Positivismo jurídico: compreendendo o movimento

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Resumo:


  • O Positivismo Jurídico evoluiu do século XIX até os dias atuais, enfatizando a supremacia da lei como fonte do direito e a busca por um sistema jurídico claro e sistematizado.

  • A doutrina positivista sofreu diversas críticas e adaptações, resultando em diferentes escolas de pensamento, como o Positivismo Legalista, o Científico e o Normativista, que refletiram as necessidades e realidades sociais de suas épocas.

  • O Neopositivismo surge como uma resposta às crises e desafios enfrentados pelo Positivismo clássico, buscando revalorizar seus pontos fundamentais, mas admitindo valores e experiências como fundamentos do conhecimento jurídico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. Escolas Positivistas

Em que pese os traços gerais característicos da doutrina positivista como um todo, acima explanados, durante todo o período de vigência desta corrente filosófica ela sofreu várias alterações sistemáticas, inclusive em algumas de suas concepções, tendo evoluído como forma natural de manter-se vigente, buscando adaptar suas teorias à realidade fática apresentada.

Essa mudança histórica do pensamento positivista vem de encontro com o fato de que para ser um positivista jurídico não é necessário que todos comunguem de todas as características expostas no item anterior. Comungando de algumas dessas idéias básicas, tendo por base a idéia principal, ou seja, a visão do direito como uma ciência que tem por principal fonte a lei. As mudanças das concepções não desvirtuam completamente a doutrina, até porque, muitos dos ideais expostos pelo positivismo também são encontrados em outras ideologias, diferenciando-se apenas no que se refere ao rigor adotado pelos positivistas nessa contextualização.

Neste momento nos debruçaremos sobre algumas das mais clássicas dessas Escolas surgidas, com uma breve análise dos fundamentos principais de cada uma, assim como, dos seus maiores expoentes teóricos. Ressaltamos que as minúcias de todas as escolas que existiram não é possível, pois divergentes as posições doutrinárias que as relacionam e pela extensão do presente trabalho, difícil abarcar todas as concepções que existiram. Na base deste estudo nos debruçamos com os juristas SANTOS JUSTO, Mário REIS MARQUES, Norberto BOBBIO e Arthur KAUFFMANN e W. HASSEMER.

4.1. Positivismo Legalista ou Exegético

Essa escola surgiu em decorrência da própria codificação, quando o Código Civil Napoleônico ocasionou o fenômeno que SAVIGNY havia alertado, qual seja a estagnação da tradição e da ciência jurídica, sendo que esta ultima perdeu sua capacidade criativa. Por essa razão em França veio a desenvolver-se essa escola, que tinha por função uma interpretação passiva e mecânica do Código55.

Desenvolveu a técnica consistente em assumir a mesma sistemática do Código, com a divisão das matérias apresentadas pelo legislador, e fazendo simples comentários, artigo por artigo56. Foi a fomentadora do princípio da completude do ordenamento jurídico positivo, com a conseqüente redução de todo o Direito a Lei, pela vontade do Estado, tendo vigido em França durante todo o século XIX, sendo seu período de apogeu os anos de 1830 a 1880. Essa escola exclui qualquer direito que não seja aquele posto pelo Estado, seja ele natural, consuetudinário, jurisprudencial ou doutrinal, assumindo como exclusiva forma de interpretação da lei a intenção do legislador57. Nisso se consubstancia uma das principais características da Escola, qual seja, a concepção rigidamente estatal do direito, fundamentadora do princípio da onipotência do Legislador, onde só é válido como direito as leis que o legislador promulga ante o fato do mesmo ser o representante da volonté générale, o que torna a lei sempre justa, pois a vontade geral é justa por natureza58.

Outras características que podemos depreender é o fato de que a interpretação da lei está fundada na intenção do legislador, o qual prevalece sobre o sentido literal dos vocábulos em que se expressa; há um culto pelo texto da lei; respeito pelo princípio da autoridade; não reconhece a existência de verdadeiras lacunas, pois considera o sistema jurídico completo e fechado, onde o Code sempre ofereceria a solução para o caso, seja pela analogia legis ou pela analogia iuris e, se nada gerasse uma solução é porque o caso sob judice não seria jurídico, pertencendo ao espaço livre do direito59; e, em especial, o fato de que nessa escola há uma inversão das relações tradicionais entre o direito natural e direito positivo, com a prevalência deste ultimo60.

4.2. Positivismo Científico ou Conceitual

Essa escola foi uma das concepções iniciais do movimento positivista, contemporâneo a escola da Exegese, mas que se desenvolveu na Alemanha, por influência da Escola Histórica, em contrapartida ao movimento de Codificação recusado naquele momento pelo país. Surgiu pelo desvio ou paradoxo em que a Escola Histórica incorreu, quando esta, por privilegiar a intenção científica, acabou por recuperar o racionalismo normativo, que expulsou a dimensão histórica do direito, recuperando o estudo do direito romano, o qual, por uma enorme depuração científica, acabou por transformar toda a ciência em conceitual, caminhando assim para a Jurisprudência dos Conceitos61.

Em que pese a escola histórica ter um pensamento de oposição a codificação, partilhava de muitas idéias dos codificadores, em especial no tocante a necessidade de dar a uma determinada sociedade um direito unitário e sistemático; assim como criticava o direito judiciário, mas, entendia que seria mais eficaz uma ciência jurídica do que por intermédio da codificação, pois a ciência jurídica proporcionaria uma maleabilidade e adaptabilidade do direito62.

Essa escola concebia que assim como as demais ciências, a ciência do direito também deve pressupor de uma conceptologia ou mundo dos conceitos, que estabeleçam a real denominação de termos como norma, preceito, direito subjetivo, direito objetivo, fato jurídico, ato ilícito, propriedade, etc. Após o jurista conceituar, ele produz a sistematização onde ocorre a subordinação das normas mais gerais as normas menos gerais até chegar às instituições. É a expressão mais acabada do estilo formalista logicista que pensa e constrói o direito como um sistema de conceitos63.

Esse movimento foi impulsionado por Puchta (1798-1846), discípulo de Savigny, que concebia apenas como direito científico aquele que provem do trabalho sistemático, aquele que surge como produto de uma dedução científica. Concebe que o «direito consuetudinário e o direito legislativo derivam respectivamente da «autoridade exterior» do povo e do poder legislativo, o direito científico é o produto de uma autoridade interior, da verdade dos princípios derivados do direito existente da justeza das conseqüências da aplicação destes princípios» 64 . Concebia que os juristas são os portadores da verdade científica, que não deriva de uma valoração exterior e sim da estrutura sistemática dos conceitos. Essa sistemática é considerada como a legitimadora da regra jurídica65.

Essa escola também foi conhecida como Pandectista, em seus primórdios, tendo evoluído para a jurisprudência dos conceitos, sendo uma das maiores personificação desse pensamento inicial, Bernardo WINDSCHED, que, por meio de sua obra veio preparar a codificação Alemã66.

Outro representante paradigmático dessa escola da jurisprudência dos conceitos foi Rudolf von JHERING, cuja obra O Espírito do Direito Romano é considerada uma das maiores embasadoras dessa filosofia, em que pese, num segundo momento, JHERING tenha alterado suas concepções, abandonando a jurisprudência dos conceitos para assumir a jurisprudência dos interesses, por meio da obra A finalidade do direito 67 . Foi um dos propulsionadores da idéia que geralmente se atribui ao jurista positivista, isto é, a de um jurista teórico, que constrói um belo sistema, preocupado mais com a estética, forma, do que com as conseqüências práticas de suas construções. Isso ficou tão arraigado, que o próprio JHERING posteriormente, ironiza suas idéias, buscando fomentar a idéia da finalidade, ou seja, da jurisprudência dos interesses.

4.3. Positivismo Normativista ou Lógico-normativo

Essa escola surgiu após um período de crise pelo qual passou o pensamento positivista, no início do século XX, sendo fruto da construção filosófica de um dos maiores expoentes do Positivismo Jurídico do séc. XX, Hans KELSEN, o criador de uma das mais grandiosas e coerentes doutrinas jurídicas de todos os tempos, a Teoria Pura do Direito, a qual concebe o direito como norma, constituído de normas, sendo o estudo desta o objeto exclusivo da ciência jurídica68.

Esse teórico buscou depurar a ciência do direito de todos os elementos pertencentes a outras ordens do conhecimento. Iniciou pela separação entre o mundo do ser e o mundo do dever ser69, ou seja, afastou a realidade social e histórica das normas e passou a considerar o direito como pertencente à ordem ontológica do dever ser, isto é, normas consideradas na sua autonomia formal, desligadas do fundamento normativo que as transcende e da realidade social na qual atuam. Concebe que os valores apenas se dão no momento anterior a confecção da norma, onde o ordenamento jurídico os aceita e juridificam, mas, depois de positivado, pertencem a este mundo, sendo insuscetíveis dum juízo crítico, não se discutindo se a norma é justa ou injusta, pois crê que a justiça é um ideal irracional e inacessível, sendo valores usados como máscara para encobrir interesses sociais ou políticos70.

Portanto, concebe um Direito livre da Ética, psicologia, política, da sociologia e do direito natural. A ciência jurídica deve valer-se do direito positivo, sob a perspectiva de uma análise de sua estrutura. As normas são concebidas como juízos hipotéticos que imputam sempre uma sanção, sendo esta coação o principal diferenciador da norma jurídica das demais ordens normativas, entendendo por coação não o fato em si, mas, tão somente a previsão normativa da sanção jurídica. Isso acarreta a noção de que uma norma para ser jurídica deve ter inserido em si uma coação71.

A máxima dessa construção teórica está na sua concepção de validade da norma, a qual é fornecida pela validade da norma superior. Concebe a visão de pirâmide do sistema, onde as normas têm um caráter hierárquico, que tem por vértice a Constituição Política. Essa, por sua vez, está fundamentada numa norma pressuposta, qual seja, uma Norma Fundamental72, «Grundnorm», única norma que não é produzida por uma ato de vontade, a que prescreve o dever de respeitar a primeira Constituição como obrigatória. Nesses degraus temos que da Constituição, validada pela norma fundamental, passamos a lei, estas com suas próprias hierarquias, chegando às decisões jurídicas, sendo que a norma superior estabelece as características necessárias para a validade da inferior73.

Portanto, a regra jurídica é produto de diversos órgãos hierarquizados que dependem da autoridade suprema da Constituição, a qual tem sua validade posta pela Norma Fundamental, sendo esta não real e sim hipotética, responsável pela transmissão da validade da ordem jurídica74. A concepção de norma fundamental, com todas as discrepâncias que advém de uma norma hipotética, concebida, em ultima análise como norma de direito natural, tornou-se a criação de maior problema dessa Teoria Pura do Direto, sendo à base das maiores críticas apresentadas a escola.

Ressaltamos que a concepção dessa Teoria prevê o Estado como fonte primeira do Direito, sendo que apenas há o Estado de Direito, isto é, proveniente de uma ordem de direito, o que faz deste um Ordenamento Normativo, onde o poder daquele é dado por este, sendo este poder condição do próprio direito75.

Aqui se percebe que, tal como o positivismo empírico perdeu de vista a norma, o positivismo lógico-normativo perdeu de vista a vida real.

4.4. Positivismo Empírico

Nessa filosofia se busca preencher os conceitos legais com sentido, sendo que esse sentido foi buscado nos fatos jurídicos, tendo em vista que não o poderia ser feito no Direito Natural, assim como, já se havia percebido que as leis não proporcionavam tal elemento. Para tal, essa escola volta-se para uma concepção do direito como um dado do mundo interior, fato psicológico, ou como um dado do mundo exterior, fato sociológico76.

Por essa razão essa escola se subdivide em diversas correntes filosóficas, que buscam dar suas contribuições para o aperfeiçoamento das correntes positivistas, estando todas embasadas no positivismo motivado pelos fatos, qual seja, empírico. Limitaremos-nos agora a expor algumas dessas correntes filosóficas com o ideal básico de cada uma das expostas, advertindo, contudo, que essa sistematização foi realizada de uma compilação de diversos autores, que não são uníssonos entre si para o seu estabelecimento77.

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1) Teoria Psicológica do Positivismo Jurídico Empírico: o principal teórico deste movimento foi Ernest Rudolf BIERLING (1841-1919), que buscou demonstrar a autoridade do direito, objetivo primordial da escola empírica, na concepção de reconhecimento. Significa dizer que direito é aquilo que é reconhecido como tal pela comunidade, sendo este reconhecimento um comportamento duradouro e habitual. Concebe ainda que a interpretação da lei deva investigar a vontade real do legislador, não o espírito da lei, e, não sendo possível obter a vontade real deste, deve-se voltar para a interpretação segundo a Boa-fé78.

2) Teoria Sociológica do Positivismo Jurídico Empírico – Positivismo Sociológico: Está tem por fundamento a busca de retratar a validade do Direito nos fatos sociais que o movimentam. Surgiu como oposição ao pensamento normativista, dando uma orientação sociológica que reduz o Direito como um fato social e procura substituir a tradicional jurisprudência por uma ciência empírico-sociológica, sem caráter normativo79.

O fato social sobrepõe-se a regra do direito positivo, sendo elevada a objeto da problemática jurídica. Mário REIS MARQUES80 cita como dois dos grandes pensadores desse movimento, que vigeu na primeira metade do século XX, em especial, Émile DURKEIN (1858-1917) e DUGUIT (1859-1928). Esses teóricos conceberam que a humanidade está inserida no mundo das leis que dominam a natureza, razão pela qual a consciência coletiva do grupo exprime a regra jurídica, embasadas na solidariedade social, destinada a melhorar as condições da vida. Assim, o Direito encontra-se no mundo dos fatos sociais, pois a solidariedade social exige regras específicas de conduta, as quais podem ser econômicas, morais e jurídicas, sendo que essa ultima é sempre formada pelas duas primeiras, surgindo quando a coletividade compreende necessário que aquelas sejam positivadas, ou seja, devem ser impostas, tornadas obrigatórias.

É essa a distinção fulcral do positivismo sociológico com o positivismo normativo, pois, entende que o Direito é positivado, mas, a fonte primeira não é a lei e sim entende como fonte do direito a consciência da solidariedade social e do sentimento de justiça. Assim, compreende que há um juízo de valor sobre a regra do direito positivo, sendo a lei positiva nada mais do que um modo de expressão da regra de direito, sendo expressão de uma norma jurídica81.

KAUFFMANN e HASSIMER nos apresentam também, como o «grande ancião» da sociologia jurídica Max WEBER (1864-1920), que distinguia entre o sentido normativo próprio da norma jurídica e o sentido factual, ou seja, aquele que provem do seio da comunidade, que gera a validade empírica da norma, pois, ante a realidade social vigente busca-se regular tal disposição, estabelecendo a imposição da mesma, por meio de um aparelho coativo, que advém do poder do Estado. Assim, o direito se fundamenta, segundo este teórico, no poder. É a teoria do império82. Isto é, o direito advém de um fato social que dá validade a norma jurídica, mas, que apenas se concretiza quando estabelecido com poder coativo por uma ordem de império, pelo poder.

Essa corrente se subdivide, segundo SANTOS JUSTO, em diversas outras, das quais destacam-se as seguintes:

a) Realismo Jurídico Escandinavo: tem por seu caput scholae HÄGERSTRÖM, possui a mais coerente das posições antiformalistas do século XX. Recusou um conhecimento insuscetível de observação empírica, o que gera a recusa por uma atitude valorativa, pois só consideram como científico aquilo que está fundado na experiência, por isso é contrário a visão de que o direito de funda na natureza racional do homem. Propõe-se a fazer da jurisprudência uma verdadeira ciência fundada na experiência e sujeita a observação e verificação. Do direito concebe uma articulação de comportamentos, idéias e sentimentos, sendo que a ciência jurídica tem por função a determinação das causas psicológicas e sociais da sua gênese e eficácia83.

b) Realismo Jurídico Norte-americano: esse movimento surgiu no ambiente cultural norte americano nos fins do século XIX e início do século XX, como protesto ao jusnaturalismo tradicional e reação a esterilidade do logicismo da Jurisprudência dos Conceitos, que não conseguiam acompanhar a evolução industrial e social. Aspirava uma compreensão sociológica do direito através da consideração das suas causas e dos seus fins. Entendia que só havia direito que se impunha nas decisões judiciais, razão pela qual a ciência jurídica deveria se valer do estudo das probabilidades do juiz decidir deste ou daquele modo nos casos em concreto. Ou seja, estudar os fatores que determinavam as decisões judiciais84.

A doutrina de um modo geral tece severas críticas à esse modelo empírico do Positivismo, em especial ao sociológico, pois entende que a mesma foi um fracasso no concernente a compreensão do direito, pois preocupou-se muito mais com a psicologia ou com a sociologia do direito, do que com o direito em si, esquecendo-se do seu objeto, qual seja, o sentido da normatividade85. Essa é a razão de terem surgidos novas Escolas que buscaram alterar fundamentalmente essas concepções, tendo inclusive características, de certo modo, anti-positivistas, mas ainda embasadas nos fatos. Ressaltamos que SANTOS JUSTO cita essas correntes não como subespécies do positivismo empírico, mas, aqui, optamos pela seqüência apresentada por KAUFFMANN e HASSIMER.

3) Movimento Livre do Direito ou Escola do Direito Livre86: surgiu inicialmente na Alemanha entre 1900 a 1930, tendo como seus mais alusivos expoentes EHRLICH e KANTAROWICZ. Alude que o direito preexiste e fundamenta qualquer organização social, para tanto, intencionou-se expor uma solução para os juízes quando a lei apresentasse lacunas, ou seja, quando a lei não soluciona o caso de forma expressa e inequívoca. Para tal, volta-se para a sensibilidade jurídica, que seria o querer do dever-ser, que anteciparia sempre o juízo com a fundamentação lógica vindo em seguida. É uma idéia inicial da hermenêutica87.

Caracteriza-se por entender que o momento fulcral da realização do direito é a decisão judicial; o mesmo não é criado pela razão e sim vontade (objetivo de realizar a justiça) motivada pela intuição axiológica emocional; a lei tem por função a complementar a decisão judicial, servindo de justificação para esta; a decisão judicial pode ser contra legem, mas, em limitadas situações88.

Os méritos dessa corrente consubstanciam-se no fato de que reconhecem a existência das lacunas, consideram a decisão judicial o ponto fulcral da realização do direito, que o juízo jurídico tem apelos não apenas lógico-formais e a distinção entre direito e lei. Por outro lado, essa corrente teve deméritos, que inclusive foi responsável pela sua expressividade, pois, não se afastou do arbítrio e da pura subjetividade ocasionadoras de insegurança jurídica, além de que, subjugou a lei a uma colocação muito inferior daquela que realmente possui na realização do direito89.

4) Jurisprudência dos Interesses: Rudolf von JHERING, tendo se afastado das concepções da Jurisprudência dos Conceitos, acabou por voltar-se para o positivismo empírico sociológico-utilitarista, fundamentador da teoria da jurisprudência dos interesses. Vigeu do início do século XX até a 2ª Guerra Mundial. Entende ser necessária a consideração dos fins do direito e com isso, a necessidade de se auferir quem é o criador do direito, que, para ele, era a própria sociedade, retratada como uma ação conjunta dirigida a fins comuns. Assim, todas as normas jurídicas têm como fim o assegurar das condições de vida da sociedade. Em que pese tal noção, JHERING defendia também que o Estado era a única fonte do Direito90.

Esse movimento da Jurisprudência dos Interesses pode ser sinteticamente explanado como a teoria que substituiu o método lógico-formal da subsunção aos conceitos legais rígidos por um método de apreciação ponderada da situação fática complexa e dos que valores advindos dos interesses em causa, de acordo com os critérios valorativos próprios da ordem jurídica.

Caracteriza-se por entender que o juiz deve obediência a lei, que é expressão do legislador, representante da sociedade jurídica; a lei possui a solução para um conflito de interesses; considera o direito como lacunoso, no tocante ao legal, pois, impossível ao legislador prever e valorar todos os conflitos. Nessa situação, o papel do juiz é determinar a vontade do legislador, por meio da investigação, sendo sua função a valoração dos interesses no caso concreto comparado com os interesses postos pelo legislador de forma geral. Em caso de lacunas da lei, o juiz poderá realizar a integração, por meio da analogia ou dos valores dominantes na sociedade. Tem por grande mérito o fato de ter sido responsável pela superação dos conceitos, dando ao juiz a fecundidade capaz de interpretar a lei, em que pese o submeter a esta91.

O demérito vem do fato de que não considera todos os interesses relevantes; não distinguiu o objeto e o fundamento da valoração, isto é, ao invés de investigar as razões para a realização da lei, limitou-se a conceber os fundamentos que a justificam, como uma teoria da interpretação da lei apenas; e, como ciência do direito, não conseguiu estabelecer uma visão clara do direito, da razão de ser da mesma92.

4.5. Neopositivismo

Observando as correntes acima expostas, em especial as de caráter empírico, verifica-se que o positivismo clássico, teorizado pelos ingleses, em muito vinha se deteriorando, pois, na prática, observa-se que a concepção de um sistema completo e não lacunoso, que determinavam ao juiz não criar o direito e nunca omitir-se na prestação jurisdicional, é falaciosa, não se sustentando por si só, razão pela qual se buscou outras soluções. Desde meados do século XIX essa constatação foi realizada, sendo que as novas concepções criadas, mesmo aquele positivismo normativista que durante muito tempo foi base para muitos sistemas jurídicos, acabou por cair por terra, com diversas críticas, o que em muito se agravou com o advento das Guerras Mundiais, em especial a 2ª Guerra93.

Conceber a lei como máxima total, apenas sujeita a seus critérios formais, demonstrou ser uma atitude muito perigosa, pois, ao contrário do espírito que ainda vigia no século XIX, onde o legislador não criava leis abjectas, pois ainda possuía em si arraigados os princípios de uma ética material vigente do período anterior. Contudo, com as guerras, tomou-se total consciência do quanto uma lei pode ser atroz, mesmo realizada sob os moldes formais94. Isso tudo trouxe a decadência das concepções do positivismo clássico.

Contudo, em que pese toda a crise existente, necessitava-se buscar um novo movimento ou mesmo, um velho pensamento, para embasar a filosofia jurídica pós-guerra. Assim, buscou-se retomar ao jusnaturalismo inicialmente e também ao Positivismo, mas, a ambos com características diversas daquelas expostas na via clássica.

SANTOS JUSTO ensina que o movimento do Neopositivismo surgiu por volta de 1929, com a fundação do Circulo de Viena, que tinha por objetivo a revalorização dos pontos fundamentais do positivismo, repudiando-se a metafísica, mas, admitindo a experiência como única fonte do conhecimento. Compreendiam que a influencia nazista não diminuía a força do positivismo, pois aquelas leis não eram leis no sentido real da expressão, mas apenas decisões de alguns funcionários sem a forma jurídica necessária. Essa contrariedade foi em muito embasada pelos positivistas italianos que se posicionaram contra a ideologia fascista e, tencionaram a voltar a salvar o culto a lei, dizendo que aquelas leis injustas em sua base, não eram leis95.

Ante essa análise do valor da lei, do que faz uma lei norma, temos que a visão do positivismo difundida por essa corrente, a partir de meados do século XX, não é mais os ideais puros do positivismo, como acima estabelecido. Não se trata mais do positivismo originário, com a concepção de que o direito é a lei, de que o sistema é completo, sem lacunas. Esse novo positivismo concorda com a existência de valores superiores ao direito positivo, valores estes provenientes da conquista histórica, sendo que o Direito se relaciona com o justo, pelo fato de ser ele permanentemente justo. Por essa razão, entende que o jurista pode vir a dizer não ao direito que considere injusto. Talvez, na atualidade, possamos dizer, conforme nos ensina SANTOS JUSTO, que o positivismo ainda vige por ter ele se transformado, afastando-se dos seus postulados fundamentais, mas, caracterizado pelo valor da lei, com ênfase dada a mesma e, ainda, a determinação de neutralidade axiológica do juiz, na maioria das vezes96.

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Sobre os autores
Miron Biazus

FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA<br><br>2008 Conclusão do Curso de Direito UNIOESTE – Marechal Cândido Rondon – Pr;<br>2009 Pós-graduado em Direito Tributário, Gama Filho;<br>2010 - Aluno Especial no Mestrado de Políticas Públicas, Ciências Sociais - Unioeste Toledo - Pr;<br>2013 Pós Graduado em Advocacia Gera - Unicid;<br>2013 Cursou a Preparação à Magistratura com Pós Graduação em Direito Aplicado – EMAP;<br>2014 Pós Graduação em Processo Civil - UCAM;<br>2015 - MBA Gestão Tributária- UCAM;<br>2016 Pos Graduação em Direito e Processo Penal - FAED;<br><br>ATIVIDADE PROFISSIONAL <br><br>2003/2004 Conciliador do Juizado Especial Cível de Marechal Cândido Rondon - Pr;<br>2006/2008 Procurador Geral do Esporte, Tribunal de Justiça Desportiva de Marechal Cândido Rondon – PR; <br>2008/2013 Presidente Auditor da Comissão de Justiça Desportiva de Marechal Cândido Rondon – PR;<br>2009 ADVOGADO, inscrito na OAB/Pr sob n° 52018;<br>2011 Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB.<br>2013/2015 Juiz Leigo do Juizado Especial da comarca de Marechal Cândido Rondon - Pr; <br>2014 Docente das Matérias de Processo Civil - TGP e Processo de Conhecimento, e Constitucional e Direito Tributário da PUCPR Campus Toledo;<br>

Tatiana Orlandi

Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá - UEM. Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade de Coimbra - Portugal.<br>Advogada, Professora Universitária na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, câmpus Toledo. Coordenadora de Curso de Direito - PUCPR - Toledo

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho elaborado para conclusão da Disciplina de Pensamento Jurídico, no Mestrado de Filosofia do Direito, da Universidade Coimbra - Portugal

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