Separação e divórcio

21/10/2016 às 07:55
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O texto trata da alteração na regulação da dissolução dos laços matrimoniais dada pela Ec n° 66/2010.

INTRODUÇÃO

Como é sabido, a Emenda Constitucional n.º 66/2010 alterou profundamente a regulação da dissolução dos laços matrimonias, retirando o instituto da separação do ordenamento jurídico brasileiro, conforme entendimento das melhores doutrina e jurisprudência. De fato, a alteração legislativa é muito clara: o texto do artigo 226, § 6º, da Constituição Federal, que dispunha que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei ou comprovada separação de fato por mais de dois anos” foi suprimido, sendo substituído pela disposição sucinta de que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

         Produto de uma intensa luta de juristas progressistas, encabeçados pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e representados no Congresso Nacional pelo então Deputado Federal Dr. Sérgio Barradas Carneiro, a alteração constitucional foi movida pela intenção de modernizar o ordenamento brasileiro, afastando a tutela estatal das relações conjugais particulares, bem como qualquer lastro conservador de caráter religioso, em atenção à laicidade do estado brasileiro assegurada pela Constituição.

         Com a EC 66/2010 eliminou-se o instituto da separação do direito brasileiro, fulminando o chamado “sistema binário”, que condicionava o divórcio à prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

         A mudança, julgada repentina por alguns e tardia por tantos outros, vem aos poucos sendo absorvida pela doutrina e pela jurisprudência, ainda que se encontrem vozes resistentes que sustentam a subsistência da separação mesmo após a alteração do texto constitucional.

Em sede doutrinária, a resistência ao sepultamento do instituto da separação encontra respaldo também na mais abalizada doutrina, comungada pelos professores Nelson Nery Jr., Maria Helena Diniz, Youssef Said Cahali, Walsir Edson Rodrigues Jr., entre muitos outros.

Na jurisprudência, por sua vez, ao lado de diversos posicionamentos dissonantes, talvez o mais veemente tenha sido o adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cujo 3º Grupo Cível editou súmula dispondo que “o advento da Emenda Constitucional n.º 66, que deu nova redação ao § 6º do artigo 226 da Constituição Federal, não baniu do ordenamento jurídico vigente o instituto da separação judicial”.

A fim de melhor compreendermos a questão e, ao fim, nos posicionarmos a respeito, julgamos necessário fazer uma breve apresentação dos dois estágios do instituto da dissolução matrimonial no Brasil, antes e após a Emenda Constitucional 66/2010. Somente com o entendimento dessas mudanças é que se pode entender a posição atual do instituto e sua integração às disposições do novo Código de Processo Civil.

O SISTEMA BINÁRIO E SUA SUPRESSÃO PELA EC 66/2010

         Conforme já adiantamos, antes da Emenda Constitucional 66/2010, a lei autorizava a dissolução do casamento de duas formas: a primeira se dava através da separação judicial, que poderia ser convolada em divórcio desde que observados os requisitos legais; a segunda forma se promoveria através do divórcio, comprovando-se a separação judicial há mais de dois anos. Assim, se determinado casal decidisse por fim ao vínculo matrimonial teria obrigatoriamente que se submeter ao sistema binário ou teria que ter mais de dois anos de separação de fato.

         O sistema então adotado se baseava em uma distinção conceitual entre divórcio e separação: enquanto aquele colocava fim ao vínculo matrimonial, este apenas extinguia os deveres do casamento, colocando termos aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens, nos termos do artigo 1.576 do Código Civil.

         Tudo mudou com a Emenda Constitucional n.º 66/2010, a “PEC do Divórcio”, que deu nova redação ao parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal, retirando do texto a exigência, para o divórcio, do requisito temporal e da prévia separação.

         A inovação constitucional dividiu opiniões, na doutrina e na jurisprudência, a respeito da possibilidade de a partir de agora se obter o divórcio sem a necessidade de demonstrar o tempo de separação de ato ou de separação judicial, mas principalmente acerca da extinção ou não do instituto da separação judicial.

         Se no que diz respeito à primeira questão é possível dizer que já se desenvolveu entendimento pacífico no sentido de que hoje em dia não são mais necessários os requisitos da separação para a realização do divórcio, o mesmo não se pode falar da segunda questão, pois ainda hoje se discute, na doutrina e nos tribunais, se o instituto da separação ainda existe no direito brasileiro.

O INSTITUTO DA SEPARAÇÃO APÓS A EC 66/2010

         Após a edição da Emenda Constitucional n.º 66/2010, fundamentalmente dois entendimentos surgiram a respeito do atual status jurídico do instituto da separação: de um lado aqueles que o julgaram extinto do direito brasileiro, vez que suprimido pela vontade do legislador constituinte derivado (posição majoritária), de outro aqueles que entendem que a separação, ainda que tenha perdido seu caráter de requisito obrigatório para a dissolução do matrimônio, ainda existe em nossos ordenamento, como uma faculdade daquele que julgar por bem utilizá-la.

         A polêmica foi intensificada após a edição do novo Código de Processo Civil, que traz dispositivos que preveem expressamente a separação, como os artigos 23, III; 53, I; 189, II e parágrafo 2º; e 693. Se até então prevalecia com maior vigor a corrente doutrinária que defendia a extinção da separação judicial, sua previsão expressa no novo CPC “ganhou alguns pontos” para os defensores de sua preservação.

         Polêmica que, com efeito, não se restringe ao âmbito da doutrina, mas também divide a opinião de nossos juízes e tribunais. A título de exemplo curioso mas extremamente exemplificativo, Yussef Said Cahali relata que houve uma enquete entre os juízes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em que mais de 500 juízes foram ouvidos, sendo que 292 responderam entender que a separação judicial ainda vigora em nosso ordenamento, enquanto 265 responderam que o instituto foi extinto.

         Nas nossas cortes superiores ainda não houve um posicionamento absolutamente definitivo. Regina Beatriz Tavares da Silva nos informa que em 2011 o STF julgou o Recurso Extraordinário 227114/SP, que tinha como objeto a competência de foro para o julgamento de ações de separação judicial, e entendeu que o artigo 100, I, do CPC não ofende o princípio constitucional de igualdade entre homem e mulher, posição que, no entender da autora, significaria que o Supremo se manifestou a favor da manutenção da separação em nosso ordenamento, pois caso contrário teria julgado o recurso prejudicado, entendendo extinta a separação.

         No STJ, por sua vez, também não se encontra um enfrentamento direto da questão, ainda que se possa citar o exemplo de homologação de sentença estrangeira de divórcio em que, no acórdão relatado pela Ministra Nancy Andrughi, foi feita referência à desnecessidade dos requisitos temporais na obtenção do divórcio e não à supressão da separação judicial como instituto jurídico em nosso Direito.

         Nos tribunais, encontramos posicionamentos mais fortes no sentido de que ainda há no direito brasileiro o instituto da separação. Com exceção dos tribunais do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, em que há posições divergentes, tanto de que a separação ainda existe (TJRJ Apelação 004375-53.2011.8.19.0042. Rel. Des. Marcos Alcino A. Torres; TJDF Acórdão n.º 580194, 20110020175912AGI, Rel. Mario-Zam Belmiro), como que foi extinta (TJRJ Apelação 0022258-63.2009.8.19.0008, Rel. Des. Conceição Mousnier), a maioria dos tribunais entende pela manutenção do instituto. É o caso do TJES (Apelação 21.100.096.367, Rel. Des. Fabio Clem de Oliveira), TJMG (ApelaçãO Cível 1.0024.09.513692-5/002, Rel. Des. Alberto Vilas Boas), TJPR (AI 924532-7, Rel. Des. Ruy Muggiati) e do TJGO (Apelação Cível n.º 125490-22.2009.8.09.0024).

         Em suma, parece certo afirmar que, mesmo antes da edição do novo CPC, já era possível encontrar posicionamentos bastante contundentes no sentido de que a EC 66/2010 não extinguiu a separação. Posicionamentos não apenas de grande parte da jurisprudência, mas também de setores da melhor doutrina, como é o caso dos professores Youssef Said Cahali, Maria Helena Diniz, Nelson Nery Jr., além de muitos outros.

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         Importante destacar que a defesa da subsistência do instituto não se faz pela defesa do retorno ao sistema binário, muito pelo contrário. Nossa evolução legislativa sepultou o sistema binário por entendê-lo como indevida intromissão do Estado na esfera da vida privada, já que não havia razão para que houvesse todo um trâmite legalmente estabelecido impedindo as pessoas de realmente colocarem fim imediato ao vínculo matrimonial contraído. Foi precisamente esse o mote que levou à movimentação do IBDFAM e à luta pela aprovação da EC 66/2010.

         O que se deve deixar claro, portanto, é que a grande parte dos autores – e mesmo a jurisprudência – que se manifesta pela preservação da separação não se opõe a esse desenvolvimento no sentido de conferir maior liberdade aos particulares. O que se defende não é um retorno ao sistema binário, mas a coexistência de ambos. É dizer que o sistema dual obrigatório foi substituído pelo sistema dual facultativo, de modo que o casal pode optar, desde logo, por se divorciar, ou, se assim preferir, optar por apenas se separar judicialmente.

         Assim, diante de tudo que vimos, parecemos inclinados a adotar essa última opção, sustentando que, diferentemente do cenário anterior à EC 66/2010, não existe mais a proibição do imediato divórcio, mas o novo sistema também não impõe aos particulares esse divórcio imediato.

         Tal entendimento nos parece cabível porque (i) não contraria a letra expressa da Constituição, mesmo após a EC 66/2010, que realmente autoriza mais de uma interpretação; (ii) melhor se coaduna com a legislação infraconstitucional, principalmente após a edição do novo CPC; (iii) acompanha o entendimento da maioria dos tribunais, que permaneceram aceitando a existência da separação após a EC, de forma que, na prática, ela jamais deixou de existir; e, o mais importante, (iv) parece ser a interpretação que melhor harmoniza com o princípio norteador da EC 66/2010, que é justamente o de conferir maior liberdade aos indivíduos para definir o rumo de suas vidas, permitindo-lhes que escolham entre o divórcio imediato e a separação, evitando que a inaceitável ditadura do sistema binário seja substituída por uma espécie de “ditadura do divórcio obrigatório”.

BIBLIOGRAFIA 

CAHALI, Yussef Said. Separações conjugais e divórcio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

CAMARGO, Lauane Braz Andrekowisk Volpe. A separação e o divórcio após a Emenda Constitucional n. 66/2010. Tese de doutorado  - PUC/SP, 2013.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. 29ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2014.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 6 – Direito de Família. 8ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

NERY JR. Nelson; e NEY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

SITES CONSULTADOS

http://www.conjur.com.br/2014-nov-24/regulamentacao-separacao-consensual-cpc-merece-aplausos

http://www.conjur.com.br/2014-nov-18/lenio-streck-inconstitucional-repristinar-separacao-judicial

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI212380,61044-Separacaolazara

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Sobre a autora
Danielle Morais Araujo

Estudante de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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