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Considerações sobre a propaganda de apoplexia: derramamento de santinhos na madrugada do dia da eleição

27/02/2017 às 14:22
Leia nesta página:

O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, assentou que configura propaganda eleitoral irregular a conduta de “derramar santinhos” nas vias públicas próximas aos locais de votação na madrugada do dia da eleição.

Sumário: 1.Um tema controvertido. 2. A nova posição do TSE. 3. Desnecessidade de prévia notificação do candidato. 4. A propaganda de apoplexia pode ser também crime eleitoral. 5. Como será a penalidade. 6. Retirada posterior não elide a multa. 7. Inaplicabilidade do princípio da insignificância ao crime de propaganda de apoplexia.


1. UM TEMA CONTROVERTIDO

A propaganda de apoplexia ou derramamento de santinhos no dia anterior as eleições sempre foi matéria controvertida.

Em determinado caso concreto, o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás confirmou sentença de primeiro grau que julgou improcedente representação proposta pelo MPE, na qual requeria a aplicação de sanção a candidato pela “chuva” de santinhos realizada nos locais de votação, à véspera do pleito eleitoral.


2. A NOVA POSIÇÃO DO TSE

A matéria foi ao TSE através do Recurso Especial Eleitoral n° 3798-23, Goiânia/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, em 15.10.2015.

O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, assentou que configura propaganda eleitoral irregular a conduta de “derramar santinhos” nas vias públicas próximas aos locais de votação na madrugada do dia da eleição.

O Ministro Gilmar Mendes (relator), ao prover o recurso, afirmou que, além de configurar crime eleitoral previsto no art. 39, § 5°, da Lei nº 9.504, apurável na via própria, o “derramamento de santinhos” em espaço público à véspera da eleição caracteriza propaganda eleitoral irregular, em desacordo com o art. 37, caput, do mesmo normativo, em razão de o aludido dispositivo vedar a realização de propaganda de qualquer natureza em bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público ou a ele pertença.


3. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA NOTIFICAÇÃO DO CANDIDATO

No Recurso Especial Eleitoral n° 3798-23, Min. Gilmar Mendes, defendeu que “o entendimento desta Corte especial (AgRgREspe n° 27865/SP) é firme no sentido de ser obrigatória a notificação do representado para a retirada da propaganda irregular, a fim de que a correspondente sanção seja aplicada”.

No caso, ressaltou que, “pelo fato de a propaganda irregular ter ocorrido à véspera da eleição, restou inviabilizada a notificação do candidato para a retirada da publicidade”.

O Ministro Henrique Neves, acompanhando o relator, acrescentou que “o prévio conhecimento do candidato pode ser presumido a depender das circunstâncias constantes do fato”. Segundo o ministro, a distribuição de material de propaganda do candidato em larga escala induz a presunção do conhecimento do ilícito por parte do candidato.


4. A PROPAGANDA DE APOPLEXIA PODE SER TAMBÉM CRIME ELEITORAL

Elidida a controvérsia o TSE editou a Resolução nº 23.457, de 15 de dezembro de 2015, in verbis:

Artigo 14, § 7º.

O derrame ou a anuência com o derrame de material de propaganda no local de votação ou nas vias próximas, ainda que realizado na véspera da eleição, configura propaganda irregular, sujeitando-se o infrator à multa prevista no § 1º do art. 37 da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo da apuração do crime previsto no inciso III do § 5º do art. 39 da Lei nº 9.504/1997”.


5. COMO SERÁ A PENALIDADE

A penalidade será:

1. Para o candidato

a) Efeito cível eleitoral:

Multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais) para o candidato que distribui ou presta a sua anuência com a distribuição do material na véspera das eleições.

b) Efeito criminal eleitoral:

A responsabilidade criminal eleitoral não pode ser presumida, portanto:

  • Provado que o candidato distribuiu os santinhos na véspera das eleições, será autor do crime previsto no inciso III do § 5º do art. 39 da Lei nº 9.504/1997.
  • Provado que o candidato prestou anuência com a distribuiu realizada por terceiro, será o participe do crime cometido pelo eleitor/cidadão (Inciso III do § 5º do art. 39 da Lei nº 9.504/1997, c.c artigo 29 do Código Penal).

2.Para o eleitor/cidadão

a) Efeito cível eleitoral:

Multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais) para o eleitor que promove o derrame de santinhos na véspera das eleições.

b) Efeito criminal eleitoral:

O eleitor que, espontaneamente ou a pedido de candidato, promove o derrame de santinhos na véspera das eleições, comete o crime previsto no inciso III do § 5º do art. 39 da Lei nº 9.504/1997, punível com pena de detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR.


6. RETIRADA POSTERIOR NÃO ELIDE A MULTA:

Conforme o TSE:

“A remoção posterior ao pleito não afasta os danos já causados, especialmente em virtude de tratar-se de local próximo à seção de votação, ou seja, de elevado trânsito de eleitores, conferindo alta visibilidade. Procedência da representação, com fixação de multa no valor mínimo previsto em lei”. (Recurso Especial Eleitoral nº 379823, TSE/GO, Rel. Gilmar Ferreira Mendes. j. 15.10.2015, unânime, DJe 14.03.2016).


7. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE PROPAGANDA DE APOPLEXIA

Defendo no livro Direito Criminal Eleitoral, Tomo I, editora Juruá que:

Conforme o escólio de Nucci[1] o princípio da intervenção mínima significa que:

O Direito Penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor conflitos existentes em sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes.

Entendemos que o princípio da insignificância não pode ser aplicado aos crimes eleitorais, porque o bem tutelado são o livre exercício do voto, a lisura do processo de obtenção do voto, a liberdade de escolha dos eleitores, traduzindo-se em bens jurídicos de elevada expressão.

No mesmo sentido o TSE:

1. A aplicação do princípio da insignificância condiciona-se à coexistência da mínima ofensividade da conduta do agente, da ausência de periculosidade social da ação, do reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e da inexpressiva lesão ao bem jurídico. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 2. O crime tipificado no art. 39, § 5º, inc.. III, da Lei 9.504/97 encerra acentuada gravidade e inegável dano à sociedade, porque atenta contra a liberdade de escolha dos eleitores, traduzindo bem jurídico de elevada expressão. 3. Recurso provido. (Recurso Especial Eleitoral 1188716, TSE/RN, Relª. Cármen Lúcia Antunes Rocha, j. em 03.05.2011, unânime, DJe 13.06.2011).

No caso do crime de propaganda apoplexia o TSE entende que:

 “O princípio da insignificância não pode ser aplicado ao crime do art. 39, § 5º, III, da Lei nº 9.504/97, porque o bem tutelado é o livre exercício do voto e a lisura do processo de obtenção do voto. Precedente. 3. Ademais, o Tribunal de origem asseverou que "no presente caso, considerado o local em que foi praticada a conduta delituosa; a quantidade de material lançado em via pública; bem como o material que ainda se encontrava em poder do recorrente (fls. 05/06), restam evidentes a gravidade e o inegável dano à sociedade" (fl. 222), o que corrobora para o reconhecimento da tipicidade material da conduta. 4. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 498122 (4981-22.2010.612.0053), TSE/MS, Rel. Luciana Christina Guimarães Lóssio. j. 03.09.2014, unânime, DJE 19.09.2014)”.

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Notas

[1]     NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – Parte Geral e Especial. 2. ed. São Paulo: RT, p. 69.

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Sobre o autor
Francisco Dirceu Barros

Procurador Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral durante 18 anos, Mestre em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, ex-Professor universitário, Professor da EJE (Escola Judiciária Eleitoral) no curso de pós-graduação em Direito Eleitoral, Professor de dois cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal, com vasta experiência em cursos preparatórios aos concursos do Ministério Público e Magistratura, lecionando as disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Penal, Processo Penal, Legislação Especial e Direito Constitucional. Ex-comentarista da Rádio Justiça – STF, Colunista da Revista Prática Consulex, seção “Casos Práticos”. Colunista do Bloq AD (Atualidades do Direito). Membro do CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público). Colaborador da Revista Jurídica Jus Navigandi. Colaborador da Revista Jurídica Jus Brasil. Colaborador da Revista Síntese de Penal e Processo Penal. Autor de diversos artigos em revistas especializadas. Escritor com 70 (setenta) livros lançados, entre eles: Direito Eleitoral, 14ª edição, Editora Método. Direito Penal - Parte Geral, prefácio: Fernando da Costa Tourinho Filho. Direito Penal – Parte Especial, prefácios de José Henrique Pierangeli, Rogério Greco e Júlio Fabbrini Mirabete. Direito Penal Interpretado pelo STF/STJ, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Recursos Eleitorais, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Direito Eleitoral Criminal, 1ª Edição, Tomos I e II. Editora Juruá, Manual do Júri-Teoria e Prática, 4ª Edição, Editora JH Mizuno. Manual de Prática Eleitoral, Editora JH Mizuno, Tratado Doutrinário de Direito Penal, Editora JH Mizuno. Participou da coordenação do livro “Acordo de Não Persecução Penal”, editora Juspodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Francisco Dirceu. Considerações sobre a propaganda de apoplexia: derramamento de santinhos na madrugada do dia da eleição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4989, 27 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52515. Acesso em: 22 dez. 2024.

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