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A ação cível ex-delito e os efeitos da sentença condenatória

13/09/2016 às 17:02
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É possível a coexistência de ações penal e cível para apuração do mesmo fato. No entanto, para efeito de reparação do dano, em face da edição de sentença condenatória na ótica criminal, restará prejudicada a ação ajuizada no âmbito cível.

Quando detectada a existência de ilicitude de cunho criminal, surge para a vítima, simultaneamente, o dever de requerer a punição do autor da ação, tanto no âmbito criminal, como no âmbito cível.

Observa-se, pois, que a ação civil ex delito detém por finalidade precípua a reparação ou satisfação do dano produzido pela infração. Nesse diapasão, preveem Fernando Costa Tourinho Filho (2001, p. 182) quais os objetivos corroborados pela reparação cível do dano advindo da prática de uma infração:

[...] A responsabilidade civil, mediante a competente ação que se demanda, comporta três objetivos: a) restituição (devolução da própria coisa); b) ressarcimento (o pagamento do seu equivalente em dinheiro); c) reparação (satisfação de danos não materiais, como nos crimes contra a honra).

Assim sendo, entender-se-á por ação civil ex delito, a obrigação estatuída ao autor do ilícito penal de responder civilmente perante a vítima pelos danos que outrora lhe causara, constituindo-se, portanto, a referida ação no dever de indenizar, nascido em face da propositura de um ilícito sob a ótica penal.

Segundo entendimento corroborado por Fernando Costa Tourinho Filho (2001, p. 179), apesar da ação civil ex delito surgir em face de um ilícito que delineia-se originariamente sob a ótica penal, ambas as ações em comento não se confundem, ante as peculiaridades distintas que dão ensejo as mesmas. Nesse diapasão, preleciona o referido autor:

A ação penal e a actio civilis ex delicto não se confundem: a ação penal tem por escopo realizar o Direito Penal objetivo, isto é, visa à aplicação de uma pena ou medida de segurança ao criminoso; a actio civilis tem por objetivo precípuo e único a satisfação do dano produzido pela infração. [...]

Observa-se, assim, o quão atreladas encontram-se ambas as ações outrora mencionadas, haja vista que a cível surge em face da verificação de existência da ação criminal, assim, segundo dispõe Alexandre Cebrian Araújo Reis e Vítor Eduardo Rios Gonçalves (2009, p. 53): “Para evitar decisões conflitantes sobre esses dois desdobramentos da conduta ilícita, o ordenamento prevê, em uma série de dispositivos, meios de promover a interação entre as duas esferas (cível e penal)”.

Ressalte-se que, ante a vinculação existente entre a ação penal e a cível, vê-se a possibilidade de tramitação simultânea de ambas ações. No entanto, detecta-se que, em face da verificação de uma sentença penal condenatória na ótica criminal, restará prejudicada a ação ajuizada no âmbito cível, haja vista a força vinculante da sentença penal condenatória.

Ao deliberar acerca da interdependência que circunda ação penal e a ação civil ex delito, preleciona Fernando Costa Tourinho Filho (2001, p. 180):

[...] Se a jurisdição é uma, não teria sentido que um dos seus órgãos, apreciando determinado fato, lhe proclamasse a existência e outro órgão a negasse. Tratando-se de crime, o fato gerador das duas responsabilidades é uma só, e, assim, não teria sentido que as ações penal e civil fossem completa e absolutamente independentes, pois haveria a possibilidade de julgados inconciliáveis, que serviriam apenas para desprestigiar a dignidade da Justiça.

Assim sendo, previu o legislador a possibilidade de suspensão do curso do processo delineado no âmbito cível até o julgamento definitivo da ação penal, assim dispondo o art. 64, parágrafo único, do CPP, bem como o art. 265, inciso IV, alínea “a” e § 5º, do CPC, ao prever a possibilidade de suspensão da ação penal pelo lapso temporal máximo equivalente a um ano, tendo por fito evitar que ambos os juízos que têm por origem o mesmo ponto específico, ou seja, o ilícito, de chegarem a decisões contraditórias.

Ao deliberar acerca da sentença penal condenatória na ótica da ação civil ex delito, dispõe o art. 63, do CPP, in verbis:

Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros. [...] (grifo nosso)

Saliente-se, assim, que a sentença penal condenatória transitada em julgado denota força de título executivo judicial, daí não se fazer necessário ao interessado intentar posterior ação de conhecimento na ótica cível para reaver o ressarcimento do dano que outrora lhe fora causado em face da prática de uma infração, haja vista que a sentença proferida no âmbito penal, a teor do disposto no art. 75-N do CPC (de acordo com a Lei n. 11.232/2005), bem como de acordo com o que preleciona o art. 63 do CPP.

Sob esse enfoque, dispõe Fernando Costa Tourinho Filho (2001, p. 187), ao deliberar acerca da força executiva que detém a sentença penal condenatória na ótica cível, disciplinando, ainda, que a sentença delineada na ótica criminal para denotar força executiva nos contornos da ótica cível necessita primeiramente ser liquidada, à medida que a mesma não detém, originariamente, a autorização para uma possível propositura de uma execução forçada, ao estatuir:

Transitada em julgado a sentença penal condenatória, esta valerá, por força de lei, como título certo e ilíquido, em favor do titular do direito à indenização. Sem embargo de ser título executório, dando ao exeqüente a legitimatio ad causam, não autoriza ele a execução forçada, pois a sentença penal condenatória não se refere ao dano sofrido pela vítima, a não ser incidentalmente, como na hipótese de furto, e muito menos, ao quantum debeatur. Assim, não se sabendo o quantum devido, haverá, necessariamente de se proceder, previamente à liquidação da sentença penal condenatória [...].

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Acerca das nuances advindas dos efeitos delineados na ótica cível em face da verificação de uma sentença penal que detenha cunho absolutório, o CPP delibera acerca desta em seus arts. 65, 66 e 67.

O art. 65 do CPP prevê a possibilidade de verificação da coisa julgada na ótica cível quando detectada a existência de sentença penal absolutória que denote a prática de ato delineado em face de alguma das excludentes de ilicitude, quais sejam: quando o ato que der origem à infração for praticado em estado de necessidade, legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou em face do exercício regular de direito.

Vê-se que a matéria infracional acobertada por uma das hipóteses de excludente de ilicitude na ótica criminal não se encontra mais passível de discussão na seara cível.

No entanto, observa-se que o legislador excetuou a referida regra outrora mencionada ao prever a possibilidade de vincular o autor da infração ao dever de indenizar, quando verificada qualquer uma das hipóteses constantes no art. 67 do CPP, que assim aduz:

Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:

I – o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;

II – a decisão que julgar extinta a punibilidade;

III – a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.

Observa-se, pois, que a existência de uma sentença absolutória na seara criminal nem sempre irá eximir o autor de arcar com as responsabilidades que à ele são devidas na ótica cível.

Urge, portanto, destacar outras hipóteses em que, apesar de incidir a existência de uma sentença que detenha caráter absolutório na ótica penal, ainda poderá ser verificada a existência do dever de indenizar no âmbito cível, ressaltando-se as hipóteses estatuídas por Alexandre Cebrian Araújo Reis e Vítor Eduardo Rios Gonçalves (2009, p. 54-55), ao dispor:

[...] Esse regramento, todavia, nem sempre exime o sujeito em favor de quem foi reconhecida a excludente de arcar com indenização, pois, ao contrário do que ocorre na esfera penal, mesmo tendo agido acobertado por tais justificantes, por vezes será o autor obrigado a indenizar. Isso ocorre nas seguintes hipóteses:

a) Se reconhecido o estado de necessidade e o prejudicado não tiver sido o culpado pela situação de perigo, deve o autor indenizá-lo, sem prejuízo de efeito regressivo em face do causador do perigo;

b) Se reconhecida a legítima defesa putativa, a vítima ou seus herdeiros devem ser ressarcidos, uma vez que a pessoa atingida não estava agredindo o agente que, por erro, supôs estar sendo agredido;

c) Se reconhecida a defesa real, mas o autor tiver, por erro de pontaria (aberratio ictus ou aberratio criminis), causado danos a terceiros, deve indenizá-lo.

De acordo com as nuances estabelecidas no art. 67, inciso II, da norma processual penal, alhures mencionado, vê-se quais os efeitos advindos do perdão judicial na ótica da ação civil ex delito, posto que o perdão judicial constitui-se na realidade no ato através do qual o querelante desiste de dar seguimento ao deslinde da ação penal privada, culminando com a desculpa do querelado pela prática da infração penal, o que conduz à extinção da punibilidade na seara penal.

Por tratar-se de hipótese de extinção da punibilidade, conclui-se que a verificação do perdão judicial na ótica penal não obsta a propositura do respectivo ressarcimento deste dano na seara cível, tendo em vista a interpretação do texto legal constante no art. 67, inciso II, do CPP, que prevê que a decisão que versar sobre a extinção da punibilidade não impede a propositura da ação civil acerca da mesma infração.

No entanto, mister faz-se ressaltar algumas nuances oriundas do perdão judicial. Por tratar-se de ato bilateral, só se terá por aceito o perdão judicial quando este vier a ser devidamente aceito pelo querelado, assim, o perdão judicial só será tido como espécie de excludente de ilicitude quando o querelado efetivamente tiver anuído com o mesmo, posto que o referido instituto requer a manifestação de vontade de ambas as partes integrantes no litígio penal, quais sejam, querelante e querelado.

Por fim, outra peculiaridade que circunda o perdão judicial constitui-se na verificação de que o mesmo é instituto exclusivo da ação penal privada.

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Sobre a autora
Semiramys Fernandes Tomé

Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Católica de Quixadá lecionando as disciplinas de de Prática Civil, Direito Penal II, Direito Penal IV, Direito Processual Penal I e Direito Civil VI (Sucessões) desde 2012.2. Docente convidada do Módulo de Direito Penal - Parte Especial do curso de pós-graduação em Direito e Processo Penal em 2014.2 da Faculdade Católica Rainha do Sertão - FCRS. Advogada atuante no Estado do Ceará, inscrita na OAB/CE sob o nº 22.066. É especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Vale do Acaraú- UVA (2010). Possui graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR (2009.1). Possui experiência na área de Direito, com ênfase em Direito e Processo do Trabalho e Direito e Processo Penal. Bolsista Funcap. Membro do grupo de pesquisa Mulheres e Política junto ao CNPQ. É autora de diversos artigos e capítulos de livro sobre temas de significativo relevo na área jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOMÉ, Semiramys Fernandes. A ação cível ex-delito e os efeitos da sentença condenatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4822, 13 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51762. Acesso em: 22 dez. 2024.

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