Considerações acerca da produção legislativa penal e a influência midiática

12/10/2016 às 21:02
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Observa-se uma crescente inflação legislativa no que diz respeito às normas penais, em especial devido o nosso atual cenário político embasado em um afã sensacionalista. Nesse diapasão, se marcha rumo ao Direito Penal Máximo, seria esse o melhor caminho?

RESUMO

É possível observar a crescente inflação legislativa no que diz respeito às normas penais, em especial devido o nosso atual cenário político embasado em um afã sensacionalista dos veículos de comunicação que vem difundindo a ideia de um Direito Penal Máximo. Nesse diapasão, a mídia diariamente vem violando princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro e se afastando do seu papel precípuo de informar e instigar o debate público. O presente artigo traz uma análise de forma crítica sobre esse movimento de alienação rumo ao Direito Penal Máximo, bem como a sua discrepância não só constitucional, como também social.

ABSTRACT 

It is possible to observe the growing legislative inflation with regard to criminal standards, in particular because of our current political scenario based on an exaggeration of the communication vehicles that come spreading the idea of a Maximum criminal law. In this tuning fork, the media every day comes in violation of basic principles of the Brazilian legal system and moving away from its eventual role of informing and instigate public debate. This article brings a critical analysis about this movement of alienation towards the Maximum criminal law, as well as its discrepancy not only constitutional, but also social.

PALAVRAS CHAVES: Mídia, Devido Processo Legal, Direito Penal Máximo, Alienação.

KEY WORDS: Media, Due Process Of Law, Criminal Law, Maximum Alienation.

1 INTRODUÇÃO

É inegável o papel da mídia como formadora de opiniões. Rádios,noticiários, blogs, entre outros bombardeiam diariamente os cidadãos com crimes brutais como pauta principal de seu programa, pregando um endurecimento[2] das penas como a solução da violência todos os dias apresentadas em seus quadros.

Não por acaso, desde muito tempo a mídia foi denominada de “Quarto Poder”, visto que a mesma exerce esse poder sobre o pensamento popular que reflete diretamente na produção legislativa, bem como nos julgamentos, onde bem antes, são feridos e até deixados de lados princípios bases do processo penal.

A maior preocupação reside no fato de que os crimes mais célebres viram verdadeiros espetáculos e posteriormente provocam alterações na lei penal, fruto de um imediatismo político inflado pela ideia introduzida nos eleitores pela mídia de que a solução é o endurecimento das penas. É então deixado de lado todo o respeito ao devido processo legal, bem como a produção legislativa, além da triste confusão entre justiça e vingança.

O principal objetivo desse trabalho é, portanto, apontar o perigo de se utilizar o Direito Penal Máximo como a solução para os problemas sociais brasileiros, tendo em vista não só a pura inflação legislativa, como também o perigo da perda do fim último do Direito Penal que além da punição da transgressão, é a ressocialização do transgressor.

É importante esclarecer que não se tem como objetivo culpar a Mídia por todos os problemas que se enfrenta no processo penal, pois é inegável sua importância para um Estado Democrático de Direito, entretanto devem-se apontar suas atuais falhas que impactam diretamente na perspectiva do Direito Penal na sociedade.

2 MÍDIA: QUARTO PODER?

O conceito da mídia como “Quarto Poder”, surgiu sob a influência do pensamento liberal, ou seja, da luta da burguesia contra o Absolutismo e o poder dos nobres e da reflexão sobre a separação dos poderes concebidos por Montesquieu – o Legislativo, Executivo e Judiciário. O ideal liberal era além da liberdade de expressão individual, uma impressa livre da censura do Estado, capaz de formar a opinião pública exercer o papel de contrapoder.[3]

É notório que muita coisa mudou desde o surgimento da ideia do “Quarto Poder” e o próprio conceito não se encontra mais tão somente ligado à ideia de um contrapoder, porém, muito mais a capacidade de uma notável influência junto aos tecidos sociais. Muitos são aqueles que discordam sobre a existência do “Quarto Poder”, entretanto, o foco da discussão no atual cenário do século XXI, está ligado não ao âmbito constitucional ou legitimidade para ser denominada como um poder, mas a realidade que podemos constatar em nosso ordenamento jurídico.

O papel da imprensa estaria ligado à vigilância dos Poderes devido ao interesse público, todavia, o foco que se apresenta não é mais o interesse público, como um fim social para a fiscalização do Estado e seus respectivos poderes, mas o simples “interesse do público”, o que agora parece possuir maior importância não é levar a informação e formar uma população esclarecida, mas tão somente aumentar lucros das grandes empresas de comunicação. O que parece “mandar” na mídia hoje, é aquilo que se desdobrar em números, seja em audiência ou posteriormente em lucro.

Apesar de não existir legitimidade, a mídia de fato exerce poderes além de sua órbita. Podemos constatar a maneira seletiva de transmitir informações, a manipulação dos indivíduos, investigações e até “condenações” como parte de seus programas que influenciam diretamente na criação e reformas legislativas para a pura satisfação da massa, assim como na condenação de réus, feitas muitas vezes antes do início do devido processo legal.

3 ACESSO A INFORMAÇÃO X DEVIDO PROCESSO LEGAL

Segundo art. 5º, LIV, CF “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Muitos são os doutrinadores que o consideram a fonte de todos os outros princípios constitucionais. A priori, o Devido Processo Legal Primeiramente pressupõe um processo regular para a imposição de qualquer pena ou restrição de direito. E de maneira secundária, o processo deve assegurar às partes paridade de tratamento, o contraditório e ampla defesa.

O art. 5º, LV, CF dispõe ainda dispõe:  “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” 

Aprende-se na faculdade de direito, que a violação desse princípio implica CERCEAMENTO DE DEFESA. A ampla defesa consiste na possibilidade das partes fazerem uso de todos os meios lícitos e moralmente legítimos a defesa de seus direitos, ainda que não explicitados em lei. Já o contraditório é a técnica processual e procedimental que impõe a condenação dialética do processo, ou seja, todos os atos devem ser praticados.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 foi assegurado como direito fundamental não somente os princípios acima mencionados, mas também o acesso das pessoas as informações de forma pública, sendo característica essa fruto de um país que durante anos viveu totalmente imerso em uma ditadura militar. O princípio encontra-se disposto no artigo 5°, inciso XXXIII, que dispõe da seguinte forma:

“Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”[4]

A publicidade supramencionada, assim como em outros aspectos garantidas com o advento da CF/88, foi um dos frutos do fim da Ditadura. Não se desprezando aqui a importância desse princípio para a sociedade, mas deve-se questionar a que ponto o que hoje é exercido pela mídia é exercício desse direito ou violação do Devido Processo Legal.

A exemplo, em processos de natureza criminal, mais especificamente de competência do Tribunal do Júri, a mídia vem cada vez mais distorcendo o conceito do que é justiça. Desde os primeiros meses de um Curso de Direito, um acadêmico aprende que mesmo se passando centenas de anos desde a constituição do Estado Moderno, o homem não chegou ao conceito do que seria justiça, porém, o que vemos em alguns noticiários, é a tentativa de igualar justiça ao ato de vingança.

  No que tange ao processo penal, o Brasil - pais signatário do Pacto de San José da Costa Rica - busca de forma imparcial, garantir aos homens direitos básicos para seu julgamento, mesmo que com um judiciário precário, o que não vem à baila no momento. O rol de direitos e garantias fundamentais da nossa Carta Magna como já mencionado é reflexo de um país pós ditadura, onde se buscava afirmar todos os direitos que de alguma forma aviam sido excluídos, violados, deixado de lados ou sequer antes reconhecido. 

Entretanto, atualmente vemos uma proliferação de diversos pseudojornalistas por meio de blogs e noticiários que primam o simples sensacionalismo ao debater os crimes dentro da sociedade brasileira. O que parece está em jogo não é mais o direito de um homem, mas simplesmente pontos no IBOPE. Vemos em muitos casos uma verdadeira campanha de agressão do acusado, que ali mesmo é rotulado como “vagabundo”, “assassino”, “estuprador”, “ladrão”, entre outros. O reflexo dessas campanhas é visto diretamente no modo de pensar do homem comum; são inúmeros casos de “justiça com as próprias mãos”, assaltantes que tem sua cabeça esmagada, outros que são amarrados em portes e açoitados até a morte, entre outras barbáries que podemos ver quase que diariamente.

A simples punição é o alvo requerido e em tantos casos executado, fugindo dessa forma do intuito da norma legal que é a punição do fato criminoso e a ressocialização do infrator.   A busca da justiça é difundida não mais com a aplicação das normas constitucionais, processuais e penais, mas de uma vingança disfarçada de justiça, como o olho por olho, dente por dente do tão conhecido Código de Hamurabi.     Ver-se a exaltação de um processo penal inspirado na justiça pelas próprias mãos, e falsamente embasado no princípio da publicidade, em detrimento do Devido Processo Legal e do próprio Estado Soberano e Direito.

4 IMPRENSA X PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Para o Princípio do Devido Processo Legal chegar a ser tão diligenciado, muitos outros são anteriormente violados, desde a Dignidade da Pessoa Humana, que é totalmente esquecido ao termos homens sendo mortos por outros cidadãos, pelo fato de terem transgredido a lei , até o principio da Presunção de Inocência que encontra respaldo legal no art. 5º, LVII, CF:“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”

Ou seja, quando um indivíduo fosse indiciado por determinado crime, o mesmo só poderia ser considerado culpado depois de condenado e com sentença tendo transitado em julgado.  Insta destacar o amparo legal desse princípio na Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo 11:

“Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que se prove sua culpa, conforme a lei, em julgamento público no qual sejam asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

Apesar de todos os princípios até aqui citados, e de todos os dispositivos que encontramos na esfera constitucional e penal, a influência da mídia acaba por afastar do até então acusado, um julgamento em sua totalidade justa, haja vista que ele já se encontra muitas vezes condenado socialmente, seja agredido por populares física e verbalmente ou entre outras situações.

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Casos mais preocupantes vemos no que diz respeito ao Tribunal do Júri; onde se lida com a violação do direito mais importante para a sociedade, o direito a vida; por si só, ele já possui relevante grandeza, entretanto, diante de tamanha exposição midiática, esquece-se que o Tribunal lida não apenas com a punição de uma vida tirada, mas também com a vida do réu, que até a sentença transitada, deveria ser considerado apenas acusado do delito e não já possuir sobre seus ombros um peso de uma condenação social quase que absoluta.

Os crimes de competência do Tribunal do Júri são julgado através de um corpo de jurados, onde o Conselho de Sentença formado por sete pessoas que tenham suas idoneidades morais ilibadas perante a sociedade irão decidir sobre a culpa do réu. O “problema” em questão é que, estas pessoas como não poderia ser diferente, possuem acesso aos meios de comunicação, tais como noticiários, revistas e internet, acompanhando o caso antes mesmo de serem convocados a fazerem parte do Tribunal.

A própria mídia aponta os motivos do crime e expõe em reportagens todo um perfil “doentio” que é buscado e construído por meio de “testemunhas” que conviveram com o réu.  Dessa forma, os jurados acabam se inteirando daquilo que é lançado pela imprensa para as pessoas, e chegando ao Júri com o pré- julgamento pronto. Com isso, por mais que os debates entre advogados e promotor cumpram o que dita a norma processual penal, dificilmente o jurado irá se afastar daquela “sentença” que foi dada anteriormente em sua casa, em seu trabalho, mesa do bar, igreja, entre outro locais, onde juntamente com seus amigos e familiares deliberaram a culpa do réu.

Um caso de notoriedade nacional foi o de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá condenados pela morte da menina Isabella Nardoni, no dia 29 de março de 2008, onde Isabella de aproximadamente cinco anos de idade foi lançada do sexto andar de um prédio na cidade de São Paulo. O que mais chamou a atenção da mídia na época, foi que ao início das investigações as pessoas apontadas como suspeitos do crime foram seu pai e madrasta, que posteriormente condenados foram condenados.

 O que se tem aqui em foco, não é afirmar a inocência do casal, mas somente usar o caso a exemplo de discussão da atuação da mídia.  Na época, o grande alvoroço social causado pelo delito, dizia respeito ao fato de um pai ser capaz de tirar a vida da filha daquela maneira. Em pouco mais de duas semanas o casal era tido como único suspeitos do crime, sendo descartado qualquer outra hipótese por parte da opinião popular, pois o que se via nas reportagens em todos os meios de comunicação, era tão somente aquilo que é papel do promotor durante o Tribunal do Júri; desde a apresentação de antepassado de violência do casal, à construção de um perfil de pessoas totalmente agressivas. Como já dito, o foco não é a culpa ou não do casal, mas os direitos que lhe foram ofendidos, acompanhou-se então o julgamento ao vivo dos mesmos e a já certa condenação, com o clamor social de um último capítulo de novela das nove.

Ou seja, ver-se que quase sempre os princípios do contraditório e ampla defesa previstos constitucionalmente permaneçam prejudicados, pois como já supracitado, em sua maioria o júri já adentra ao tribunal com uma decisão construída no sofá de suas casas, enquanto a “promotoria”, aqui se entenda a mídia, lhe apresenta toda sua tese de acusação; sem a chance de um “advogado de defesa”, o réu é condenado não pelo ponderamento das provas, mas tão somente pelo quadro unilateral que lhe é apresentado.

 5 A DEFORMAÇÃO DA REALIDADE CRIMINAL

Pode-se até aqui perceber que o excessivo destaque dado pela Mídia ao Direito Penal ao noticiar fatos delituosos, acaba influenciando diretamente na percepção do cidadão na realidade criminal, diga-se aqui que de forma negativa, visto que, o que se constrói são falsas ideias sobre o mundo criminal, seus problemas, molas e soluções.

As questões criminais passam a ser tratadas como uma forma para destacar os problemas sociais, econômicos e políticos.  Que a criminalidade existe é fato, entretanto existe uma diferença entre informação e campanha; a informação está ligada ao expor para sociedade os fatos acontecidos, porém, o que temos na prática é uma campanha criminal veiculada nos meios midiáticos onde a exposição dos fatos é acompanhadas de um forte fundo político e carregado de opiniões pessoais, opiniões essas tantas vezes totalmente alheias a realidade e dificuldades da esfera penal, maximizando fatos aponto de gerar um clamor social.[5]

O homicídio por exemplo, é o “queridinho” dos veículos midiáticos, que não se cansam de expor e tantas vezes “caçar” casos grotescos, onde o que vemos é a banalização do homem de forma sensacionalista e desrespeitosa. Quantos não são aqueles que são capas de jornais e blogs após serem mortos e terem sua cabeça cortada, vísceras retiradas, etc. ?

É claro que não se pode acobertar mortes e fingir que as mesmas não acontecem, entretanto é questionável a forma atual como esses casos sãos expostos. A repetição constante de um fato criminoso, e em especial casos que ainda irão a julgamento provoca uma sensação de choque e revolta naqueles que acompanham as notícias vinculadas, entre eles incluí-se aqueles que constituirão o júri do Julgamento, bem como o legislador que irá mais tarde reagir diante desse movimento rumo ao endurecimento das penas. Ou seja, a exposição excessiva desses fatos não está ligada ao dever de informar o cidadão, mas diretamente a uma campanha com um cunho de maximização do direito penal.

6 ALIENAÇÃO QUANTO AO DIREITO PENAL MÁXIMO

Em meio ao desrespeito a princípios basilares do processo penal e a transformação de casos de Tribunal em “espetáculos televisivos”, existe um movimento progressivo de endurecimento das penas como a solução do combate à violência.

Rogério Greco em sua obra: Direito Penal do Equilíbrio, discorre muito bem a cerca dessa alienação quanto ao endurecimentos das penas que o mesmo denomina de Direito Penal Máximo. Como já foi destacado, inúmeros sãos os quadros e programas de TV que atualmente se destinam a discussões com o foco principal no Direito Penal. Inúmeros são também, os “especialistas” que surgem e absurdas as suas soluções para por fim à prática criminosa, que quase sempre se dirigem ao aumento das hipóteses típicas, redução da menor idade penal e recrudescimento das penas já existente.

Criou-se uma mentalidade de que todos os problemas sociais serão resolvidos por meio do Direito Penal e sua aplicação mais dura possível. Tal fato se dar pois a sociedade amedrontada diante da criminalidade acaba por ceder diante dos apelos vinculados pelos comunicadores de massa, onde vai se descartando a possibilidade de recuperação do condenado e exige-se uma maior criminalização.

Grande equívoco esse acerca do endurecimento do Direito Penal como solução dos problemas que a sociedade brasileira enfrenta, afinal a insegurança gerada pelo onda crescente de crimes está na incapacidade do Estado de atender seus deveres sócias, tais como saúde, educação, trabalho, lazer, previdência social, entre outros, e não sobre o “homem mau.”

O endurecimento do Direito Penal, nada mais seria a punição de vítimas pela incapacidade do Estado em cumprir seus deveres. Vemos o clamor social sobre o endurecimento de penas quanto a crimes normalmente cometidos por pobres, crimes esses ligados a uma série de fatores sociais como a falta de acesso a educação, saúde e trabalho; pessoas que em sua maioria, sem alternativa e sem perspectiva de alcançar um futuro melhor - visto que o Estado não propicia os instrumentos necessários para isso- enveredam pelo crime; muitas vezes começando com “crimes pequenos”, como levar e deixar encomenda para os traficantes, quando então se percebe, aquele que um dia era apenas uma “aviãozinho” (Na hierarquia do tráfico, "avião" é o cargo onde crianças e adolescentes são usados para transportar drogas e armas dentro e fora da favela) termina tendo que matar para não ser morto.

É claro que nem todos os homicídios, crimes de lesão corporal e outros possuem esse mesmo caminho, mas é esmagadora a parcela daqueles que infringem as normas penais e são na verdade fruto do descaso do Estado. Porém, não se pode olvidar que quanto a crimes conhecidos como “Crimes de colarinho branco” não vemos o mesmo apelo midiático e consequentemente desejo da sociedade de endurecer as penas; penas essas que aliais, em sua maioria sequer chegam a ser aplicadas.

7 MÍDIA E SUA INFLUÊNCIA NA POLÍTICA BRASILEIRA

Com esse movimento de violência, insegurança, influência da mídia e endurecimento das penas, vemos claramente o descaso daqueles que se investem com a figura do Estado em procurar medidas realmente eficazes e justas diante do nosso ordenamento; onde vão se adaptando ao mais fácil para serem eleitos e reeleitos e atendem ao clamor social, que como já destacamos, encontra-se cego pelo medo da violência e ineficácia do Estado na aplicação daquilo que já possui.

Nilo Batista em sua obra Punidos e Mal Pagos chama atenção para a mídia de morte em horário gratuito, onde o debate da pena de caráter perpétuo e de morte vez ou outra é revivido pelo oportunismo eleitoral.  O autor apresenta o perigo desses pensamentos, assim como apresenta ao longo do livro sua proposta acerca de como lidar com a situação, porém, aqui se pode aqui chamar atenção para quando ele destaca um dos principais argumentos daqueles que defendem a pena de morte e de caráter perpétuo, o autor trás o questionamento do professor espanhol Barbero Santos (em seu livro Pena de muerte – El ocaso de mito): “A pena de morte intimida?”.

É algo a se pensar, afinal os países adeptos da pena de morte não possuem menor índices de homicídios pela intimidação provocada pela pena, mas tão somente graças as reias aplicações dos deveres sociais do Estado.  No EUA, o fato de alguns estados possuírem pena de morte não zerou a sua criminalidade, pelo contrário, a mesma continua a acontecer.

Fato é, que a intimidação tão pregada pela pena de morte não é real, os assassinatos continuam a acontecer, o que se pode afirmar talvez seja que a pena de morte paga na mesma moeda, olho por olho, o crime cometido. Mas até que ponto devemos deixar de fazer justiça e nos ligar a vingança?

É verdade que muitos são os casos em que existem criminosos patológicos, passionais e aqueles que livremente escolhem tirar a vida de outro por fato bobo, porém seriam esses a grande maioria daqueles que comentem crime no Brasil? Ou seria o perfil de criminoso existente a muito tempo rotulado e até hoje ainda usado; homem, negro e pobre?  É certo que o Estado em seu poder julgador deve se ater aos fatos que levaram ao crime; entretanto, séria justiça condenar com a pena de morte aquele que hoje cometeu um assassinato, mas que anos atrás foi deixado de lado, em uma favela, sem chances de educação, saúde e muitas vezes de sobreviver, tendo como opção apenas o crime para atender suas necessidades básicas?  Nenhum homem nasce criminoso, eles são tão somente produtos sociais, do abandono do Estado e da falta de fiscalização da sociedade.

Agora cabe refletir, se a prisão comum somente acontece com quem não tem condições ou influência para dar um “jeitinho brasileiro”, a pena de morte seria diferente?  A pena de caráter perpétua seria diferente?

No clima de falta de segurança e medo, vemos cada vez mais populares fazendo justiça com as próprias mãos e governantes e legisladores que em uma disputa de votos, apresentam um endurecimento do Direito Penal como a solução para o fim de todos os problemas sociais, tão somente para adquirir votos.  

Tais propostas dentro do nosso ordenamento jurídico mostram-se completamente inviáveis, visto que o art. 60, §4º, IV da CF diz que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Mesmo que surgisse uma nova ordem constitucional, com a promulgação de uma nova Constituição, os direitos já conquistados não poderiam retroagir, pois em matéria de direitos humanos não se admite regresso. Portanto o art. 5º, XLVII que dispõe que: não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, nem de caráter perpétuo, de trabalhos forçados e de banimento e cruéis; é um avanço e conquista para o homem enquanto ser social, que não pode ser constitucionalmente deixado de lado e nem deveria ser deixado também pelo senso popular, é algo não passível de contestação.

É claro até aqui, que a solução dos problemas criminais não depende de um sistema cada vez mais repressor e de uma segurança pública cabalmente ostensiva. Os caminhos a serem tomados, tem que necessariamente passar pela resolução de problemas de base da sociedade brasileira tão aviltada pelas políticas públicas irrelevantes e políticas criminais inócuas. E é sobre essa Política Criminal brasileira, que Fábio Martins de Andrade assevera:

Em suma, a política criminal brasileira não passa de mero engodo. Funciona tão somente de maneira reativa ao sensacionalismo explorado diariamente pelos principais órgãos da mídia que, quase instantaneamente, consegue converter corações e mentes de enorme contingente de indivíduos encampando seus pleitos pelo endurecimento do sistema penal e alimentando-os com a geração de novas notícias, e assim sucessivamente.”[6]

8 INFLAÇÃO LEGISLATIVA

Como se pode supor, os erros da ideologia da implantação do Direito Penal máximo nos conduz a uma insuportável situação de inflação legislativa, cujo único resultado até então, foi cada vez mais fazer com que o Direito Penal fosse desacreditado.

A inflação legislativa, nada mais é do que o reflexo da ideologia do endurecimento do Direito Penal no cenário político, a produção em massa das leis, em especial aqui abordada as penais, nada mais é do que fruto de um Direito Penal cada vez mais desacreditado, que virou pauta de programas com o intuito comum de apenas exaltar os ânimos, sem nenhum debate social realmente relevante. Para se ter ideia, desde 1940 (data do atual Código Penal) a 2011 o legislador brasileiro aprovou 136 leis penais, que alteraram o sistema penal, sendo que 104 leis foram mais gravosas, 19 foram mais benéficas e 13 apresentaram conteúdo misto ou indiferente. Ou seja, no geral são leis emergenciais, aprovadas após a eclosão de uma grave crise de medo e de insegurança, explorada pela mídia, logo após um grande caso.

O problema da inflação legislativa reside a priori em leis que cada vez mais se afastam do básico, como ser uma norma geral e abstrata, que possui com o precípuo o bem social, ao penalizar o infrator e ressocializá-lo e educar a sociedade, e passam na verdade a ser fruto de um “quarto poder” que faz do Direito Penal pauta para conseguir IBOPE, afastando-se do papel de uma mídia responsável e apegando-se ao que trás pontos de audiência.

 A inflação legislativa afeta o próprio ordenamento jurídico, leis criadas pelo imediatismo político, a fim de responder uma massa alienada pela ideia de endurecimento penal, são simplesmente jogadas para calar a massa e continuam como as demais anteriormente existentes, sem instrumentos para a real aplicabilidade e consequente eficácia, inócuas.

 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o avanço da tecnologia, tocamos hoje em uma mídia que adquiriu mais praticidade por diversos meios de comunicação; entretanto, a face negativa dessa liberdade é hoje a influência que a mesma exerce sobre a produção legislativa penal brasileira.

Agindo como um “quarto poder” no que se refere a sua influência sobre a população, tem-se julgamentos tratados como verdadeiros reality shows, onde o réu é condenado socialmente muito antes de chegar ao Tribunal do Júri, tendo um cerceamento de defesa podemos dizer assim dizer, visto que, na prática, sua presunção de inocência e sua capacidade de ampla defesa se encontram totalmente prejudicados.

A consequência dessa exposição, nada mais é do que uma campanha sobre o endurecimento das penas, da redução da menoridade penal, entre outras propostas. Vemos a fomentação da ideia de um Direito Penal Máximo que é comprado dentro do cenário político, e após as eleições levado a produção de cada vez mais normas penais, nos levando a nada mais do que uma Inflação Legislativa, que não leva em consideração a legitimidade constitucional e a real fonte dos crimes, que não reside somente no caráter do réu, porém muito mais no fato de ser ele um fruto de um abandono social do Estado.

Por meio do Direito Penal Máximo vai-se tirando totalmente a chance de ressocialização, e talvez em muitos casos de educação desses homens que são condenados. A solução para todos os problemas sociais brasileiros não reside no endurecimento de penas, muito menos na construção de mais cadeias ou na morte daqueles que transgridem a lei como se vem difundindo.

A solução também não pode ser simplesmente aqui apontada, porém, ela pode e deve ser buscada. Como saber que nossas normas penais e processuais são ineficazes? Utilizando-os, concretizando todo seu contexto, e só ai, se vermos que ainda assim não surgiram efeitos, modifica-se ou criam-se outras.

O sistema penal brasileiro não precisa de novas leis, precisa da aplicação daquelas que já possui. Não precisa de novos presídios, precisa desafogar os existentes, que estão lotados de presos que já cumpriram sua pena ou que estão presos “provisoriamente”. Precisa reformá-los não só estruturamente, como também administrativamente, precisa também investir na ressocialização de seus detentos.  O Brasil como país signatário dos Direitos Humanos não precisa endurecer suas penas para ter a paz social, precisa primeiramente trabalhar com as que possui e só depois buscar melhorar o que é preciso.

 Usando de uma analogia, não se cura um pé doente comprando novos sapatos, e sim tratando e aplicando todos os remédios que lhe são oferecidos. Da mesma, não se põem fim a violência criando novas leis, mas sim aplicando as que possui, possibilitando seus contextos sociais e fiscalizando a sua eficácia.

O intuito do Direito Penal não deve ser a pena como sinal de vingança, mas sim de educação do transgressor e da sociedade. Não se resolve os problemas sociais com o Direito Penal, porém pode-se resolve os problemas do Direito Penal com o cumprimento dos deveres sociais do Estado e da própria sociedade.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Fábio Martins de. Mídia e poder judiciário: a influência dos órgãos da mídia no processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.  

BATISTA, Nilo. Punidos e Mal Pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Campinas – SP: Servanda, 2000.

GRECO, Rogério.  Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 6 ed. ver, ampl e atual. Niterói – RJ: Impetus, 2011.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – volume 1 . 13ª ed. ver, ampl e atual. Niterói – RJ: Impetus, 2011.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15ª ed. rev., ampl e atual. Rido de janeiro: LumenJuris, 2011.

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA SOBRE O JUIZ PENAL E A SOCIEDADE, Presidente Prudente -SP. Disponível em: <http: //intertemas.unitoledo.br/revista/índex.php/ ETIC/ article/ viewFile/2367/1899>. Acesso em: 31 agot 2015.

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA COMO FATOR DETERMINANTE PARA CONDENAÇÃO DE RÉUS NO PLENÁRIO DO JÚRI. Disponível em: <http : //www.ambito-juridico.com.br/site/índex.php/ ? n_link= revista_artigos_leitura& artigo_id = 12931&revista_caderno=22.>. Acesso em 31 agot 2015.

NERY, Arianne Câmara. Considerações sobre o Papel da Mídia no Processo Penal. Rio de Janeiro: PUC-RIO, 2012. Disponível em : < http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/16733/16733.PDF >. Acesso em 02 set 2015.


[3]  GRECO, Rogério.  Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 6 ed. ver, ampl e atual. Niterói – RJ: Impetus, 2011. P 20-23

[4] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

[5] BATISTA, Nilo. Punidos e Mal Pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990.

[6] ANDRADE, Fábio Martins de. Mídia e poder judiciário: a influência dos órgãos da mídia no processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.  

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