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Competência criminal da Justiça Federal

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11. COMPETENCIA NOS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

             À Justiça do Trabalho não foi destinada competência para decisão de nenhuma causa de natureza penal. Isto é muito facilmente aferido da leitura da Carta Magna, em seu art. 114. Conhecendo da prática de delitos deste escol, os juízes laborais deverão comunicar os fatos à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao juízo competente.

             É sabido que os crimes contra a organização do trabalho estão tipificados nos arts. 197 a 207 de nosso Código Penal. Contudo, não há uma estrita coincidência entre tais delitos e aqueles descritos no art. 109, VI, da CF/88, posterior e de maior hierarquia que o CP. É como bem analisa Roberto da Silva Oliveira:

             "O sentido do termo na Constituição diz respeito à proteção dos direitos e deveres dos trabalhadores em coletividade, como força de trabalho, não podendo ser confundido com aquele adotado pelo Código Penal, que pode conceber um mero crime contra o patrimônio de um empregado como crime contra a organização do trabalho" (51).

             Assim, não necessariamente os crimes contra a organização do trabalho que são mencionados no art. 109 da Carta Constitucional somente estarão dentre os trazidos pelos arts. 197 a 207 do Código Penal. É como sói ocorrer com o delito de redução à condição análoga de escravo, citado à frente, que está insculpido no art. 149 do CP e pode ser considerado como crime contra a organização do trabalho.

             Vladimir de Souza Carvalho assim comenta os crimes contra a organização do trabalho descritos na Constituição: "Serão aqueles que têm pertinência com o sistema geral de órgão e instituição que preserva, em termos genéricos, os direitos e os deveres dos trabalhadores em coletividade, como força de trabalho. Seria, por exemplo, o crime de instigar greve quando não autorizada ou impedi-la, quando permitida; ou que impeça de funcionar uma confederação de sindicatos etc. Tais seriam crimes contra a Organização do Trabalho, em sentido próprio, a que, evidentemente, quis referir-se à Constituição." (52)

             Assim, para que a análise desta competência da Justiça Federal não fosse tão simplista, o antigo Tribunal Federal de Recursos editou a Súmula 115, que pacificou imensamente a questão, afirmando que: "compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores considerados coletivamente".

             Alguns fatos apontados como crimes contra a organização do trabalho não passam de mero delito de dano. Isto costuma ocorrer em atos de violência, praticados durante movimentos grevistas, por pessoas que nem mesmo é trabalhadora em empresas relacionadas ao movimento paredista. Por óbvio que a conduta deve ser tratada como crime contra o patrimônio.

             Por vezes, órgãos federais como o Ministério do Trabalho e a Justiça do Trabalho são afetados por condutas que os induzem a erros, como nas falsificações e usos de documentos falsos. Nestes casos, a competência da Justiça Federal se determinará pelo art. 109, inciso IV, da CF, e não pelo fato de que a organização do trabalho restaria afetada.

             Quanto aos delitos decorrentes de greve, impende ressaltar que não mais subsiste a regra do art. 125, inciso VI, da CF/69, destinando à Justiça Federal a competência para julga-los. No caso concreto, caberá ao julgador verificar se o crime praticado em movimentos grevistas efetivamente atenta contra a organização do trabalho, coletivamente considerada. Somente assim, seria competente a Justiça Federal.

             Vale abrir um parêntesis sobre o abominável crime de submissão e redução à condição análoga a de escravo, que foi bastante modificado pela novel Lei 10.803/2003. O art. 149 do Código Penal assim fala:

             "Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

             Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

             § 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

             I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

             II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

             § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

             I – contra criança ou adolescente;

             II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem."

             Discute-se se este delito seria ou não da competência da Justiça Federal, a teor do art. 109, VI, da Constituição. Cremos que, quando se está diante da redução de alguém à condição de escravo, se encontra eivado de morte, no mínimo, um direito coletivo dos trabalhadores: a garantia constitucional ao salário, contra-prestação ao trabalho produzido pelo trabalhador. Indiscutível que a prática do escravismo desestabiliza qualquer sistema de organização e proteção do trabalho, levando à míngua seus correlatos direitos. Inolvide-se que, na quase totalidade dos casos apurados pela Polícia, não é encontrado apenas um ou dois trabalhadores escravos, mas sim vários, compondo um sistema imbricado de escravização praticada por quadrilhas organizadas, geradoras de uma verdadeira legião de trabalhadores que vivem e laboram em condições sub-humanas e indignas, e que não condizem com nenhum Estado Democrático, demonstrando ser uma vergonha nacional a insistente existência de cidadãos trabalhando sem receber salário.

             Ainda, além de afetar drasticamente a organização do trabalho, tal delito vai de encontro a interesse direto da União. O Brasil firmou as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho. A Convenção 29 foi aprovada pelo Decreto Legislativo n°. 24, de 29.05.56 e promulgada pelo Decreto n°. 41.721, de 25.06.57. Já a Convenção 105 teve seu conteúdo aprovado pelo Decreto Legislativo n°. 20, de 30.04.65, com promulgação dada pelo Decreto 58.822, de 14.07.66. Em ambas as convenções, o Brasil, através da União, que é ente de direito público interno e exclusivamente representa o Estado brasileiro nas relações exteriores, se comprometeu a adotar medidas eficazes no objetivo de abolir imediata e completamente o trabalho forçado ou escravo. Há, inclusive, equipes montadas de servidores federais incumbidos de combater estas nocivas práticas, como o GERTRAF – Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, este atuando com o apoio logístico da Polícia Federal. Nítido e inconfundível o interesse direto da União na solução deste tipo de delito, consagrando, por conseguinte, a competência da Justiça Federal para o seu deslinde.


12. COMPETENCIA NOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E A ORDEM ECONÔMICO-FINANCEIRA. CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO.

             O inciso VI, do art. 109 da CF/88 dispõe que a Justiça Federal será declarada competente para decidir causas relacionadas a "crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira".

             Com isso, demonstrou o Constituinte que deve haver uma preocupação maior por parte da União com a manutenção do Sistema Financeiro Nacional e da ordem econômico-financeira.

             Esta norma constitucional, como se vê, precisa ser complementada pela legislação ordinária, que determinará em quais casos de crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômico-financeira será competente a Justiça Federal.

             12.1 Crimes contra o Sistema Financeiro.

             Rodolfo Tigre Maia assim descreve estes delitos: "...são criminalizadas aquelas ações ou omissões humanas, praticadas ou não por agentes institucionalmente ligados ao sistema, dirigidas a lesionar ou a colocar em perigo o SFN, enquanto estrutura jurídico-econômica global valiosa para o Estado brasileiro, bem como as instituições que dele participam, e o patrimônio dos indivíduos que nele investem suas poupanças privadas" (53).

             A legislação ordinária a que se refere o Constituinte é a Lei n°. 7.492/86, a famosa Lei do Colarinho Branco, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Em seu art. 26, caput, assim está preceituado: "A ação penal, nos crimes previstos nesta Lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal".

             Assim, excluídos da competência da JF estão os delitos previstos na Lei n°. 4.595/64 (v.g. o delito de concessão de empréstimos vedados insculpido no art. 34 da Lei), em vista deste diploma legal nada dispor acerca da competência da Justiça Federal para os crimes nele capitulados.

             Relevante é a assertiva de que vários tipos de empresas e pessoas são equiparadas às instituições financeiras, pelo parágrafo único do art. 1° da Lei de Colarinho Branco (54). Portanto, estas empresas e empresários também podem praticar os delitos contra o Sistema Financeiro e serem processados perante a Justiça Federal.

             Em compasso com a Súmula 122 do STJ, havendo conexão entre crime contra o Sistema Financeiro Nacional e crime da competência do Juízo Estadual, "o fórum attractionis será o da justiça federal não ocorrendo a cisão de processos. (55)" Assim, a competência federal se firmará mesmo que haja conexão com crimes da alçada da Justiça Estadual, como os crimes falimentares.

             Noutro lado, a competência será da Justiça Estadual quando houver a prática de crimes contra a economia popular, em geral tipificados na Lei n°. 1.521/51. Há súmula do Pretório Excelso, nesta direção. É a de n° 498, nestes termos: "Compete à Justiça dos Estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos crimes contra a economia popular".

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             12.2 Crimes contra a ordem econômico-financeira

             Como já dissemos, precisa ser regulamentada pela legislação ordinária a norma que o constituinte dispôs na parte final do inciso VI do art. 109. Tal legislação ditará em quais casos de crimes contra a ordem econômico-financeira será competente a Justiça Federal.

             Os crimes contra a ordem econômico-financeira, no entender da maioria dos doutrinadores, abarcam os crimes contra o sistema financeiro. Com este posicionamento, entende-se que a Lei n° 7.492/86 também define crimes que afetam a ordem econômico-financeira.

             Entretanto, as leis que definem crimes contra a ordem econômico-financeira strictu sensu mais conhecidas são, em suma, a Lei n°. 8.137/90 e a Lei n°. 8.176/91. E, como estes diplomas legais não têm disposição específica no sentido da competência da Justiça Federal para o julgamento dos crimes neles previstos, a jurisprudência, pacificamente, se direcionou a firmar a competência da Justiça Comum Estadual para a decisão destas lides criminais. Com efeito, através do art. 24, I, da Carta Maior, vê-se a competência concorrente para se legislar sobre direito econômico.

             No entanto, mesmo na ocorrência dos crimes capitulados nestas Leis, a competência da Justiça Federal poderá se firmar. Basta que afetem a ordem econômica e financeira da União e seus entes, ou que violem bens, serviços ou interesses destes e a competência da Justiça Federal se firmará, através do art. 109, inciso IV, da CF.

             E tal competência se dá, certamente, quando a União institui autarquias relacionadas à fiscalização de determinadas atividades econômicas, nos termos do art. 174 da CF, para a observação da consecução dos princípios estabelecidos no art. 170 da Carta Magna.

             Entre estas autarquias federais podem ser citadas a Agência Nacional do Petróleo – ANP, criada pela Lei n°. 9.478/96 (56), e o CADE, regulado pela Lei n°. 8.884/94 (57).

             Quanto à ANP, devem ser rememoradas as disposições do caput do art. 8° da Lei que a instituiu, reforçando seu caráter regulador de atividades econômicas:

             "Art. 8° A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, cabendo-lhe: (...)"

             Inolvide-se também a participação do Ministério Público Federal nos processos da competência do CADE, como dispõem os arts. 10 (58), IV e 12 (59) da Lei 8.884/94.

             Assim, na ocorrência de delitos contra a ordem econômica, tipificados, v.g., no art. 1° da Lei 8.176/91 e no art. 4° da Lei 8.137/90, que venham a afetar o serviço da União e de suas autarquias, como a ANP e o CADE, competente para dirimi-los é a Justiça Federal.

             Insta observar, com Roberto da Silva Oliveira, que "o pagamento do tributo e de seus acessórios, antes do recebimento da denúncia, acarreta a extinção da punibilidade, nos crimes da Lei 8.137/90, nos termos do art. 34 da Lei 9.429/95; e mais recentemente o art. 15, §3°, da Lei 9.964/2000 previu a mesma hipótese para os tributos e contribuições sociais objeto de concessão de parcelamento (60)".

             12.3 Crimes de lavagem de dinheiro

             No tocante aos delitos de lavagem de dinheiro, a Lei n°. 9.613/98, em seu art. 2°, dispõe expressamente que:

             "Art. 2º. O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:

             (...)

             III - são da competência da Justiça Federal:

             a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas;

             b) quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal."

             Desta forma, a competência da Justiça Federal para o julgamento dos crimes previstos na Lei 9.613/98 se dará nas seguintes hipóteses:

             - quando o crime afetar algum ente federal lato sensu;

             - quando o crime for cometido em detrimento do sistema financeiro;

             - quando o crime for cometido em detrimento da ordem econômico-financeira;

             - ou quando o delito anterior ao crime de lavagem for de competência da Justiça Federal.

             O fato de serem afetados bens ou interesses de ente federal já foi objeto de nosso estudo, havendo disposição constitucional neste sentido (art. 109, IV), independente da natureza do crime praticado.

             Quando a lavagem de dinheiro atingir o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, temos que a competência se firmará pela JF, independente de haver prévia permissão legal, como preleciona o art. 109, VI, da CF. Esta observação é importante, visto que as Leis 8.137/90 e 8.176/91 não possuem dispositivo legal que culmine a competência à Justiça Federal, para julgamento dos crimes contra a ordem econômica nela previstos. Já os crimes tratados na Lei 7.492/86, como vimos, são sempre da competência da JF, a teor de seu art. 26.

             Os crimes passíveis de anteceder a lavagem de dinheiro, por serem propiciadores de uma enorme lesividade social e geradores de consideráveis benefícios econômicos, estão descritos, numerus clausus, nos sete incisos do art. 1° da Lei 9.613/98. São eles: tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; terrorismo; contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; extorsão mediante seqüestro; crimes contra a Administração Pública; crimes contra o sistema financeiro nacional e crimes praticados por organização criminosa. Quando uma destas condutas, citadas genericamente, anteceder ao crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, e tiver que ser julgada pela Justiça Federal, consoante as pertinentes disposições constitucionais, fixada estará a competência da Justiça Federal também para o julgamento do crime de lavagem de dinheiro.

             Vale dizer que a comprovação da conduta antecedente não é plena. Basta que se forneçam ao Juízo os indícios suficientes de sua existência. É desnecessário que haja sentença ou processo em andamento confirmando a existência do delito anterior, ou mesmo que haja autoria delimitada ou punibilidade do autor, em consonância com o §1° do art. 2° da Lei 9.613/98.

             O julgamento do crime de lavagem de dinheiro, ainda, independe de processo anterior para julgamento do crime antecedente, conforme o art. 2° , inc. II (61), da Lei supracitada. Assim, embora, a despeito do art. 76, II e III do CPP, tenhamos que tratar o crime de lavagem de dinheiro e seu respectivo antecedente como crimes conexos, reunindo os processos e proferindo julgamento comum, é a Lei de Lavagem de Dinheiro que cria uma outra normatividade impondo, por conseqüência, a separação dos processos. Inolvidemos o art. 80 de nosso Código de Processo Penal, que traz regras que excepcionam o critério de modificação da competência criado pela conexão, ditando regra semelhante:

             "Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não Ihes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação."

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Sobre o autor
Victor Roberto Corrêa de Souza

Servidor Público Federal na Procuradoria Regional da República - 5ª Região – em Recife/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Victor Roberto Corrêa. Competência criminal da Justiça Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 324, 27 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5232. Acesso em: 28 mar. 2024.

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