Guarda compartilhada: aspectos polêmicos

12/09/2016 às 11:56
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O novo ordenamento proporcionou substancial avanço para o Direito das Famílias.Contudo, a lei trouxe consigo aspectos que geram muitas dúvidas, divergências e perplexidades.

Sancionada em dezembro de 2013 a Lei da Guarda Compartilhada (Lei 13.058/2014) teve como principais fundamentos a co-responsabilidade dos pais e o equilíbrio na divisão do tempo de convivência destes com seus filhos.

O novo ordenamento proporcionou substancial avanço para o Direito das Famílias contemporizando-o as novas estruturas familiares, que não mais se limitam as tradicionais famílias nucleares.

A guarda compartilhada passou a ser automática, ressalta o poder familiar dos genitores. Assim, a guarda unilateral, conferida a apenas um dos pais, antes regra agora é exceção que só se aplica aquelas situações de total inaptidão do pai ou da mãe para o exercício do poder familiar, ou quando um deles expressamente não desejar a guarda do filho.

Ao preservar intacto o poder familiar de ambos os pais a lei reafirmou o direito destes na obtenção de informações relevantes sobre a criança inclusive referentes a educação, saúde e endereço de moradia, instituindo multa diária as instituições tanto públicas quanto privadas que se recusarem a fornecê-las.

Previu ainda a possibilidade da interposição da ação de prestação de contas referente ao filho, medida está que até então não se admitia na legislação pátria.

Contudo, a lei trouxe consigo aspectos que geram muitas dúvidas, divergências e perplexidades.

São comuns indagações sobre a guarda compartilhada se confundir com a guarda alternada; possibilidade de alteração da pensão alimentícia fixada em favor do filho caso se altere a guarda unilateral para compartilhada; fim da regulamentação de visita; e acerca das penalidades impostas ao guardião que descumpre cláusula de guarda.

Guarda Compartilhada X Guarda Alternada

A guarda compartilhada em nada se assemelha a guarda alternada. Modalidade está que sequer existe no nosso ordenamento jurídico.

A guarda alternada nada mais é do que um tipo de guarda unilateral, onde cada um dos genitores a exerce por determinado período de tempo, que pode variar de acordo com cada caso: anual, semestral, bimestral, ou outro. No tempo que compete a guarda a cada um dos pais a criança fica sob sua guarda exclusiva passando o outro que não detém a guarda naquele momento a situação de mero visitante.

Por exemplo, restando fixada a guarda alternada pelo período anual, a criança que passou o ano de 2015 com o pai passará o ano de 2016 com a mãe, neste ano que estará com a mãe, o pai irá apenas visita-la não influenciará nas decisões relevantes à criança que serão tomadas exclusivamente pela mãe.

Esse modelo de guarda se mostrou ineficaz já que gera extrema confusão e desconforto para a criança, que se vê de tempos em tempos dividida a realidades formadas por sistemas e regras, muitas vezes, totalmente opostas. Situação, obviamente, que não lhe propicia a consonância necessária para seu desenvolvimento seguro e saudável.

Já na guarda compartilhada o que se tem é a família multinuclear, onde os filhos desfrutam de dois lares com parâmetros em comum, fomentando assim a manutenção dos vínculos afetivos e permitindo que a criança cresça e se desenvolva em um ambiente biopsíquico adequado para tal.

Em suma, o que se alterna na guarda compartilhada são os lares e o tempo de convivência com cada genitor, nunca a modalidade de guarda, a criança embora tenha convivência com os pais em dois lares diferentes não sente uma mudança brusca no seu cotidiano, já que na guarda compartilhada todas as decisões que são relevantes para a sua formação são tomadas em conjunto por ambos os pais.

Pensão Alimentícia

A lei da guarda compartilhada em nada modificou os parâmetros de definição da contribuição alimentícia, isto sequer foi tema tratado na referida lei.

Entretanto, em função da reforma trazida pela nova legislação ao disposto no § 3º, do artigo 1.584 do Código Civil de 2002 que determinou a divisão equilibrada do tempo de convívio da criança com o pai e com a mãe, já não são raras as situações em que o alimentante abusa das ações judiciais buscando rever o valor arbitrado a título de pensão alimentícia, com base unicamente no tempo de permanência do filho com o genitor.

Situação essa que além de servir muito mais ao interesse do adulto do que da criança, ainda reflete uma comum e preexistente violência de gênero. Tentam por meio do processo judicial coagir a mulher a fazer concessões, usando a guarda dos filhos como fator negociável para fixação da pensão alimentícia.

Esquecem que a maior parte dos gastos da criança se dá com mensalidade escolar, material didático, uniformes, plano de saúde, remédios, roupas, calçados, etc. despesas estas que se manterão fixas, independentemente do tempo que o filho passará com ou outro genitor.

Sendo assim, os alimentos na guarda compartilhada em nada difere daqueles destinados aos casos em que ocorre a guarda unilateral. Até mesmo porque no direito brasileiro o dever de prestar alimentos aos filhos decorre do Poder Familiar e não da guarda.

Sendo o critério para fixação do valor dos alimentos estampado no artigo 1.694, § 1º do Código Civil de 2002, onde resta estabelecido que este se dará na proporção das necessidades do filho e na possibilidade dos genitores.

Portanto, na guarda compartilhada os pais continuam sendo os responsáveis pelo provimento das necessidades dos filhos. As condições de cada caso determinarão formas diferentes de se fixar os alimentos.

A legislação nesse quesito é flexível e permite que se ajustem combinações diferentes, de acordo com as peculiaridades apresentadas, para o pagamento da contribuição alimentícia, tais como: divisão dos compromissos, pagamento integralmente in natura; parte in natura e parte em pecúnia para as despesas do dia-a-dia, dentre outras.

O que se almeja é que os pais encontrem um equilíbrio na fixação e na forma de pagamento da pensão alimentícia, deixando de lado desavenças pessoais e priorizando a satisfação das necessidades da criança.

Regulamentação de Visitas

Primeiramente é imprescindível expor que o direito de visita não é um direito pessoal do(a) genitor(a) mas, sim um direito do filho de manter o vínculo com o pai ou com a mãe que não seja seu guardião.

Neste sentido, pode parecer estranho que se estabeleça uma regulamentação de visitas na guarda compartilhada, já que ambos os genitores são guardiões da criança. Entretanto, estabelecer uma rotina de visita é medida que se impõe para organização familiar, a mãe e o pai precisam estabelecer rotinas e sistemas que se compatibilizem, principalmente quando se tratar de criança pequena que não deve ser exposta a mudanças constantes. É importante para seu desenvolvimento saudável que se estabeleça uma rotina estável.

Ademais, fixar a guarda compartilhada não significa dizer que a criança residirá tanto na casa da mãe quanto na casa do pai; tão pouco dividir de forma equilibrada o convívio, significa dividir milimétricamente igual a fração do tempo que a criança passará com o pai e com a mãe.

Flexibilização é a palavra de ordem, deve estar presente para garantir o melhor interesse da criança. É cediço que inexiste um modelo estanque ou efetivamente igualitário de partilha do tempo de convívio, em cada caso sempre estarão presentes circunstâncias particulares que influirão na forma adequada de se estabelecer a convivência familiar.

Rolf Madaleno[1] em sua obra Guarda Compartilhada, ensina que:

“(...) o que há de mais transcendente no compartilhamento de guarda física é estabelecer que nenhum dos genitores deve ocupar o lugar de guardião principal ou secundário, porquanto, ambos devem atuar cooperativamente no interesse comum dos seus filhos, mantendo vivos os laços afetivos e os cuidados recíprocos de maneira quase tão próxima como tencionavam perpetuar enquanto os pais coabitavam, e apenas neste aspecto deve existir igualdade de porcentagens na divisão das obrigações parentais, mantendo o poder de ingerência na esfera pessoal da prole com a adoção equitativa das decisões que afetem diretamente os filhos”.

Assim, o legislador não determina o tempo em que o filho passará com cada genitor, se três dias com um ou quatro com outro, mas sim estabelece que sempre serão consideradas as condições fáticas e os interesses dos filhos (art. 1.583, § 2º, do Código Civil/2002).

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Cabe aos pais estabelecerem de comum acordo, ajustando à realidade particular de cada um as cláusulas de regulamentação das visitas, formas em que deverão ocorrer, períodos, etc. importante é que façam de forma bem detalhada, evitando-se, assim, dúvidas e constrangimentos capazes de ocasionar novas desavenças.

Se os pais forem incapazes de fixarem essas regras o juiz irá fazê-lo, podendo basear-se em orientação técnica de equipe interdisciplinar, afim de conciliar o equilíbrio temporal de convivência de cada genitor com a criança.

É importante que se tenha em mente que a guarda compartilhada põem fim aquela figura do pai “visita” ou do pai “fiscal”, porquanto a responsabilidade pelos filhos é tanto do pai quanto da mãe, estabelecendo uma igualdade parental tão necessária a convivência familiar.

Penalidades Impostas ao Guardião que Descumpre Cláusula de Guarda

Estabelece o artigo 1.584, § 4º do Código Civil que “a alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor”.

O genitor que descumprir o acordo ou determinação judicial poderá sofrer redução de prerrogativas que lhe foram atribuídas, especialmente a redução do número de horas de convivência com o filho.

Causa perplexidade o dispositivo em comento, pois, inquestionavelmente quem será prejudicado com tais medidas é o filho!

Muitas são as situações que ensejam esse “descumprimento” imotivado de cláusula de guarda, tais como: a constituição de nova família, o nascimento ou adoção de outros filhos, mudança de residência para outra localidade, mudança de emprego ou transferência para outro país, dentre outros.

Sendo assim, é evidente que diante de qualquer desses fatores é o filho que estará prejudicado, na contramão de estabelecer medida que monitore o cumprimento das cláusulas estabelecidas em favor dos filhos, o legislador impõe medida que prejudica ainda mais a criança, reduzindo o número de horas de convivência com o genitor infrator, dentre outras.

Desta forma, o real destinatário da penalidade não está sendo atingido, pois, o recurso estabelecido pela nova lei (13.058/2014) não enfrenta a negligência paterna ou materna, pelo contrário coaduna com o interesse do genitor infrator, prevalecendo o interesse deste sob o da criança.

Enfim, a Lei da Guarda Compartilhada não traz nem representa a solução de todos os problemas familiares, mas, entre falsas esperanças e reais expectativas que derivam do contexto desta lei, conserva-se o princípio do superior interesse do menor, já que compartilhar a guarda representa o direito da criança de crescer acompanhada e convivendo com ambos os pais, e é isso que verdadeiramente importa.

[1] MADALENO, Rolf e MADALENO, Rafael. Guarda Compartilhada. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2015.

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Sobre a autora
Grazielle Benedetti Santos

Advogada, OAB/PR 70.731, LL.M (Master of Laws) em direito empresarial aplicado pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, sócia do escritório Grazielle Benedetti Santos Advocacia. E-mail para contato com a autora [email protected]. (41) 3095-1440

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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