Seletividade criminalizante e a administração indireta da miséria

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Criminologia/Sele%C3%A7%C3%A3o%20criminalizante/Seletividade-criminalizante.docx#_ftnref3">[3] Baseado no famoso discurso de Gettysburg feito por Abraham Lincoln, qua dava inicio para uma nova democracia norte-americana e ocidental, em 19 de novembro de 1863, na cerimonia de inauguração do Cemitério Militar de Gettysburg, local onde ocorrerá a batalha com o mesmo nome.

[4] “A onipotência jurídico-penal do Estado deve contar, portanto, necessariamente com freios ou limites que resguardem os invioláveis direitos fundamentais do cidadão. Este é o sinal que caracterizaria o Direito Penal de um Estado pluralista e democrático de direito e o que possibilitaria entender a prevenção geral positiva limitadora da pena como finalidade legitimável desta”. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte Geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.80).

[5] “O bem jurídico não pode identificar-se simplesmente com a ratio legis, mas deve possuir um sentido social próprio, anterior à norma penal e em si mesmo preciso, caso contrário, não seria capaz de servir a sua função sistemática, de parâmetro e limite do preceito penal, e de contrapartida das causas de justificação na hipótese de conflito de valorações”. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte Geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 71).

[6] “Assim, o conceito de prevenção geral positiva será legítimo “desde que compreenda que deve integrar todos estes limites harmonizando suas eventuais contradições recíprocas: se se compreender que uma razoável afirmação do Direito Penal em um Estado social e democrático de Direito exige respeito às referidas limitações”. A onipotência jurídico-penal do Estado deve contar, necessariamente, com freios ou limites que resguardem os invioláveis direitos fundamentais do cidadão. Este seria o sinal que caracterizaria o Direito Penal de um Estado pluralista e democrático. A pena, sob este sistema estatal, teria reconhecida, como finalidade, a prevenção geral e especial, devendo respeitar aqueles limites, além dos quais há a negação de um Estado de Direito social e democrático”. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte Geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.80).

“Em uma linha similar, mas sem recorrer expressamente ao método analítico da filosofia da linguagem, Roxin defende que: “em um Estado democrático de Direito, que é o modelo de Estado que tenho como base, as normas penais somente podem perseguir a finalidade de assegurar aos cidadãos uma coexistência livre e pacífica garantindo ao mesmo tempo o respeito de todos os direitos humanos. Assim, e na medida em que isso não possa ser alcançado de forma mais grata, o Estado deve garantir penalmente não só as condições individuais necessárias para tal coexistência (como a proteção da vida e da integridade física, da liberdade de atuação, da propriedade etc.), mas também das instituições estatais que sejam imprescindíveis a tal fim (uma Administração da justiça que funcione, sistemas fiscais e monetários intactos, uma Administração sem corrupção etc.). Chamo ‘bens jurídicos’ a todos os objetos que são legitimamente protegidos pelas normas sob essas condições”. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte Geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.75).

[7] “Na década de 80 e no princípio da de 90, foi vista uma mudança profunda na configuração política mundial, afetada por algumas importantes transformações nas posições geo-políticas globais, nas comunicações, na quebra das barreiras ao comércio internacional, bem como o aparecimento de novas questões jurídicas, como a crescente consciência do direito ao meio ambiente saudável, por exemplo, e as questões éticas surgidas com o desenvolvimento da biotecnologia. Do ponto de vista político, diante desta nova e complexa realidade, o Estado redimensiona e reconfigura seu papel. O Direito, instrumento de regulação privilegiado do Estado, tende também a se reconfigurar. Se o Estado está em crise, o Direito também está. A crise é em nível econômico e também crise dos modelos de regulação social tradicionais, incluindo o Direito. A crise atual do Estado indica que os mecanismos econômicos, sociais e jurídicos de regulação, postos há um século, já não funcionam. O Estado tem se transformado no transcorrer do tempo, e o Direito, como o principal meio ou instrumento de regulação estatal, também tem mudado. Conforme visto anteriormente, pode-se distinguir, na história moderna, dois tipos de Direito que podemos associar aos dois tipos de Estado descritos, Direito do Estado Liberal e o Direito do Estado Social. A interdependência crescente dos países, do ponto de vista econômico e financeiro, assim como a complexidade dos problemas novos e a rapidez das mudanças, levaram o Direito à impossibilidade da seqüência desse modo de produção e de aplicação das regras jurídicas, bem como a um estado de crise que se reflete na dificuldade que tem o Estado para aplicar seus programas legislativos, e no reconhecimento da existência de um pluralismo jurídico. O embate entre a função planificadora do Estado e sua conseqüente necessidade de um Direito instrumentalizador de políticas públicas e a tradição jurídica de garantia e segurança demonstra o paradoxo ao qual está sujeito o Estado contemporâneo. Nos dizeres de José Eduardo FARIA, o fenômeno gera a chamada “inflação jurídica”, com a qual o Direito contemporâneo tem de conviver: “Condicionado assim por dois princípios conflitantes, o da legalidade (típico do Estado liberal-clássico) e o da eficiência das políticas públicas nos campos social e econômico (típico do Estado-Providência), o Estado contemporâneo, por meio de seu Poder Executivo, passa a agir de modo paradoxal gerando, em nome da estabilização monetária, do equilíbrio das finanças públicas, da retomada do crescimento e da abertura comercial e financeira, uma corrosiva inflação jurídica. Este tipo de inflação se traduz pelo crescimento desenfreado do número de normas, códigos e leis, de tal modo que a excessiva acumulacão desses textos legais torna praticamente impossível seu acatamento por seus supostos  destinatários e sua aplicação efetiva pelo Judiciário, ocasionando, por conseqüência, a “desvalorização” progressiva do direito positivo e o impedindo de exercer satisfatoriamente suas funções controladoras e reguladoras. No limite, esse processo leva à própria anulação do sistema jurídico, pois, quando os direitos se multiplicam, multiplicam-se na mesma proporção as obrigações; e estas ao multiplicarem os créditos, multiplicam igualmente os devedores, num círculo vicioso cuja continuidade culminaria na absurda situação de existirem apenas devedores, todos sem direito algum. Este é o potencial corrosivo da inflação jurídica - o risco da própria morte do direito.” Há, assim, uma crise do Direito que, indissociada da crise do Estado, se apresenta num de seus aspectos como uma progressiva deterioração da organicidade do sistema jurídico, com o colapso do constitucionalismo e a crescente superação do equilíbrio entre os poderes, bem como o fenômeno da globalização econômica, a partir da década de 80. As estruturas jurídicas e políticas legadas pelo Estado liberal, no século XIX, e pelo Estado Social, no século XX, demonstram estar passando por um momento de crise e transformação, e assim também o Direito”. (FILHO, Roberto Freitas, Crise do direito e jurispositivismo: a exaustão de um paradigma. 2ª ed. 2013. Versão para internet, p. 24-25. Disponível: http://repositorio.uniceub.br/bitstream/235/4067/1/Crise%20do%20Direito.pdf, acesso em 25/05/2015).

[8] "... como melhor meio de impedir o crime é a perspectiva de um castigo certo e inevitável..." (BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. ed. Eletrônica: Ridendo Castigat Moraes, 2002, p. 177).

[9] “O conceito de empresário moral foi enunciado sobre observações relativas a outras sociedades, mas na nossa pode ser tanto um comunicador social, após uma audiência, um político em busca de admiradores ou um grupo religioso à procura de notoriedade, quando um chefe de policia à acata de poder ou uma organização que reivindica os direitos da minorias etc. Em qualquer um dos casos, a empresa moral acaba desembocando um fenômeno comunicativo: não importa o que seja feito, mas sim como é comunicado. A reivindicação contra a impunidade dos homicidas, dos estupradores, dos ladrões e dos meninos de rua, dos usuários de drogas etc., não se resolve nunca com a respectiva punição de fato, mas sim com urgentes medidas punitivas que atenuem as reclamações na comunicação ou permitem que o tempo lhes dê a centralidade comunicativa”. (ZAFFARONI, E. Raúl; Direito Penal Brasileiro: Primeiro Volume – teoria geral do direito penal. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006. p. 45).

[10] “Neste caso se uma pessoa morreu, mas não se apurou a autoria do homicídio, ocorre a punição pela simples participação na briga geral, levando os contendores a responder por rixa qualificada”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 702). No mesmo sentido: “Prevê o parágrafo único hipóteses de rixa qualificada, quais sejam: (a) se ocorre morte; (b) se ocorre lesão corporal de natureza grave (pena – detenção de 6 meses a 2 anos). Os resultados devem necessariamente ser reproduzidos por uma causa inerente à rixa e serão imputados a todos aqueles que participaram do entrevo, incluindo-se, aqui, o próprio participante que sofre a lesão grave. A pena também será majorada de forem atingidos terceiros estranhos à rixa.” (CAPEZ, Fernando. PRADO, Stela. Código penal comentado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 297).

[11] “Não são poucos os autores que consideram que os poderes que permitem que o juiz interfira nas gestão da prova devem ser complementares; no entanto, não conseguimos vislumbrar caso em que essa atividade não seja potencialmente danosa para o acusado, motivo pelo qual a consideramos em flagrante descompasso com a exigência de democraticidade, o que nos parece inaceitável; afinal tal atividade desconsidera completamente o in dubio pro reo, uma vez que na dúvida o juiz parte em busca de provas, que obviamente só podem ter a finalidade de obter a condenação a qualquer custo. Em uam estrutura regrada de contenção do poder punitivo, a dúvida deve gerar absolvição, o que expressa o próprio sentido do princípio  in dubio pro reo. As o processo penal do inimigo de Campos é fundado em torno de outra lógica, que configura um verdadeiro in dubio pro hell: diante da dúvida, a verdade ser perseguida até que se chegue ao resultado desejado, que não é outro que a condenação. Não há caso em que essa persistência não signifique a busca da condenação a qualquer custo, já que a dúvida deveria impor a absolvição”. (KHALED Jr, Salah H. ROSA, Alexandre Morais da. In dubio pro hell: profanando o sistema penal. Rio de janeiro: Editora Lumen Juris, 2014. p. 19).

[12] “É o “neolombrosianismo”, onde o crime é uma patologia a ser extirpada. A ideologia das elites é reforçada e inculcada através de um processo e de uma opinião publica que “acaba sendo o que os jornais, a televisão e o rádio divulgam em seus editoriais, reportagens, entrevistas ou depoimentos sobre fatos ou situações que, mais do que refletir a realidade objetiva, acaba refletindo a ideologia, a crença ou as formas de percepção do real daqueles que divulgam ou expõem suas ideias na mídia”. (NETO, Ranieri Mazzilli. Os caminhos do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p.33).

[13] Tomando como base de critério o padrão de beleza ocidental e em especifico o brasileiro, veiculado pelas agências de propaganda na grande mídia.

[14] “Servir-se da prisão como um aspirador social para limpar as escórias/detritos produzidos pelas transformações econômicas em curso e remover os rejeitos da sociedade de mercado do espaço público – delinquentes ocasionais, desempregados e indigentes, pessoas sem teto e imigrantes sem documentos, toxicômanos, deficientes e doentes mentais deixados de lado por conta da displicência da rede de proteção de saúde e social, bem como jovens de origem popular, condenados a uma vida feita de empregos marginais e de pequenos ilícitos pela normalização do trabalho do trabalho assalariado precário”. (WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria dos Estados Unidos [a onda punitiva]. Traduzido por Sergio Lamarão. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p.455).

[15] É o caso do art. 135 do Código Penal brasileiro que tipifica a omissão de socorro.

[16] “Como afirmou Mezger, “existem numerosos delitos nos quais não é possível demonstrar a lesão de um direito subjetivo e, no entanto, se lesiona ou se põe em perigo um bem jurídico”. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte Geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.745).

[17] Cifra negra diz respeito aos crimes que não chegam ao conhecimento das agências estatais e ficam imunes ao direito penal, geralmente por não serem as modalidades de crime perseguidas pelos aparatos jurídicos. Nesse sentido, Ranieri Neto: “Sendo indiscutível que o direito penal somente é aplicado aleatoriamente, sendo muito difícil precisar a extensão da chamada “cifra oculta”, faz-se necessário indagar qual seria a forma de criminalidade normal em relação a nossa sociedade capitalista neoliberal, cada vez mais calcada na busca do lucro e incentivo ao consumo”. (NETO, Ranieri Mazzilli. Os caminhos do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p.14).

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[18] ... O conceito de empresário moral foi enunciado sobre observações relativas a outras sociedades, mas na nossa pode ser tanto um comunicador social, após uma audiência, um político em busca de admiradores ou um grupo religioso à procura de notoriedade, quando um chefe de policia à acata de poder ou uma organização que reivindica os direitos da minorias etc. Em qualquer um dos casos, a empresa moral acaba desembocando um fenômeno comunicativo: não importa o que seja feito, mas sim como é comunicado. A reivindicação contra a impunidade dos homicidas, dos estupradores, dos ladrões e dos meninos de rua, dos usuários de drogas etc., não se resolve nunca com a respectiva punição de fato, mas sim com urgentes medidas punitivas que atenuem as reclamações na comunicação ou permitem que o tempo lhes dê a centralidade comunicativa. (ZAFFARONI, E. Raúl; Direito Penal Brasileiro: Primeiro Volume – teoria geral do direito penal. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006. p. 45).

[19] “A seleção não só opera sobre os criminalizados, mas também sobre os vitimizados. Isto corresponde ao fato de que as agências de criminalização secundária, tendo em vista sua escassa capacidade perante a imensidão do programa que discursivamente lhes é recomendado, devem optar pela inatividade ou pela seleção. Como a inatividade acarretaria seu desaparecimento, elas seguem a regra de toda burocracia e procedem à seleção. Este poder corresponde fundamentalmente às agências policiais. De qualquer modo, as agências policiais não selecionam segundo seu critério exclusivo, mas sua atividade neste sentido é também condicionada pelo poder de outras agências: as de comunicação social, as agências políticas etc... A empresa criminalizante é sempre orientada pelos empresários morais, que participam das duas etapas de criminalização; sem um empresário moral as agências politicas não sancionam uma nova lei penal nem tampouco as agencias secundárias selecionam pessoas que antes não selecionavam [...]”. (ZAFFARONI, E. Raúl; Direito Penal Brasileiro: Primeiro Volume – teoria geral do direito penal. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006. p. 45).

[20] Nesse sentido também escreve, Baratta: “Os mecanismos da criminalização secundaria acentuam ainda mais o caráter seletivo do direito penal. No que se refere à seleção dos indivíduos, o paradigma mais eficaz para a sistematização dos dados da observação é o que assume como variável independente a posição ocupada pelos indivíduos na escala social”. (BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e critica do direito penal – introdução à sociologia do direito penal. Traduzido por Juarez Cirino dos Santos; 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 165).

[21] “Vale dizer, a solução dos problemas oriundos da criminalidade é secundária, o principal é reforçar o controle social punitivo, através da veiculação da ideia de que o Estado não se descurou do seu dever de “cuidar” do cidadão, que o pacto social é uma realidade; diante da situação de penúria dos serviços de saúde e educação, do desemprego em larga escala, o Estado procura mostrar-se protetor para com a população fabricado leis penais em larga escala. A criminalidade (que é sem duvida um mal grave) passa a ser o foco das atenções (basta assistir a qualquer telejornal) e, principalmente, e principalmente, a criminalidade torna-se a razão de ser da desordem social e não a consequência (maior ou menor) desta”. (NETO, Ranieri Mazzilli. Os caminhos do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p.31).

[22] “Porque o Direito Penal encerra em si o uso estatal da violência, sua compreensão somente pode ser efetuada através da união de seus elementos técnicos com o seu significado político. Com efeito, a face politica do Direito Penal tão fortemente que ele é apontado como o mais sensível termômetro da feição politica do próprio Estado, isto é, se a violência da pena for aplicada de forma ilimitada, sem resguardar a Dignidade da Pessoa Humana, estaremos diante um Estado arbitrário; de outro lado, se a violência da pena for aplicada dentro de parâmetros de proporcionalidade (legalidade, culpabilidade etc.), de modo que se respeite a dita Dignidade da Pessoa Humana, estar-se-á ante a um Estado Democrático... Deste modo, não se pode desvincular o Direito Penal de um duplo viés: a aplicação e a interpretação constitucional”. (BRANDÃO, Claudio. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.19).

[23] “Os atos mais grosseiros cometidos por pessoas sem acesso positivo à comunicação social acabam sendo divulgados por esta como os únicos delitos e tais pessoas como os únicos delinquentes. A estes últimos é proporcionado um acesso negativo à comunicação social que contribui para criar um estereotipo no imaginário coletivo. Por tratar-se de pessoas desvaloradas, é possível associar-lhes todas as cargas negativas existentes na sociedade sob a forma de preconceitos, o que resulta em fixar uma imagem pública do delinquente com componentes de classes sócias, éticos, etários, de gênero e estéticos. O estereotipo acaba sendo o principal critério seletivo da criminalização secundaria; daí a existência de certas uniformidades da população penitenciária, associada a desvalores estéticos (pessoas feias), que o biologismo criminológico considerou causas de delitos quando, na realidade, eram causas de criminalização embora possam vir a tornarem-se causa do delito quando a pessoa acabe assumindo o papel vinculado ao estereotipo (é o chamado efeito reprodutor da criminalização ou desvio secundário)”. (ZAFFARONI, E. Raúl; Direito Penal Brasileiro: Primeiro Volume – teoria geral do direito penal. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006. p.46).

[24] “Durkheim critica a então incontroversa representação do crime como fenômeno patológico: “se existe um fato cujo caráter patológico parece incontestável, é o crime. Todos os criminólogos estão de acordo sobre este ponto.” Por outro lado, observa Durkheim, encontramos o fenômeno criminal em todo tipo de sociedade: “não existe nenhuma na qual não exista uma criminalidade”. Ainda que suas características qualitativas variem, o delito “aparece estritamente ligados às condições de toda vida coletiva”. Por tal razão, considerar o crime como uma doença social “significaria admitir que a doença não é algo acidental, mas, ao contrario, deriva, em certos casos, da constituição fundamental do ser vivente”. Mas isso reconduziria a confundir a fisiologia da vida social com a sua patologia. O delito faz parte, enquanto elemento funcional, da fisiologia e não da patologia da vida social. Somente as suas formas anormais, por exemplo, no caso de crescimento excessivo, podem ser consideradas como patologias. Portanto, nos limites qualitativos e quantitativos da sua função psicossocial, o delito é não só “um fenômeno inevitável, embora repugnante, devido a irredutível maldade humana”, mas também “uma parte integrante de toda a sociedade sã”. (BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e critica do direito penal – introdução à sociologia do direito penal. Traduzido por Juarez Cirino dos Santos; 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p.60).

[25] “Do ângulo da doutrina podemos chamar à colação a máxima de J.J. Calmon de Passos, que pontifica: “O direito não é uma coisa que gera justiça, o direito é uma coisa que gera ordem”. Portanto, para os adeptos da ideologia da Lei e Ordem, o direito penal é, primordialmente, um instrumento de manutenção da ordem vigente, cuja função precípua é a repressão dos comportamentos que possam afetar o status quo”. (NETO, Ranieri Mazzilli. Os caminhos do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p.21).

[26] “Para o Law and Order a opção pelo crime é estritamente pessoal, trata-se de um desvio individual, o que justifica as concepções retributivo-aflitivas em lugar de medidas preventivas.  A ideia de que a miséria e a pobreza nada têm a ver com a criminalidade faz-se recorrente no movimento de Lei e Ordem. Isso de deve, a nosso sentir, àquela concepção que mistura o direito com a moral e leva os estereótipos do criminoso como a encarnação do mal, como aquele que se desviou do bom caminho. Nesse passo os direitos fundamentais não se aplicariam aos criminosos ou suspeitos... Essa ótica, adotada e defendida com unhas e dentes pelo movimento de Lei e Ordem, nada mais que é do que a ressureição das ideias de Lombroso, com algumas adaptações. Assim é que surgem as categorias do “pobre bom” e do “pobre mau”; o primeiro é aquele que conhece o seu lugar e não sucumbe a tentação do mau caminho (do crime), já o segundo é o que não resistiu ao chamado do crime, é aquele cujo o caráter afinal não era forte”. (NETO, Ranieri Mazzilli. Os caminhos do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p.25).

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Sobre os autores
Herson Alex Santos

Acadêmico de Direito, da Faculdade de Direito (FADIR) da Universidade Federal do Rio Grande-FURG/RS, quinto ano, estagiário do Serviço de Assistência Judiciária Social: [email protected]

Carolina Santana Lopes

Acadêmica de Direito, da Faculdade de Direito (FADIR) da Universidade Federal do Rio Grande-FURG/RS, segundo ano

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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