressocializado e possa voltar ao convívio social e seguir sua vida normalmente.
Porém, ambas as teorias não passam de propagandas falaciosas, que fazem uso das exceções e as transformam em modelos de possibilidade, afirmando ser possível vir a ser melhor, dependendo única e exclusivamente do sujeito e de sua vontade. Tornando uma história de sucesso, de um homem que nasceu pobre e galgou seu lugar ascendido na sociedade ou do preso que depois de cumprir sua pena retorna para a sociedade, constitui família e consegue um bom emprego, como exemplos para justificar todo o sistema e os estereótipos25. Esse discurso possibilita ao Estado a isenção da responsabilidade natural que o obriga a proporcionar meios efetivos para o pleno desenvolvimento do Homem.