4. A CONSTITUCIONALIDADE DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA EM FACE DA VEDAÇÃO DO PRINCÍPIO DO NÃO RETROCESSO SOCIAL
É princípio já consolidado no direito pátrio que as conquistas sociais não retroagem. Os direitos fundamentais e as liberdades públicas sempre tendem a avançar, não se admitindo retrocesso.
O princípio da proibição de retrocesso social é assim formulado pelo professor Canotilho:
O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição do retrocesso social. A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contrarrevolução social ou da evolução reacionária. Com isso quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. A proibição de retrocesso social nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação ao princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. 12
Durante o caminhar da Previdência no Brasil o instituto da pensão por morte se modificou, o que ocorre novamente neste momento, com a edição da MP 664/2014 e sua conversão na Lei 13.135/2015.
O fato de a matéria ter sido tratada inicialmente por Medida Provisória, ato do Poder Executivo, já demonstra a falta de debate entre este Poder para com a sociedade e o Legislativo, ensejando a dúvida sobre o mérito da proposta. Tal entendimento norteou duas Ações de Declaração de Inconstitucionalidade, as ADIs 5230 e 5232.
E, mesmo com a posterior aprovação no Congresso Nacional, é de se ressaltar que os princípios da dignidade da pessoa humana e da vedação do retrocesso social foram violados.
Cabe salientar que a efetiva garantia dos direitos sociais dos trabalhadores é resultado de anos de luta, direitos estes expressamente previstos na Constituição Federal de 1988. A grande virtude da Carta Magna de 1988 é a amplitude de debates e de contribuições da sociedade o que contrasta com alteração abrupta do instituto da Pensão Por Morte na legislação brasileira, sem nenhum debate democrático e sem previsão de regras de transição.
Ainda sobre a Medida Provisória, especialistas13 apontam que a matéria prevista pela MP 664/2014 não carecia de urgência, desconfigurando tal característica intrínseca ao instituto da Medida Provisória. Isto porque, ao se tratar de tema tão delicado e com modificações substanciais, tal MP caracterizaria na verdade uma “Minirreforma Previdenciária” devendo iniciar via Projeto de Lei no Congresso Nacional.
Tais vícios formais maculam, por conseguinte, a Lei 13.135/2015.
Ademais, é função primordial do Estado Democrático de Direito tutelar os interesses da sociedade e servir de exemplo quanto ao acatamento ao comando Constitucional.
As tentativas de combater a fraude e diminuir as filas no Instituto Nacional de Seguro Social devem ser encaradas como bons recursos de uma gestão pública moderna e eficiente, amparada no art. 37 da Constituição Federal. No entanto, tais pressupostos não podem mitigar outros também consagrados pela Constituição Federal.
O momento da morte de um beneficiário, ou não, é também o momento da morte de um ente querido, e em muitas vezes, a mantenedora da família. É dever, pois, do Estado Constitucionalista garantir, diante da delicadeza sentimental do momento, o máximo possível para que o sustento daquela entidade familiar seja mantido sem prejuízo.
Esses direitos sociais previstos na Constituição Federal, sendo a Previdência um dos principais, consubstanciam o mínimo existencial do cidadão e de sua entidade familiar, devendo ser assegurado mesmo diante de crises financeiras e orçamentárias.
Nada obstante, a interpretação de que a Lei 13.135/2015 fere tais garantias é juridicamente fundamentada.
CONCLUSÃO
A MP 664/2014 e a Lei 13.135/2015, ao introduzir a carência como requisito para recebimento da pensão por morte, coloca o cidadão e seus dependentes em condição vulnerável, de risco, sendo descabida a sua imposição, uma vez que a morte configura em evento incerto, imprevisto, não programado, razão pela qual jamais poderia ser exigida carência. A medida provisória, ao introduzir a carência, acabou por prejudicar os dependentes daquele que vem a óbito, por morte natural ou acidental. A pensão por morte está inserida no rol dos benefícios de risco da previdência social, pois não se pode prever a ocorrência de um falecimento.
Assim sendo, uma família, vitimada pela morte de seu provedor, de causa natural ou acidental não relacionada ao trabalho, antes de completada sua carência, estará desamparada, inteiramente desprotegida e não receberá do Estado nenhum apoio para a sua subsistência, mesmo que por prazo determinado.
Logo, a exigência de carência para o recebimento da pensão por morte afronta a constituição em seu dever de proteção à família e ao menor.
A seguridade social foi criada para dar proteção aos direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social e seu objetivo é a cobertura em caso de morte, invalidez, velhice e doença.
Ademais, os dispositivos constitucionais rezam que a cobertura da seguridade social jamais poderá ser mitigada, reduzida. Aliás, o Sistema de Seguridade Social brasileiro é o principal instrumento adotado pela Constituição Federal para concretizar o bem estar e a justiça social.
O Regime Geral de Previdência Social necessita manter o seu equilíbrio financeiro e para isso precisa criar estratégias para garantir a sua sustentabilidade a longo prazo. Nos últimos anos houve expressivo crescimento da arrecadação previdenciária, em decorrência de uma maior cobertura previdenciária da população ocupada, entretanto, a despesa com o pagamento dos diversos benefícios também cresceu em proporções maiores do que a arrecadação, comprometendo o equilíbrio financeiro do sistema.
Sabemos que o objetivo das alterações é garantir a sustentabilidade da Previdência e coibir possíveis abusos na concessão dos benefícios, conforme ocorre frequentemente.
Entretanto, a medida provisória afrontou os direitos dos segurados ao não estipular as regras de transição e, nesse sentido, não foram observados os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade.
A Constituição Federal, não admite o retrocesso na proteção da seguridade social, ainda que justificada pela falta de recursos para a manutenção do sistema. É inaceitável, portanto, o retrocesso de direito social já consolidado na legislação brasileira, lastimando a condição social do trabalhador brasileiro e de seus dependentes, em detrimento à busca pelo equilíbrio fiscal, sem qualquer contrapartida social minimamente razoável.
Neste contexto, milhares de brasileiros sofrerão a perda jurídica e sua instituição, sem contrapartidas adequadas, fere a garantia social constante aos compromissos humanitários internacionais do país.
Existem as fontes de custeio responsáveis pela manutenção dos benefícios sociais e previdenciários da previdência social. Na insuficiência destas, outras fontes de custeio devem suprir a previdência, o que não se pode admitir é o cidadão arcar com tais prejuízos.
Restringir o alcance da cobertura, impor critérios antes inexistentes para a fruição do benefício, são medidas contrárias ao objetivo da previdência social de universalidade de cobertura, que não corresponde ao fim social a que se destina a previdência, que, no caso da pensão por morte, deve visar à total proteção à fragilidade da família vitimada pela morte de seu provedor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Notas
1 MARTINEZ, Wladimir Novaes apud SILVA, Juscelino Soares da, O beneficio da pensão por morte no RGP, Disponível em <https://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_%20leitura&artigo_id=12602.>. Acesso em 15/07/2016.
2 GONÇALVES, Ionas Deda. Direito previdenciário. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. Página 180.
3 Wikipédia. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Medida_provis%C3%B3ria> Acesso em 16/06/2015.
4 Brasil. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Mpv/mpv664.htm> Acesso em 16/06/2015.
5 Folha de São Paulo. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/asmais/2015/05/1625716-entenda-a-polemica-do-ajuste-fiscal.shtml > Acesso em 16/06/2015.
6 El País. Disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/22/politica/1432322890_723960.html > Acesso em 16/06/2015.
7 IPEA. Os Reflexos das MP’s 664 e 664 sobre as pensões, o abono salarial e o seguro-desemprego em suas modalidades defeso e formal. Disponível em <www.ipea.gov.br/portal>. Acesso em 06/07/2015.
8 Previdência Social. Resumo das regras nas medidas provisórias nº 664 e nº 665. Disponível em <www.previdencia.gov.br>. Acesso em 06/07/2015.
9 Lei nº 13.135 de 17 de Junho de 2015. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13135.htmr>. Acesso em 22/07/2016.
10 Lei nº 13.135 de 17 de Junho de 2015. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13135.htmr>. Acesso em 22/07/2016.
11 NOGUEIRA, NARLON GUTIERRE. IX ENCONTRO TEMÁTICO JURÍDICO-FINANCEIRO DA APEPREM. Disponível em: <https://www.apeprem.com.br/pdf/2-encontro-tematico/4.NT%20MPS%2012-2015%20-%20Averba%C3%A7%C3%A3o%20e%20Desaverba%C3%A7%C3%A3o%20-%20Leonardo%20Cota.pdf>. Acesso em 22/07/2016.
12 BRASIL. Lei nº 13.135 de 17 de Junho de 2015. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13135.htmr>. Acesso em 22/07/2016.
13 JUCÁ, Gisele. Novas regras para concessão da pensão por morte: O que mudo no RGPS com a MP 664/2014. Disponível em <https://giselejuca.jusbrasil.com.br/artigos/172141928/novas-regras-para-concessao-da-pensao-por-morte>. Acesso em 10/06/2016.