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A ilegalidade da Resolução do Comitê Gestor do Refis nº 19/2001

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O Programa de Recuperação Fiscal, popularmente conhecido por Refis, foi criado originariamente pela Medida Provisória n. 1.923, de 6 de outubro de 1999, posteriormente 1.923-1, 1.931-2, 2.004-3/4/5/6, sendo por fim convertida na Lei n. 9.964, de 10 de abril de 2000. Aludido programa foi concebido para uma vasta gama de contribuintes inadimplentes ou com possíveis débitos tributários e, na época, foi recepcionado pelo meio empresarial como uma inovadora forma de refinanciamento e ajuste de contas com o governo federal. O Refis outorgou a facilidade de, num único acordo, envolver o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e a Secretaria da Receita Federal (leia-se também Procuradoria da Fazenda Nacional). Em seu bojo, trouxe uma série de benesses com possibilidades de fruição durante todo o período de inscrição no programa (a exemplo da substituição da taxa SELIC pela taxa de juros de longo prazo – TJLP na atualização dos débitos parcelados) ou com prazo certo e determinado, a exemplo da possibilidade de utilização de prejuízos fiscais e bases negativas da contribuição social sobre o lucro líquido, ex vi do artigo 2o, parágrafo 7o, incisos I e II da Lei n. 9.964/00, que, por consubstanciarem no cerne do presente labor, merecem citação:

Art. 2o. O ingresso no Refis dar-se-á por opção da pessoa jurídica, que fará jus a regime especial de consolidação e parcelamento dos débitos fiscais a que se refere o art. 1o.

(...)

§ 7o. Os valores correspondentes a multa, de mora ou de ofício, e a juros moratórios, inclusive as relativas a débitos inscritos em dívida ativa, poderão ser liquidados, observadas as normas constitucionais referentes à vinculação e à partilha de receitas, mediante:

(...)

II - a utilização de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da contribuição social sobre o lucro líquido, próprios ou de terceiros, estes declarados à Secretaria da Receita Federal até 31 de outubro de 1999.

§ 8o. Na hipótese do inciso II do parágrafo 7o, o valor a ser utilizado será determinado mediante a aplicação, sobre o montante do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa, das alíquotas de 15% (quinze por cento) e de 8% (oito por cento), respectivamente.

Ao poder executivo foi delegada a competência para a regulamentação do Refis, especialmente quanto ao estabelecimento de exigências para fins de liquidação das multas e dos juros consolidados no parcelamento especial com prejuízos fiscais e base de cálculo negativa, tanto próprios como de terceiros (inciso V do artigo 9o). A regulamentação do programa ocorreu inicialmente com o advento do Decreto n. 3.342, de 25 de janeiro de 2000, revogado três meses depois pelo Decreto n. 3.431, de 24 de abril de 2000, hodiernamente vigente. O regulamento do Refis, nos exatos termos dispostos na lei instituidora, determinou as exigências necessárias para a fruição do benefício fiscal de compensação de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa, cuja citação é de suma importância:

Art. 5o. (...)

§ 5o. Os valores correspondentes a multa, de mora ou de ofício, e a juros moratórios, inclusive os relativos a débitos inscritos em dívida ativa, poderão ser liquidados, mediante solicitação expressa e irrevogável da pessoa jurídica optante e observadas as normas constitucionais referentes à vinculação e à partilha de receitas, mediante:

(...)

II – utilização de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da contribuição social sobre o lucro líquido, próprio ou de terceiros.

§ 6o. A liquidação referida no parágrafo anterior será efetuada de conformidade com os procedimentos a serem definidos pelo Comitê Gestor e será formalizada dentro do prazo estabelecido no parágrafo 3o do artigo anterior, observadas a seguinte condição:

(...)

II - na hipótese de compensação de créditos ou de utilização de prejuízos fiscais ou bases de cálculo negativas de terceiros:

a) a solicitação deverá ser também assinada pelo responsável pela pessoa jurídica cedente perante o CNPJ, com reconhecimento de firma;

b) a cessão somente poderá ser efetuada do detentor originário do direito à pessoa jurídica optante pelo Refis e será definitiva, ainda que o adquirente seja, por qualquer motivo, excluído do Refis;

c) somente poderão ser utilizados prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas passíveis de compensação de outra pessoa jurídica cedente, na data da opção, na forma da legislação vigente, devidamente declarados ou informados à SRF até 31 de outubro de 1999;

III - o valor a ser utilizado será determinado mediante a aplicação, sobre o montante do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa, das alíquotas de quinze por cento e de oito por cento, respectivamente;

IV - para os fins de utilização de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa, nos termos deste Decreto, não se aplica o limite de trinta por cento do lucro líquido ajustado, da cedente ou da cessionária.

O regulamento cumpriu sua função, estabelecendo condições para a fruição do benefício. Para uma melhor compreensão da origem do crédito, mas sem a intenção de esgotá-lo, pode-se afirmar que os contribuintes apresentam durante o ano-calendário resultados positivos, denotando a necessidade do recolhimento do imposto de renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro líquido ou, caso apurem resultados negativos, vir a acumular estes saldos tecnicamente denominados de prejuízo fiscal e base negativa para utilização futura com bases positivas (benesse atualmente limitada a 30% por expressa previsão legal). Tais valores, na praxe cotidiana, não são reconhecidos como créditos tributários, passíveis de restituição ou ressarcimento na forma da Lei n. 9.430/96, mas tão somente como um incentivo do ente arrecadador.

Retornando ao âmago do Refis, o governo federal criou esta permissibilidade apenas para os contribuintes optantes pelo programa e de forma temporária. As compensações se operariam unicamente com multa e juros, obrigações fiscais decorrentes da exigência do tributo recolhido e/ou parcelado intempestivamente.

Como já asseverado anteriormente, o Executivo, na sua função regulamentar, baixou decreto dispondo ser de competência do Comitê Gestor do Refis (órgão criado para a administração do programa, colegiado e de composição plúrima), a edição de procedimentos para a liquidação das multas e dos juros compensados com base nos prejuízos fiscais e base de cálculo negativa. Agiu desta forma, porque o Comitê Gestor do Refis conglomera representantes dos três entes (SRF/PGFN e INSS) envolvidos no programa de refinanciamento, mormente pela possibilidade desta compensação se estender também as multas e juros do INSS.

O mesmo regulamento (Decreto n. 3.431/00) estipulou que cada órgão envolvido expediria, no âmbito da sua competência (e controle de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa é de competência da SRF) instruções complementares necessárias à sua implementação. Desta forma, através da Instrução Normativa SRF n. 44, de 25 de abril de 2000, foram estabelecidos procedimentos para a forma de apresentação das compensações, criando um requerimento administrativo padrão para a materialização do pleito. Entrementes, passados alguns meses do cumprimento compulsório da burocracia narrada, o Comitê Gestor do Refis fez publicar a Resolução n. 19, de 6 de setembro de 2001, sob a assertiva de estabelecer procedimentos para a utilização dos mesmos prejuízos fiscais e base de cálculo negativa no âmbito do programa de parcelamento especial.

Seu artigo 3o ficou assim expresso:

Art. 3o. O valor relativo a prejuízo fiscal ou a base de cálculo negativa da CSLL cedido por pessoa jurídica optante pelo Refis será utilizado para liquidação de multas e de juros de mora de terceiros apenas quando exceder o valor do seu próprio débito correspondente a multas e a juros de mora.


2. Restrição de Benefício Fiscal por Ato Normativo

É cediço que o advento de um ato normativo posterior, extremamente prejudicial, incorre em ilegalidade na exata proporção que extrapola o comando legal instituidor do benefício fiscal, principalmente porque impõe um ônus dispensável ao contribuinte optante. Isto decorre expressamente do CTN [1], que delimita expressamente o campo de atuação dos decretos, entendido estes, como atos normativos inferiores. Na mesma linha, é claro que todo benefício fiscal se interpreta literalmente, sendo matéria reservada a lei e não a atos normativos hierarquicamente inferiores e desprovidos das características que qualificam o conteúdo legal. Em qualquer hipótese, de dispensa ou redução de penalidades, há necessidade imperativa da sua instituição via lei, como determina o próprio CTN [2]. No mesmo limiar, a moratória (do qual deriva o parcelamento) depende de outorga legal e nela encontra os parâmetros de sua aplicabilidade.

Assim, é na própria lei que um benefício fiscal, como é o caso do Refis (espécie de moratória cumulada com anistia parcial), encontra guarida para a sua exata delimitação, não podendo ser aumentado ou restringido via decreto e, muito menos, via qualquer outro ato normativo inferior, como é o caso das resoluções. A ação típica praticada pela administração pública neste caso se caracteriza como sendo totalmente ultra legem por ultrapassar as delimitações legais.A lei autorizou o contribuinte optante pelo programa especial, a faculdade de compensar multas e juros com prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas, tanto próprios como de terceiros. Determinou que o executivo, através de decreto, editasse normas complementares para delimitação das exigências relacionadas a fruição da aludida benesse, não caracterizando esta delegação uma outorga de poderes geral e irrestrita. Cada componente do Refis recebeu determinada carga de competência, competência administrativa unicamente determinável por lei.

Neste salutar prisma, verifica-se que, enquanto o Executivo, via decreto, criou delimitações para uso do benefício, restou ao Comitê Gestor, a função de promover a integração das rotinas dos órgãos envolvidos (SRF/PGFN e INSS) a fim de implementar procedimentos, expedindo os atos necessários para tal objetivo. Este, por sua vez, extrapolou a lei e o próprio decreto regulador, ao impingir uma compensação de ofício não prevista.

O insigne Hely Lopes Meirelles [3] entende que "As resoluções, normativas ou individuais, são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo inova-los ou contrariá-los, mas unicamente complementa-los e explica-los", e neste diapasão, atenta contra o ordenamento jurídico qualquer ato normativo que ultrapassa sua competência material. O Código Tributário Nacional [4] expressa que os atos administrativos expedidos pelas autoridades administrativas são meramente complementares as leis e aos decretos. O vocábulo "complemento" é empregado no sentido de esclarecer, mas nunca de restringir.Em caso símile, o próprio Superior Tribunal de Justiça [5] entendeu que a pretérita Instrução Normativa SRF n. 67/92, havia imposto restrições não previstas em lei, indo além da simples regulamentação da compensação disposta na Lei n. 8.383/91.

O Supremo Tribunal Federal [6] já entendeu que "Os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas fiscais têm por finalidade interpretar a lei ou o regulamento no âmbito das repartições fiscais. Destarte, se essa interpretação discrepa da lei ou do regulamento, a questão é de ilegalidade, e não de inconstitucionalidade. (...)".A possibilidade de compensação de prejuízos fiscais e bases negativas de terceiros com multas e juros do contribuinte que aderiu ao programa está disciplinada no art. 2º, §7° da Lei n° 9.964/00 de forma abrangente e qualifica toda e qualquer possibilidade de regulamentação por normas inferiores. Desta forma os veículos normativos inferiores, Decretos, Instruções e Resoluções, estão limitadamente vinculados a norma primária que lhes dá amparo.

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Como já relatado ambos os Decretos emitidos pelo chefe do executivo guardaram estrita obediência ao comando da lei ordinária, residindo a ilegalidade no âmbito de ato normativo de inferior posição ao próprio regulamento, o que sequer pode ser considerado pelas próprias autoridades administrativas já que não guarda fundamento com a estrita legalidade a que o ato vinculado deve ter fundamento. A indigitada Resolução 19 assumiu prerrogativa que somente a lei poderia dispor, mais ainda, ultrapassou o comando legal e regulamentar, já que também está além do próprio Decreto que regula a lei ordinária. Este fenômeno abusivo na expedição de Instruções, Ordens de Serviço e Regulamentos que ultrapassam o comando da legalidade por parte das autoridades administrativas, principalmente no campo tributário, deve ser combatido com firmeza por parte dos contribuintes, exaltando-se a lição do Mestre Português Jorge Miranda quanto a salvaguarda da hierarquia das fontes [7]. A disposição da lei (art. 1º, §1°) e do decreto (art. 2º, I) quanto a possibilidade do Comitê Gestor implementar procedimentos e expedir atos normativos não significa que este possa aplicar o fenômeno da deslegalização, que sequer encontramos presente em nosso ordenamento, pelo qual a regulamentação das leis é de caráter exclusivamente vinculado. O ilustre constitucionalista lusitano nos ensina que a reserva legal implica em se delimitar as relações entre a lei e regulamentos, bem como com outros atos de natureza diversa, aplicando-se seu posicionamento ao caso em debate:

"E perante a lei quaisquer intervenções – tenham conteúdo normativo ou não normativo – de órgãos administrativos ou jurisdicionais só podem dar-se a título secundário, derivado ou executivo, nunca com critérios próprios ou autónomos de decisão" (sic) [8]

Assim, o Comitê Gestor do Refis, órgão colegiado criado pela Lei n. 9.964/00, usurpou sua competência ao baixar regramento restringindo a aplicação do benefício fiscal. Embora a lei e o decreto regulador tenham determinado que a administração do Refis seria exercida pelo referido órgão colegiado, esta administração se adstringe a estabelecer procedimentos necessários à execução do programa, devendo-se limitar a esclarecer aspectos do benefício fiscal, sem aumenta-lo ou restringi-lo.


3. Princípio da Segurança Jurídica – Impossibilidade de Aplicação Retroativa de Nova Interpretação

Tanto a doutrina como a jurisprudência, consideram o princípio da segurança jurídica um alicerce indispensável na ordem jurídica pátria. Neste diapasão, a própria Lei n. 9.784/99, que regula o processo administrativo federal no âmbito da administração pública direta e indireta, teve como escopo enaltecer o indispensável princípio, determinando, objetivamente ao agente investido no poder público, a sua estrita observância (ex vi do art. 2o, inciso XIII). Em seu texto, encontramos a expressa negação a interpretação retroativa de ato de tal forma a prejudicar o administrado. A resolução do Comitê Gestor do Refis determinou nova interpretação à lei e ao decreto regulador do programa especial, culminando com uma interpretação retroativa extremamente prejudicial as pessoas jurídicas optantes pelo benefício de compensação de multa e de juros. A aplicabilidade da lei aos casos aqui postos é inconteste. O Decreto n. 70.235/72, mesmo com o status de lei que lhe foi outorgado, apenas regula o processo administrativo de exigência de crédito tributário e o de consulta sobre a legislação tributária federal e em momento algum trata dos pedidos de compensação criados pela lei instituidora do Refis, portanto, inaplicável.

Efeito colateral é que a Lei n. 9.784/99 não se faz excluir, aplicando-se completamente aos procedimentos dispostos no Refis. Ainda que se entendesse pela aplicação do decreto de 1972, não haveria exclusão de incidência daquele, posto que o princípio da subsidiariedade (determinado em seu art. 69) seria aplicável ao caso, sanando eventuais omissões. O Código Tributário Nacional [9] localiza os decretos e as normas complementares que versam sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes (e a compensação em tela diz respeito a seara tributária) como espécie do gênero legislação tributária e, mais adiante, determina a sua aplicação apenas para os fatos geradores futuros e aos pendentes, entendidos estes últimos como aqueles cuja ocorrência ainda não esteja completa. Por ser corolário daquela, pode-se concluir que o vocábulo fato gerador também deve recepcionar determinadas situações jurídicas consolidadas em determinado lapso temporal, a exemplo das transferências de prejuízos e base negativa completamente realizada anteriormente.

Subsume-se então, que, mesmo não se admitindo a restrição imposta à lei pela resolução, teria a última dado interpretação diversa aos atos que a antecederam (lei, decreto e instrução normativa), extremamente prejudicial ao administrado, conduta comissiva proibida por lei. À administração não é permitida conduta que venha de encontro ao direito do administrado, pois, se ao particular é relegada a possibilidade de fazer tudo o que a lei não o proíbe, para a administração pública é imperativo fazer apenas o que a lei a determina.


4. Ato Jurídico Perfeito

A Constituição Federal estampa que a lei (e aqui devemos subentender o ato normativo complementar) não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Posta a incidir, a resolução do Comitê Gestor do Refis retroagiu e permitiu que operações válidas e devidamente formalizadas sob a égide dos dispositivos legais e normativos aplicáveis à época fossem desconsideradas, maculando frontalmente a Carta Magna. Independente de a questão ser relacionada ao direito tributário e este como campo do direito público ensejar uma possível primazia do interesse público em detrimento do privado, a Constituição Federal traz norma imperativa e superior, além de conjeturar com o princípio da isonomia.

Obviamente, apenas as operações realizadas com a observância da lei e principalmente das diretrizes impostas pelo decreto, bem como através dos procedimentos da instrução normativa fazendária, é que podem se beneficiar daquele amparo constitucional. É bem verdade que as operações devidamente formalizadas, sem prejuízo da verificação da sua consistência pelo órgão controlador (SRF), deveriam respeitar unicamente: a) solicitação expressa, irrevogável e irretratável com firma reconhecida do cedente; b) observância do prazo estipulado (inicialmente 30 de junho de 2000, posteriormente prorrogado em função da Lei n. 10.002/00 até 13 de fevereiro de 2001); c) que os prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas sejam declarados até outubro de 1999; d) ser a cedente detentora originária dos valores; e) aplicação sobre o montante transferido, das alíquotas de 15% (prejuízo fiscal) e 8% (base negativa).

Mencionado dispositivo constitucional serve como um dos alicerces e outorga a segurança jurídica necessária na relação Estado e contribuinte. A segurança jurídica, um dos pilares de nosso Direito, exige, pois, que as leis tributárias tenham o timbre da irretroatividade [10]. Assim, observadas as regras constantes do decreto e sendo o procedimento formalizado com base na então vigente IN SRF n. 44/00, todo e qualquer alteração na lei deveria respeitar o ato jurídico perfeito e o direito adquirido daqueles que, de boa-fé, apresentaram seu pleito de compensação.


5. Deturpação do Benefício Fiscal

Na sua essência, a questão diz respeito ao instituto da compensação tributária, e neste prisma, consolidou a Lei n. 9.964/00 ser uma faculdade do contribuinte optante a compensação de multa e juros com prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas da CSLL, próprios ou de terceiros. Faculdade esta geradora de um direito subjetivo, exceção à regra das demais modalidades de compensação tributária onde há previsão para a compensação de ofício pelo próprio órgão administrativo. A resolução inverteu a faculdade que foi atribuída por lei ao contribuinte optante, desvirtuando-a para uma obrigação e impondo ao contribuinte o detrimento de ter o seu prazo de parcelamento diminuído e a impossibilidade de transferir créditos para terceiros. A resolução vai de encontro às próprias regras do parcelamento especial, consistente na repactuação de dívidas vencidas. Vale dizer, dívida vencida transmutada em vincenda com exigibilidade suspensa conforme determina o CTN.

A atitude da administração pública se torna ainda mais comprometida ao constatar-se que a própria Lei n. 9.964/00 expressou ser causa de exclusão a utilização indevida de prejuízo fiscal e base negativa, que se caracteriza, no conceito do programa, como sendo a cessão de crédito inexistente, o que garante ao fisco uma atitude comissiva frente a tentativa ilícita de transferência. No entanto, malograr o contribuinte optante a inversão da faculdade, faz a administração pública insurgir-se contra o próprio princípio da moralidade. É desta forma que a CFRB determina que ninguém está obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (inciso II do art. 5o) e neste prisma, percebe-se que a administração pública também anulou este princípio constitucional. A primazia do direito deve ser venerada e buscada, evitando-se tanto a locupletamento ilícita como o uso de arbitrariedades pelos agentes administrativos.

Assim, no limiar da pesquisa jurídica e na busca pela correta exegese do ordenamento pátrio, argumentos extrajurídicos devem ser esquecidos, mas, mesmo que se argumentasse eventuais ilicitudes nos procedimentos, nada encontraríamos senão a verificação prática de que, tanto num quanto noutro caso (compensação contra débitos do cedente ou cessionário) os valores seriam baixados do sistema fazendário, não caracterizando qualquer prejuízo ao erário. Pelo contrário, mesmo admitindo-se a resolução do Comitê Gestor do Refis como legal e constitucional, estaríamos diante da exaltação da presunção da má-fé.


6. Considerações Finais

Sem a pretensão de esgotar o tema e apenas com o objetivo de fomentar a discussão das problemáticas atinentes aos optantes pelo Refis, programa recebido como divisor de águas na solução da dívida tributária, é forçoso concluir-se que a Resolução do Comitê Gestor do Refis n. 19/01 é manifestamente ilegal e inconstitucional, principalmente por:

1. Restringir via ato normativo (e por via oblíqua ferir o princípio constitucional da hierarquia das leis) um benefício fiscal devidamente criado por lei e regulamento por decreto;

2. Macular o princípio da segurança jurídica ao manifestar entendimento interpretativo retroativo prejudicial, ferindo frontalmente a Lei n. 9.784/99;

3. Ferir o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, constitucionalmente garantido;

4. Por inverter a faculdade de compensar, transmutando-a em obrigação de compensar e descaracterizando o próprio instituto do parcelamento especial.

Assim, se torna ilegal e inconstitucional qualquer tentativa de denegação das compensações realizadas nos exatos termos preconizados pela lei, decreto e instrução normativa, ensejando, no caso concreto, a defesa judicial competente.


NOTAS

[1] Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.

[2] Art. 111 da Lei n. 5.172, de 25/10/1966.

[3] Direito Administrativo Brasileiro, 26a ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2001, p. 174.

[4] Art. 100, inciso I da Lei n. 5.172, de 25/10/1966.

[5] RE 136.889/SP.

[6] ADIn 311-9/DF DJU 14/09/1990.

[7] Manual de Direito Constitucional, Tomo V, Coimbra, 1997, p. 211.

[8] Op. cit., p.217

[9] Art. 106 da Lei n. 5.172, de 25/10/1966.

[10] Curso de Direito Constitucional Tributário, 16a ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2001, p. 304.

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Sobre os autores
Rodrigo Girolla

advogado tributarista do escritório Martinelli Advocacia Empresarial

Celso Meira Junior

advogado tributarista do escritório Martinelli Advocacia Empresarial

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIROLLA, Rodrigo ; MEIRA JUNIOR, Celso. A ilegalidade da Resolução do Comitê Gestor do Refis nº 19/2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 324, 27 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5273. Acesso em: 2 nov. 2024.

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