Reporta-se, aqui, a uma situação que teve início em setembro de 2007, quando a Petrobras anunciou a descoberta de uma colossal nova fronteira de reservas de petróleo, predominantemente no litoral da região sudeste do Brasil. Os volumes de óleo recuperável estimados para essa nova bacia eram tão grandes que levariam o país a ser o detentor de uma das maiores reservas de petróleo e gás do mundo.
Além disso, a área parecia ter riscos exploratórios significativamente menores que o dos blocos já conhecidos até então, com uma rentabilidade bem mais provável. Assim, fez-se necessária uma nova abordagem legal diante dessas áreas. “Arremedos”, como simples modificações das participações legais do governo na exploração, inclusive, não seriam suficientes para o caso, dada a magnitude da nova situação exigida perante a União para esse influxo de riquezas.
Para suprir essas demandas, foram elaboradas e sancionadas três novas leis sobre o assunto.
- Lei 12.276: veio regular a assim chamada “cessão onerosa” em favor da Petrobras em certas áreas do pré-sal, fixando-a no limite de cinco bilhões de barris de petróleo.
- Lei 12.304: que autorizou a criação da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), gestora dos interesses da União nos contratos de partilha e detentora da posição sui generis dentro dos Conselhos Operacionais dos consórcios.
- Lei 12.351/10: que institui um novo tipo de contrato para a exploração de petróleo na região do pré-sal, e que cria um Fundo Social com recursos federais provenientes da exploração da área do pré-sal, e da qual trataremos mais detidamente aqui.
É oportuno aqui lançar olhos rápidos sobre a lei 9.478/97, para entender que aspectos seus tornaram-na inviável à nova situação advinda da descoberta da bacia do pré-sal. Em 1997, ela veio quebrar o monopólio da Petrobras, em favor da competição aberta entre agentes interessados na exploração, sem nenhum benefício legal prévio para a Petrobras, num regime de concessão, onde eles competiriam sob as regras de uma agência reguladora. Criou-se o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), esta ficando encarregada do grosso das decisões regulatórias, e com a condução das licitações das concessões.
É oportuno ter em mente que, nesse cenário, logo depois da emenda constitucional nº 9 – que não destituiu a Petrobras de seu monopólio de atividade, mas permitiu que ela a delegasse para outros interessados e com eles concorresse igualmente – esta empresa era mais parecida com um ente privado concorrente, como todos os outros, do que com um ente público envolvido no processo.
Há muitos que, ao comparar o antigo regime vetado para áreas do pré-sal - a concessão - com o atual regime de celebração de contratos - a partilha de produção - focam nos pontos errados e dão a entender mudanças irrelevantes de uma pra outra. Costuma-se dizer que a principal diferença entre os regimes de partilha e concessão consiste no fato de, em sede da primeira, dever-se pagar ao poder público o recurso in natura e, na outra, dever-se pagar ao poder público em pecúnia, os royalties.
Essa diferença, é, na verdade, das menos relevantes. Se a diferença fosse apenas no objeto concreto de pagamento, nem se justificaria a criação de um novo instituto para regular o acesso de privados ao recurso natural da União. Para se ter uma idéia, antes da lei supracitada, que alterou o panorama do petróleo em 1997, era indiferente à contraprestação se ela fosse paga em dinheiro ou em petróleo. Além disso, ao dizer que o concessionário pagaria uma quantidade de barris à União, olvidar-se-ia o fato de o recurso na natureza já ser de propriedade da União. Uma descrição mais apurada do que ocorre juridicamente diria que a União, em face do trabalho aplicado pelo privado na exploração do recurso, deixa a ele uma parte de seus recursos.
A mudança nevrálgica que justificou a criação de outro regime encontra-se no plano da disciplina total do instituto, que tem ditames causadores de uma participação bem mais robusta do poder público não só no momento da celebração, mas durante toda a vigência do contrato. São exemplos disso a presença compulsória da Petrobras em todos os consórcios, a presença exótica da PPSA nas comissões de gestão, o critério claro de decisão pelas propostas na licitação, etc.
Feitas essas distinções, podemos passar à caracterização da partilha.
Não é descabido iniciar a deslindar os aspectos dessa nova figura ao dizer que a Petrobras aqui assume um papel muito diferente do que assumiu anteriormente. É obrigatório que ela participe de todos os consórcios de exploração do pré-sal que atendam a esse tipo de contrato, seja como contratada única, seja na presença de pessoas jurídicas de direito privado. Nessa segunda hipótese, a estatal estará presente na condição de operadora, que é, in verbis, a “ responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção”.
Os contratados, ao vencerem a licitação, ganham o direito de, por sua conta e risco, i.e. com seus próprios recursos e sem direito (por enquanto) a ressarcimento, pesquisarem a existência de óleo no bloco cujo direito de exploração ganharam. Casa haja a possibilidade de exploração comercial desse recurso, terá ele o direito de produzir petróleo, também por sua conta e risco, incorrendo nos gravames exigidos, como pagamento de royalties e divisão do extra em petróleo. Será ressarcido, porém, nesse caso, dos valores empregados nas fases de pesquisa, avaliação, desenvolvimento, lavra e desativação, bem como dos royalties pagos; terá, é claro, direito sobre a parte do óleo excedente acordada em sua proposta vencedora da licitação.
A União deve exercer funções regulatórias e fiscalizatórias, por meio da ANP, do Ministério das Minas e Energia e do Conselho Nacional de Petróleo, e funções empresariais, por meio da PPSA, no âmbito do Conselho Operacional. do Contrato.
Os blocos a serem licitados em observância à lei 12.351/10 estão nas regiões de pré-sal não concedidas em prévias rodadas de licitação em regime de concessão, ou áreas estratégicas, ainda a serem definidas pelo Executivo.
Conquanto caiba ao Ministério das Minas e Energia definir o aproveitamento das reservas do recurso aqui estudado, a palavra final fica com o Presidente da República, após ouvir a opinião do CNPE. Alegando interesse nacional, este tem direito de aconselhar ao presidente que contrate diretamente a Petrobras, sem licitação; não se definiu claramente, porém, que interesse nacional seria esse, suficiente para suplantar o interesse da União na concorrência geradora da oferta mais lucrativa para ela. Em todo o caso, a empresa estatal terá que ter uma participação mínima de 30%, podendo inclusive disputar o certame em busca de uma fatia maior.
No caso de haver licitação, esta será regida por termos próprios, apartados das indicações dadas pela famigerada lei nº 8666/93. O Edital será elaborado pela ANP, contendo especificações acerca das condições relevantes a serem apresentadas e a serem respeitadas para que se possa entrar na disputa. Ao fim dessa elaboração, o Ministério das Minas e Energia, que já viria supervisionando sua feitura, terá que dar o seu voto positivo a respeito do documento.
Diferentemente da possibilidade de julgamento de alguns aspectos da proposta apresentada ao poder público presente em licitações sob a batuta da lei 8666/93, o critério de decisão permitido pela lei aqui analisada é único: a maior oferta de partilha do excedente em óleo apresentada na proposta para a União.
Há um choque de interesses presente nas partes envolvidas no contrato. A PPSA é uma pessoa jurídica criada para gerir – acompanhar, fiscalizar a realização dos trabalhos do contratado usando-se do fluxo constante de dados cedidos a ela pela Petrobras - os contratos no interesse da União – não sendo, portanto, propriamente a contratante. Esse poder é exercido pela “compulsoriedade” dos contratados formarem com ela um consórcio administrativo, corporificado no Comitê Operacional (que definirá a estratégia de aproveitamento do bloco licitado, aprova os orçamentos das execuções de atividades, etc.). Sem falar, obviamente na tensão mais óbvia entre contratados e contratante (a União). A lei deixa abertas algumas lacunas que serão, decerto, objeto de disputa entre as duas partes, como quando declara que serão ressarcidos royalties, custos e investimentos, mas postula a misteriosa categoria de atividades, por conta e risco do contratado, que não implicarão qualquer obrigação para a União ou contabilização no custo em óleo” (art. 29, inc. X)
A primeira fase do contrato é a da Pesquisa, caracterizada como o conjunto de procedimentos destinados a obter conhecimento geológico da área explorada com vistas a estabelecer sua comercialidade, i.e. a viabilidade econômica de explorar aquela jazida de forma a obter retorno financeiro. É a fase mais arriscada das duas, uma vez que o dinheiro do bônus de assinatura e o investimento na avaliação do terreno, caso não se ache nada, não será revestido em vantagem alguma pro agente privado.
Ao fim desta fase, em não havendo a descoberta dos recursos em quantidade desejada, o contratado tem o direito de extinguir o contrato (que pode, inclusive, desistir do contrato a qualquer tempo e “desmotivadamente”, mediante pagamento da quantia do Programa de Exploração Mínimo ainda não cumprido). No caso de sucesso, porém, passa-se à fase de Exploração.
Esta é definida como o “conjunto de operações e investimentos destinados a viabilizar as atividades de exploração de um campo de petróleo”. Há dúvidas se a época de desinstalação do material usado pelo contratado entraria nessa fase, embora o ressarcimento desses custos não dependa dessa clarificação, tendo em vista o disposto no art. 2º, inc. II da lei.
Em caso de contratados de distintos blocos contíguos estarem explorando a mesma jazida, pode-se tentar o que se chama de “individualização da produção”, para evitar que cada um deles aja predatoriamente no aproveitamento dos recursos naturais em relação ao concorrente vizinho. A principal dificuldade em relação a isso está na ocasião em que os acordantes estão submetidos a regimes jurídicos de exploração distintos (exemplo: o consórcio A explora o campo 1 sob contrato de concessão e o consórcio B explora o campo 2 sob contrato de partilha).
Questão oportuna é a de qual é o porquê dos royalties na lei 12.351/10, uma vez que estes são ressarcidos pela União em caso de sucesso na fase da exploração e produção comerciável. Ora, se a própria definição de royalty é a compensação ao proprietário do exaurimento de seu patrimônio por meio de uma atividade cuja execução foi concedida, o professor Gustavo Kaercher conclui que, no caso dessa figura jurídica, eles só existem para satisfazer o §1º do artigo 20 da Constituição:
§ 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.
Por fim, a exposição dos aspectos mais importantes da lei finda com a consideração do Fundo Social previsto. Este é a concretização do ganho social gerado pela descoberta do pré-sal, para além do óbvio poderio que este representaria só por estar em nosso poder. É desse fundo que sairão as contraprestações sociais dessa exploração.
Ele é alimentado por recursos vindos de uma parcela recebida em nome dos bônus de assinatura, uma parcela dos royalties das áreas exploradas em regime de partilha, a totalidade dos royalties pagos em regime de concessão e toda a participação especial devida à União, devida por quem explora o pré-sal em regime de concessão. Seus objetivos serão constituir uma poupança de longo prazo, acalmar flutuações de presos internas causadas por instabilidades na produção de petróleo e realizar ações de desenvolvimento social em diversas áreas.