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A teoria de Oracy Nogueira:

ruptura às teorias tradicionais e fonte para o embasamento das políticas de ação afirmativas e seus mecanismos

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VII.Conclusão

O processo de desenvolvimento no Brasil fez acreditar que com ele as desigualdades entre negros e brancos iriam ser reduzidas paulatinamente. Não havia, por esta visão, necessidade de ações específicas que permitissem que negros, descendentes de escravos em sua maioria, pudessem se instrumentalizar para conseguir ultrapassar as barreiras estabelecidas no período da escravidão.

Ao mesmo tempo a inexistência de conflitos entre os grupos, como era observado nas sociedades norte-americana e sul africana, em que o Estado através de seus poderes legislativos instituíram normas, como as leis Jim Crow e do Apartheid, para separar negros e brancos, fazia entender de que não havia racismo no Brasil, o que embasava a política de leis universalistas, sem qualquer proposição direcionada aos grupos negros.

Tal perspectiva só tem sido rompida com o reconhecimento de práticas reiteradas de exclusão que têm relegado aos negros a margem do exercício de garantias constitucionalmente estabelecidas, como educação, saúde, boa moradia, acesso à justiça e renda para sustento digno. Somente com o reconhecimento do grande prejuízo que tem sido vítima a comunidade negra que se fará justiça social, sem se suscitar, em hipótese alguma, a instituição de privilégio quando políticas são promovidas com o propósito de dar garantias ao negro ao acesso à educação, saúde etc.

Este é o passo mais importante: o reconhecimento de que a sociedade brasileira construiu condutas segregacionistas, visando excluir o negro, reparando esta postura com a mudança destas condutas e incentivando o Estado na proposição de ações que visem estabelecer um quadro de igualdade entre negros e brancos.


Bibliografia:

BACELAR, Jéferson. A hierarquia das raças: negros e brancos em Salvador. Rio de Janeiro; Pallas. 2001.

BORGES, Edson, d´ADESKY, Jacques, MEDEIROS, Carlos Alberto. Racismo, preconceito e intolerância. São Paulo: Atual, 2002.

d’ADESKY, Jacques. Pluralismo étnico e multiculturalismo: racismos e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

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FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. Rio de Janeiro: Record. 1990.

GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Classes, raças e democracia. São Paulo: Editora 34. 2001.

__________________________Preconceito e discriminação: queixas de ofensas e tratamento desigual dos negros. Salvador: Novos Toques. 1997.

HASENBALG, Carlos Alfredo, SILVA, Nelson do Vale. Relações raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora. 1991.

HASENBALG, Carlos Alfredo, SILVA, Nelson do Vale e LIMA, Márcia. Cor e estratificação social. Rio de Janeiro: Contra Capa. 1999.

HENRIQUES, Ricardo. Silêncio – o canto da desigualdade racial. In: Organização Ashoka empreendimentos sociais e Takano Cidadania. Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Ed., 2003.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Síntese dos Indicadores Sociais 1999. Rio de Janeiro: IBGE, 2000.

NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e de preconceito racial de origem: sugestões de um quadro de referência para interpretação do material sobre relações sociais no Brasil. São Paulo: T A QUEIROZ. 1955

PIERSON, Donald. Pretos e brancos na Bahia.Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional. 1971.

SISS, Ahyas. Afro-brasileiros, cotas e ação afirmativa. Rio de Janeiro: Quartet; Niterói: PENESB, 2003.


Notas

1 Neste texto o termo negro é assumido como sendo uma categoria sociopolítica que corresponde ao conjunto de pretos e pardos, compartilhando a opinião do economista e pesquisador Ricardo Henriques, segundo a qual são negros os brasileiros que se declaram de cor preta ou parda nas pesquisas domiciliares do IBGE. A abordagem histórica e institucional da análise da questão racial enquanto uma construção social justifica, de forma plena, a agregação desses dois universos na medida em que, no Brasil, o perfil socioeconômico das populações preta e parda é estritamente equivalente (HENRIQUES, 2003: 13-14).

2 A história do estudo da questão racial no Brasil vem se desenhando desde o início do século passado. Oliveira Viana e Nina Rodrigues são nomes importantes neste breve relato histórico para ilustrar que desde cedo a academia se debruçava sobre este tema. O primeiro acreditava que os mestiços, como os negros seriam inferiores aos brancos (BACELAR, 2001) e Rodrigues desenvolveu um trabalho que defendeu a inimputabilidade dos negros. Até então, a análise desenvolvida tinha cunho eminentemente biológico e tentava demonstrar a superioridade dos brancos sobre os demais.

3 Guimarães sintetiza estes critérios sendo a escola de Chicago, que definiria como grupos de acomodação de conflitos numa sociedade aberta; pela linha weberiana como diferentes posições de modo de produção; ou pelo pensamento de influência marxista, como grupos que ocupam diferentes posições num modo de produção (GUIMARÃES, 1997: 20).

4 Para Nogueira, "não brancos" compreenderiam as pessoas pretas e pardas (estas denominadas "mestiças"), e os brancos seriam as pessoas de origem européia.

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5 Os termos negróide e caucasóide são usados por Oracy Nogueira (1955:80), a fim de construir características fenotípicas que mais se aproximassem do negro africano e do branco europeu. Evidentemente, o conceito usado é limitado tendo finalidade eminentemente de diferenciar um grupo do outro sem qualquer profundidade de natureza biológica – antropológica.

6 Dados do IBGE do censo de 2000.

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Sobre os autores
Luiz Fernando Martins da Silva

advogado, ex-diretor e assessor jurídico do Instituto de Pesquisa e Culturas Negras e do Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro

Cleber Lázaro Julião Costa

Advogado e mestrando em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luiz Fernando Martins ; COSTA, Cleber Lázaro Julião. A teoria de Oracy Nogueira:: ruptura às teorias tradicionais e fonte para o embasamento das políticas de ação afirmativas e seus mecanismos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 342, 14 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5304. Acesso em: 18 abr. 2024.

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