Positivismo jurídico: compreendendo o movimento

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Neste trabalho há uma releitura do movimento do positivismo jurídico desde os seus primórdios até os dias atuais, em uma abordagem teórica sobre o movimento.

1 – Primeiras Palavras

No início do século XIX, com o surgimento da codificação e as mudanças do pensamento jus-racionalista, que não mais conseguia retratar as necessidades de alteração da sociedade que o homem buscava realizar por intermédio do Direito, evoluiu-se para o sistema jurídico denominado Positivismo Jurídico.

Doravante, todo o sistema jurídico tem sido regulado por essa Doutrina, que, com diversas alterações estruturais, foi se moldando as realidades sociais e, em que pesem as diversas críticas que vem sofrendo no decorrer do tempo, consolidou-se e permanece vigente até os dias atuais.

A intenção original do Estudo nos levava a procurar realizarmos uma análise factual de como está o movimento nos dias atuais, quais os pontos positivos desse movimento, as criticas que sofre e, em especial, como podemos nos dias atuais encontrar a Justiça quando da aplicação do Direito, tendo por método de aplicação as concepções do movimento do Positivismo Jurídico.

Contudo, ao iniciarmos nosso estudo nos deparamos com um problema substancial, qual seja, a ignorância sobre o tema de uma forma mais ampla. Isto, pois, a investigação nos leva a perceber que este movimento não foi uniforme, ou seja, as idéias que motivaram inicialmente o movimento, com o transcorrer de sua vigência foram alterando-se, de forma que as concepções atuais em muito se diferenciaram das de origem.

Assim, delimitamos o enfoque da presente investigação para um trabalho prévio, onde se busca um estudo das razões históricas de tal movimento ter surgido, das idéias básicas que fundamentam esta doutrina e, auferido tais informações conceber o porquê da manutenção desta até os dias atuais.

Acabamos por nos distanciar nesse momento da idéia de construção de um pensamento crítico sobre o Movimento, pois, pela delimitação temporal e espacial do presente trabalho, entendemos melhor deixar essa investigação para um momento posterior, na continuidade do estudo, como é nosso real objetivo, buscando por ora apenas uma investigação histórica desse pensamento para buscarmos conhecê-lo. Afinal, impossível criticar o que não se conhece.

Inicialmente, buscamos uma visão da superação das idéias de direito natural próprias do jusnaturalismo, que nos leva a conceber a origem da codificação e, motivado por esta, entendemos o pensamento dos primeiros idealizadores do movimento, que, se posicionando contrariamente ao direito judiciário idealizaram o movimento do direito legislativo.

Após, fazemos uma análise do que é e quais as características básicas advindas do Positivismo Jurídico, para o que tomamos por base fundamental os ensinamentos de NORBERTO BOBBIO, que nos esclarece toda a metodologia, teoria e ideologia positivista.

Por ultimo, parte-se para um estudo dos principais movimentos históricos dessa corrente, isto é, quais foram as escolas de pensadores que buscaram dar continuidade ao pensamento positivista, tendo cada uma, características básicas, que buscamos sinteticamente esclarecer.

Assim, promovemos um estudo de base do pensamento Juspositivista, buscando compreendê-lo.

2 – Caminhos para o Positivismo Jurídico

Para a compreensão do que foi o movimento do positivismo jurídico, dentro da linha da análise que se pretende realizar, necessário promover uma breve explanação histórica dos precedentes históricos-filosóficos que fundamentaram a origem desta Doutrina, advinda do início do Século XIX.

2.1 – Passos que levaram à Codificação

Os ideais iluministas, com a invocação da racionalidade do pensamento humano, fazem chegar à concepção dos Estados Modernos, estes concebidos perante a noção dos contratos sociais realizados pelos homens, a fim de estabelecer uma ordem social maior, com direitos e deveres recíprocos, na busca do bem social. Para tal, os filósofos desse período buscaram fundamentar um direito natural racionalista, ou seja, motivado pela vontade de estabelecer uma ordem jurídica com caráter universal, válida para todos os homens e para todos os tempos, tal qual a imutável razão humana, sendo que tais tentativas restaram em alguns poucos, muito abstratos, princípios fundamentais do direito[1]. Esse foi o pensamento do jusnaturalismo, pré-positivismo, responsáveis pelo início do pensamento racional motivador da codificação.

Pela forma como a sociedade havia se organizado, dá-se um impulso histórico pela legislação, onde a lei vem a tornar-se fonte exclusiva ou absolutamente prevalente, do Direito, o que culmina na Codificação e após isso, por sua vez, no nascimento da Doutrina do positivismo jurídico[2]. A codificação surgiu embasada pela filosofia jusnaturalista, advindos de pensadores como Hugo GROTIUS, Thomas HOBBES, Immanuel KANT, ESPINOZA, THOMASIUS, PUFENDORF, entre outros tantos[3], mas, após sua efetivação, a Doutrina que veio a fundamentar a continuidade da legislação e a sua forma de interpretação foi o positivismo. Os códigos transformam-se nos livros de direito que obedecem à nova idealização do direito posto pela ordem legal. BECCARIA, em sua obra Dos Delitos e das Penas, sintetiza bem o pensamento que gerou a impulsão pela legislação, quando estabelece que é a lei que liberta o cidadão do despotismo, determina a submissão do juiz, sendo ela superior à opinião, construindo-se assim um direito racional e universal, onde as normas jurídicas são proposições interligadas umas com as outras de forma coerente, lógica e unitária, próprias de um sistema[4].

Com essas idéias vieram à base para transformar o Direito em uma ciência, com características lógico-formais, capazes de sistematizá-lo com a edificação de uma ordem social racional. Com a vigência do Estado Moderno, este como detentor do poder de legislar, por meio da idéia da divisão dos poderes, há uma profunda alteração do papel desempenhado pelo jurista na ordem vigente. Ocorre a dicotomia entre a elaboração e a aplicação do Direito, sendo a primeira a manifestação do que mais nobre possui o direito e a segunda uma atividade subordinada, que deve ser realizada nos estritos moldes estabelecidos pela própria lei. Em nome da certeza jurídica nega-se a pluralidade de fontes do direito[5]. É de se ressaltar que no período de surgimento das idéias racionalistas, saía-se da vigência de um mundo medieval, marcado pelo direito religioso e pelo despotismo, onde a insegurança era prevalente e o direito consuetudinário não atendia as necessidades dos Estados Nacionais, principalmente porque a lei nacional foi vista como uma forma de unificação nacional. Nesse período, as idéias jusracionalistas surgiram para acabarem com uma tradição de injustiça, desmascarando a superstição das bruxas, abolindo a tortura, as formas cruéis de execução, eliminando as penas corporais e infamantes e, com a reforma do direito penal e do processo penal, erguido bem alto o estandarte da humanidade. Contudo, no campo do direito privado, as idéias jusracionalistas tiveram méritos bem menores, onde ainda prevalecia uma espécie de monopólio Estadual do Direito Natural[6].

Por essa razão ultima, ou seja, o monopólio do Direito Natural nas idéias jusracionalistas, em que pese essas terem sido as criadoras dos Códigos (Prussiano e Napoleônico), orientados por uma moral prática, não conseguiram manter-se frente ao espírito reformador vigente na época da Codificação e logo após a mesma. WIEACKER estabelece como alguma das razões dessas idéias não perdurarem na época o fato, por exemplo, de que os códigos detinham a “simpatia dos legisladores absolutistas por soluções que restringissem o desenvolvimento científico do direito e que vinculassem a interpretação a comissões ministeriais (Prússia) ou a comissões legislativas (França)”. Nos locais onde houve o domínio do jusracionalismo na legislação se assistiu uma quebra da ciência jurídica do direito comum, tanto na esfera interna quanto na esfera externa. Essa foi a base que acabou por gerar, na Alemanha inicialmente, a consciência desta decadência e falta de objetivos, que ocasionaram “o colapso do jusnaturalismo iluminista, justamente no momento em que o sentido cívico e a renovação cultural se juntaram na ofensiva contra a legislação mecanicista do Estado autoritário”[7].

A idéia de codificação surgiu do pensamento iluminista do século XVIII, mas somente na legislação napoleônica ocorreu à codificação propriamente dita, como a entendemos hoje, ou seja, um corpo de normas sistematicamente organizadas e elaboradas com o intuito de simplificar as leis e condensá-las no menor número possível, acreditando-se que a multiplicidade de leis facilitava a corrupção. Representou a expressão orgânica e sintética da tradição francesa do direito comum, foi elaborada numa época em que a população desejava romper com o passado.

2.2 – Da superação do Direito Natural

Decorrente dessas idéias, com a sistematização das Leis, que foram se tornando a fonte prevalente do Direito, o surgimento do Movimento Positivista se fez latente. Mas, para que realmente o mesmo se consolidasse várias alterações foram impostas, em especial no que se refere às críticas em relação às concepções jusracionalistas.

Uma das alterações mais fundamentais refere-se ao afastar-se do Direito Natural[8], cujo significado muitas vezes alterou-se na sociedade humana, contudo, sempre teve sua força de expressão, a qual foi mitigada com o advento das idéias positivistas. Para tanto, foi necessário a superação de muitas das idéias do direito natural, o que se deu por meio de várias construções filosóficas, que ora retrataremos de uma forma muito sintética, com o intuito de aclaramento do tema com a alusão às mesmas.

2.2.1 – Teorias Contratualistas

Com o advento das teorias contratualistas criou-se a concepção de que a formação da sociedade humana se deu por meio de uma união fictícia dos homens, que origina o Estado Civil, onde este possui poderes para reger a relação social, impondo-se inclusive ao homem individualizado, que deve se submeter as regras impostas por aquele.

Com isso, o papel do Direito Natural acaba por ficar em muito mitigado, tendo em vista que, sendo o Estado uma formação fictícia, pressupõe de um Direito Positivado, qual seja, imposto pelo homem e não natural, que construa a ordem social.

Ademais, sob a visão contratualista de HOBBES[9], temos que o Estado deve impor um direito positivo certo e determinado, sendo indiscutível, pois a vontade do Estado é o único critério de Justiça. HOBBES concebia o Estado com poder absoluto, o Leviatã, pois, era céptico em relação à capacidade dos homens em cumprir seus compromissos se não houver uma força exterior, com o temor da imposição de uma sanção que os obrigue a tal. Assim, o Estado manteria a todos em respeito[10].

Para contrapor essa Teoria do Estado Absoluto determinado por HOBBES, ROUSSEAU apresentou nova teoria, onde concebe que os homens, quando no Estado de Natureza, tenham se tornados egoístas, o que gerou uma insegurança social insuportável. Por essa razão, ROUSSEAU concebeu que os homens firmaram contrato entre si, com o intuito de formação de um Estado, mas este, visto como respeitador de uma vontade Geral (volonté générale), que traduzindo suas vontades, implica a sujeição de cada indivíduo a sua própria vontade. Só há a vontade geral[11].

De qualquer forma, evidenciado está que ambas as teorias concebem um Estado fictício, razão pela qual se exige um direito positivado, não sendo suficiente o Direito natural para referida construção jurídica.

2.2.2 – Teoria de KANT

KANT também foi o representante de uma profunda alteração do pensamento racionalista em relação à posição do Direito Natural, anteriormente concebido.

Pelo enfoque pretendido neste trabalho, nos limitaremos a seguir as linhas ensinadas por SANTOS JUSTO, que estabelece qual a influência Kantiana para a superação das concepções do direito Natural.

Ante a influência que obteve da filosofia empirista, KANT apresenta-se crítico em relação ao metafísico, pondo em cheque o racionalismo dogmático. Concebe que nosso conhecimento só pode atingir os fenômenos (representações da realidade) e não a própria realidade, razão pela qual a realidade conhecida é uma construção do espírito, interpretação subjetiva que deriva da aplicação das formas a priori das nossas faculdades cognoscitivas aos dados que a experiência fornece. Por isso, entende ser impossível o conhecimento da metafísica e do Direito Natural. Ainda, há que se ressaltar, que Kant concorda com a concepção contratualista do Estado, vista como uma comunidade de ordem moral advinda do contrato, razão pela qual, entende que contra a autoridade legislativa do Estado nenhuma resistência do povo será lícita[12].

2.2.3 – Escola Histórica do Direito

De uma forma mais sistematizada, para o advento do positivismo jurídico e recusa ao direito natural foi fundamental a influência advinda com a «Escola Histórica de Direito», surgida na Alemanha entre o fim do século XVIII e o começo do século XIX, juntamente com o movimento do Historicismo da filosofia em geral, sendo seu principal expoente o filósofo SAVIGNY. Esta escola é considerada como predecessora ao Positivismo, pois critica o direito natural, não o concebendo como um direito universal, imutável, deduzido pela razão, como defendiam os iluministas, mas não se confunde com o positivismo. Gustavo HUGO, um dos fundadores da Escola, juntamente com SAVIGNY, defendeu a visão de que o “direito natural não é mais concebido como um sistema normativo auto-suficiente, como um conjunto de regras distinto e separado do sistema do direito positivo, mas sim como um conjunto de considerações filosóficas sobre o próprio direito positivo”[13].

Essa escola defendia o direito consuetudinário, por ser a expressão da realidade histórica e social do povo em oposição às concepções do jusnaturalismo, tão arraigadas na visão do direito natural. Todo o pensamento antijusnaturalista inicialmente sustentou a base do direito consuetudinário, no que ressaltamos o fato de que na Inglaterra, que tinha por base a Common Law, o Direito Natural era negligenciado[14]. Concebia que o direito brota do espírito do povo, com uma criação espontânea tal qual a arte, a linguagem, a música, e não nasce da razão; além do que o direito é mutável por natureza, o que se contrapõe em muito a idéia do Direito natural[15].

Contudo, como já asseverado, a Escola Histórica não pode ser retratada como uma escola positivista, pois, quando da análise da recepção desta em relação a Codificação, a oposição, em especial no direito germânico foi acirrada, o que em muito ficou asseverado quando da polêmica travada entre THIBAUT e SAVIGNY, onde o primeiro defendia a necessidade de um direito civil geral para a toda a sociedade alemã, dotado de perfeição formal e perfeição substancial, enunciando normas jurídicas claras e precisas, que venham a regular todas as relações sociais. Este autor entendia que não existia isso na Alemanha, onde a legislação própria era insuficiente, obscura e primitiva, o direito canônico era inculto e de difícil interpretação e mesmo o Direito Comum Romano era complicado e incerto, razões pelas quais se deveriam promover a realização de um Código Germânico, o qual traria vantagens para os juízes, estudiosos, cidadãos e à política, pois promoveria a unificação[16].

Contrapondo-se a essas idéias, SAVIGNY rechaça THIBAUT, pois, em que pese concordar com a idéia de codificação, julgava que o momento vivido na Alemanha era impróprio à cristalização do direito. Defende a codificação, concebendo-a, contudo, que o seu momento de realização seria quando a sociedade se encontrasse evoluída para tal acontecimento, o que não seria a situação da Alemanha. Para SAVIGNY a Alemanha encontrava-se numa época juridicamente primitiva, na qual o direito estava em vias de formação, razão pela qual a codificação bloquearia o processo natural de desenvolvimento e de organização do direito. Numa época de declínio cultural e jurídico, a codificação é danosa por cristalizar e perpetuar um direito já decadente. Concebia necessário para codificar o direito alemão promover o nascimento e o desenvolvimento do direito científico, isto é, a elaboração do direito por parte da ciência jurídica.

Interessante a visão que este autor detinha sobre as fontes do Direito, que concebe serem três apenas: Direito Popular, Direito Científico e o Direito Legislativo. O primeiro é próprio das sociedades em formação, o segundo das sociedades mais maduras e o terceiro das sociedades em decadência[17]. Ressalte-se que foi o pensamento de Savigny que prevaleceu nesse ínterim.

Ademais, opunha-se aos historicistas no sentido de criticar o direito consuetudinário, considerando-o uma herança da idade média, contrário às exigências do homem civilizado e de uma sociedade inspirada nos princípios de civilização, tendo-o como expressão não da razão, mas do irracional, tão incitado em toda tradição. Consideravam necessária a substituição das normas consuetudinárias por um conjunto de normas jurídicas postas pelo Estado, pois entendiam que o homem não deve ficar preso à tradição, devendo sim superá-la e renová-la.

2.3 - Os Genitores da Doutrina

Após a síntese acima, que demonstram as razões e bases que fundamentaram o início do positivismo jurídico, passamos a uma breve exposição do pensamento daqueles que são considerados como os pais do positivismo, pois são os responsáveis pela teorização de todo o movimento. Característica primordial de ambos está no fato de que são ingleses, ou seja, viveram em um país onde nunca foi estabelecido o direito com base no legislador, nos moldes por eles idealizados. Em que pese tal fato, foram eles os mentores da mais ampla teorização da codificação, em contra partida com o direito judicial vigente no país, onde predomina o direito costumeiro, não codificado e confinado ao trabalho dos juízes.

2.3.1- Jeremy BENTHAM

Jeremy BENTHAM, jurista inglês, foi quem propôs uma reforma radical do direito mediante uma codificação completa que deveria sistematizar toda a matéria jurídica em três partes: Direito Civil, Direito Penal e Direito Constitucional. Esta sistematização deveria ser universal, no sentido que serviria não apenas à Inglaterra, mas a todo o mundo civilizado, que comungasse dos ideais liberais. Segundo Bentham, a lei não deveria apresentar lacunas, devendo ser escrita para que todos pudessem conhecê-la. As leis deveriam ser elaboradas pelo legislativo e não pelo judiciário, uma vez que o direito judiciário não trazia segurança ao direito, por não permitir aos cidadãos prever as conseqüências das próprias ações. Não havendo, portanto, segurança para os direitos individuais, ou uma segurança muito inferior a do direito escrito. Criticava o sistema judiciário inglês, realizado pelos juízes e não pelo legislador, pois, segundo ele, os juízes não teriam interesse em clarificar o direito, simplificando-o e racionalizando-o[18].

Sendo um dos grandes expoentes da Filosofia Utilitarista[19], concebia como sua máxima a assertiva de que se deveria dar a maior felicidade para o maior número de pessoas possíveis, sendo este o objetivo do Estado, que o promoveria com o Código, realizado pelo legislador com esse espírito, sem permitir aos juízes a criação do direito.

Na base de seu pensamento, BENTHAM reduz todo o Direito a Lei, concebendo-o como um comando advindo de um ente soberano, ente este entendido como o Estado. Concebe que o fim que a Lei deve buscar é o bem público. Sua maior preocupação sempre foi o problema ético-político exposto ao direito, do que o problema lógico-científico[20]. Toda essa base foi de grande contributo para a formação do pensamento jurídico do positivismo jurídico, tendo embasado em especial o pensamento de seu discípulo John AUSTIN, que veio a realmente fomentar toda a filosofia do positivismo.

2.3.2 - John AUSTIN (1790-1859)

Este inglês é considerado efetivamente como o “pai” do Positivismo Jurídico, tendo sido o responsável pela junção entre as visões do utilitarismo inglês e entre a escola histórica alemã, de forma a formular toda a teoria básica do positivismo. É tido como o autor de uma obra só, pois publicou em vida apenas um livro: The providence of jurisprudence determined. Após sua morte, sua esposa publicou todas as aulas por ele ministradas na cadeira de Jurisprudence (espécie de teoria geral do direito) e outros apontamentos, que levou o nome de Lectures on Jurisprudence (Lições de Jurisprudência), cujo subtítulo era The philosophy of positive Law (A filosofia do direito positivo)[21].

 Define o direito como o direito posto pelos superiores políticos aos inferiores políticos, ou seja, é um comando, uma ação de conduta determinada imposta por quem tem o poder de impor um dano ou uma pena para quem não cumprir o seu desejo. É um comando geral e abstrato, entendendo-se o comando como a expressão de um desejo, cuja força de coação desse comando está na sanção que pode ser imposta[22]. Observe-se que a isto que aqui definimos como Direito, AUSTIN se refere como Lei, no sentido geral de Norma. Dessa noção advém também a distinção de lei em duas categorias no concernente ao sujeito de onde provém a norma, isto é, leis divinas e leis humanas, sendo que essas ultimas se subdividem em leis positivas (law) e moralidade positiva[23].

Além dessas distinções outro ponto fundamental da obra de AUSTIN refere-se a sua visão sobre o direito judiciário em contraposição ao direito legislativo, em uma profunda crítica ao modelo judiciário inglês. Observa que ambos os direitos são colocados pelo Estado, contudo, um de forma direta e outro de forma indireta (posto pelos juízes pelo poder derivado do Estado). A diferença está não nas fontes de imposição e sim no fato de que o Direito Legislativo é constituído por normas gerais e abstratas, que se impõe a toda a coletividade ou, pelo menos, parte dela; já o direito judiciário é constituído por normas particulares, emitidos com o fim de regular uma controvérsia única. Para demonstrar a superioridade do Direito Legislativo, estabelece uma série de críticas ao modelo Judiciário, refutando algumas que seu mestre havia realizado, em especial no concernente ao fato de que no modelo judiciário o controle popular, pela comunidade política, é difícil[24].

Assim, concebe que a codificação é o caminho mais correto para um direito superior, que superem todas as mazelas do direito judiciário, com a elevação máxima do direito legislativo.

AUSTIN expõe seis fases em que a lei histórica se desenvolve na sociedade humana, através da qual busca demonstrar toda a superioridade do direito codificado. Inicialmente, temos a fase da moralidade positiva, em que é pré-jurídica, onde só há o direito consuetudinário; após, surge o início do direito judiciário, onde o juiz faz valer o direito consuetudinário; em seguida, surge o direito judiciário com fundamento científico, onde os juízes elaboram normas com base na analogia; por fim, surge a criação judiciária do direito, onde os juízes criam as regras com base nos seus próprios critérios de avaliação; neste momento surge o direito legislativo, o qual, em um primeiro momento é emanado ocasionalmente para integrar o direito judiciário em matérias particulares; isso culmina, por derradeiro, no momento em que a lei se torna única fonte de produção do direito, com normas gerais e abstratas que regulam todas as relações sociais, qual seja, o direito legislativo[25].

Ressalte-se que AUSTIN, embora partidário da codificação, fez algumas censuras ao Código de Napoleão, não o entendendo como perfeito, entendendo que era melhor o direito judiciário do que um mau código.

Assim, este teórico trouxe todas as linhas fundamentais da nova doutrina a ser implantada, qual seja o Positivismo Jurídico.

3 – Entendendo o Positivismo Jurídico

3.1 – Em que Consiste?

Então, afinal, o que é o positivismo jurídico?

O Positivismo[26] Jurídico pode ser intitulado como a doutrina segundo a qual não existe outro Direito que não o positivado, aquele imposto pelo Estado, pelo Legislador[27]. No século XIX o positivismo jurídico se impõe como forma de pensamento que recusa à metafísica e o Direito Natural, assim como, impede ao juiz o poder de emitir opinião crítica sobre a justiça ou injustiça do direito que deve aplicar[28].

Na evolução do instituto do Direito, sempre houve a discussão acerca da dicotomia entre Direito Natural e Direito Positivo, embora a expressão jus positivum somente venha a ser utilizada expressamente no séc. XI, pelo jurista ABELARDO, conforme nos ensina Norberto BOBBIO[29].

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Essa dicotomia do Direito, nas diversas épocas, foi tida de forma distinta, com maior ou menor importância para cada uma delas, sendo que em algumas vezes um quase não existiu em razão do outro. Na época clássica (greco/romana), por exemplo, o direito natural e o positivo tinham posições semelhantes, mas, quando houvesse conflito entre ambos, o positivo, por ser considerado particular, se sobrepunha ao natural, de caráter geral. Já no período medieval o direito natural é considerado superior ao positivo, pois fundado na própria vontade de Deus. No período do jusnaturalismo racional, essa concepção foi alterando-se gradativamente, onde se passa a acreditar que as regras do Direito Natural eram advindas da própria natureza humana, da ratio humana, como regras auferidas pela intelectualidade do homem[30].

Todavia, em todos os períodos, em que pese à distinção de qualificação, ambos sempre foram considerados como direito na acepção do termo. Contudo, com o advento do movimento do positivismo jurídico essas concepções alteraram-se, onde o direito positivo passa a ser considerado como direito em sentido próprio e o direito natural deixa de ser considerado direito. O positivismo jurídico veio assim acabar com o dualismo que sempre existiu, estabelecendo que «só é direito o direito positivo», de modo que, o direito natural, que tem por essência a sua não positividade, se viu expulso da ciência jurídica racional[31].

OLLERO, nesse argumento, nos expõe um dos grandes questionamentos dos dias atuais, qual seja, se apenas o direito positivo é o que existe, quem, quando e como este é posto? Os positivistas respondem a este questionamento da seguinte forma: Somente é direito positivo a norma posta pelo Legislador[32].

É essa a base do pensamento filosófico motivador da idéia de que o Direito apenas seria o Direito Positivo, excluindo a juridicidade em fundamentos tidos como materialmente impostos, «natural», metafísico-ontológico, antropológico ou mesmo axiológico, sendo que este Direito Positivo se identifica com o direito posto pelos órgãos político-socialmente legitimados para tal[33].

3.2 – No que se Caracteriza?

Toda a doutrina Positivista se funda em noções[34] diferenciadas do modo como o Direito é visto, entendido e idealizado. Teve por principal objetivo a transformação do Direito em uma ciência, entendendo ser necessário para tanto uma consideração sistemática e científica de suas fontes, entendimentos e regras, de forma a tornar o seu estudo formal e concatenado, com o intuito de retratar melhor a clareza e a segurança jurídica, objetivos que entendiam fulcral do Direito.

Tem o seu sentido formulado pelo ponto de vista de que deve proporcionar uma precisa caracterização do Direito tal qual este é na realidade ao invés de analisá-lo como ele deve ser[35].

Nessa seara, Norberto BOBBIO[36] estabelece sete pontos fulcrais para caracterizar esse pensamento jurídico, sendo que os mesmos retratam o método, a teoria e a ideologia desta corrente, definidos como:

- o direito é tido como um fato e não como um valor;

- o direito é representado pela coação que pode aplicar;

- a fonte maior do direito é a lei;

- a norma jurídica caracteriza-se pela imperatividade;

- o ordenamento jurídico é completo e coerente;

- preza pela interpretação mecânica do direito;

- determina a obediência absoluta à lei.

Dessas características a primeira refere-se ao método, e a ultima a ideologia, sendo as demais próprias da teoria, que agora buscaremos retratar com maior propriedade.

Ressaltamos, contudo, que estas são as características basilares do positivismo jurídico clássico, o qual foi alterando-se com o tempo, de modo que, nem todas as formas de positivismo jurídico apresentam tais acepções.

3.2.1 – Método[37]

Sob a ótica da abordagem do Direito, defende o seu estudo como fato e não como valor. Essa é a forma encontrada pelos positivistas para tornar o Direito uma ciência, pois tem por objetivo fulcral o estudo do direito como ele é e não como deve ser. Estuda o direito real, independente do direito ideal, sendo este entendido como um conjunto de fatos, fenômenos ou dados sociais advindos do mundo natural, razão pela qual deve ser estudado de forma objetiva pelo jurista, sem ter em linha de conta noções valorativas dos mesmos, isto é, sem que se façam juízo de valores sobre esses fatos. O Direito não é bom nem ruim, apenas é Direito, é fato social, e como tal deve ser analisado. O direito objeto da ciência jurídica é aquele que se manifesta na realidade histórico-social. Estuda-se o direito real, sem se preocupar com o ideal, sem examinar se o real corresponde ao ideal. Em síntese, estuda o direito tal como ele é.

Contudo, interessante ressaltar a observação realizada por CAMPBELL, onde esclarece que o positivismo jurídico é uma teoria normativa que busca determinar o que deve ser o direito, mas, não no concernente ao seu conteúdo, mas, sim a sua forma[38]. Ou seja, nessa metodologia que é imposta pela teoria, estuda-se o direito já posto, estabelecendo as regras de validade deste direito posto, independente de seu conteúdo.

Disso advém a teoria da validade[39] do Direito, onde o que importa para que este seja considerado válido é o seu caráter formal, ou seja, a observação dos critérios formalmente estabelecidos. Da distinção entre valor e validade temos um dos traços de grande diferença entre o jusnaturalismo e o juspositivismo. O primeiro entende que para uma norma ser válida deve ser valorosa, justa. Quanto ao juspositivismo, essa corrente diverge um pouco, havendo a posição extremista que entende que uma norma é justa pelo simples fato de ser válida (ou seja, posta por autoridade legitimada para tal). Poucos defendem realmente essa idéia. A maioria da doutrina juspositivista compreende a validade da norma sob o prisma de dois conceitos, qual seja, juízo de validade e juízo de valor.

Essa distinção delimita a esfera de compreensão do direito pelo filósofo e pelo cientista do direito. O filósofo vem conceituar o direito com base na concepção do ideal de direito, que varia conforme o filósofo, mas, que muitos tendem a identificar com a concepção de justiça, ou seja, define o direito como ordenamento que serve para a realização da justiça.

Já o cientista jurídico, qual seja, o positivista dá ao direito uma definição puramente factual. Define o direito como simples técnica, que pode servir a realização de qualquer propósito ou valor, mas, em si, independe de propósito ou valor.

Ou seja, Direito para eles seria um conjunto de comandos emanados pelo soberano, o que traz apenas o seu caráter de validade no sentido formal, qual seja, a forma como a norma jurídica é realizada é que a torna direito e válida, sendo esta que deve ser estudada, sendo desnecessário a sua caracterização de valor, assim como, a de eficácia[40].

Nota-se nessa conceituação do direito que este valoriza apenas o caráter formal, isto é, define o direito apenas segundo sua estrutura formal, independente do seu conteúdo, isto é, considera como o direito se produz e não o que ele estabelece. Isso se dá pelo fato de que o conteúdo do direito é muito variável, podendo ter regulamentações próprias conforme o ordenamento, a sociedade que o institucionaliza (por exemplo, Estado Liberal ou Estado Socialista, Estadual ou internacional). Em seu conteúdo, o direito pode regular todas as condutas humanas possíveis, ou seja, que não são nem necessários nem impossíveis, pois, caso contrário, realizariam normas supérfluas ou vãs.

É esse caráter de considerar o direito como fato e não como valor, ou seja, conceituá-lo sob a ótica da validade formal, independente do conteúdo que regula ou do seu ideal de justo ou injusto, que faz com que o Direito possa ser visto como uma ciência. Para se fazer ciência deve-se adotar esse método de abordar o direito, sob pena de, caso contrário, ser realizada filosofia ou ideologia do direito[41].

3.2.2 – Teoria[42]

Como teoria positivista, por sua vez, o positivismo vem retratar diversas acepções do direito que caracterizam fundamentalmente essa corrente. É considerada usualmente como uma teoria analítica, descritiva e explicativa[43].

A priori, o positivismo jurídico define o direito como um conjunto de comandos dotado de poder coercitivo. É a configuração da Teoria da coatividade do Direito, pois, sendo o direito um fato será também aquele que é posto em determinada sociedade e, portanto, deve ser imposto por meio da imposição da sanção que o tornará obrigatório, pois não possui o caráter de universalidade de suas concepções. Essas imposições são postas pelo Estado devendo ser cumpridas, independentemente de seu conteúdo, uma vez que o seu descumprimento implica sanção por parte do Estado (dotado do poder de coerção). Essa característica é conseqüência direta da concepção estatal do direito, pois pressupõe um poder soberano capaz de impor uma regra e uma coação que obrigue o cumprimento desta norma.

Outra característica do Positivismo vem da consideração da lei como fonte primeira do direito.

A lei, como se analisou anteriormente, desde o período em que se iniciou a codificação veio assumindo grande relevância como fonte do Direito[44], pois tem em sua essência a capacidade de generalidade e abstração capaz de promover maior segurança e clareza ao direito. No movimento do positivismo jurídico o culto a Lei se acentua, tornando-se esta a fonte primeira do Direito. Trata-se da teoria da legislação como fonte preeminente do Direito, que advém do fato de que, estando vigente em um ordenamento complexo (com mais de um tipo de fontes), organizado hierarquicamente (com planos diferentes para as diversas fontes), faz-se necessário que seja estabelecida qual a fonte deve prevalecer.

Os positivistas estabelecem a lei como fonte primeira, pois concebem que está é mais capaz de impor a segurança e a transparência jurídica, pelas razões expostas por BENTHAM e AUSTIN, quando questionaram fontes como costume, direito judiciário e equidade. A lei é imposta pelo Estado, de forma genérica e abstrata, podendo transmitir a igualdade e a certeza jurídica, sendo fruto do poder soberano dado ao Estado e realizado pelo Legislador, razão pela qual deve ser obedecida. É própria da imposição do princípio da onipotência do legislador[45], onde se nega todo o tipo de direito positivo diverso da lei.

Ademais, os positivistas concebem o direito como um Imperativo. Trata-se da Teoria Imperativista da Norma Jurídica, onde a mesma é considerada como um imperativo, tendo a estrutura de um comando, advinda da concepção legalista do Estado, conseqüência direta da característica de se ter a Lei[46] como fonte primeira do sistema positivado. Esse comando está embutido tanto na norma imperativa em sentido próprio quanto na norma permissiva[47], sendo que o imperativo[48] jurídico é o imperativo hipotético, ou seja, o imperativo técnico, que prescreve uma ação que não é boa em si mesma, mas é boa para atingir um determinado fim. Essa caracterização advém do postulado kantiano que distingue aquele do imperativo categórico, que comanda uma ação boa em si mesma, incondicionalmente. Há que se ressaltar que é o imperativismo crítico de KELSEN que vige com maior expressão na concepção positivista, pois retrata a norma como um imperativo hipotético dirigido aos juízes e não aos cidadãos, pois determina que os juízes estejam vinculados a obrigatoriedade de fazer valer o comando da norma, sem a qual, não haverá vinculação do cidadão.

O positivismo trouxe uma grande inovação para a ciência do direito, pois, pela primeira vez, foi concebido o direito como um Ordenamento Jurídico, e não apenas a norma concebida isoladamente. Concebe-se não apenas a norma isoladamente, mas esta em uma visão de conjunto gerando a Teoria do Ordenamento Jurídico, onde sustenta que o ordenamento jurídico é unitário, coerente e completo. Esta é uma das características mais típicas do positivismo e, ao mesmo tempo, a mais contestada pela crítica em geral.

Concebe o sistema como uma Unidade, idéia esta que provém de KELSEN, onde o direito é tido como único porque suas normas são postas pela mesma autoridade, podendo assim todas ser reconduzidas à mesma fonte originária que é constituída pelo poder legitimador da criação do direito[49]. Esse poder maior, no fim das contas remonta a idéia de norma fundamental, que está na base do ordenamento jurídico, sendo esta a principal razão da crítica realizada contra essa teoria, pois, não explica em que se funda a norma fundamental.

Ainda, o ordenamento se vale da coerência que decorre do fato de que não podem coexistir simultaneamente duas normas antinômicas, pois o sistema implicitamente estabelece que uma das duas ou ambas não sejam válidas. Para resolver o problema das normas antinômicas a doutrina positivista estabelece três critérios que tentam resolver a existência de duas normas incompatíveis, qual seja, o critério cronológico, hierárquico e de especialidade, cujas especificidades não nos parecem relevantes no presente trabalho.

 Nessa mesma linha, temos a questão de que o ordenamento seria completo, pois, este fornece todos os meios para o juiz aplicar o direito. Isso advém do fato de que o sistema, sendo completo, não possui lacunas, de modo que o juiz não pode e não precisa realizar nenhuma elaboração jurídica maior do que aquela de aplicar a norma mais adequada ao caso, entre aquelas que foram dadas pelo legislador.

Trata-se da característica mais essencial da teoria positivista, pois, tem inserido em si duas verdades fundamentais para o pensamento positivista, qual seja, o fato de que o juiz não pode criar o direito e também lhe é vedado a recusa de resolver uma controvérsia. Essas assertivas vêm nos mostrar que o ordenamento jurídico sendo completo sempre possuirá uma solução para o caso concreto, o que demonstra não haver lacunas na lei. Para garantir essa situação os positivistas criaram duas teorias para tentar justificar tal fato, a teoria do espaço jurídico vazio, que entende que se não há norma regulando determinado caso é porque este é irrelevante e a teoria da norma geral exclusiva, que, em ultima análise, se explica na máxima de que «é permitido tudo que não é proibido ou comandado»[50].

Em que pese ser o carro chefe da doutrina positivista, essa teoria também é o seu calcanhar de Aquiles, pois grande parte dos doutrinadores se posiciona contrariamente a este pensamento, alegando que por certo pode não haver lacunas no direito, mas, na lei sempre haverá.

No tocante ao método da ciência jurídica, sustenta a teoria da interpretação mecanicista, onde o jurista possui um papel de mero aplicador do direito, em uma simples configuração do elemento declarativo, sem efetuar qualquer papel produtivo ou criativo do direito, pois apenas o legislador pode criar o direito. Vem em decorrência da característica do ordenamento jurídico ser considerado completo e coerente, sendo também um dos grandes problemas desta teoria.

3.2.3 - Ideologia

E, por ultimo, BOBBIO nos apresenta a questão de que o positivismo concebe a teoria da obediência absoluta a lei enquanto tal, ou seja, lei é lei. Interessante ressaltar que essa característica é o que torna o positivismo jurídico uma ideologia e não apenas uma teoria[51], pois a lei deve ser obedecida seja qual for. Esse é o idealismo do positivismo extremista. Isto significa que, tendo esse positivismo uma concepção ideológica, não se está mais perante uma doutrina científica e sim de uma doutrina ética do direito. Por essa razão, BOBBIO denomina essa ideologia do juspositivismo extremista como Positivismo Ético[52].

A idéia de obediência total a lei advém do fato de que como o Estado Moderno criou a visão de um único ordenamento jurídico o qual se funda na lei, razão pela qual a mesma não pode ser contestada, pois, só se poderia contestá-la se houvesse outro ordenamento de comparação. Assim, a obrigação da obediência não é apenas jurídica mas sim moral, pois proveniente da convicção que se deve ter dessa obediência.

Para que essa obediência ocorra, não se precisa questionar sobre a sua Justiça, apenas deve analisar a questão de sua validade. Isso gera uma concepção diferenciada da visão de justiça dada pelos autores positivistas, baseada na concepção do Estado Ético[53].

Assim, sendo a lei uma manifestação do Estado Ético possui valor ético, o que gera sua obediência incondicional, segundo a posição extremista do positivismo.

Contudo, há uma posição moderada, a mais difundida pela doutrina positivista, que afirma que o direito tem um valor enquanto tal, independente de seu conteúdo. Esse valor advém do fato não de ser sempre justo, mas, por ser válido. Ou seja, por ser meio necessário para realizar certo valor, isto é, estabelecer a ordem, resultado da atuação de um sistema.

Disso advém que o fim o maior do Direito Positivo é a busca da Justiça, pois busca uma ordem justa. Ou seja, considera-se Justiça a legalidade, a correspondência à Lei, a Ordem.

O positivismo ético moderado considera que o direito é o meio necessário para realizar a ordem e a lei é o meio mais perfeito do direito, pois é genérica e abstrata, capaz de garantir a certeza jurídica e garantir a liberdade.

Concebem a visão de que as funções de criação e de aplicação da norma são tarefas diversas, que devem manter-se separadas e que esta ultima deve ser conduzida da forma mais livre de valores que seja possível, sendo está a principal visão defendida por esta corrente do positivismo ético[54].

Assim, essas são as características primordiais de toda a evolução da corrente do pensamento jurídico positivista. Entretanto, no decorrer da evolução deste pensamento, a forma como essas características foram absorvidas foi diferenciada, conforme verificamos no próximo ponto.

4 – Escolas Positivistas

Em que pese os traços gerais característicos da doutrina positivista como um todo, acima explanados, durante todo o período de vigência desta corrente filosófica ela sofreu várias alterações sistemáticas, inclusive em algumas de suas concepções, tendo evoluído como forma natural de manter-se vigente, buscando adaptar suas teorias à realidade fática apresentada.

Essa mudança histórica do pensamento positivista vem de encontro com o fato de que para ser um positivista jurídico não é necessário que todos comunguem de todas as características expostas no item anterior. Comungando de algumas dessas idéias básicas, tendo por base a idéia principal, ou seja, a visão do direito como uma ciência que tem por principal fonte a lei. As mudanças das concepções não desvirtuam completamente a doutrina, até porque, muitos dos ideais expostos pelo positivismo também são encontrados em outras ideologias, diferenciando-se apenas no que se refere ao rigor adotado pelos positivistas nessa contextualização.

Neste momento nos debruçaremos sobre algumas das mais clássicas dessas Escolas surgidas, com uma breve análise dos fundamentos principais de cada uma, assim como, dos seus maiores expoentes teóricos. Ressaltamos que as minúcias de todas as escolas que existiram não é possível, pois divergentes as posições doutrinárias que as relacionam e pela extensão do presente trabalho, difícil abarcar todas as concepções que existiram. Na base deste estudo nos debruçamos com os juristas SANTOS JUSTO, Mário REIS MARQUES, Norberto BOBBIO e Arthur KAUFFMANN e W. HASSEMER.

4.1 – Positivismo Legalista ou Exegético

Essa escola surgiu em decorrência da própria codificação, quando o Código Civil Napoleônico ocasionou o fenômeno que SAVIGNY havia alertado, qual seja a estagnação da tradição e da ciência jurídica, sendo que esta ultima perdeu sua capacidade criativa. Por essa razão em França veio a desenvolver-se essa escola, que tinha por função uma interpretação passiva e mecânica do Código[55].

Desenvolveu a técnica consistente em assumir a mesma sistemática do Código, com a divisão das matérias apresentadas pelo legislador, e fazendo simples comentários, artigo por artigo[56]. Foi a fomentadora do princípio da completude do ordenamento jurídico positivo, com a conseqüente redução de todo o Direito a Lei, pela vontade do Estado, tendo vigido em França durante todo o século XIX, sendo seu período de apogeu os anos de 1830 a 1880. Essa escola exclui qualquer direito que não seja aquele posto pelo Estado, seja ele natural, consuetudinário, jurisprudencial ou doutrinal, assumindo como exclusiva forma de interpretação da lei a intenção do legislador[57]. Nisso se consubstancia uma das principais características da Escola, qual seja, a concepção rigidamente estatal do direito, fundamentadora do princípio da onipotência do Legislador, onde só é válido como direito as leis que o legislador promulga ante o fato do mesmo ser o representante da volonté générale, o que torna a lei sempre justa, pois a vontade geral é justa por natureza[58].

Outras características que podemos depreender é o fato de que a interpretação da lei está fundada na intenção do legislador, o qual prevalece sobre o sentido literal dos vocábulos em que se expressa; há um culto pelo texto da lei; respeito pelo princípio da autoridade; não reconhece a existência de verdadeiras lacunas, pois considera o sistema jurídico completo e fechado, onde o Code sempre ofereceria a solução para o caso, seja pela analogia legis ou pela analogia iuris e, se nada gerasse uma solução é porque o caso sob judice não seria jurídico, pertencendo ao espaço livre do direito[59]; e, em especial, o fato de que nessa escola há uma inversão das relações tradicionais entre o direito natural e direito positivo, com a prevalência deste ultimo[60].

4.2 – Positivismo Científico ou Conceitual

Essa escola foi uma das concepções iniciais do movimento positivista, contemporâneo a escola da Exegese, mas que se desenvolveu na Alemanha, por influência da Escola Histórica, em contrapartida ao movimento de Codificação recusado naquele momento pelo país. Surgiu pelo desvio ou paradoxo em que a Escola Histórica incorreu, quando esta, por privilegiar a intenção científica, acabou por recuperar o racionalismo normativo, que expulsou a dimensão histórica do direito, recuperando o estudo do direito romano, o qual, por uma enorme depuração científica, acabou por transformar toda a ciência em conceitual, caminhando assim para a Jurisprudência dos Conceitos[61].

Em que pese a escola histórica ter um pensamento de oposição a codificação, partilhava de muitas idéias dos codificadores, em especial no tocante a necessidade de dar a uma determinada sociedade um direito unitário e sistemático; assim como criticava o direito judiciário, mas, entendia que seria mais eficaz uma ciência jurídica do que por intermédio da codificação, pois a ciência jurídica proporcionaria uma maleabilidade e adaptabilidade do direito[62].

Essa escola concebia que assim como as demais ciências, a ciência do direito também deve pressupor de uma conceptologia ou mundo dos conceitos, que estabeleçam a real denominação de termos como norma, preceito, direito subjetivo, direito objetivo, fato jurídico, ato ilícito, propriedade, etc. Após o jurista conceituar, ele produz a sistematização onde ocorre a subordinação das normas mais gerais as normas menos gerais até chegar às instituições. É a expressão mais acabada do estilo formalista logicista que pensa e constrói o direito como um sistema de conceitos[63].

Esse movimento foi impulsionado por Puchta (1798-1846), discípulo de Savigny, que concebia apenas como direito científico aquele que provem do trabalho sistemático, aquele que surge como produto de uma dedução científica. Concebe que o «direito consuetudinário e o direito legislativo derivam respectivamente da «autoridade exterior» do povo e do poder legislativo, o direito científico é o produto de uma autoridade interior, da verdade dos princípios derivados do direito existente da justeza das conseqüências da aplicação destes princípios»[64]. Concebia que os juristas são os portadores da verdade científica, que não deriva de uma valoração exterior e sim da estrutura sistemática dos conceitos. Essa sistemática é considerada como a legitimadora da regra jurídica[65].

Essa escola também foi conhecida como Pandectista, em seus primórdios, tendo evoluído para a jurisprudência dos conceitos, sendo uma das maiores personificação desse pensamento inicial, Bernardo WINDSCHED, que, por meio de sua obra veio preparar a codificação Alemã[66].

Outro representante paradigmático dessa escola da jurisprudência dos conceitos foi Rudolf von JHERING, cuja obra O Espírito do Direito Romano é considerada uma das maiores embasadoras dessa filosofia, em que pese, num segundo momento, JHERING tenha alterado suas concepções, abandonando a jurisprudência dos conceitos para assumir a jurisprudência dos interesses, por meio da obra A finalidade do direito[67]. Foi um dos propulsionadores da idéia que geralmente se atribui ao jurista positivista, isto é, a de um jurista teórico, que constrói um belo sistema, preocupado mais com a estética, forma, do que com as conseqüências práticas de suas construções. Isso ficou tão arraigado, que o próprio JHERING posteriormente, ironiza suas idéias, buscando fomentar a idéia da finalidade, ou seja, da jurisprudência dos interesses.

4.3 – Positivismo Normativista ou Lógico-normativo

Essa escola surgiu após um período de crise pelo qual passou o pensamento positivista, no início do século XX, sendo fruto da construção filosófica de um dos maiores expoentes do Positivismo Jurídico do séc. XX, Hans KELSEN, o criador de uma das mais grandiosas e coerentes doutrinas jurídicas de todos os tempos, a Teoria Pura do Direito, a qual concebe o direito como norma, constituído de normas, sendo o estudo desta o objeto exclusivo da ciência jurídica[68].

Esse teórico buscou depurar a ciência do direito de todos os elementos pertencentes a outras ordens do conhecimento. Iniciou pela separação entre o mundo do ser e o mundo do dever ser[69], ou seja, afastou a realidade social e histórica das normas e passou a considerar o direito como pertencente à ordem ontológica do dever ser, isto é, normas consideradas na sua autonomia formal, desligadas do fundamento normativo que as transcende e da realidade social na qual atuam. Concebe que os valores apenas se dão no momento anterior a confecção da norma, onde o ordenamento jurídico os aceita e juridificam, mas, depois de positivado, pertencem a este mundo, sendo insuscetíveis dum juízo crítico, não se discutindo se a norma é justa ou injusta, pois crê que a justiça é um ideal irracional e inacessível, sendo valores usados como máscara para encobrir interesses sociais ou políticos[70].

Portanto, concebe um Direito livre da Ética, psicologia, política, da sociologia e do direito natural. A ciência jurídica deve valer-se do direito positivo, sob a perspectiva de uma análise de sua estrutura. As normas são concebidas como juízos hipotéticos que imputam sempre uma sanção, sendo esta coação o principal diferenciador da norma jurídica das demais ordens normativas, entendendo por coação não o fato em si, mas, tão somente a previsão normativa da sanção jurídica. Isso acarreta a noção de que uma norma para ser jurídica deve ter inserido em si uma coação[71].

A máxima dessa construção teórica está na sua concepção de validade da norma, a qual é fornecida pela validade da norma superior. Concebe a visão de pirâmide do sistema, onde as normas têm um caráter hierárquico, que tem por vértice a Constituição Política. Essa, por sua vez, está fundamentada numa norma pressuposta, qual seja, uma Norma Fundamental[72], «Grundnorm», única norma que não é produzida por uma ato de vontade, a que prescreve o dever de respeitar a primeira Constituição como obrigatória. Nesses degraus temos que da Constituição, validada pela norma fundamental, passamos a lei, estas com suas próprias hierarquias, chegando às decisões jurídicas, sendo que a norma superior estabelece as características necessárias para a validade da inferior[73].

Portanto, a regra jurídica é produto de diversos órgãos hierarquizados que dependem da autoridade suprema da Constituição, a qual tem sua validade posta pela Norma Fundamental, sendo esta não real e sim hipotética, responsável pela transmissão da validade da ordem jurídica[74]. A concepção de norma fundamental, com todas as discrepâncias que advém de uma norma hipotética, concebida, em ultima análise como norma de direito natural, tornou-se a criação de maior problema dessa Teoria Pura do Direto, sendo à base das maiores críticas apresentadas a escola.

Ressaltamos que a concepção dessa Teoria prevê o Estado como fonte primeira do Direito, sendo que apenas há o Estado de Direito, isto é, proveniente de uma ordem de direito, o que faz deste um Ordenamento Normativo, onde o poder daquele é dado por este, sendo este poder condição do próprio direito[75].

Aqui se percebe que, tal como o positivismo empírico perdeu de vista a norma, o positivismo lógico-normativo perdeu de vista a vida real.

4.4 – Positivismo Empírico

Nessa filosofia se busca preencher os conceitos legais com sentido, sendo que esse sentido foi buscado nos fatos jurídicos, tendo em vista que não o poderia ser feito no Direito Natural, assim como, já se havia percebido que as leis não proporcionavam tal elemento. Para tal, essa escola volta-se para uma concepção do direito como um dado do mundo interior, fato psicológico, ou como um dado do mundo exterior, fato sociológico[76].

Por essa razão essa escola se subdivide em diversas correntes filosóficas, que buscam dar suas contribuições para o aperfeiçoamento das correntes positivistas, estando todas embasadas no positivismo motivado pelos fatos, qual seja, empírico. Limitaremos-nos agora a expor algumas dessas correntes filosóficas com o ideal básico de cada uma das expostas, advertindo, contudo, que essa sistematização foi realizada de uma compilação de diversos autores, que não são uníssonos entre si para o seu estabelecimento[77].

1) Teoria Psicológica do Positivismo Jurídico Empírico: o principal teórico deste movimento foi Ernest Rudolf BIERLING (1841-1919), que buscou demonstrar a autoridade do direito, objetivo primordial da escola empírica, na concepção de reconhecimento. Significa dizer que direito é aquilo que é reconhecido como tal pela comunidade, sendo este reconhecimento um comportamento duradouro e habitual. Concebe ainda que a interpretação da lei deva investigar a vontade real do legislador, não o espírito da lei, e, não sendo possível obter a vontade real deste, deve-se voltar para a interpretação segundo a Boa-fé[78].

2) Teoria Sociológica do Positivismo Jurídico Empírico – Positivismo Sociológico: Está tem por fundamento a busca de retratar a validade do Direito nos fatos sociais que o movimentam. Surgiu como oposição ao pensamento normativista, dando uma orientação sociológica que reduz o Direito como um fato social e procura substituir a tradicional jurisprudência por uma ciência empírico-sociológica, sem caráter normativo[79].

O fato social sobrepõe-se a regra do direito positivo, sendo elevada a objeto da problemática jurídica. Mário REIS MARQUES[80] cita como dois dos grandes pensadores desse movimento, que vigeu na primeira metade do século XX, em especial, Émile DURKEIN (1858-1917) e DUGUIT (1859-1928). Esses teóricos conceberam que a humanidade está inserida no mundo das leis que dominam a natureza, razão pela qual a consciência coletiva do grupo exprime a regra jurídica, embasadas na solidariedade social, destinada a melhorar as condições da vida. Assim, o Direito encontra-se no mundo dos fatos sociais, pois a solidariedade social exige regras específicas de conduta, as quais podem ser econômicas, morais e jurídicas, sendo que essa ultima é sempre formada pelas duas primeiras, surgindo quando a coletividade compreende necessário que aquelas sejam positivadas, ou seja, devem ser impostas, tornadas obrigatórias.

É essa a distinção fulcral do positivismo sociológico com o positivismo normativo, pois, entende que o Direito é positivado, mas, a fonte primeira não é a lei e sim entende como fonte do direito a consciência da solidariedade social e do sentimento de justiça. Assim, compreende que há um juízo de valor sobre a regra do direito positivo, sendo a lei positiva nada mais do que um modo de expressão da regra de direito, sendo expressão de uma norma jurídica[81].

KAUFFMANN e HASSIMER nos apresentam também, como o «grande ancião» da sociologia jurídica Max WEBER (1864-1920), que distinguia entre o sentido normativo próprio da norma jurídica e o sentido factual, ou seja, aquele que provem do seio da comunidade, que gera a validade empírica da norma, pois, ante a realidade social vigente busca-se regular tal disposição, estabelecendo a imposição da mesma, por meio de um aparelho coativo, que advém do poder do Estado. Assim, o direito se fundamenta, segundo este teórico, no poder. É a teoria do império[82]. Isto é, o direito advém de um fato social que dá validade a norma jurídica, mas, que apenas se concretiza quando estabelecido com poder coativo por uma ordem de império, pelo poder.

Essa corrente se subdivide, segundo SANTOS JUSTO, em diversas outras, das quais destacam-se as seguintes:

a)Realismo Jurídico Escandinavo: tem por seu caput scholae HÄGERSTRÖM, possui a mais coerente das posições antiformalistas do século XX. Recusou um conhecimento insuscetível de observação empírica, o que gera a recusa por uma atitude valorativa, pois só consideram como científico aquilo que está fundado na experiência, por isso é contrário a visão de que o direito de funda na natureza racional do homem. Propõe-se a fazer da jurisprudência uma verdadeira ciência fundada na experiência e sujeita a observação e verificação. Do direito concebe uma articulação de comportamentos, idéias e sentimentos, sendo que a ciência jurídica tem por função a determinação das causas psicológicas e sociais da sua gênese e eficácia[83].

b)Realismo Jurídico Norte-americano: esse movimento surgiu no ambiente cultural norte americano nos fins do século XIX e início do século XX, como protesto ao jusnaturalismo tradicional e reação a esterilidade do logicismo da Jurisprudência dos Conceitos, que não conseguiam acompanhar a evolução industrial e social. Aspirava uma compreensão sociológica do direito através da consideração das suas causas e dos seus fins. Entendia que só havia direito que se impunha nas decisões judiciais, razão pela qual a ciência jurídica deveria se valer do estudo das probabilidades do juiz decidir deste ou daquele modo nos casos em concreto. Ou seja, estudar os fatores que determinavam as decisões judiciais[84].

A doutrina de um modo geral tece severas críticas à esse modelo empírico do Positivismo, em especial ao sociológico, pois entende que a mesma foi um fracasso no concernente a compreensão do direito, pois preocupou-se muito mais com a psicologia ou com a sociologia do direito, do que com o direito em si, esquecendo-se do seu objeto, qual seja, o sentido da normatividade[85]. Essa é a razão de terem surgidos novas Escolas que buscaram alterar fundamentalmente essas concepções, tendo inclusive características, de certo modo, anti-positivistas, mas ainda embasadas nos fatos. Ressaltamos que SANTOS JUSTO cita essas correntes não como subespécies do positivismo empírico, mas, aqui, optamos pela seqüência apresentada por KAUFFMANN e HASSIMER.

3) Movimento Livre do Direito ou Escola do Direito Livre[86]: surgiu inicialmente na Alemanha entre 1900 a 1930, tendo como seus mais alusivos expoentes EHRLICH e KANTAROWICZ. Alude que o direito preexiste e fundamenta qualquer organização social, para tanto, intencionou-se expor uma solução para os juízes quando a lei apresentasse lacunas, ou seja, quando a lei não soluciona o caso de forma expressa e inequívoca. Para tal, volta-se para a sensibilidade jurídica, que seria o querer do dever-ser, que anteciparia sempre o juízo com a fundamentação lógica vindo em seguida. É uma idéia inicial da hermenêutica[87].

Caracteriza-se por entender que o momento fulcral da realização do direito é a decisão judicial; o mesmo não é criado pela razão e sim vontade (objetivo de realizar a justiça) motivada pela intuição axiológica emocional; a lei tem por função a complementar a decisão judicial, servindo de justificação para esta; a decisão judicial pode ser contra legem, mas, em limitadas situações[88].

Os méritos dessa corrente consubstanciam-se no fato de que reconhecem a existência das lacunas, consideram a decisão judicial o ponto fulcral da realização do direito, que o juízo jurídico tem apelos não apenas lógico-formais e a distinção entre direito e lei. Por outro lado, essa corrente teve deméritos, que inclusive foi responsável pela sua expressividade, pois, não se afastou do arbítrio e da pura subjetividade ocasionadoras de insegurança jurídica, além de que, subjugou a lei a uma colocação muito inferior daquela que realmente possui na realização do direito[89].

4) Jurisprudência dos Interesses: Rudolf von JHERING, tendo se afastado das concepções da Jurisprudência dos Conceitos, acabou por voltar-se para o positivismo empírico sociológico-utilitarista, fundamentador da teoria da jurisprudência dos interesses. Vigeu do início do século XX até a 2ª Guerra Mundial. Entende ser necessária a consideração dos fins do direito e com isso, a necessidade de se auferir quem é o criador do direito, que, para ele, era a própria sociedade, retratada como uma ação conjunta dirigida a fins comuns. Assim, todas as normas jurídicas têm como fim o assegurar das condições de vida da sociedade. Em que pese tal noção, JHERING defendia também que o Estado era a única fonte do Direito[90].

Esse movimento da Jurisprudência dos Interesses pode ser sinteticamente explanado como a teoria que substituiu o método lógico-formal da subsunção aos conceitos legais rígidos por um método de apreciação ponderada da situação fática complexa e dos que valores advindos dos interesses em causa, de acordo com os critérios valorativos próprios da ordem jurídica.

Caracteriza-se por entender que o juiz deve obediência a lei, que é expressão do legislador, representante da sociedade jurídica; a lei possui a solução para um conflito de interesses; considera o direito como lacunoso, no tocante ao legal, pois, impossível ao legislador prever e valorar todos os conflitos. Nessa situação, o papel do juiz é determinar a vontade do legislador, por meio da investigação, sendo sua função a valoração dos interesses no caso concreto comparado com os interesses postos pelo legislador de forma geral. Em caso de lacunas da lei, o juiz poderá realizar a integração, por meio da analogia ou dos valores dominantes na sociedade. Tem por grande mérito o fato de ter sido responsável pela superação dos conceitos, dando ao juiz a fecundidade capaz de interpretar a lei, em que pese o submeter a esta[91].

O demérito vem do fato de que não considera todos os interesses relevantes; não distinguiu o objeto e o fundamento da valoração, isto é, ao invés de investigar as razões para a realização da lei, limitou-se a conceber os fundamentos que a justificam, como uma teoria da interpretação da lei apenas; e, como ciência do direito, não conseguiu estabelecer uma visão clara do direito, da razão de ser da mesma[92].

4.5 – Neopositivismo 

Observando as correntes acima expostas, em especial as de caráter empírico, verifica-se que o positivismo clássico, teorizado pelos ingleses, em muito vinha se deteriorando, pois, na prática, observa-se que a concepção de um sistema completo e não lacunoso, que determinavam ao juiz não criar o direito e nunca omitir-se na prestação jurisdicional, é falaciosa, não se sustentando por si só, razão pela qual se buscou outras soluções. Desde meados do século XIX essa constatação foi realizada, sendo que as novas concepções criadas, mesmo aquele positivismo normativista que durante muito tempo foi base para muitos sistemas jurídicos, acabou por cair por terra, com diversas críticas, o que em muito se agravou com o advento das Guerras Mundiais, em especial a 2ª Guerra[93].

Conceber a lei como máxima total, apenas sujeita a seus critérios formais, demonstrou ser uma atitude muito perigosa, pois, ao contrário do espírito que ainda vigia no século XIX, onde o legislador não criava leis abjectas, pois ainda possuía em si arraigados os princípios de uma ética material vigente do período anterior. Contudo, com as guerras, tomou-se total consciência do quanto uma lei pode ser atroz, mesmo realizada sob os moldes formais[94]. Isso tudo trouxe a decadência das concepções do positivismo clássico.

Contudo, em que pese toda a crise existente, necessitava-se buscar um novo movimento ou mesmo, um velho pensamento, para embasar a filosofia jurídica pós-guerra. Assim, buscou-se retomar ao jusnaturalismo inicialmente e também ao Positivismo, mas, a ambos com características diversas daquelas expostas na via clássica.

SANTOS JUSTO ensina que o movimento do Neopositivismo surgiu por volta de 1929, com a fundação do Circulo de Viena, que tinha por objetivo a revalorização dos pontos fundamentais do positivismo, repudiando-se a metafísica, mas, admitindo a experiência como única fonte do conhecimento. Compreendiam que a influencia nazista não diminuía a força do positivismo, pois aquelas leis não eram leis no sentido real da expressão, mas apenas decisões de alguns funcionários sem a forma jurídica necessária. Essa contrariedade foi em muito embasada pelos positivistas italianos que se posicionaram contra a ideologia fascista e, tencionaram a voltar a salvar o culto a lei, dizendo que aquelas leis injustas em sua base, não eram leis[95].

Ante essa análise do valor da lei, do que faz uma lei norma, temos que a visão do positivismo difundida por essa corrente, a partir de meados do século XX, não é mais os ideais puros do positivismo, como acima estabelecido. Não se trata mais do positivismo originário, com a concepção de que o direito é a lei, de que o sistema é completo, sem lacunas. Esse novo positivismo concorda com a existência de valores superiores ao direito positivo, valores estes provenientes da conquista histórica, sendo que o Direito se relaciona com o justo, pelo fato de ser ele permanentemente justo. Por essa razão, entende que o jurista pode vir a dizer não ao direito que considere injusto. Talvez, na atualidade, possamos dizer, conforme nos ensina SANTOS JUSTO, que o positivismo ainda vige por ter ele se transformado, afastando-se dos seus postulados fundamentais, mas, caracterizado pelo valor da lei, com ênfase dada a mesma e, ainda, a determinação de neutralidade axiológica do juiz, na maioria das vezes[96].

5 – Palavras Derradeiras

Seguindo a linha retratada no início da presente, por ora que concluímos, ressaltamos algumas observações que nos pareceram de maior significação, cujas impressões registramos simplesmente neste ato, servindo as mesmas, não tanto como o finalizar de um estudo, mas, mais como um embasador para o continuar de uma análise a qual pretendemos seguir em nossa dissertação.

O movimento do Positivismo surgiu como uma luz a qual pretendia por fim a uma grande insegurança jurídica existente, tendo em vista que a falta de uma legislação clara e específica na Europa continental facilitava a corrupção e a manipulação do direito em prol dos detentores do poder político.

Consubstanciada a codificação verificou-se que a mesma devia associar-se a uma teoria que também proporcionasse seu estudo sistematizado e científico, de modo muito mais elaborado.

Foi este o pensamento motivador desta doutrina, que, via de conseqüência, concebeu toda a sua fundamentação na Lei, sendo a mesma a garantia de uma ordem social vigente e elaborada, cujo responsável pela sua criação era o legislador, concebido este como uma tarefa própria do Estado, cujo pensamento demonstrava a sua onipotência.

Essa foi a base motivadora desta concepção, mas, em cujo evoluir histórico, veio a demonstrar algumas ineficácias nas suas concepções características, o que acabou por gerar a sua evolução e o seu pensar diferenciado, com diversas escolas a surgirem e procurarem sempre impor inovações, com erros e acertos, que foram sempre a motivação maior para a manutenção deste pensamento até os dias atuais.

O futuro deste movimento é hoje um dos grandes questionamentos, sendo que se considera que esteja em crise a sua manutenção, em especial por vivenciarmos um momento de grande alteração do direito, onde idéias como a descodificação, a alteração do papel do juiz, alteração da visão de sistema jurídico estão em voga.

Assim, podemos dizer que o Positivismo Jurídico é um movimento em eterna evolução, tendo sido o presente trabalho mais o estudo de sua filosofia original, trabalho necessário para que possamos vir a realizarmos uma futura análise e crítica deste movimento na atualidade.

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Sobre os autores
Miron Biazus

FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA<br><br>2008 Conclusão do Curso de Direito UNIOESTE – Marechal Cândido Rondon – Pr;<br>2009 Pós-graduado em Direito Tributário, Gama Filho;<br>2010 - Aluno Especial no Mestrado de Políticas Públicas, Ciências Sociais - Unioeste Toledo - Pr;<br>2013 Pós Graduado em Advocacia Gera - Unicid;<br>2013 Cursou a Preparação à Magistratura com Pós Graduação em Direito Aplicado – EMAP;<br>2014 Pós Graduação em Processo Civil - UCAM;<br>2015 - MBA Gestão Tributária- UCAM;<br>2016 Pos Graduação em Direito e Processo Penal - FAED;<br><br>ATIVIDADE PROFISSIONAL <br><br>2003/2004 Conciliador do Juizado Especial Cível de Marechal Cândido Rondon - Pr;<br>2006/2008 Procurador Geral do Esporte, Tribunal de Justiça Desportiva de Marechal Cândido Rondon – PR; <br>2008/2013 Presidente Auditor da Comissão de Justiça Desportiva de Marechal Cândido Rondon – PR;<br>2009 ADVOGADO, inscrito na OAB/Pr sob n° 52018;<br>2011 Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB.<br>2013/2015 Juiz Leigo do Juizado Especial da comarca de Marechal Cândido Rondon - Pr; <br>2014 Docente das Matérias de Processo Civil - TGP e Processo de Conhecimento, e Constitucional e Direito Tributário da PUCPR Campus Toledo;<br>

Tatiana Orlandi

Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá - UEM. Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade de Coimbra - Portugal.<br>Advogada, Professora Universitária na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, câmpus Toledo. Coordenadora de Curso de Direito - PUCPR - Toledo

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Trabalho elaborado para conclusão da Disciplina de Pensamento Jurídico, no Mestrado de Filosofia do Direito, da Universidade Coimbra - Portugal

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