Assédio moral no ambiente de trabalho: breves considerações

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5. O ASSÉDIO MORAL E SEUS REFLEXOS NA RELAÇÃO DE EMPREGO

5.1. O assédio moral e as consequências previstas na CLT

O assédio moral, além de gerar uma série de responsabilidades para quem o pratica e possibilitar a indenização (como será melhor estudado no item seguinte), traz consequências para a relação de emprego.

A própria Consolidação das Leis do Trabalho prevê, em seu art. 483, alíneas “d” e “e”, a possibilidade de despedida indireta caso o empregador não cumpra com as obrigações constantes do contrato ou pratique contra o empregado ou pessoas de sua família ato lesivo da honra e da boa fama, confira-se:

Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

[...]

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

[...]

Na despedida indireta, a rescisão do contrato de trabalho ocorre em razão de justa causa praticada pelo empregador, gerando, dessa forma, ao empregado direito às verbas rescisórias equivalentes às da dispensa sem justa causa, quais sejam: aviso prévio (art. 487, § 4º, da CLT); férias vencidas e proporcionais com 1/3; décimo terceiro salário vencido e proporcional; saldo salarial referente aos dias trabalhados; indenização de 40% do FGTS; levantamento dos depósitos do FGTS; guias do seguro-desemprego. [9]

Para respaldar o entendimento de que a prática do assédio moral pode levar à despedida indireta, vale transcrever as ementas dos seguintes julgados dos Tribunais Pátrios:

ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. A indenização em decorrência de assédio moral somente pode ser reconhecida quando estiver calcada em provas acerca da conduta abusiva do empregador ou de seu preposto, consubstanciada pela pressão ou agressão psicológica, prolongadas no tempo, que fere a dignidade do trabalhador, bem como acerca do necessário nexo de causalidade entre a conduta violadora e a dor experimentada pela vítima. Na presente hipótese, o contexto probatório produzido demonstrou a prática do assédio moral, porquanto evidenciada a conduta da Reclamada visando desestabilizar emocionalmente a Autora, sujeitando-a a situação constrangedora perante seus colegas de trabalho e até mesmo diante de clientes. Dessa feita, devida a indenização por danos morais. Recurso patronal não provido, no particular. Nego provimento. FIXAÇÃO DO QUANTUM. Considerando as peculiaridades do caso concreto, a extensão e efeitos dos danos causados, a posição sócioeconômica da ofendida, razoável se mostra a redução em 50% da quantia fixada originariamente. Dou parcial provimento. RESCISÃO INDIRETA E VERBAS RESCISÓRIAS. Considerando que a rescisão indireta do contrato de trabalho está fundada em idênticas razões da indenização por assédio moral, reconhecida a conduta faltosa ensejadora da reparação moral pretendida, impõe-se a manutenção da sentença que declarou extinto o contrato de trabalho nos moldes do art. 483 da CLT. Nego provimento. VERBAS RESCISÓRIAS. Reconhecida a rescisão indireta e, partindo da premissa de que esta equivale à dispensa imotivada, devidas as verbas desta modalidade rescisória. Desse modo, considerando a data de admissão da Obreira (11.12.2008), a despedida indireta em 12.03.2010 e, ainda, a projeção do aviso prévio, correta a sentença que deferiu férias proporcionais à razão de 4/12. Contudo, quanto ao 13º salário este é devido na proporção de 3/12 avos, uma vez que mesmo com os trinta dias do aviso prévio, recaiu em fração do mês inferior a 14 dias, ou seja, em 11.04.2010. Assim, devidas na hipótese as seguintes verbas rescisórias: aviso prévio indenizado, saldo de salário de 12 dias, férias proporcionais (4/12) acrescidas de 1/3 e 13º salário proporcional (3/12), bem como a liberação das guias CD/SD para habilitação no seguro desemprego, entrega das guias para levantamento do FGTS e multa de 40%. Dessa feita, dou parcial provimento ao recurso da Reclamada para determinar que o cálculo do 13º salário proporcional seja à razão de 3/12 avos. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. Não caracterizada nenhuma das hipóteses elencadas no artigo 17 do CPC, que possa justificar a ocorrência de litigância de má-fé, indevida é a multa do artigo 18 do CPC. Nego provimento ao apelo, no particular. COMPENSAÇÃO DE DÍVIDAS. Não obstante o art. 368 do Código Civil permitir a compensação de dívidas, na Justiça do Trabalho só é permitido tal procedimento se a dívida for de natureza trabalhista (Súmula 18 do colendo TST). Quanto ao pagamento a maior das comissões, conforme deduzido na sentença, a Reclamada não demonstrou que tais verbas deveriam ser pagas sobre o valor líquido da venda, logo, improcede também a compensação pleiteada. Nego provimento. [Sem grifos no original].

(Tribunal Regional do Trabalho 23 Região, MT, RO 00247.2010.096.23.00-4; Julgado em: 13/04/2011 Publicado em: 14/04/2011 Relator: LEILA CALVO).

ASSÉDIO MORAL COMPROVADO- RESCISÃO INDIRETA - Configura-se a despedida indireta do contrato de trabalho quando o abalo psicológico, decorrente da conduta do empregador, altera substancialmente a vida pessoal e profissional do empregado, incutindo-lhe no espírito terror de tal monta que torna insuportável relação de emprego. [Sem grifos no original].

(TRT-7 - RO: 2045002120085070004 CE 0204500-2120085070004, Relator: ROSA DE LOURDES AZEVEDO BRINGEL, Data de Julgamento: 07/06/2010, TURMA 2, Data de Publicação: 01/07/2010 DEJT).

I. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. Constitui violação a aspecto estruturante do pacto laboral a não concessão de trabalho ao empregado pelo empregador.

II. ASSÉDIO MORAL. INDENIZAÇÃO. Assédio moral é toda violência psicológica sofrida pelo trabalhador, exposto a situações humilhantes e constrangedoras, de forma reiterada, durante certo tempo e no exercício de suas funções. A prática, em regra, objetiva a demissão, por esgotamento, pedida pelo empregado. [Sem grifos no original].

(Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, 7ª Turma, Relator: Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha , PROCESSO: 0154800-32.2004.5.01.0021 – RTOrd, data da decisão: 19 de maio de 2010).

Quando o assédio moral é praticado pelos próprios colegas de trabalho (assédio horizontal), a CLT também estabelece, em seu art. 482, alínea “j”, as consequências para o empregado assediador, no caso, a demissão por justa causa, veja-se:

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

[...]

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

[...]

Embora, no assédio horizontal, a conduta indevida parta de colegas de trabalho, há a possibilidade do empregador também ser responsabilizado, especialmente, quando ciente do constrangimento praticado em desfavor de determinado empregado, nada faz para impedir o assédio e manter a higidez do ambiente laboral.

Em casos assim, há a possibilidade do empregado pleitear a rescisão indireta de seu contrato de trabalho, com direito a receber as mesmas verbas trabalhistas cabíveis no caso de despedida por justa causa. Nesse sentido, vale transcrever a seguinte emente de Acórdão do E. Tribunal Regional do Trabalho – 23ª Região, in verbis:

ASSÉDIO MORAL. OCORRÊNCIA. QUANTUM COMPENSATÓRIO REDUÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA SÚMULA 362 STJ.

1. O assédio moral caracteriza-se pela conduta reiterada de representante da empresa, capaz de violar a moral e a estima do trabalhador, ferindo-lhe o direito da personalidade. In casu a testemunha afirmou ter presenciado ferrenhas e reiteradas discussões entre colegas de trabalho sem que houvesse a necessária intervenção patronal visando zelar pela higidez no ambiente de trabalho. Tal conduta, indene de dúvida, configura assédio moral, ainda que de forma horizontal sendo neste caso passível a responsabilização patronal.

2. No que tange ao quantum compensatório e à correção monetária, reputa-se que os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da vedação ao enriquecimento ilícito são satisfatoriamente preenchidos com a fixação do valor da reparação por danos morais em patamar inferior ao arbitrado na sentença, devendo a parcela sofrer a incidência da correção monetária a partir da publicação desta decisão, nos termos da Súmula 362 do STJ. Recurso da ré parcialmente provido. ASSÉDIO MORAL. CONFIGURADO. RESCISÃO INDIRETA AUTORIZADA. Uma vez confirmados os fatos caracterizadores do assédio moral tem-se por materializada situação suficientemente grave passível de rescisão indireta do contrato de trabalho nos termos do art. 483 da CLT. Recurso da ré não provido. [Sem grifos no original].

(TRT – 23, Recurso Ordinário Trabalhista nº 1184201002223007. Relatora: Desembargadora Beatriz Theodoro. Julgamento: 25/01/2012. Órgão Juglador: 2ª Turma. Publicação: 26/01/2012).

É possível, ainda, que o empregado tenha seu contrato de trabalho rescindido por justa causa quando pratica assédio moral em desfavor do seu empregador ou superior hierárquico (assédio moral vertical ascendente), para tanto aplica-se o disposto no art. 482, alínea “k”, da CLT, in verbis:

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

[...]

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

[...]

Como se vê, ainda que não exista uma legislação ou dispositivo específico a tipificar o assédio moral no trabalho, estabelecendo as consequências trabalhistas para as partes envolvidas, é possível que as condutas entendidas como tal sejam enquadradas naquelas já previstas na CLT.

5.2. O assédio moral e os prejuízos causados ao meio ambiente de trabalho

O assédio moral praticado tanto pelo superior hierárquico quanto pelo empregado desestabiliza o meio ambiente do trabalho, causando prejuízos para a saúde do assediado e também para a produtividade da empresa.

Como salienta Maria Aparecida Alkimin, a produtividade do trabalhador dentro de uma empresa está associada à sua satisfação, assim, é importante o papel das organizações do trabalho, por meio de suas chefias e gerências, na criação de um ambiente que propicie ao trabalhador condições para se desenvolver e produzir, preservando sua autoestima e garantindo-lhe perspectivas profissionais e pessoais (2013, p. 85).

Uma empresa que permite o assédio no seu ambiente de trabalho com certeza não poderá contar com uma força laboral estimulada. O assediado muitas vezes já está com suas forças exauridas e os seus colegas de trabalho não terão a mesma motivação em trabalhar já que temerão ser a próxima vítima dos abusos e agressões.

Marie-France Hirigoyen também destaca as consequências da prática do assédio moral para a empresa, o assediado e até mesmo para a coletividade, confira-se:

Tais práticas têm consequências econômicas não desconhecidas pelo assalariado (perda de renda para as pessoas que ficam desempregadas, despesas médicas não reembolsadas, necessidade de tratamento psicoterápico, despesas com advogado), para a empresa (perda de produção por absenteísmo, mas também pela desmotivação dos outros empregados) e para a coletividade (despesas de saúde por parte do seguro social, hospitalizações, indenizações de desemprego, aposentadorias antecipadas), o que, em se tratando da situação econômica de um país, transforma-se em bilhões. (2012, p. 122).

Após a edição da Lei nº 11.948/2009, as empresas envolvidas com assédio moral possuem ainda outro prejuízo além da diminuição em sua produtividade, uma vez que o art. 4º do citado diploma veda a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES a empresas da iniciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral.

Enfim, para todo lado que se olhe sobejam prejuízos para o trabalhador, o empregador, a empresa e o meio ambiente de trabalho, fazendo do assédio moral uma prática nefasta para a sociedade como um todo.


6. A RESPONSABILIZAÇÃO PELO ASSÉDIO MORAL

6.1. Considerações iniciais

As condutas caracterizadoras do assédio moral trazem para a vítima abalo psicológico, perda de autoestima, distúrbios físicos e mentais, insegurança, pânico, depressão, dentre outras patologias. Além disso, a pessoa assediada, na maioria das vezes, tem que se afastar para tratamento psicológico, ou ainda, diante da pressão sofrida pelo assédio, pede demissão.

Destaca-se, contudo, que todos os prejuízos causados a vítima do assédio moral, além de trazerem consequências para a relação de emprego, são passíveis de responsabilização e indenização. Diante disso, passa-se a analisar a seguir as possíveis responsabilidades a serem apuradas em decorrência da prática do assédio moral.

6.2. A responsabilidade civil

O Código Civil, em seu art. 186, estabelece que aquele que, por ação ou omissão, causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, estará cometendo um ato ilícito. Já o art. 927 do Código Civil prevê que aquele que por ato ilícito causar dano a outrem tem a obrigação de indenizar, confira-se a redação dos citados dispositivos, ipsis litteris:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

[...]

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Como já salientado, o assédio moral, além de causar prejuízos na relação de emprego, também afeta a dignidade e o patrimônio moral do assediado, trazendo-lhe inúmeros infortúnios para sua vida pessoal e social.

Diante disso e considerando os dispositivos legais acima citados, resta indiscutível que o assediador comete um ato ilícito previsto no art. 186 do Código Civil e em razão disso deve responder civilmente pelas indenizações cabíveis.

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Cumpre esclarecer, contudo, que o Código Civil, como regra geral, elegeu o dolo e a culpa como fundamentos para a obrigação de reparar o dano (responsabilidade subjetiva). Desta feita, a demonstração da culpa em sentido lato (que abrange o dolo e a culpa em sentido estrito) deve existir para que ocorra a obrigação de indenizar. Somente nos casos especificados em lei, haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa.

Para respaldar o entendimento da aplicação da responsabilidade civil nos casos de assédio moral, vale transcrever as ementas dos seguintes julgados:

ASSÉDIO MORAL. Na hipótese, restou comprovado o dano moral decorrente do assédio moral vertical e horizontal sofrido pelo reclamante. Caracterizados o ato ilícito e a responsabilidade civil do empregador, em razão da omissão em coibir esse comportamento dos seus empregados, nos temos do art. 186 do Código Civil. [...]. [Sem grifos no original]

(TRT – 4ª Região. RO: 303003220095040732 RS 0030300-32.2009.5.04.0732, Relator: CARMEN GONZALEZ, Data de Julgamento: 30/06/2011, 2ª Vara do Trabalho de Santa Cruz do Sul).

Responsabilidade civil subjetiva. Indenização por danos morais. Assédio moral. Para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva, apta a ensejar a indenização por danos morais, faz-se necessário a presença dos elementos dano, culpa e nexo de causalidade, nos termos dos artigos 186 e 927, todos do Código Civil, requisitos satisfeitos no caso ora analisado. A reclamante comprovou ter sido submetida à situação vexatória e humilhante, com ofensa à dignidade da trabalhadora, por culpa da reclamada. {Sem grifos no original].

(Tribunal Regional do Trabalho – 2ª Região. Décima Primeira Turma. RO: 29899420125020 SP 00029899420125020060. Relatora: WILMA GOMES DA SILVA HERNANDES. Data de Julgamento: 26/11/2013. Data de Publicação: 03/12/2013).

Importante acrescentar, ainda, que o empregador pode ser responsabilizado civilmente por atos ilícitos de seus empregados e prepostos, como expressamente prevê o art. 932, III, do Código Civil, in verbis:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

[...]

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

Nesse caso, a responsabilidade do empregador é objetiva, ou seja, independe de culpa. Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 341, que possui a seguinte redação: “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.[10]

Sobre a responsabilização civil do empregador pelo ato do empregado ou preposto, vale colacionar as ementas dos julgados a seguir:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR - ASSÉDIO MORAL. O assédio moral - caracterizado como espécie do gênero dano moral - está firmemente delineado mediante conduta rigorosa reiterada e pessoal de superior hierárquico dirigida à empregada-recorrida, por um período prolongado, com a finalidade de desestabilizá-lo emocional e profissionalmente. Estão, portanto, os requisitos do art. 927, caput, do Código Civil (responsabilidade subjetiva) em relação ao autor do dano. Nos termos do art. 932 do Código Civil, inciso III e parágrafo único, o empregador, independentemente de culpa, é responsável pelos danos causados pelos seus empregados, "no exercício do trabalho que lhe competir ou em razão dele". Assim, a reclamada-recorrente deve indenizar a recorrida pelo assédio moral. [Sem grifos no original].

(Tribunal Regional Federal – 3ª Região. Décima Turma. RO 0000095-30.2010.5.03.0112. Relatora: Taisa Maria M. de Lima. Data de Publicação: 04/11/2010. DEJT. Página 163.)

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMADO. ASSÉDIO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. Na forma do art. 932, III, do Código Civil, o empregador responde pelos atos praticados pelo superior hierárquico do reclamante, que lhe dispensava tratamento humilhante, caracterizado por xingamentos e por insinuação de furto. Caracterizada a responsabilidade civil do empregador, haja vista a presença de atitude omissiva, a qual configura ato ilícito, eis que atentatório à dignidade do trabalhador, apto a configurar nexo causal com o dano experimentado e, por atribuível ao reclamado, nexo de imputação e culpa. Valor da indenização que se afigura razoável e proporcional. Aplicação dos arts. 186 e 927, caput, do Código Civil. Provimento negado. [...]. [Sem grifos no original].

(Tribunal Regional do Trabalho – 4ª Região. RO: 4291620105040022 RS 0000429-16.2010.5.04.0022. Relatora: ANA ROSA PEREIRA ZAGO SAGRILO. Data de Julgamento: 09/06/2011).

Verifica-se, assim, que aquele que praticar assédio moral pode ser responsabilizado civilmente pelos danos que causar, nos termos do art. 186 c/c art. 927 do Código Civil. Já o empregador pode, inclusive, ser responsabilizado pelo assédio praticado por seu empregado ou preposto, como prevê o art. 932, III, do Código Civil.

6.2.1. O dano moral

A Constituição Federal assegura a indenização por dano moral nos incisos V e X de seu artigo 5º, veja-se:

Art 5º [...]

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Como já salientado, a prática do assédio moral, além e trazer perdas financeiras relacionadas à própria relação e emprego, acarreta prejuízos ao patrimônio imaterial da vítima, ou seja, provoca o dano moral, que é aquele que não tem repercussão na esfera financeira do lesado, mas sim em seus direitos da personalidade. Carlos Roberto Gonçalves, ao tratar do dano moral, traz a seguinte definição:

Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc., como se infere dos arts. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação. (2013, p. 102).

Gustavo Felipe Barbosa Garcia (2013, p. 175) entende que o dano moral decorre do assédio moral. Vólia Bomfim Cassar, de igual modo, defende que a reparação do dano causado por assédio moral segue os mesmos critérios para a reparação do dano moral (2013, p. 919).

Os Tribunais Pátrios também já consolidaram o entendimento que a prática do assédio moral acarreta dano moral, confira-se:

DANO MORAL – ASSÉDIO MORAL CARACTERIZADO – CONFIGURAÇÃO DE LESÃO COM REPERCUSSÃO NA IMAGEM, HONRA, INTIMID A DE E VIDA PRIVADA DO INDIVÍDUO – CF, ART. 5º, X.

1. O dano moral constitui lesão de caráter não material ao denominado patrimônio moral do indivíduo, integrado por direitos da personalidade. Tanto em sede constitucional (CF, art. 5º, -caput- e V, VI, IX, X, XI e XII) quanto em sede infraconstitucional (CC, arts. 11-21), os direitos da personalidade albergam basicamente os direitos à vida, integridade física, liberdade, igualdade, intimidade, vida privada, imagem, honra, segurança e propriedade, que, pelo grau de importância de que se revestem, são tidos como invioláveis.

2. Do rol positivado dos direitos da personalidade, alguns têm caráter preponderantemente material, ainda que não necessariamente mensurável economicamente, e outros possuem caráter preponderantemente não material, entre os quais a Constituição enumera taxativamente a intimidade, vida privada, imagem e honra (CF, art. 5º, X). Assim, o patrimônio moral, ou seja, não material do indivíduo, diz respeito aos bens de natureza espiritual da pessoa. Interpretação mais ampla do que seja dano moral, para albergar, por um lado, todo e qualquer sofrimento psicológico, careceria de base jurídico-positiva (CF, art. 5º, X), e, por outro, para incluir bens de natureza material, como a vida e a integridade física, careceria de base lógica (conceito de patrimônio moral).

3. Por outro lado, além do enquadramento no conceito de dano moral, a lesão deve ser passível de imputação ao empregador. Trata-se do estabelecimento do nexo causal entre lesão e conduta omissiva ou comissiva do empregador, sabendo-se que o direito positivo brasileiro alberga tão-somente a teoria da responsabilidade subjetiva, derivada de culpa ou dolo do agente da lesão (CF, art. 7º, XXVIII).

4. –In casu-, o Regional consignou que a Reclamante, assim como todos os empregados subordinados à senhora Leonice, estava submetida ao tratamento rude e grosseiro e a xingamentos por parte da superiora hierárquica, com o fito de estimular a produção.

5. Conclui-se, portanto, que tal procedimento não se harmoniza com o direito à intimidade e honra a pessoa, pois a utilização de xingamentos afeta a honra, sendo inclusive objeto de proteção por parte do Direito Penal, nos arts. 138 e seguintes do Código Penal, que trata dos crimes contra a honra. Portanto, deve ser reformada a decisão regional e restabelecida a sentença no aspecto. Recurso de revista provido.

(TST. RR 100001220075240005 10000-12.2007.5.24.0005. Relator: Ives Gandra Martins Filho. Julgamento: 15/05/2009. Órgão Julgador: 7ª Turma. Publicação: 15/05/2009).

Enfim, o assédio moral no trabalho, além dos danos provocados ao patrimônio material da vítima (perda do emprego, privação de benefícios trabalhistas, redução do poder aquisitivo) e dos prejuízos causados à saúde e integridade física do assediado, também ofende sua dignidade moral, que, como visto, está sob proteção do ordenamento jurídico pátrio.

6.3. A Responsabilidade Penal

Como visto nas linhas acima, a prática de assédio moral, além de trazer consequências para a relação de emprego, possibilita a responsabilização civil do assediador. Diante disso, muitos indagariam se haveria também a necessidade de uma responsabilização penal. Sobre o assunto, vale transcrever os comentários lançados por Marie-France Hyrigoyen (2012, p. 346), in verbis:

De um modo geral, uma lei é indispensável para mostrar que nossa sociedade se preocupa em não deixar que alguns cidadãos sejam maltratados e a fim de responsabilizar os empregadores, Segundo Sandy Licari: ‘A criação de novas infrações penais não é a panacéia, e a repressão não é sempre a melhor solução para erradicar certos comportamentos. [...] Contudo, a sanção penal demonstra definitivamente que são casos de comportamentos maldosos intoleráveis aos olhos da sociedade.’

Vislumbra-se, assim, que estabelecer sanções penais para os casos de assédio moral não objetiva tão-somente a repressão, mas também demonstra que o Estado está atento a tais condutas e aos prejuízos que ela causa para a organização social como um todo.

Como salientado no item 4.2. do presente estudo, embora tenham sido propostos diversos projetos de lei objetivando tipificar o assédio moral no trabalho e estabelecer as respectivas penas, até o momento no Brasil não existe uma legislação penal específica aprovada sobre o assunto.

A ausência de norma criminal própria, contudo, não impede que a conduta do assediador seja punida, já que ofende bens jurídicos já tutelados pelo Código Penal Brasileiro. Maria Aparecida Alkimin, comentando o assunto, elenca os artigos do Código Penal nos quais a conduta do assediador pode ser enquadrada, veja-se:

Nesse aspecto, a conduta assediante poderá ser enquadrada no tipo penal previsto para os “crimes contra a honra” (difamação, CP, art. 139 e injúria, art. 140), ou no crime de “periclitação da vida e da saúde” (maus tratos, CP, art. 136), ou, ainda, nos “crimes contra liberdade individual” (constrangimento ilegal, art. 146 do CP), ensejando contra o autor do assédio sanção restritiva à liberdade, que independe da responsabilidade civil, que é de natureza pecuniária. (2013, p. 107).

Assim, até que a esperada reprimenda legal do Estado contra o assédio moral do trabalho esteja tipificada em norma específica, é possível que a conduta do assediador seja enquadrada em algum dos dispositivos legais citados acima, já presentes no Código Penal Brasileiro.

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Sobre a autora
Claudia Asato da Silva Penteado

Procuradora da Fazenda Nacional, graduada na Universidade Católica Dom Bosco - UCDB. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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