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O lado oculto da comunicação publicitária:

as mensagens ocultas e subliminares e a ilicitude de seus efeitos sobre o consumidor

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27/09/2016 às 14:21
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O Merchandising

Entender o que seja merchandising não é algo fácil. Há quem diga que é o termo mais confuso em termos de marketing. No entanto, a compreensão do conceito de merchandising é essencial para enfrentar o tema objeto do presente estudo.

É comum entender-se por merchandising aquela mensagem publicitária que aparece em uma cena de filme, novela, programas de TV, etc., de diversas maneiras: diálogo entre artistas, exibição, ainda que rápida, do produto, dentre outras. Nessas modalidades, o merchandising aparece como algo que está presente nas situações do dia a dia do consumidor.

Sobre o tema, ensina Rizzatto Nunes “Merchandising é a técnica utilizada para veicular produtos e serviços de forma indireta por meio de inserções em programas e filmes”[6].

Claudia Lima Marques, ao falar sobre o merchandising faz sob a seguinte assertiva:

Pela técnica do merchandising, hoje comum em novelas de televisão, nos filmes e mesmo em peças teatrais, um produto aparece na tela e é utilizado ou consumido pelos atores em meio a ação teatral, de forma a sugerir ao consumidor uma identificação do produto com aquele personagem, história, classe social ou determinada conduta social. O aparecimento do produto não é gratuito, nem fortuito, ao contrário existe um vínculo contratual entre o fornecedor e o responsável pelo evento cultural, sendo que o fornecedor oferece uma contraprestação pelo espaço de divulgação para o seu produto.[7]

Por meio do merchandising ocorrem as práticas comerciais sem que os consumidores se conscientizem de que estão assistindo à uma mensagem publicitária.

É certo que no Brasil a exibição comercial de um produto ou serviço durante o conteúdo de um programa audiovisual, assim entendidos: novelas, seriados, filmes, entre outros passou a ser chamada rotineiramente de Merchandising, no entanto, a Diretiva Européia 1989/522/CEE sobre radiodifusão adota a terminologia inglesa product placement que significa em português “colocação do produto” para definir a técnica publicitária do merchandising.

Desse modo, o merchandising pode ser entendido como uma técnica publicitária que se desenvolve em ambiente de mídia não considerado originariamente como publicitário, visto que a exibição do produto ou do serviço ocorre no bojo de um programa audiovisual, isto é, no decorrer de um filme, de um seriado, de uma novela, ou de qualquer outro meio de entretenimento, portanto, não pode ser confundido com a publicidade na sua forma tradicional.

Um exemplo de merchandising ocorre quando o fornecedor insere em uma determinada cena de novela, um personagem guiando um veículo modelo novo de uma determinada montadora de veículos, com o objetivo de induzir o consumidor ao consumo.

Assim, ao inserirem situações que fazem parte, de certa forma, do cotidiano do consumidor, os fornecedores de produtos ou serviços ao se utilizarem do merchandising atingem os consumidores sem que eles percebam que se trata de publicidade.

É certo que não existe um conceito consensual do que seja o merchandising, no entanto, é pacífico o entendimento de que se trata um anúncio publicitário.

Enquanto anúncio publicitário o merchandising não estaria em regra proibido pelo Código de Defesa do Consumidor, desde que o anunciante e o veículo de informação previamente informem ao consumidor que será alvo de uma mensagem publicitária.[8]

Nesse passo, podemos entender como prática perfeitamente legal, eis que não vedada pelo ordenamento jurídico, sendo necessário se avaliar a eventual ilegalidade da prática no caso concreto específico.

Rizzatto Nunes suscita a questão do merchandising decorrente da clandestinidade, já que uma característica peculiar dessa prática é não aparecer como publicidade e, afirma: “[...] o CDC acaba sendo contrariado como um todo em sua filosofia, que pressupõe a avaliação crítica do consumidor”[9].

Nessa linha de raciocínio, o consumidor estaria sendo enganado, uma vez que dele é retirada a escolha autônoma e livre do produto ou do serviço, o que não pode ser admitido, sob pena de ferir-se as regras consumeristas protetivas da relação de consumo.

O estudo do merchandising ganha relevância jurídica no campo das relações de consumo, sobretudo sob a ótica do dever de transparência e identificação das mensagens publicitárias decorrentes de princípios norteadores estampados na norma do Artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor. Frise-se que não se trata de técnica proibida ou ilícita em si, entretanto em determinadas situações poderá caracterizar uma modalidade oculta de publicidade, induzindo em erro os consumidores no que tange aos reais interesses do fornecedor ao inserir um produto ou serviço na cena de um filme ou outro programa congênere, isto é, o interesse publicitário.

Deste modo, para que o merchandising seja considerado legal e não abusivo deve preservar ou ao menos permitir o senso crítico e a capacidade de escolha do consumidor.

Para elucidar, podemos apontar alguns filmes como exemplos de merchandising audiovisual, tais como: Náufrago, protagonizado pelo ator Tom Hanks em que se promove a empresa FedEx e a marca de produtos esportivos Wilson; Man in Black, que promoveu a marca da empresa Ray-Ban e triplicou as vendas do modelo do óculos aparente no filme. Temos, ainda, um exemplo marcante na história do merchandising ocorrido também no cinema no filme E.T. de 1982 de Steven Spielberg, em que o menino protagonista oferece um caramelo de chocolate da marca Reese’s Pieces ao extraterrestre, com o fim de facilitar a comunicação entre ambos. Esse merchandising rendeu à Hershey’s um aumento considerável nas vendas do referido produto.

É fato que os veículos de comunicação são quase em sua totalidade sustentados pela publicidade e buscam ocupar todo o espaço da grade de programação permitido com a veiculação de propagandas ocultas, ou seja, com o merchandising.

Um traço marcante do merchandising reside no fato de por meio dessa técnica o fornecedor não mais explicitar as características dos seus bens ou serviços, mas procurar impor situações que proporcionem prazer a partir da aquisição do produto, representando na verdade uma publicidade de estilos de vida em que induz o consumidor a associar os produtos com certos padrões sociais almejados.

A técnica do merchandising inserida nos programas audiovisuais poderá ocorrer de forma verbal ou visual. Em uma opção verbal poderá ser feita por um dos personagens do filme, novela ou seriado a menção à marca ou outras características do produto objeto da publicidade na intenção de destacar as qualidades e diferenciá-lo de outro já existente no mercado ou não. Ao passo que na exibição tipicamente visual, haverá apenas a exposição sem citação ou qualquer referência verbal do produto ou serviço, sendo certo que em muitas cenas a colocação visual do produto pode até ganhar um certo protagonismo no contexto da trama.[10]

A ilicitude da técnica do merchandising deve ser analisada sob a finalidade promocional da exposição do produto ou serviço em contextos audiovisuais de filmes, novelas ou programas semelhantes. Nesse aspecto, salutar ressaltar que não são todas as exposições de produtos com finalidade promocional e publicitária veiculadas devem ser consideradas ilícitas, mas somente aquelas que ocultem o seu propósito das percepções dos consumidores.

Destarte, é possível afirmar que o ocultamento do propósito publicitário constante intrinsecamente é o indício e o pressuposto para que o merchandising seja considerado ilícito em determinado caso concreto.

Em outros termos, para que estejamos diante de merchandising ilícito necessário se faz que a apresentação da marca, do serviço ou de produto em algum programa seja dotada de intenção promocional, bem como que este desígnio promocional e publicitário não seja possível de ser percebida pelo consumidor em virtude da eficiência do ocultamento, conforme definição da Diretiva Europeia 1989/552/CE.[11]

Nesse sentido, interessante a observação de Pasqualotto ao questionar se,

a inserção de matéria publicitária no contexto do programa configura clandestinidade ou se a prática é hoje tão disseminada que se tornou claramente perceptível. Em princípio a segunda afirmação parece verdadeira, mas sempre pode surgir uma técnica mais refinada que burle a sagacidade do consumidor.[12]

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É por isso que quando falamos de publicidade o intérprete, no caso concreto, deverá examinar se o público a partir da veiculação da mensagem está apto a identificar uma situação de finalidade publicitária ou não. Como conseqüência, importante defendermos que antes da exibição da mensagem promocional de um produto ou serviço, seja feita uma advertência ao consumidor alertando-o sobre a finalidade da informação e, com isso afastar a característica oculta do merchandising.

A doutrina brasileira que procurou abordar o tema da necessidade de realização das mensagens de advertência para informar aos consumidores a finalidade promocional decorrente da exibição de um determinado produto ou serviço durante a apresentação de um filme ou programa de televisão entende que se trata de uma medida informacional que evitaria uma eventual configuração do merchandising como uma espécie de publicidade oculta.[13]

Como conseqüência desse posicionamento em devesa do cumprimento do dever de transparência, surge um questionamento acerca do momento em que a mensagem de advertência deve ser veiculada, isto é, se no início, no final ou durante a apresentação do programa.

Segundo, ainda, a doutrina nacional a mensagem de advertência veiculada antes e ao final do filme ou programa semelhante parece ser a medida que melhor atende às preocupações que envolvem o dever de transparência na veiculação de mensagens publicitárias. Entende Antônio Herman Benjamin que a advertência feita no início do filme ou programa de televisão visa evitar que a identificação seja feita posteriormente pelo consumidor e, assim afirma:

“Ora, o crédito simplesmente fornece os elementos necessários para que o consumidor no início da veiculação do merchandising, possa identificá-lo, de imediato, como publicidade (...) por cautela, o crédito, nos programas que são fragmentados, deve ser reapresentado tantas vezes quanto sejam os fragmentos. E para proteger os consumidores que não tenham oportunidade de assistir ao início do programa (ligaram a televisão após a abertura da novela, por exemplo), também se deve exigir que os créditos sejam repetidos ao final de cada fragmento”.[14]

Assim, a mensagem prévia de advertência deverá ser inserida de forma visível e em letras legíveis, antes que tenha início o filme ou programa televisivo, bem como necessita permanecer expressa por algum tempo suficiente à leitura dos telespectadores. Além disso, seu conteúdo deve informar que haverá a exibição de produtos ou serviços com finalidade publicitária.

Um merchandising nesses moldes atende ao princípio da transparência e, conseqüentemente evita-se excessos no uso da técnica que podem lesar direitos do consumidor.

Em que pese todas as considerações acima, fato é que o consumidor tem o direito de assistir uma programação saudável, de modo que não pode ser constrangido à incessante publicidade oculta que lhe retira a liberdade de escolha, sendo essa prática comercial vedada pelo Código de Defesa do Consumidor sempre que afrontar seus princípios basilares.

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Sobre a autora
Juliana Pulino

Estudante de Ciências Contábeis

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PULINO, Juliana. O lado oculto da comunicação publicitária:: as mensagens ocultas e subliminares e a ilicitude de seus efeitos sobre o consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4836, 27 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52362. Acesso em: 26 abr. 2024.

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