O contrato de trabalho de artistas mirins.

Análise legislativa e da atuação jurisdicional

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30/09/2016 às 16:01
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O problema do contrato de trabalho de artistas mirins tem ganhado destaque na doutrina e jurisprudência no últimos anos, em face de sua recorrência e da natural preocupação de toda a sociedade com o desenvolvimento completo e adequado das futuras gerações.

Resumo:O problema do contrato de trabalho de artistas mirins tem ganhado destaque na doutrina e jurisprudência no últimos anos, em face de sua recorrência e da natural preocupação de toda a sociedade com o desenvolvimento completo e adequado das futuras gerações. O presente artigo colocará em debate toda a regulamentação existente, desde o âmbito constitucional e infraconstitucional, para identificar como deve se dar a atuação jurisdicional, que, adiante-se, necessariamente considerará as variantes psicológicas e sociais. Nesse sentido, entendendo-se pela existência de legislação suficiente para a matéria, almeja-se estimular reflexões acerca de melhorias acerca da atividade fiscalizatória e do próprio Poder Judiciário.

Palavras-chave: Trabalho infantil artístico, Poder Judiciário, Legislação.

Abstract:The problem of the child artistic work contracts has gained prominence in doctrine and jurisprudence in recent years, in the face of its recurrence and the natural concern of the whole of society with the complete and appropriate development of future generations. This article will debate all existing regulations, since the constitutional and infra perspectives, to identify how should give the jurisdictional action, which is below, necessarily consider the psychological and social variants. Hence, understanding to existence of sufficient legislation to the matter, aims to stimulate reflections about improvements regarding the inspection activity and of own judiciary.

Keywords: Child Artistic Work, Judiciary, Legislation. 


1.    REPERCUSSÕES DO TRABALHO ARTÍSTICO NO DESENVOLVIMENTO DAS CRIANÇAS

Começar-se-á este trabalho com um exemplo no campo do cinema. Aclamado pela crítica por expor, com um realismo marcante, a realidade das favelas do Rio de Janeiro dominadas pelo tráfico de drogas, o filme “Cidade de Deus” oferece ao público uma das cenas mais fortes, envolvendo uma criança, do cinema brasileiro. Segue relato colhido de reportagem da revista “Época”:

O trecho tem menos de um minuto, mas parece durar uma eternidade. Mostra a reação de um menino à punição de um traficante da favela. Ele levará um tiro na mão ou no pé, de outra criança, por ter roubado na comunidade. Chora. Treme de medo. Pede para tomar o tiro na mão. Toma no pé.

O que poucos sabem é que, para extrair do ator mirim Felipe Paulino, de apenas 7 (sete) anos, uma interpretação tão impactante, a equipe técnica do filme o submeteu à diálogos e fases de preparação onde lhe foi dito para que, durante a cena, ele imaginasse que a sua mãe estava morta. Assim, é possível ver a criança chamando pela mãe durante a tomada. O diretor do filme, Fernando Meirelles, comentou a participação do jovem ator: “O Felipinho confundiu ficção com realidade [...] Essa mistura é normal em uma idade na qual o mundo real e a fantasia não tem fronteiras claras”.

Relatos como esse trazem à superfície a necessidade de se debater sobre até que ponto crianças podem exercer uma atividade artística e, principalmente, que medidas protetivas devem ser observadas durante o processo. O que se procura ressaltar é que as atividades exercidas por artistas mirins devem condizer com o real estágio psicológico de amadurecimento pelo qual passam, enquanto seres pensantes e gregários. Nesse sentido, o objetivo precípuo aqui pretendido nesse trabalho é verificar em que nível de integração e sintonia estão os preceitos jurídicos com as questões psicológicas e sociais atinentes à matéria em análise, a luz da atuação do juiz, de modo a se levantar a possibilidade de eventuais reformas legislativas ou de aprimoramento da fiscalização.

Trata-se de uma reflexão necessária que desperta natural curiosidade, em face de sua recorrência: sob quais situações se permite o trabalho exercido por bebes e crianças no ramo artístico? Tal inquietação tempera-se quando se realizam digressões sobre a história do trabalho infantil no Brasil, para a conclusão de que, a despeito de sua proibição, conforme se verá adiante, ainda ocorre com notável frequência, nos mais diversos setores e sob diversas condições. Nesse primeiro momento, a preocupação deste trabalho é de compreender os reflexos no próprio desenvolvimento do bebê e criança.

O artista mirim, quando da sua atuação, inegavelmente exerce nobre atividade, que se relaciona com o direito ao lazer dos apreciadores. É dizer: trata-se de manifestação cultural que, na sua essência, não se encontra atrelada à economia produtiva e de comércio (como por exemplo, o trabalho infantil em fábricas e carvoarias), tendo como canais a televisão, o cinema, teatro, dentre outros. A depender da proporção em que é realizada e das vantagens daí advindas, certamente o jovem se deparará com diferentes níveis de pressão, começando inclusive pelo próprio núcleo familiar, também envolvendo a mídia e o público em geral. Assim, as repercussões no desenvolvimento da criança ocorrerão na proporção da cobrança existente, levando-se em consideração também a duração da atividade, as condições de trabalho e a própria natureza e conteúdo da encenação feita.

A despeito da existência desses critérios objetivos, na prática o que se constata é que cada indivíduo reage a sua maneira, seja no sentido de extrair virtudes, ou de vivenciar compromissos e experiências nada recompensadoras. Nesse espeque, acompanhe-se o raciocínio de DASSI (2015), in verbis:

Se para uma criança a pressão e a grande carga de tarefas a cumprir podem virar um desafio estimulante, para outra podem ser motivo de estresse e gerar um entendimento de que o mundo sempre vai exigir mais do que ela é capaz de dar. A criança que faz vários testes sem sucesso pode adquirir experiência para lidar com frustrações de forma positiva ou pode entender que é inadequada, que "não serve". Enquanto uma criança pode lidar bem com a interpretação de personagens em um momento em que ela mesma ainda não tem um forte senso de identidade, uma outra pode se misturar com esses personagens e criar uma identidade frágil e confusa.

Ora, não deixa de se revestir de responsabilidades, que muitas vezes podem afetar negativamente o artista mirim no que se refere ao seu rendimento escolar, à sua intimidade e privacidade, ao seu lazer e outros aspectos referentes à personalidade. A criança, no geral, não tem a possibilidade de tomar decisões sábias levando em consideração todas as questões envolvidas, sendo, em tal contexto, essencial o suporte da família, cujo dever é privilegiar o melhor interesse da criança em todas as decisões a serem tomadas, em detrimento do fator financeiro, quando eventualmente estiverem em colisão. O documento “Combatendo o trabalho infantil: guia para educadores”, da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2001), expõe os principais prejuízos do trabalho infantil em geral, sob os aspectos físico, emocional e social:

O trabalho precoce de crianças e adolescentes interfere diretamente em seu desenvolvimento: a) físico – porque ficam expostas a riscos de lesões, deformidades físicas e doenças, muitas vezes superiores às possibilidades de defesa de seus corpos; b) emocional – podem apresentar, ao longo de suas vidas, dificuldades para estabelecer vínculos afetivos em razão das condições de exploração a que estiveram expostas e dos maus-tratos que receberam de patrões e empregadores; c) social: antes mesmo de atingir a idade adulta realizam trabalho que requer maturidade de adulto, afastando-as do convívio social com pessoas de sua idade. (OIT, 2001, p. 16)

Importante trazer o seguinte complemento, também extraído do referido documento:

Ao mesmo tempo, ao ser inserida no mundo do trabalho a criança é impedida de viver a infância e a adolescência sem ter assegurados seus direitos de brincar e de estudar. Isso dificulta muito a vivência de experiências fundamentais para seu desenvolvimento e compromete seu bom desempenho escolar – condição cada vez mais necessária para a transformação dos indivíduos em cidadãos capazes de intervir na sociedade de forma crítica, responsável e produtiva. (OIT, 2001, P. 16)

Não se olvide, contudo, que a atividade artística poderá significativamente enobrecer intelectualmente os próprios atores, incluindo-se por óbvio, os próprios artistas mirins. A título de exemplo, cite-se a marcante obra brasileira Sítio do Picapau Amarelo, baseada nos textos infantis do então advogado e escritor Monteiro Lobato, cujo mérito reside na abordagem de temas ínsitos à realidade nacional, como a vida campesina, permeada por um nítido conteúdo lúdico[1]. Se inexistem dúvidas de que marcou positivamente muitas gerações, é de se imaginar o quanto que também marcou aqueles artistas que a colocaram em prática, sob o ponto de vista educativo. Ademais, como sustenta MARTINS (2013, p. 73), a educação artística e o estímulo à manifestação artística contribuem “para o desenvolvimento da linguagem, para o amadurecimento intelectual por meio da troca de informações com o meio social e para o atingimento de um maior nível de consciência”.

A legislação incidente na matéria, que, como se verá a seguir, envolve textos legais de diversas estaturas dentro do ordenamento jurídico, deve considerar que o trabalho infantil é atividade excepcional, a ser autorizado somente quando inexistam riscos ao processo de amadurecimento dos pequenos, naturalmente inocentes e vulneráveis, que ainda estão descobrindo o mundo em que vivem. Quanto à atividade interpretativa, deve-se identificar a existência dos direitos fundamentais envolvidos, de modo a concorda-los nos limites do caso concreto, além de se promover a análise estrita da observância dos requisitos legais necessários à autorização judicial. 


2.    O TRABALHO ARTÍSTICO MIRIM NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO   

De pronto, é importante consignar que o pilar da dignidade da pessoa humana repercutirá em todas as decisões judiciais a serem tomadas no contexto da matéria. Isso porque, segundo BARROSO (2013, p. 64), “a dignidade humana funciona tanto como justificação moral quanto como fundamento jurídico-normativo dos direitos fundamentais”, e, tendo conteúdo interpretativo, “vai necessariamente informar a interpretação de tais direitos constitucionais, ajudando a definir seu sentido nos casos concretos” (2013, P. 66). Nessa toada, faz-se imperiosa a citação dos dispositivos constitucionais, convencionais e infraconstitucionais aplicáveis, mormente aqueles presentes na CLT e no ECA, além das convenções da OIT.

Em seu art. 227 a Constituição estabelece o que deve ser tido como prioritário no desenvolvimento de uma criança, entregando aos pais, ao estado e à sociedade a responsabilidade pela aplicação de tais medidas; cite-se também o art. 226, §7º, que versa sobre o planejamento familiar:

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Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§3º O direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I – Idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art 7º, XXXIII;

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Fazendo-se o devido contraponto, o art. 5º, IX, ressalta que “é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, tendo eficácia plena e aplicabilidade imediata, conforme o §1º do mesmo artigo. Além disso, “é livre o exercício de qualquer trabalho, exercício e profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (art. 5º, XIII). Imprescindível a citação do art. 7º, XXXIII, atinente à idade legal:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXXIII: proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

No que tange à matéria no âmbito convencional, é necessária a referência às convenções da OIT n° 138 e 182. Por intermédio do Decreto n° 4.134 de 15 de fevereiro de 2002 o Brasil promulgou a Convenção n° 138, da OIT, que versa sobre a idade mínima para admissão em emprego. O art. 2º, 2, dispõe, nos seguintes termos:

Art. 2: Todo Membro, que ratifique a presente Convenção, deverá especificar, em uma declaração anexa à sua ratificação, a idade mínima de admissão ao emprego ou ao trabalho em seu território e nos meios de transporte registrados em seu território; à exceção do disposto nos artigos 4 e 8 da presente Convenção, nenhuma pessoa com idade menor à idade declarada, deverá ser admitida ao emprego ou trabalhar em qualquer ocupação.

3. A idade mínima fixada em cumprimento do disposto no parágrafo 1 do presente artigo, não deverá ser inferior à idade em que cessa a obrigação escolar, ou em todo caso, a quinze anos.

O art. 8, contudo, ressalva o próprio art. 2, como nele dito, ao expor que:

1 A autoridade competente poderá conceder, mediante prévia consulta às organizações interessadas de empregadores e de trabalhadores, quando tais organizações existirem, por meio de permissões individuais, exceções à proibição de ser admitido ao emprego ou de trabalhar, que prevê o artigo 2 da presente Convenção, no caso de finalidades tais como as de participar em representações artísticas.

2 As permissões assim concedidas limitarão o número de horas do emprego ou trabalho autorizadas e prescreverão as condições em que esse poderá ser realizado.

Em relação à convenção n° 182, ratificada pelo Decreto n° 3.597/2000, vale dizer que trata da proibição das “piores formas de trabalho infantil e suas ações de eliminação”. Em seu art. 3, em que elenca o espectro de abrangência dessas formas, expõe, em seu item ‘d’:

Art. 3 Para efeitos da presente Convenção, a expressão "as piores formas de trabalho infantil" abrange:

d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.

Por sua vez, no artigo seguinte, resta consignado que tais trabalhos deverão ser determinados pela legislação nacional ou pela autoridade competente, in verbis:

Art. 4. 1. Os tipos de trabalhos a que se refere o Artigo 3, d), deverão ser determinados pela legislação nacional ou pela autoridade competente, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas e levando em consideração as normas internacionais na matéria, em particular os parágrafos 3 e 4 da Recomendação sobre as piores formas de trabalho infantil, 1999.

Vale, por fim, a referência aos artigos da legislação interna infraconstitucional.

Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 2°, o termo criança designa as pessoas que tenham até 12 anos de idade. A capacidade, “aptidão reconhecida pelo Direito do Trabalho para o exercício dos atos da vida laborativa” (DELGADO, 2015, P. 551), é plena aos 18 anos de idade, sendo requisito de validade do contrato entre as partes. A CLT, por sua vez, conceitua o menor para efeitos trabalhistas:

Art. 402. Considera-se menor para os efeitos desta Consolidação o trabalhador de quatorze até dezoito anos.

Todavia, o que ocorre é que não existe uma regulamentação específica para coordenar o exercício da atividade artística. O que se tem, na prática, é a lei nº 6.533/1978, que regulamenta a atividade profissional do artista, mas a mesma é omissa em ralação à atividade infantil.

Para a supracitada legislação, compreende-se como artista (art. 2°):

I - Artista, o profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão pública;

Chega-se a ponto importante. O ECA designa às autoridades judiciarias a tarefa de autorizar a entrada e permanência de crianças em espetáculos e eventos artísticos, atendidos os requisitos do art. 149:

Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:

II - a participação de criança e adolescente em:

a) espetáculos públicos e seus ensaios;

O §1°, do supracitado artigo, estabelece que os juízes, quando da autorização dos menores à participação em eventos artísticos, devem levar em conta e estabelecer regras referentes aos seguintes fatores:

a) os princípios desta Lei;

b) as peculiaridades locais;

c) a existência de instalações adequadas;

d) o tipo de frequência habitual ao local;

e) a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes;

f) a natureza do espetáculo.    

Os tribunais tem julgado apreciando tais dispositivos legais, conforme se observa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA EMPRESA AUTORA. AÇÃO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. TRABALHO DE MENORES COMO DUBLADORES. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. 1. In casu, o Regional manteve a sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade ad causam da empresa autora, haja vista que, dados os termos do art. 8º da Convenção 138 da OIT, a autorização para trabalho de menor deve ser concedida, de forma individualizada, ao próprio menor, não cabendo concessão judicial para as empresas solicitarem as respectivas autorizações, podendo estas, tão somente, empregarem os menores que possuam as necessárias autorizações. 2. À referida decisão, a empresa autora se insurge, sustentando a configuração de ofensa aos incisos, XXXV, XXXVI e LV do artigo 5º da CF. 3. Entretanto, nenhum dos dispositivos constitucionais reputados ofendidos tratam acerca do instituto da ilegitimidade ad causam, fundamento da instância ordinária para extinguir o processo sem resolução do mérito. [...] 6. Mesmo que assim não fosse, cumpre registrar, porque relevante, que, dados os termos da nossa Constituição, consoante preconizado no inciso XXXIII do art. 7º, a única exceção admitida de trabalho para menores de dezesseis anos é na condição de aprendiz. Todavia, essa proibição comporta exceção para o trabalho infantil em atividades artísticas, tendo em vista o preconizado pela Convenção da OIT nº 138 de 1978, ratificada pelo Brasil em 15/2/2002, por meio do Decreto nº 4.134/2002. Entretanto, o art. 8º da Convenção nº 138 da OIT prevê a permissão de trabalho em representações artísticas por "meio de permissões individuais", e o § 2º do art. 149 do ECA exige que as medidas adotadas acerca das autorizações em comento sejam fundamentadas e concedidas de forma individual. Logo, tem-se por escorreita a decisão regional, mormente diante do princípio da proteção do menor. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST, AIRR N° 20340820135020067, Rel. Min. Dora Maria da Costa. Julgamento: 17/02/2016).

EMENTA - DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ALVARÁ JUDICIAL PARA PARTICIPAÇÃO EM ESPETÁCULOS PÚBLICOS E SEUS ENSAIOS (art. 149, II, do ECA). A participação de criança ou de adolescente em espetáculos públicos e seus ensaios depende de autorização judicial, independentemente da presença ou autorização dos pais ou responsável, ante o caráter preventivo da legislação especial. - Deve, no entanto, a autoridade judiciária observar, dentre outros fatores, os princípios do próprio ECA, as peculiaridades do local, a existência de instalações adequadas, o tipo de frequencia habitual ao local, a adequação do ambiente a eventual participação ou frequencia de criança ou adolescente e a natureza do espetáculo (§ 1º, alíneas de "a" a "f", art. 149, do ECA). - Ambiente que oferece festas, mesmo que para idosos, com venda de bebidas alcoólicas e se desenvolve no período noturno, não é adequado para atividades de criança com apenas 05 (cinco) anos de idade. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. (TJ-RN, Processo n° 0124536-68.2011.8.20.0001. Julgado em 2012).

O grande ponto é entender que existem dispositivos legais suficientes para que se confira ao artista mirim a proteção legal, não obstante a inexistência de artigo específico na lei dos artistas. Caberá ao magistrado, nos casos concretos, harmonizar tais dispositivos, o que poderá ser atividade complexa a depender da situação. Isso porque tal princípio hermenêutico, aplicável nos conflitos de direitos fundamentais (ainda que aparentes), consiste em afirmar a superioridade de um em relação ao outro concretamente, embora no plano abstrato no ordenamento, eles “convivam” perfeitamente. Tendo como principal suporte a metódica normativo-estruturante de Friedrich Muller, tem por objetivo, portanto, nas palavras de BULOS (2012, p. 457) “coordenar, harmonizar e combinar bens constitucionais conflitantes, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros”.

Na problemática do contrato de trabalho de artistas mirins encontra-se em conflito, a princípio, o direito à manifestação artística do art. 5º, IX, em contraposição à restrição de idade do art. 7º, XXXIII. Entretanto, trata-se de conflito meramente aparente, sendo plenamente possível harmoniza-los. Ora, se a atividade artística exercida pelos artistas mirins obedecer às restrições fundadas no respeito ao estágio de amadurecimento pelo qual passam, e, no fundo, ser concebida como algo excepcional, não há que se aplicar estritamente a limitação legal, até porque é cediço que, a depender da temática abordada no trabalho artístico, afigura-se essencial para a correta transmissão da mensagem a utilização de artistas mirins, como se procurou mencionar no caso do “Sítio do Picapau Amarelo[2]”.

Vale informar que durante muito tempo houve celeuma na doutrina e jurisprudência acerca de qual o juiz competente para fornecer a autorização judicial de que menciona o art. 149 do ECA. Isso porque o art. 146 do ECA traz em seu bojo que “a autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local”. Além disso, o art. 406 da CLT diz que o Juiz de Menores poderá autorizar ao menor o trabalho a que se referem as letras “a” (teatros de revistas, cinema, bouates (sic) e estabelecimentos análogos) e “b” (estabelecimentos circenses e semelhantes), sendo que o art. 405, §2º, consigna que “o trabalho exercido nas ruas, praças e outros logradouros públicos dependerá de prévia autorização do Juiz de Menores”, devendo verificar a indispensabilidade da ocupação para o sustento familiar e os eventuais prejuízos à formação moral.

Todavia, em razão da extensão da competência da Justiça do Trabalho promovida por ocasião da Emenda Constitucional n° 45/2004, para abarcar as ações oriundas da relação de trabalho, além de competir ao Ministério Público do Trabalho (Art. 83, V, da Lei Complementar n° 75/93) “propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho”, entende-se que cabe ao juiz do trabalho conferir a autorização para o exercício de tais atividades artísticas. O STF ainda apreciará definitivamente a matéria, no âmbito da ADI n° 5326, rel. Min. Marco Aurélio[3], que questiona a edição de recomendações conjuntas de órgãos do Judiciário de São Paulo e Mato Grosso, que atribuíram à Justiça do Trabalho a competência. O processo está paralisado por pedido de vista da Min. Rosa Weber.

Assim, nas situações do dia-dia, dá-se uma autorização judicial para que o menor possa exercer uma função na mídia. Lamenta-se que tais autorizações são geralmente desprovidas das condições impostas pelo ECA que visam garantir a integridade física e psicológica da criança o que, corriqueiramente, gera casos como ocorrido com o menino Felipe durantes as filmagens de “Cidade de Deus”.

Mesmo com a expedição de alvarás judiciais, abusos têm sido cometidos com as crianças que atuam em eventos artísticos. Tais abusos, como acima referido, podem influir diretamente na saúde emocional do menor que, pela imaturidade psicológica, poderá ter dificuldade em separar ficção e realidade. Deste modo, a depender do conteúdo do evento, a criança poderá experimentar situações que inevitavelmente não estará preparada, como é o caso de cenas de violência explicita ou com conteúdo sexual. Exige-se com isso, maior fiscalização estatal, mediante as agências existentes, além da atuação do próprio Ministério Público do Trabalho.

Muitas vezes, ressalte-se, os próprios pais da criança são os principais incentivadores das situações descritas anteriormente ou nem mesmo acompanham os procedimentos do trabalho desenvolvido no meio artístico, visto que projetam no menor uma chance de sucesso, a realização de um sonho próprio. É difícil imaginar que uma criança de apenas 5 anos de idade saiba o que está envolvida em um comercial de televisão, em uma novela do horário nobre, ou numa grande apresentação teatral. Mas isso não muda o fato de que a imagem dela está sendo transmitida em rede nacional ou para grandes plateias por todo o país.

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