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Responsabilidade civil por dano causado ao nascituro:

possibilidades de reparação no direito brasileiro

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6. O entendimento jurisprudencial

Apesar da grande polêmica acerca da personalidade jurídica do nascituro e a possibilidade de reparação de danos morais a ele infligidos, o assunto não vem sendo abordado com muita frequência nos tribunais brasileiros. Grande parte dos julgados que envolvem este problema referem-se apenas a questões de herança, doações e vendas realizadas pelos pais em nome do ainda não nascido. Foram trazidos à colação justamente os que fugiam a estas abordagens, e centravam-se na questão das indenizações por dano moral.

Percebe-se que, nos acórdãos, há uma tendência do julgador em adotar as teorias natalista ou da personalidade condicional, considerando a "ausência de personalidade" como questão prejudicial. Exemplo típico é o julgado abaixo transcrito:

Responsabilidade civil – Acidente de trânsito – Seguro obrigatório de veículos automotores – Danos letais – Nascituro. Sumaríssima de reparação de danos letais causados à mulher gravida e a seu feto. Reconhecido que fora o direito ao seguro obrigatório, este reconhecimento não se estende ao nascituro, que não é pessoa nem sujeito de direito. (TACRJ, 1ª C., AC 81004/88, Rel. Juiz Fernando Pinto, 11.10.1988)

No entanto, alguns julgados optam por interpretações mais progressistas do tema, admitindo a personalidade do nascituro. Vale salientar que não há uma defesa acentuada do concepcionismo, sendo geralmente omitida qualquer consideração específica sobre a tutela jurídica do nascituro. Abaixo, vemos a ementa de um acórdão que concede indenização por dano moral, comprovando a possibilidade de reparação:

Responsabilidade civil - Acidente do trabalho - Indenização - Direito comum - Dano moral - Nascituro - Morte do seu pai - Termo inicial - Nascimento com vida. Devida é, a indenização, por dano moral, desde o nascimento, ao nascituro, que nasceu com vida, como reparo pela perda do genitor. (2º TACSP, 10ª C., Ap. c/ rev. 489.775, Rel. Juiz Adail Moreira, 29.10.1997)

A discussão em torno da pensão ao nascituro, exposta anteriormente, pode ser exemplificada nestas duas ementas subsequentes. A primeira mostra a posição típica da jurisprudência: concessão de pensão pela morte do filho menor, com prazo determinado pelo princípio da razoabilidade. No segundo julgado, o pedido de pensão é julgado improcedente. Ao contrário do que se possa imaginar, não houve uma resposta à discussão criada, já que adotou-se a idéia de "expectativa de direito" do nascituro. Esta posição retrata a jurisprudência dominante brasileira, pouco afeita às posições concepcionistas e arraigada aos antigos conceitos de personalidade.

Indenizável é a morte acidental de menor oriunda de ato ilícito, ainda que não exercesse ele trabalho remunerado, sendo sua família de condição econômica precária, fixando-se a pensão a partir do óbito até a data em que a vítima completaria 25 anos de idade" (TJSP, 2ª C., Ap., Rel. Cézar Peluso, 16.12.1996, RT 617/72)

Responsabilidade civil – Acidente de veículos - Invasão de preferencial - Morte da companheira e nascituro, bem como da avó das menores. Culpa inequívoca do preposto do apelante. Indenizações de ordem material e moral devidas. Legitimidade do companheiro em exigir indenização pela morte de sua companheira, sendo que a renda mensal da vítima-companheira é a constante de sua última indenização. Devida a indenização pela morte do nascituro, a título de dano moral, visto que a morte prematura do feto, em conseqüência do ato ilícito, frustra a possibilidade certa de que a vida humana intra-uterina plenificaria na vida individual. Pensão devida ao feto. Impossibilidade. Há uma expectativa de direito em relação ao nascimento do feto. Personalidade jurídica só inicia-se com o nascimento com vida. Art. 4º do CC. Correta a pensão fixada e destinada ao companheiro e filhas. O limite fixado para a cessação da pensão é de 69 anos, conforme nova orientação jurisprudencial. (TAPR, 3ª C., AC 106.201-3, Rel. Juiz Eugênio Achille Grandinetti, 01.08.1997)


7.Conclusões

Ante os diversos argumentos aqui expostos, tanto relativos à problemática do nascituro quanto a reparabilidade do dano moral a ela causado, constatamos que não há qualquer definição acerca do assunto. Embora a teoria concepcionista esteja mais adaptada às mudanças sofridas pela medicina nos últimos anos, não foi aceita plenamente no mundo jurídico. Vemos que apenas em decisões esparsas o nascituro é considerado pessoa, sem que para isto deva ele nascer com vida.

Já o dano moral, com a Constituição de 1988, adquiriu maior importância, e concretizou-se na jurisprudência. Hoje a situação é inversa: os pedidos de indenização por danos deste tipo crescem assustadoramente, incorrendo muitos deles em confusões grosseiras. Os danos causados a nascituros acabam por serem relegados a segundo plano, esvaziando-se o debate com a mera declaração de que "nascituro não é pessoa".

Concluímos, portanto, que o debate está longe de uma solução, seja ela conservadora ou progressista. Não há, entretanto, a perspectiva de adoção uniforme de qualquer teoria no futuro. Dado o atual estágio da evolução jurisprudencial, parece-nos mais provável que, a médio prazo, prevaleça a concepção da personalidade condicional. Em relação aos casos de responsabilidade civil, vemos uma tendência a maior valorização deste instituto no Brasil, e esperamos que isto se reflita nos casos que envolvem a problemática do nascituro.

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8. Notas

1. Cf. ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. O nascituro no Código Civil e no direito constituendo do Brasil. Revista de Informação Legislativa. Brasília: a. 25, n. 97, jan./mar. 1988, p. 182.

2. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 19.

3. Cf. STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 59.

4. Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. Cit., pp.19-20.

5. Apud STOCO, Rui. Op. Cit., p. 63.

6. Cf. GOMES, Orlando. Obrigações. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pp. 279-281.

7. GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 278.

8. LIRA, Ricardo Pereira. Ato ilícito, Apud CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. Cit., p. 27.

9. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I: Parte geral – Introdução, Pessoas Físicas e Jurídicas. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 166.

10. ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Direitos da personalidade do nascituro. Revista do Advogado. São Paulo: n. 38, dez. 1992, p. 21-30.

11. Para maiores detalhes sobre o aspecto biológico do nascituro, cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito do Embrião Humano: Mito ou Realidade? Revista da Faculdade de Direito da UFPR. Curitiba: a. 29, n. 29, 1996, pp. 121-146.

12. Cf. ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Op. Cit., p. 182.

13. Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. I, 19ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 144.

14. Cf. CHAVES, Benedita Inêz Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000, pp. 36-37.

15. Cf. CHAVES, Benedita Inêz Lopes. Op. Cit., p. 28.

16. Cf. CHINELATO, Op. Cit., pp.184-186.

17. Cf. BAPTISTA, Sílvio Neves. Alimentos: direitos do nascituro. Diário de Pernambuco. Recife: 14/03/1990.

18. DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 205.

19. Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. Cit., p. 70.

20. Cf. CAVALIERI FILHO, Op. Cit., p. 72.

21. Cf. CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 20.

22. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, Apud STOCO, Rui. Op. Cit., p. 674.

23. Cf. CHAVES, Benedita Inêz Lopes. Op. Cit., pp.114-117.

24. Cf. ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Op. Cit., p.187.

25 "Morte de filho menor, com 16 anos. Além da pensão mensal equivalente a 2/3 do salário mínimo, é devida a indenização por dano moral" (STJ, 4ª Turma, REsp. 23.351, 01.09.1992).


9. Referências bibliográficas

ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. O nascituro no Código Civil e no direito constituendo do Brasil. Revista de Informação Legislativa. Brasília: a. 25, n. 97, jan./mar. 1988, pp. 181-190.

______. Direitos da personalidade do nascituro. Revista do Advogado. São Paulo: n. 38, dez. 1992, p. 21-30.

BAPTISTA, Sílvio Neves. Alimentos: direitos do nascituro. Diário de Pernambuco. Recife: 14/03/1990.

CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2000..

CHAVES, Benedita Inêz Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000.

DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994.

GOMES, Orlando. Obrigações. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito do Embrião Humano: Mito ou Realidade? Revista da Faculdade de Direito da UFPR. Curitiba: a. 29, n. 29, 1996, pp. 121-146.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I: Parte geral – Introdução, Pessoas Físicas e Jurídicas. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. 1, 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

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Sobre o autor
João Freitas de Castro Chaves

acadêmico da Faculdade de Direito do Recife (UFPE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, João Freitas Castro. Responsabilidade civil por dano causado ao nascituro:: possibilidades de reparação no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/524. Acesso em: 25 dez. 2024.

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