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Competência criminal da Justiça Federal

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8. COMPETENCIA NOS CRIMES AMBIENTAIS

             O artigo 26, parágrafo único, do anteprojeto da atual lei penal ambiental, criava uma hipótese a mais de delegação de competência, embasada no art. 109, § 3° da CF, assim como é em casos de tráfico internacional de entorpecentes. No Congresso Nacional, tal dispositivo recebeu nova redação estabelecendo a competência da Justiça Federal para todos os crimes previstos na lei 9.605/98.

             Foi o parágrafo único vetado. O veto presidencial à redação desse parágrafo teve o condão de deixar incólumes os entendimentos relativos à competência para o processo e julgamento dos crimes contra o meio ambiente.

             Baseando-se na Súmula 91 do STJ (Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna), muitos julgados foram proferidos deferindo à Justiça da União Federal a competência para julgar tais crimes. Alegavam, arrimados no teor do art. 1° da Lei 5.197/67, que a fauna seria bem da União. Entendia-se que seria esta a mais preparada para cuidar e proteger estes bens, que assumiriam características nacionais.

             Entretanto, em sessão de 08.11.2000, a Terceira Seção do STJ cancelou tal entendimento sumulado. Justifica-se tal medida, a partir do momento em que se entende que o meio ambiente é bem de uso da coletividade. Não só a União é responsável perante a fauna brasileira.

             Porém, isto não impede que surja a competência da Justiça Federal, no caso da conduta criminosa ter sido praticada em bens da União, como aqueles dispostos no art. 20 da Carta Magna ou "no mar territorial brasileiro, nos lagos e rios pertencentes à União e nas unidades de conservação da União, exsurgindo o interesse direto desta, que exerce a respectiva fiscalização" (38). Assim, na ocorrência de crimes ambientais, a competência da Justiça Federal pode vir a obedecer ao art. 109, IV, da Constituição da República, firmando-se no pressuposto de serem praticados crimes em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, entidades autárquicas e empresas públicas federais. Tem sido esta a consagrada jurisprudência dos Tribunais Superiores.

             Isto é, aplica-se o raciocínio de que competirá à Justiça Estadual o processo e o julgamento das ações criminais e cíveis envolvendo o meio ambiente, quando não se configurar lesão a bem, serviços ou interesse da União ou de suas autarquias e empresas públicas.

             No mérito desta argumentação, é certo que a proteção ao meio ambiente é matéria disciplinada pela Constituição Federal, que atribui dever à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, concorrentemente, sua preservação e proteção (39). Não houve definição exclusiva de competência em razão desta matéria, a favor de algum dos entes federativos.

             Entretanto, hodiernamente, várias decisões judiciais, inclusive do STF, têm olvidado do interesse direto de autarquia federal, o IBAMA. Um dos pretextos utilizados é o fato da Mata Atlântica, assim como outros patrimônios nacionais (art. 225, §4°, CF) não ser propriedade da União. Outro é a inexistência de interesse direto e específico da autarquia federal nos casos do art. 46 da Lei de Crimes Ambientais. Pensamos ser esta argumentação falaciosa.

             Certo é que a proteção à Mata Atlântica e equiparados é de supremo interesse também dos Estados e dos Municípios. Os patrimônios nacionais do art. 225 da Carta Magna não devem ser estudados através do conceito patrimonial estrito de bens da União, o que afastaria, em tese, da competência da Justiça Federal as causas a eles relacionados.

             No entanto, essa interpretação, no que tange especificamente à Mata Atlântica, não parece ser a mais correta, eis que, à evidência, há o interesse direto da União, por estar sendo atingido diretamente o serviço de uma autarquia federal.

             A Lei 6.938/81, da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 17-B, instituiu Taxa destinada a custear o regular poder de polícia conferido ao IBAMA. Eis o dispositivo:

             "Art. 17-B. Fica instituída a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais."

             E, para viabilizar a realização prática destes atos de poder de polícia, com efeito, instituiu-se, através da Portaria IBAMA 44-N/93, a Autorização de Transporte para Produtos Florestais – ATPF, a ser emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais – IBAMA. Trazemos à colação seu art. 1º, e §1°:

             "Art. 1º - A ATPF, conforme modelo apresentado no anexo I da presente Portaria, representa a licença indispensável para o transporte de produto florestal de origem nativa, inclusive o carvão vegetal nativo. § 1º - Entende-se por produto florestal aquele que se encontra no seu estado bruto ou in natura, abaixo relacionado: a) madeira em toras; b) toretes; c) postes não imunizados; d) escoramentos; e) palanques roliços; f) dormentes nas fases de extração/fornecimento; g) mourões ou moirões; h) achas e lascas; i) pranchões desdobrados com moto-serra; j) lenha; l) palmito; m) xaxim; n) óleos essenciais. o) bloco ou filé, tora em formato poligonal, obtida a partir da retirada de costaneiras." (grifo nosso)

             Vejamos o que nos diz o art. 2º da Lei 7.735/89, legislação criadora do IBAMA:

             "Art. 2º. É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, entidade autárquica de regime especial, dotada de personalidade jurídica de direito público, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de executar as políticas nacionais de meio ambiente referentes às atribuições federais permanentes relativas à preservação, à conservação e ao uso sustentável dos recursos ambientais e sua fiscalização e controle, bem como apoiar o Ministério do Meio Ambiente na execução das ações supletivas da União, de conformidade com a legislação em vigor e as diretrizes daquele Ministério."

             Portanto, paralelamente, tem também o IBAMA, como autarquia federal e órgão executor das diretrizes da política nacional para proteção do meio ambiente e recursos ambientais, o encargo de fiscalizar pessoas físicas ou jurídicas quanto ao cumprimento do comando legal que estabelece a imprescindibilidade de licença válida para o transporte de madeira e de outros produtos vegetais, autuando o infrator quando for o caso, inclusive executando-o judicialmente e representando-o à autoridade competente para fins penais, tudo isso como executor da política nacional do meio ambiente em todas as suas etapas.

             Por vezes, ocorre que o fato ensejador da persecução penal é justamente a autuação de cidadãos por parte do IBAMA, em razão do transporte de madeira proveniente da Mata Atlântica, sem a expedição da devida licença – ATPF.

             Em assim sendo, é evidente que a ausência da Autorização, mencionada no art. 46 da Lei 9.605/98 (40), necessária ao transporte de madeira, configura infração penal em detrimento de serviços (expedição de ATPF) ou interesses (exercício do poder de polícia) do IBAMA, o que atrai a competência da Justiça Federal, indubitavelmente, para o julgamento destes casos.


9. COMPETENCIA NOS CRIMES PRATICADOS POR SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL OU CONTRA SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL

             Nestes crimes, parte-se da premissa de que são infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, como dispõe o art. 109, inciso IV, da CF.

             Primeiramente, podem ser praticados contra o servidor federal, no exercício de sua função ou em razão de sua investidura. Portanto, para firmar a competência da Justiça Federal nestes casos, não importando o autor da conduta criminosa, a jurisprudência pacificou o entendimento de que necessários são dois requisitos: 1) o delito deve ser praticado contra servidor público federal no exercício de suas funções; e 2) deve ter relações com as funções exercidas pelo mesmo.

             Estas foram as conclusões extraídas das Súmulas 98 do extinto TFR: "Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra servidor público federal, no exercício de suas funções e com estas relacionadas", e 147 do colendo STJ: "Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função".

             Entretanto, impende observar que se o servidor estiver a serviço de ente que não seja federal a competência será da Justiça Comum Estadual. Dois julgados excelentes são trazidos por Vladimir Souza Carvalho:

             "Se o delegado não se encontrava no exercício de suas funções de polícia judiciária federal, mas em apuração de crime sujeito à competência originária do eg. TJ do Estado da Paraíba, não há infração contra bem, serviço ou interesse da União Federal (Juiz Nelson Gomes da Silva, AC 90.01.14629-5-MT, DJU-II 25.11.91, p. 29.777; Min. Carlos Madeira, HC 6.466-CE, DJU 27.06.85, p. 10.500, RC 2-PB, DJU-I 21.02.92, p. 3.510)

             (...)

             Da mesma forma o crime de resistência perpetrado contra agentes da polícia federal quando executavam mandado de captura expedido por magistrado estadual, pois os executores não atuavam no exercício de sua função própria, mas como órgão auxiliar do juízo penal (Min. Torreão Braz, RC 592-RJ, DJU 07.05.81, p. 4.056 (41). "

             Por outro lado, crimes podem ser praticados por servidor federal, como delegados, peritos e agentes da Polícia Federal, no exercício de suas funções, o que impõe a competência da Justiça Federal, em nome do zelo pelo bom conceito de que deve gozar o serviço público federal na sociedade. Os requisitos para configurar a competência da Justiça Federal são os mesmos utilizados para casos de crimes contra servidores federais: 1) o delito deve ser praticado por servidor público federal no exercício de suas funções; e 2) deve ter relações com as funções exercidas pelo mesmo.

             Tal entendimento pacificou-se, através da Súmula 254 do TFR, in verbis: "Compete à Justiça Federal processar e julgar os delitos praticados por funcionário público federal, no exercício de suas funções e com estas relacionadas".

             No caso do servidor federal não estar em serviço, ou estar em serviço a outro ente federativo, a competência não será da Justiça Federal. Enfim, "a simples condição de funcionário público federal não confere ao agente a faculdade de ver-se processado e julgado em foro federal. (42)"

             Quando ocorrer a circunstância de outrem praticar conduta delituosa passando-se por servidor público federal, ver-se-á se tal falsidade é fator determinante para o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Entendemos que muito dificilmente não será posta em julgamento a credibilidade do Serviço Público Federal, quando da prática de atos criminosos por indivíduos que se arrimam numa falsa identidade de servidor público federal. Imagine-se o caso de existirem estelionatários se passando por policiais federais! Porém, a jurisprudência recomenda que, no caso concreto, o juiz deverá aquilatar o falso ideológico para determinar se o mesmo foi capaz de afetar bens, serviços ou interesses da União e seus entes.

             Seja ressaltado, por sua via, que será da competência do júri federal o julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por ou contra servidores públicos ou agentes da administração quando, no exercício da função estatal, suas ações refletirem no interesse da União e entes autárquicos federais (CF, art. 5º XXXVIII, b; art. 109, IV e art. 37, § 6º).

             E, por fim, não esqueçamos do amplíssimo conceito de servidor público trazido pelo Código Penal, em seu art. 327:

             "Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

             § 1º

- Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Parágrafo único renumerado pela Lei nº 6.799, de 23.6.1980 e alterado pela Lei nº 9.983, de 14.7.2000).

             § 2º

- A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 6.799, de 23.6.1980)".

10. COMPETENCIA PARA OS CRIMES PREVISTOS EM TRATADOS INTERNACIONAIS

             Alguns requisitos se fazem necessários para a fixação da competência, nestes casos de crimes previstos em tratados internacionais, inseridos no comando constitucional do art. 109, inc. V, da CF. Não basta a ocorrência de conduta criminosa prevista em tratado ou convenção internacional. Deve restar demonstrado um nexo de internacionalidade na conduta combatida. Este não existindo, a competência será da Justiça Estadual.

             Este nexo é representado pela exigência de que o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, embora a execução tenha se iniciado no Brasil, ou o contrário: o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no Brasil, embora a execução tenha se iniciado além de nossas fronteiras.

             Como a União detém a exclusividade constitucional para manter relações com Estados estrangeiros e com eles celebrar tratados e convenções (43), se nos mostram nítidas as razões pelas quais se afetaram tais causas à Justiça Federal.

             Aristides Alvarenga Junqueira, ex-Procurador Geral da República, bem assevera: "... tendo o fato conotação internacional, a União, como pessoa jurídica de Direito Público externo, signatária de tratado ou convenção, juntamente com outros Estados estrangeiros, tem interesse particular, específico e direto em honrar o compromisso de punir determinados crimes (44)".

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             Ressaltemos que o crime praticado pode ser qualquer um entre os que já estejam previstos na legislação penal comum ou especial. O tratado ou a convenção internacional apenas estabelecerá uma comunhão de esforços entre as nações que o firmam, no sentido de combater determinadas espécies delituosas.

             Após a verificação da existência desta prévia comunhão de esforços, é que serão perquiridos pelos nexos de internacionalidade na conduta criminosa. Somente após a verificação destes dois pressupostos é que poderemos firmar a competência da Justiça Federal.

             Entre os crimes que têm previsão nos instrumentos de direito internacional estão os exemplos citados adiante, sobre os quais teceremos breves comentários.

             10.1 O crime de guarda de moeda falsa (Convenção Internacional para a Repressão da Moeda Falsa, aprovada pelo Decreto-Lei 411/38 e promulgada pelo Decreto 3.074, de 14.09.38);

             Remetemos o caro leitor aos apontamentos colacionados no início do item 7.4 deste trabalho, acerca do delito de moeda falsa, reafirmando que, no caso da competência da Justiça Federal se firmar pelo art. 109, V, deverá ser acrescido o requisito do nexo de internacionalidade da conduta criminosa. Assim, de qualquer forma, o delito de moeda falsa será da competência da Justiça Federal, exceto quando a falsificação for grosseira, consoante entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça.

             10.2 O crime de tráfico internacional de entorpecentes (Convenção única sobre entorpecentes, de 1961, promulgada pelo Decreto 54.216/64 e a Convenção sobre as substâncias psicotrópicas de Viena, de 1971, promulgada pelo Decreto 79.388/77);

             Lembremos a hipótese de delegação de competência da Justiça Federal à Justiça Estadual, tratada pelo art. 27 da Lei 6.368/76. As circunstâncias ensejadoras do nexo de internacionalidade, a serem trabalhadas na denúncia, é que dirão se a competência é da Justiça Federal. A conduta típica deverá estar integrada à rede de atos criminosos do comércio ilegal de substâncias entorpecentes, não sendo necessário, todavia, um acervo probatório vasto, mas sim indícios veementes da internacionalidade da conduta. Impende observar que também não será necessária a junção de esforços de aparatos policiais de países diferentes, em torno da conduta criminosa, para que se declare competente a JF.

             Entretanto, a competência da Justiça Federal é controversa, quando há desclassificação do delito de tráfico internacional para tráfico interno. As posições mais acertadas se encontram nos TRF’s, que em alguns julgados, contrariando posição do STJ, e assentados no art. 81 do CPP, determinam que a competência deve permanecer com a Justiça Federal, mesmo diante da desclassificação do delito para área de jurisdição que não seja sua. Embora estes julgados tenham se utilizado de dispositivo tratante de conexão e continência, certo é que o STF, sedimentando o debate, manteve a competência da Justiça Federal, "sob o argumento de que a absolvição pelo crime que motivou a conexão não implica no deslocamento do processo para a Justiça do Estado, exatamente pela aplicação do art. 81 do Código de Processo Penal" (45).

             Entendemos ser possível utilizar analogicamente o princípio da perpetuação da competência, insculpido no art. 87 do CPC, em conjunto com o art. 81 do CPP, no interesse de que permaneçam afetos à Justiça Federal os processos relacionados a tráfico internacional que sejam desclassificados para tráfico interno de entorpecentes.

             10.3 O crime contra as populações indígenas (Convenção n° 107, sobre a proteção e integração das populações indígenas e outras populações tribais e semitribais de países independentes, aprovada pelo Decreto 58.824, de 14.07.66);

             Conforme se depreende de seu art. 109, inc. XI, a Constituição pôs no rol de matérias afetas à União e à subseqüente competência da Justiça Federal questões relacionadas a disputas sobre direitos indígenas, como as atinentes a direitos reais, à posse, ocupação, exploração, invasão e temas afins da terra indígena.

             A Lei 6.001/73, o Estatuto do Índio, anterior à CF vigente, já desta forma tratava a matéria. Basta observar o que dispunha o seu art. 36, in verbis:

             "Art. 36. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, compete à União adotar as medidas administrativas ou propor, por intermédio do Ministério Público Federal, as medidas judiciais adequadas à proteção da posse dos silvícolas sobre as terras que habitem.

             Parágrafo único. Quando as medidas judiciais previstas neste artigo forem propostas pelo órgão federal de assistência, ou contra ele, a União será litisconsorte ativa ou passiva."

             Com isso, a jurisprudência já há muito tempo atribuía a competência para assuntos de interesse de comunidades indígenas à Justiça Federal. A Nova Ordem, estatuída com o advento da Constituição de 1988, inovou ao considerar como bens da União não só as terras ocupadas pelos indígenas como aquelas que eram tradicionalmente ocupadas por estes, atribuindo a competência para dirimir questões acerca destas terras e de direitos a elas correlatos à Justiça Federal, ante o peremptório interesse da União na matéria. A Carta Magna visava, então, proporcionar às famílias indígenas o bem-estar e as condições necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, procurando mantê-las em um ambiente que, por tradição, foi de seus antepassados – algo que é tratado com muito respeito e devoção pessoal por estas comunidades.

             De toda forma, esta tormentosa concepção social e antropológica do que sejam terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas certamente necessita de uma Justiça especializada na busca da resolução dos conflitos social delas decorrentes, o que mostra a importância, a amplitude e o inarredável incremento da competência da Justiça Federal na matéria em estudo.

             Assim, faz se mister afirmar que a competência da Justiça Federal não deve abarcar crimes comuns, praticados ou sofridos pelo indígena, que não possuam ligação com os direitos tradicionais dos indígenas, trabalhados de modo percuciente pelo Constituinte no art. 231 da CF, e que devem ser protegidos eficientemente pela União.

             Por esse motivo, ainda que de uma forma incompleta, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento, editando a Súmula 140, afirmando que: "Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima". Entretanto, excetuam-se aqueles crimes que estejam relacionados à situações de disputas de bens e direitos indígenas, que envolvam a comunidade em que vive o sujeito ativo ou passivo do crime, praticados ou não no interior da aldeia ou da reserva indígena. Isto deflui da compreensão do Decreto 58.824/66 (46) c.c. o art. 109, inc. V, da CF. Neste sentido, já há decisão do Pretório Excelso, da lavra do Min. Marco Aurélio, onde diz que: "A competência para julgar a ação penal em que imputada a figura do genocídio, praticado contra indígenas na disputa de terras, é da Justiça Federal. Na norma definidora da competência desta para demanda em que envolvidos direitos indígenas, inclui-se a hipótese concernente ao direito maior, ou seja, à própria vida." (47). Outras causas já foram decididas neste caminho: RREE 192.473-RR (DJU de 29.8.97) e HC 71.835-MS (DJU de 22.11.96). Outra decisão bastante profícua foi proferida pelo Min. Néri da Silveira, em ação acerca de crimes de abuso de autoridade e lesões corporais praticadas por policiais militares, pugnou pela competência da Justiça Federal, sob a alegação de atentado a serviço de interesse da União na pessoa de ente da sua Administração Indireta, FUNAI. Leia-se:

             "A Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal para, reformando acórdão do TRF da 1ª Região, afirmar a competência da justiça federal para julgar crimes de abuso de autoridade e de lesões corporais praticados por policiais militares contra silvícola, no interior de reserva indígena. Considerou-se que o caso se enquadra no art. 109, IV e XI, da CF ("Aos juízes federais compete processar e julgar:... IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;... XI - a disputa sobre direitos indígenas."), porquanto configurado o atentado ao serviço da União de proteção ao índio, sendo os delitos cometidos por policiais que, em princípio, deveriam prestar assistência à comunidade indígena. Determinou-se a remessa dos autos à Seção Judiciária do Estado de Roraima. Precedente citado: RECr 192.473-RR (DJU de 29.8.97). RECr 206.608-RR, rel. Min. Néri da Silveira, 11.5.99."

             Assim, concluímos que a competência para julgamento de delitos cometidos contra indígenas, quando não possuírem o necessário nexo de internacionalidade do art. 109, V, da CF, poderá ser também da Justiça Federal, de acordo com o art. 109, incisos IV e XI, em nome dos direitos dos mesmos, que devem ser protegidos pela União.

             10.4 O crime de tráfico de mulheres (Convenção para Repressão ao Tráfico de Mulheres e Crianças de Lake Sucess, Estados Unidos, 1947, aprovada pelo Decreto Legislativo 7/50) e o envio ilegal e tráfico de menores (Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pelo Decreto Legislativo 28/90 e promulgada pelo Decreto 99.710/90);

             O crime de envio ilegal e tráfico de menores vem delineado pelo art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente, com recentíssimas modificações:

             "Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro:

             Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.

             Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude: (Incluído pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)

             Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência."

             Da compreensão deste tipo penal, percebe-se que ele pune o criminoso haja ou não o intuito lucrativo. Quando existir um processo de adoção internacional que não observe as formalidades legais do art. 52 do ECA, mesmo não havendo o intuito fraudulento ou lucrativo, e ainda assim o interessado auxilie ou promova o envio irregular de menor para o exterior, estará ele cometendo o crime em estudo, e o julgamento deverá ser da competência da JF. Mas, na maioria das vezes, ocorre o intuito lucrativo neste envio ilegal, ou então ocorre o emprego de violência, ameaça ou fraude. É nestas situações que se vivencia o tráfico de menores. Ficamos com a assertiva de Damásio de Jesus, quando afirma que: "o tráfico envolve a movimentação de crianças de seu local de moradia para um novo local e, consequentemente, sua exploração em algum estágio deste processo. É a combinação entre a movimentação e a exploração que caracteriza o tráfico, não importando o momento em que ocorre a exploração e qual o tipo de exploração a que a criança é submetida. O tráfico é um ato de violência, mas a violência per se nem sempre é empregada, pois, em alguns casos, os traficantes tiram vantagem da vulnerabilidade das pessoas que passam por uma situação desfavorável, que não lhes permite fazer escolhas, por exemplo, imigrantes ilegais (48)".

             Portanto, irregularidades como uma adoção internacional que não obedeça as formalidades legais; ou práticas outras como adoção internacional fraudulenta, tráfico de menores para execução de trabalhos forçados ou para turismo sexual, prostituição infantil ou exploração sexual, devem ser combatidas, indubitavelmente, pelo aparato judiciário da União.

             Por sua vez, o crime de tráfico de mulheres, em uma de suas facetas, está descrito em nosso Código Penal, art. 231:

             "Art. 231 - Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro:

             Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

             § 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227:

             Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

             § 2º - Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.

             § 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa."

             Insta observar, ab initio, que o consentimento da mulher traficada é irrelevante para a consumação do delito, devendo ser ela tratada como vítima, mesmo que tenha consentido na movimentação de um país a outro. O tráfico de mulheres, bem como o tráfico de menores, devem estar inseridos dentro de um contexto mundial de combate ao tráfico de pessoas. Neste sentido, devemos nos reportar ao Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente mulheres e crianças, que veio a complementar a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em meados de novembro de 2000. Assim trata a matéria, seu art. 3°:

             "a) Tráfico de pessoas deve significar o recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração. Exploração inclui, no mínimo, a exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas análogas à escravidão, servidão ou a remoção de órgãos;

             b) O consentimento de uma vítima de tráfico de pessoas para a desejada exploração definida no subparágrafo (a) deste artigo deve ser irrelevante onde qualquer um dos meios definidos no subparágrafo (a) tenham sido usados;

             c) O recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de uma criança para fins de exploração devem ser considerados "tráfico de pessoas" mesmo que não envolvam nenhum dos meios definidos no subparágrafo (a) deste artigo;

             d) "Criança" deve significar qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade."

             Dissemos, supra, ser o art. 231 do CP uma das facetas do tráfico de mulheres, em vista do grave problema observado com o anacronismo desta disposição do Código Penal. Ela só tipifica o tráfico de mulheres quando destinado à prostituição, o que não se coaduna com a atualidade. O tráfico de mulheres, com o fito de se estabelecer a competência da Justiça Federal para seu julgamento, deve ser entendido em sentido lato. Ipso facto, referindo-se à disposição protocolar supracitada, bem comenta o professor Damásio de Jesus: "Essa definição ampla tem, portanto, algumas qualidades incontestáveis. Ela procura, em primeiro lugar, garantir que as vítimas do tráfico não sejam tratadas como criminosas, mas sim como pessoas que sofreram sérios abusos. Nesse sentido, devem ser criados (...) serviços de assistência e mecanismos de denúncia. Em segundo, coloca em destaque o tráfico de crianças e o considera um capítulo à parte, dentro do enfoque dado pela Convenção sobre os Direitos da Criança e seus Protocolos opcionais. Em terceiro, enfoca o trabalho forçado e outras práticas similares à escravidão e não se restringe à prostituição ou à exploração sexual. De fato, tudo revela que o tráfico engloba a prostituição ou outro tipo de trabalho sexual, trabalho forçado, casamento forçado, adoção ilegal ou outra relação privada" (49).

             Assim, a competência da Justiça Federal deverá se firmar sempre que ocorrer o tráfico ou o envio ilegal de menores, seja qual for a finalidade; e o tráfico de mulheres em qualquer de suas modalidades, isto é, mesmo que não seja para fins de prostituição, como nos casos de mulheres traficadas para tráfico de órgãos ou para trabalho forçado ou escravo.

             10.6 O crime de tortura (Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, aprovada pelo Decreto Legislativo n°. 4, de 23.05.1989);

             Apesar do Brasil ter aderido a vários acordos e convenções internacionais que combatem os crimes contra os direitos humanos, como o é a tortura, a luta contra esta, na prática, deixa bastante a desejar. Constante é a violação de direitos humanos em nossa pátria. A realidade é de um diário clima de insegurança, e uma inaceitável sensação – principalmente nas camadas mais pobres da sociedade -, de ignorância daqueles em quem deveremos confiar. Isto, indubitavelmente, provoca indignações nas nações com as quais travamos relações internacionais e que possuem sistemas de direitos humanos consolidados.

             A jurisprudência, infelizmente, tem ido neste sentido: quando a tortura não possuir o aspecto de internacionalidade que exige o inciso V do art. 109, a persecução criminal e o julgamento de delitos desta espécie estarão afetos ã Justiça dos Estados federados, consoante vem decidindo, inclusive, o Pretório Excelso. Como exemplo, leia-se a respeito, o HC 70389, julgado em 23.06.94:

             E m e n t a: Tortura contra criança ou adolescente - Existência jurídica desse crime no direito penal positivo brasileiro - Necessidade de sua repressão - Convenções internacionais subscritas pelo Brasil - Previsão típica constante do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90, art. 233) - Confirmação da constitucionalidade dessa norma de tipificação penal - Delito imputado a policiais militares - Infração penal que não se qualifica como crime militar - Competência da justiça comum do Estado-membro (...)"

             Com essa postura adotada pelos tribunais, vê-se que o Brasil, embora substancialmente tenha procurado se alinhar àqueles países combatentes da tortura, descurou em relação a propiciar meios processuais capazes de extirpar tal mal de nossas vistas.

             É cediço o fato de que os Estados de nossa nação, por razões culturais, econômicas, históricas e sociais, que se prolongam há dezenas de anos, distanciaram-se de uma atuação profícua em defesa dos direitos humanos, mormente quando dissecamos os aparatos policiais estaduais. Desta forma, entendemos, junto à imensa maioria da doutrina nacional, que os crimes contra os direitos humanos, incluindo-se a tortura, deveriam ser julgados pela Justiça Federal. Esta mudança se faz mister diante da maior isenção política e abrangência nacional que possui a Justiça Federal e o correlato Ministério Público Federal, isenção que não se vem observando com a obrigatoriedade necessária no aparelhamento judiciário estadual.

             A bem da verdade, violações a direitos humanos, em nosso entendimento, podem configurar crimes praticados em detrimento de interesse direto da União, o que permitirá concluir pela competência da Justiça Federal, sob o art. 109, inc. IV, da CF. Basta ver que é a União a responsável pelo descumprimento de tratados internacionais de direitos humanos, como a convenção que instituiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem a responsabilidade de interpretar e aplicar os preceitos do Pacto de San Jose da Costa Rica, acatado pelo Brasil; e de investigar e julgar casos de supostas violações de direitos humanos consagrados em convenções do gênero, que venham a ocorrer em nosso território. Nestes casos, havendo condenação, por violações a estes consagrados direitos humanos, arcará a União (e não os Estados federados) com indenização pelos danos morais e materiais que a vítima ou a família da vítima venha a sofrer, demonstrando então que a mesma possui interesse direto e específico sobre lides criminais que versem sobre este tema. Superada estaria qualquer conclusão pela competência da Justiça Comum Estadual para o julgamento de crimes praticados em detrimento dos direitos humanos, como é a tortura. Pressuposta e certa é a incoerência do ordenamento jurídico pátrio ao remeter à Justiça Estadual o julgamento dos crimes de tortura quando praticados sem o citado nexo de internacionalidade. Esperamos seja aprovada a proposta da Reforma do Judiciário, ainda neste exercício de 2004, no tocante à criação de mais um inciso no art. 109 da CF, propiciando a federalização do julgamento dos crimes contra os direitos humanos.

             Pensamos, inelutavelmente, com Flávia Piovesan, que "considerando que estas hipóteses estão tuteladas em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, é a União que tem a responsabilidade internacional em caso de sua violação. Vale dizer, é sob a pessoa da União que recairá a responsabilidade internacional decorrente da violação de dispositivos internacionais que se comprometeu juridicamente a cumprir. Todavia, paradoxalmente, em face da sistemática vigente, a União, ao mesmo tempo em que detém a responsabilidade internacional, não detém a responsabilidade nacional, já que não dispõe da competência de investigar, processar e punir a violação, pela qual internacionalmente estará convocada a responder" (50).

             10.7 O crime de pornografia infantil e pedofilia (Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pelo Decreto Legislativo 28/90 e promulgada pelo Decreto 99.710/90).

             Ressalte-se que, através do art. 34 do Decreto 99.710/90, o Brasil se predispôs com a comunidade internacional a tomar todas as medidas que se façam necessárias para impedir a prática de delitos deste porte. Assim, presente a internacionalidade de condutas de pedofilia e pornografia infantil digitais (o que ocorre na maioria dos casos), competente para o julgamento destes crimes é a Justiça Federal.

             Uma das medidas foi o art. 241 da Lei 8.069/90, recentemente modificado, tratando deste odioso crime:

             "Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente: (Redação dada pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)

             Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

             § 1o Incorre na mesma pena quem: (Incluído pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)

             I - agencia, autoriza, facilita ou, de qualquer modo, intermedeia a participação de criança ou adolescente em produção referida neste artigo;

             II - assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo;

             III - assegura, por qualquer meio, o acesso, na rede mundial de computadores ou internet, das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo.

             § 2o A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos: (Incluído pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)

             I - se o agente comete o crime prevalecendo-se do exercício de cargo ou função;

             II - se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial."

             Como o crime pode ser praticado não só pelos meios usuais de comunicação, mas principalmente pela rede mundial de computadores, a Internet, o sujeito ativo desta conduta delituosa pode estar ou não situado em território brasileiro. O controlador do site pode estar morando no Recife e hospedando seu site pornográfico em outro país, veiculando fotos ou cenas de filmes que contenham sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes. Em qualquer situação, ele deverá ser processado pela lei brasileira, conforme o disposto no art. 7°, inc, II, a e b. Isto será o bastante para que se configure a necessária internacionalidade da conduta, e a competência da Justiça Federal.

             10.8 Os crimes de corrupção ativa e tráfico de influência nas transações comerciais internacionais (Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, de 17.12.97, aprovada pelo Decreto Legislativo 125/2000 e promulgada pelo Decreto 3.678/2000).

             Por meio do Decreto 3.678/2000, o Brasil se obrigou a combater a corrupção que envolvesse funcionário público estrangeiro. Assim, em 11.06.2002, passaram a viger em nosso ordenamento, introduzidos pela Lei 10.467, os arts. 337-B e 337-C, do Código Penal:

             "Corrupção ativa em transação comercial internacional

              Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional: (Artigo incluído pela Lei nº 10467, de 11.6.2002)

              Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.

              Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

              Tráfico de influência em transação comercial internacional

              Art. 337-C. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação comercial internacional: (Artigo incluído pela Lei nº 10467, de 11.6.2002)

              Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

              Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada a funcionário estrangeiro."

             A compreensão do conceito de funcionário público estrangeiro deve ser a mais ampla possível, assim como ocorre com o funcionário público nacional. A respeito, tal definição se encontra no art. 337-D do CP.

             Quando tais condutas forem praticadas com o nexo de internacionalidade necessário, a competência para o julgamento, por conseguinte, estará consagrada à JF. Dessarte, se o ato do funcionário estrangeiro pretendido pelo sujeito ativo dos delitos acima citados encontra-se relacionado com seu trabalho, no exterior, a competência será da Justiça Federal. Quando o ato pretendido pelo criminoso for praticado no Brasil, noutra via, a competência será da Justiça Comum Estadual.

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Sobre o autor
Victor Roberto Corrêa de Souza

Servidor Público Federal na Procuradoria Regional da República - 5ª Região – em Recife/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Victor Roberto Corrêa. Competência criminal da Justiça Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 324, 27 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5232. Acesso em: 25 abr. 2024.

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