RESUMO
As comissões parlamentares de inquérito colocam-se entre as ferramentas admissíveis de controle no âmbito intra-estatal. O Poder Legislativo é dotado de poderes adjudicados pela Constituição Federal para perquirir a atuação ou a elisão dos demais poderes em suas atividades, quando há suspeição de desvios cometidos. Em verdade, as comissões de inquérito passam a existir como reação do Poder Legislativo a demandas das quais o público toma ciência, seja por interposição da imprensa, dos próprios parlamentares ou por outros caminhos. Pesquisas acadêmicas assinalam da existência de influências externas no andamento das comissões parlamentares de inquérito, de maneira especial a influência do Executivo e do Judiciário, a conservação de instâncias privadas e o jogo político dos próprios parlamentares como agentes que influenciam de forma negativa nas investigações parlamentares. Como objetivo geral, esta monografia busca coligar os fatores intervêm no andamento das CPI’s. O primeiro capítulo dá o embasamento doutrinário concernente à ética e moralidade na administração pública para ancoragem destes princípios como referenciais de ética e excelência. O segundo capítulo embasa a apreensão da função das CPI’s quando aborda as idéias relacionadas ao Poder de Polícia e seus desdobramentos. Finalmente, o terceiro capítulo resume brevemente o histórico das CPI’s, determina suas balizas jurídicas, modus operandi e analisa sua eficácia em fiscalizar o Poder Executivo. O país passa por um momento em que a corrupção de agentes públicos e a utilização da máquina administrativa em proveito próprio torna-se cada vez mais polêmica. O trabalho identifica fatores externos e internos que interferem no andamento das comissões de inquérito. Como fatores externos, ressaltam-se a intervenção dos poderes Executivo e Judiciário no Legislativo. Como internos, o comportamento dos próprios membros das comissões e a fragilidade dos métodos utilizados.
Palavras-chave: Comissões Parlamentares de Inquérito, Poder de Polícia, Poder executivo, Ética.
SUMARIO
1. MORALIDADE, GESTÃO E ÉTICA ADMINISTRATIVA.. 15
1.1 A Moralidade Administrativa. 16
1.2 A importância do Princípio da Moralidade. 18
1.4 O Marco Jurídico da Ética. 21
2. PODER REGULATÓRIO DE POLÍCIA.. 25
2.2 Conceitos: Polícia Administrativa e Polícia Judiciária. 26
2.3 Estado Interventor e Provedor , Estado Regulador 27
2.4 Descentralização, Desconcentração, Deslegalização. 30
3. CPI’s COMO FERRAMENTAS PARA A EXCELÊNCIA E ÉTICA DO PODER EXECUTIVO 32
3.1 Histórico, aspectos jurídicos e funcionamento das CPI’s. 34
CONCLUSÃO.. 44
INTRODUÇÃO
O alerta para a questão moral começou a fortalecer-se com a constatação de que o direito, isoladamente, poderia servir de instrumento para práticas abusivas que, sob o manto da positivação esconderia a verdadeira busca da justiça.
Na vertente das relações jurídicas envolvendo a Administração Pública, do mesmo modo, percebeu-se a insuficiência do modelo pautado exclusivamente no direito escrito. Era necessário algo mais. Algo que permitisse uma incursão na análise da intenção das partes envolvidas.
As comissões parlamentares de inquérito inserem-se entre os possíveis instrumentos de controle no âmbito intra-estatal. O Poder Legislativo tem poderes conferidos pela Constituição Federal para investigar a ação ou a omissão dos demais poderes na condução de suas atividades, quando existe a suspeita de que irregularidades tenham sido cometidas. Conforme se demonstrará ao longo deste trabalho, no exercício dessa prerrogativa, o Congresso Nacional, no Brasil, vem instalando, ao longo dos últimos anos, várias comissões parlamentares de inquérito para a apuração de diversos fatos, de modo que a instalação de CPIs tem sido prática relativamente comum no parlamento brasileiro.
Segundo Da Silva (1992), as comissões de inquérito surgem como reação do Poder Legislativo a problemas que vêm ao conhecimento público, seja por intermédio da imprensa, dos próprios parlamentares ou por outras vias. O autor argumenta que a Constituição de 1988 procurou assegurar a eficácia do instrumento da investigação parlamentar ao possibilitar o livre funcionamento das CPIs, e, com isso, permitiu às comissões o poder de encaminhar suas conclusões sem a necessidade de submeter seu relatório final ao Plenário da respectiva Casa congressual.
A análise de Da Silva (1992) é pontuada pela comparação entre os períodos anterior e posterior à Constituição de 1988. O autor entende que o problema da eficácia das comissões parlamentares de inquérito, quando comparadas com as investigações parlamentares realizadas à época da ditadura militar (1964–1985), estaria resolvido graças à independência da CPI para dar o encaminhamento que julgasse necessário às conclusões obtidas, fruto das investigações realizadas.
A percepção popular sobre as CPIs parece, entretanto, não corroborar a tese do autor. O que se percebe é que as investigações parlamentares não têm sido eficazes na luta contra a corrupção no Brasil. Conforme assinala Matias-Pereira (2003), no caso brasileiro, é perceptível o fato de a corrupção ser um problema grave e estrutural da sociedade e do sistema político.
Resta o questionamento sobre o papel desempenhado pelas comissões parlamentares de inquérito no cenário institucional brasileiro. Como funcionam e qual tem sido os resultados alcançados pelas CPIs? Se existem problemas, esses são internos ou externos ao Congresso Nacional? Quais são as suas causas?
Por um lado, estudos conduzidos pelo próprio Poder Legislativo demonstram a existência de deficiências no funcionamento das CPIs. Em 2003, a 1ª Secretaria do Senado Federal solicitou estudo referente à reestruturação dos trabalhos e a funcionamentos de comissões parlamentares de inquérito. Como resultado, foi criado grupo de trabalho composto por servidores do Senado, os quais possuíam experiência em CPIs. Após 39 reuniões, realizadas entre abril e agosto de 2003, o grupo produziu relatório com sugestões para a organização e o funcionamento das CPIs, e concluiu que a precariedade da estrutura de funcionamento das comissões poderia estar comprometendo seus resultados (TUMA, 2003).
Estudos conduzidos na área acadêmica, entretanto, apontam para interferências externas no funcionamento das comissões parlamentares de inquérito, notadamente a interferência dos Poderes Executivo e Judiciário, a defesa de interesses privados e o jogo político dos próprios parlamentares como causas que influenciam negativamente as investigações parlamentares (SCHILING, 1997).
Como objetivo geral, este trabalho, este trabalho procura identificar que fatores interferem no funcionamento das CPI’s, ou seja, este estudo objetiva analisar a evolução das ações administrativas frente ao comportamento ético, apresentando-se os padrões de eficiência atuais, e confrontando-as com a falta de preparo dos gestores públicos.
Neste contexto, os objetivos específicos são:
- Rever os princípios da moralidade e ética administrativa no Brasil, especialmente no que se refere ao controle da Administração.
- Identificar as ferramentas utilizadas para controlar a aplicação destes princípios nos processos de avaliação da excelência e ética no setor público.
- Definir e caracterizar conceitos relativos à Poder de polícia, Polícia Administrativa, Polícia Judiciária, Estado Provedor, Estado Interventor e Estado Regulador.
- Estudar como se deu o surgimento das CPI’s no Brasil, seus aspectos jurídicos, modus operandi, quais suas perspectivas e correlação com os princípios de moralidade e ética administrativa.
- Avaliar a interação existente entre as atuais políticas de funcionamento das CPI’s e sua real aplicabilidade nos modelos de controle da ética e excelência na gestão pública.
A metodologia estará centrada na pesquisa exploratória de ordem teórica viabilizada, portanto, através de levantamento bibliográfico. Segundo o autor SEVERINO (2000), o trabalho metodológico será concluído com a realização de estudo por meio de pesquisa bibliográfica e serão utilizadas apenas fontes escritas tais como: artigos científicos, revistas e livros, para nos aprofundarmos sobre o tema, através de seus autores.
Esta pesquisa adotará o método hipotético-dedutivo por ser, dentre os três métodos mais tradicionais, aquele que melhor atende às exigências dos objetivos propostos. O método hipotético-dedutivo é descrito por LAKATOS & MARCONI (2001) como aquele que procura suplantar os problemas de generalização dos resultados por meio da idéia de falseabilidade.
De acordo com LAKATOS & MARCONI (2001), para Popper, que criou o método hipotético-dedutivo, a metodologia científica parte de uma dificuldade, á qual se apresenta uma solução transitória, passando-se após a fazer críticas à solução a fim de eliminar o erro, fazendo assim surgirem outros problemas. Para Popper (apud LAKATOS e MARCONI, 2001), a ciência se inicia e termina com problemas.
Segundo GIL (2002), o tipo de estudo realizado será a pesquisa exploratória com o objetivo de buscar soluções para o problema enfocado.
Quanto às dificuldades e limitações encontradas, o presente trabalho não contempla as comissões de inquérito criadas na Câmara dos Deputados. Assim, restringe-se às CPI’s criadas no Senado Federal. Outra limitação consistiu na escassez de informações que permitissem a verificação do desdobramento das CPIs após seu encerramento. O Congresso Nacional não realiza o acompanhamento das ações penais e civis que podem vir a ser implementadas pelo Ministério Público em decorrência das investigações parlamentares, e tampouco o Poder Judiciário ou o Ministério Público adotam prática sistematizada de informar o Congresso sobre o andamento de ações dessa natureza.
O primeiro capítulo trata da fundamentação doutrinária relativa à ética e moralidade na administração pública para fixação dos princípios da administração pública como parâmetros que são da excelência em termos de gestão.
O segundo capítulo cria as bases para o entendimento da função das CPI’s na medida em que trata dos conceitos relativos ao Poder de Polícia e seus desdobramentos.
Por fim, o terceiro capítulo faz um breve resumo histórico das CPI’s, define seus marcos legais, forma de funcionamento e faz uma análise de sua eficácia na fiscalização do Poder Executivo.
O que poderíamos definir como Contribuição e Relevância do presente Estudo.
Em momento de grande turbulência na política nacional, analisar a sistemática da gestão pública representa um repensar dos poderes constituídos. Tal estudo representa elemento importante da atual situação nacional, onde políticos encontram-se desacreditados, e os processos de gestão encontram-se constantemente questionados pela população.
1. MORALIDADE E ÉTICA ADMINISTRATIVA
A questão moral sempre acompanhou o pensamento do homem. Trata-se de uma empreitada que surgiu com a própria filosofia e que segue sua jornada de acompanhar o desenvolvimento do homem em sua complexa teia de relações intersubjetivas.
A exaustão de um sistema pautado exclusivamente no direito positivado, na legalidade estrita, vem sendo, já de um tempo, denunciado por nomes de peso do pensamento jurídico. Jurgen Habermas, nesse sentido, observa que uma “ordem jurídica só pode ser legítima, quando não contrariar princípios morais” (HABERMAS, 1997, p. 141). Segue ressaltando que:
“Através dos componentes de legitimidade e validade jurídica, o direito adquire uma relação com a moral. Entretanto, essa relação não deve levar-nos a subordinar o direito à moral, no sentido de uma hierarquia de normas. A idéia de que existe uma hierarquia de leis faz parte do mundo pré-moderno do direito. A moral autônoma e o direito positivo, que depende de fundamentação, encontram-se numa relação de complementação recíproca”. (HABERMAS, 1997, p. 141).
Lançam-se, então, os elementos que comporão a estrutura do princípio da moralidade.
Atento a esse processo de mudanças, Manuel de Oliveira Franco Sobrinho lançou as bases para a implantação definitiva do princípio da moralidade. Aquele a quem se deve mais do que ninguém, o fato de a moralidade constar como princípio constitucional da Administração pública brasileira, observou:
“A legalidade, pelo que a lei diga de mais claro, não prescinde da tutela no seu significado de controle da atividade administrativa. Boas ou más intenções figuram algo além da legalidade, pedem critérios que protejam direitos ou evitem lesões nas maneiras de exercício das funções. O conteúdo moral de um ato integra a competência de fazer, o jus dicere na sua expressão ética, freando a ação administrativa de modo a não possibilitar reclamos que pedem a proteção da moralidade de um tratamento equânime, de uma postura imparcial. Para tanto, não se observa apenas o lado legítimo dos atos, o lado legal das decisões. Do Estado (Administração) partem as obrigações morais, as legítimas, as legais. Nele se contém as potestades que impõem soluções administrativas, prerrogativas para gestão de negócios públicos, o primado de um comportamento, visando a igualdade isonômica na prestação de serviços nos diferentes e variados planos de atividade estatal”. (FRANCO SOBRINHO, 1993, p. 15).
1.1. A Moralidade Administrativa
Considerando que essa preocupação não é recente e que remonta à própria origem do direito, Hely Lopes Meirelles (2000, p. 61) nos ensinou que
“[...] por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: - non omne quod licet honestum est”.
A percepção, contudo, da necessidade de a administração pública contemporânea se adaptar aos parâmetros ético-morais tem em Maurice Hauriou o seu grande e primeiro idealizador. Em seu Précis de Droit Administratif define a moralidade administrativa como o “conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração” (apud MEIRELLES, 2000, p. 63).
Essa noção implicaria não só em distinguir entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto.
Nesse sentido, e dando ênfase ao fato de que atos maculados por vícios de moralidade podem ser envolvidos em previsão legal, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ressalta que:
“Sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio constitucional da moralidade”. (DI PIETRO, 1999, p. 71)
A moralidade pública passa a configurar a condição para que o ato administrativo se complete. Engloba a intenção do agente, os meios utilizados e o cumprimento da finalidade pública.
Com ênfase, Diogo de Figueiredo Moreira Neto mostra o campo de incidência da moralidade pública e apresenta o desafio de sua aplicação prática. Para ele:
“O referencial da moralidade administrativa é a finalidade pública e entendida que esta é um elemento do ato administrativo, assim como o é do contrato administrativo e também do ato administrativo complexo, cinge-se o problema da caracterização da moralidade administrativa, ou seja, da vulneração infligida à regra moral interna do governo da coisa pública, à tarefa de demonstrar como isso ocorre e como pode ser diagnosticada”. (MOREIRA NETO, 2001, p. 62).
De modo semelhante, Ruy Cirne Lima (1987, p. 141) observa que:
“O Estado não é uma entidade amoral, nem utiliza para seu governo uma moral distinta da dos indivíduos. Ao funcionário, enquanto agente do Estado, incumbe realizar, nos limites da sua função, os fins morais daquele. De outra parte, o próprio funcionário, está pessoalmente adstrito a deveres jurídicos, que lhe supõem uma consciência moral esclarecida”.
Na mesma esteira e frisando o alcance da expressão, Marcus Vinícius Bittencourt alerta que a definição de moralidade administrativa.
“Vai além da noção de uma moral comum, de uma mera distinção entre o certo e o errado, mas representa uma moral institucional, específica, jurídica, em que o administrador público não deve contentar-se em apenas verificar a adequação do seu agir com a hipótese legal, mas deve atuar concomitantemente com a noção do que deve ser moralmente bom em sua atividade e ainda buscar realizar o máximo de eficiência com os instrumentos legais colocados pelo Poder Legislativo à sua disposição, sempre, contudo, imbuído da noção do honestum no trato da coisa pública”. (BITTENCOURT apud BACELLAR FILHO, 2003, p. 230).
1.2. A importância do Princípio da Moralidade
A promulgação da Constituição Federal de 1988 significou inegável avanço no trato da moralidade pública no Brasil. Assim, ao ser elencado ao lado dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência, como princípio vetor da Administração Pública brasileira, o princípio da moralidade atingiu a posição compatível com a sua importância.
Segundo Meirelles (2000), a questão ética no âmbito administrativo que, até então era conferida apenas em análise realizada a posteriori com o enquadramento em crimes de responsabilidade, passa a incidir em todos os momentos do ato administrativo.
Abriu-se, desse modo, um vasto campo para o desenvolvimento de estudos envolvendo a ética pública. Tal fato não passou despercebido por Romeu Bacellar Filho (2003, p. 192) que celebrou a mudança ao observar que “a afirmação da moralidade administrativa como princípio da Administração Pública juridiciza a ética na atividade administrativa”.
Como conseqüência, os atos administrativos passaram a receber exame mais aprofundado sob todos os aspectos. É que, como bem considera Ruy Cirne Lima (1987, p. 144):
“O caráter normativo da Constituição não impõe somente sua prevalência na chamada interpretação declaratória, impõe também na chamada interpretação integradora, que acumula insuficiências dos textos legais a aplicar”.
O poder discricionário do administrador viu-se diante de um elemento limitador considerável e a interpretação de leis e atos normativos passou a considerar com mais empenho o lado ético-moral.
No exame dos atos e das contas públicas, João Féder ressaltou que:
“É fácil depreender que a mais profunda alteração introduzida com a elevação da moralidade a mandamento constitucional, foi aquela de autorizar o sistema de controle a proceder ao exame eidético do ato administrativo”. (FÉDER, 1994, p. 157)
Continuou destacando que:
“Só se pode considerar se determinado ato é moral ou não, pela análise de sua essência. Em sendo assim, aquilo que até então não era admissível na competência do controle passou a ser atribuição expressa: o exame do mérito do ato de governo”. (FÉDER, 1994, p. 157).
1.3. A Ética Pública
A gestão da ética na administração pública é fator indispensável para a efetividade das políticas públicas. Diversos instrumentos foram criados com esse objetivo, como a Comissão de Ética Pública, o Código de Conduta da Alta Administração, dos Agentes Públicos da Presidência e Vice-Presidência e do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, entre outros.
A primeira reflexão a que somos levados a fazer refere-se ao porquê de tantos instrumentos para tratar do mesmo assunto. Com certeza, isso ocorre tanto pela inexistência de consenso acerca do que é ético, como pelo próprio anseio social em ter interlocutores éticos e justos.
Primeiramente teremos que definir o que seja ética e o que ela poderá nos trazer de beneficio no nosso dia-a-dia e o porquê de se buscar incessantemente a aplicação da mesma em nosso sistema administrativo.
Não poderemos deixar de mencionar a diferença entre ética e moral, onde a ética é o gênero da qual a moral é a espécie.
Como não poderia deixar de ser de falar na busca da qualidade total no serviço público, como se deu este início de implantação, que veio com o intuito melhorar o controle não só da aplicação das verbas públicas como da eficiência da maquina administrativa. Que vem sofrendo um pouco em virtude do excesso de burocracia existente ainda em nossa administração e que está a dificultar e atrapalhar a sua aplicabilidade.
Nesse novo cenário, é natural que a expectativa da sociedade a respeito da conduta do administrador público se tenha tornado mais exigente. E está claro que mais importante do que investigar as causas da insatisfação social é reconhecer que ela existe e se trata de uma questão política intimamente associada ao processo de mudança cultural, econômica e administrativa que o País e o mundo atravessam.
Por essa razão, o aperfeiçoamento da conduta ética do servidor público não é uma questão a ser enfrentada mediante proposição de mais um texto legislativo, que crie novas hipóteses de delito administrativo. Ao contrário, esse aperfeiçoamento decorrerá da explicitação de regras claras de comportamento e do desenvolvimento de uma estratégia específica.
A gestão pública tem sido orientada por um conjunto de incertezas e indefinições acerca dos fatores explicativos associados ao seu desempenho.
Atualmente o cenário político e administrativo nacional, levam-nos a refletir sobre a eficiência da nossa máquina administrativa, que está pautado no princípio da ética no serviço público, mas sinceramente os últimos acontecimentos nos têm deixados meio cabisbaixo e nos questionando onde está a falha no sistema.
Lucia Valle Figueiredo (1993) afirma que o conceito de ética pública envolve a conjugação de dois elementos: um de caráter pessoal, ligado às virtudes da personalidade e outro envolvendo o desempenho de uma função pública. A ética pública se mostra como aquele conjunto de predicados morais que devem guiar o modo de atuação de todos aqueles que, de alguma forma, venha a desempenhar uma função pública.
Segundo Feder (1994), o fato de envolver a transposição de conhecimentos ligados às ciências psico-sociais ou humanistas (psicologia, sociologia, filosofia) para uma parte importante do Direito Administrativo (aquela que aborda a conduta dos agentes públicos) explica, em parte, a dificuldade de se definir ética pública. A dificuldade se acentua por envolver uma série de conceitos juridicamente indeterminados e que assumem diversos significados dependendo do local onde sejam analisados.
Parte-se, portanto, do conceito de ética limitada ao seu sentido particular e pessoal, de qualidade do indivíduo para, em seguida, analisá-la, sob o aspecto público. Enfim, a regra conceitual para a ética pública é a adoção de todas aquelas virtudes que o indivíduo deve ter para relacionar-se em sociedade e direcioná-las àqueles que, por dever de ofício, gerenciam e representam os interesses públicos.
A complexidade do tema encontra seu núcleo no fato de envolver noções puramente subjetivas, que variam não só entre determinados grupos sociais, como também, de indivíduo para indivíduo. Para Figueiredo (1993), essa conclusão não surpreende ao se atentar que o estudo da ética pública envolve essencialmente valores e características psicológicas de personalidade e de comportamento, as quais assumem as mais variadas nuances interpretativas.
Por envolver a apreciação de elementos subjetivos do servidor público no desempenho de suas atividades, o tema da ética pública suscitou discussões a respeito da possibilidade de existência de duas éticas para a mesma pessoa. A ética pública ficaria restrita a reger os atos do ocupante de cargo público, enquanto no desempenho de suas funções profissionais e; a ética privada seria aquela regente dos demais atos do indivíduo. (BACELLAR FILHO, 2003)
Bacellar Filho (2003) entende existir apenas uma forma de ética a reger os todos os atos do indivíduo, sejam eles restritos à esfera íntima, como parte do todo social, seja como exercente de determinada função pública. Adotamos, portanto, nesse trabalho, o entendimento unitário no qual a ética é um conceito absoluto, admitindo variações de enfoque tão somente como forma de ditar maior especialidade na área do conhecimento.
1.4. O Marco Jurídico da Ética
Uma vez adotado esse ponto de vista, – de que a ética é um valor único que se projeta em grau de especialidade no âmbito público, sob o nome de ética pública – vale reforçar que a realidade brasileira vem se mostrando vulnerável nesse confronto entre ética pública e corrupção, sinalizando que vivemos um momento crucial em que a moralidade vem sendo posta em cheque diante dos diários e intermináveis escândalos de corrupção.
Tal situação justifica a necessidade urgente de se imprimir novo rumo ao estudo da ética aplicada ao setor público. Isso não significa que o atual estágio das relações na sociedade brasileira dispense o aprimoramento de sua parte ética. Muito pelo contrário. O país em que vivemos vem pagando e pagará ainda o preço decorrente de uma enorme dívida social, em grande parte proveniente de um sistema que dá as costas aos valores éticos e prestigia a impunidade. O risco que se corre com a maneira como a ética vem sendo tratada na realidade brasileira é a banalização de suas transgressões, tornando o cidadão mero espectador inerte e impotente diante dos descalabros que assolam a dignidade de toda uma nação. Parte-se, portanto, da parte que tem a possibilidade de ditar regras de conduta e vincular a ética como objetivo de governo.
O estudo da ética pública expõe, já em um primeiro momento, algumas conclusões facilmente constatáveis. A primeira de que os países mais desenvolvidos vêm demonstrando maior interesse ao assunto, legislando e tratando da ética pública de modo incansável e sem estigmatizações. Tal fato, por sua vez, não significa que outros países menos desenvolvidos não tenham tomado medidas nessa área. (FÉDER, 1994).
A segunda, de que no Brasil a ética pública ainda está por merecer maiores estudos e uma divulgação mais engajada. A parca bibliografia e o reduzido debate lançam sobre a ética uma impressão de algo desnecessário e inatingível, mantendo a grande maioria da população absolutamente afastada e indiferente ante uma crise de moralidade que já vem cobrando o seu preço. Dotar a ética de uma força legal pode significar um avanço e um antídoto em um cenário tão árido às questões dessa ordem.
Nesse sentido, não há como deixar de reconhecer o avanço que significou a previsão do art. 37, da Constituição Federal Brasileira ao exigir que:
“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. (grifo nosso).
BACELLAR FILHO (2003, p. 192) foi categórico ao observar que “a afirmação da moralidade administrativa como princípio da Administração Pública juridiciza a ética na atividade administrativa”. Vale lembrar que o texto da Carta Federal serviu de parâmetro para que as Constituições dos Estados-Membros também vinculassem a atividade administrativa naquela esfera ao princípio da moralidade.
A lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal – lei nº 9.784/99 – prevê a obediência ao princípio da moralidade (art. 2º) e uma “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé” (art. 2º, IV).
Seguindo linha semelhante, a lei nº 8.429/92 que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na Administração Direta e Indireta, nas três esferas de governo, traz a seguinte previsão:
“Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições...” (art. 11) (grifo nosso).
Ainda que essa importante lei não traga menção expressa, resta evidente que as noções de honestidade e lealdade às instituições, guardam estrita relação com a ética pública e a moralidade.
A lei federal nº 1.079/50, que trata dos crimes de responsabilidade do Presidente da República, Ministros de Estado, Governadores, Secretários de Estado e outras altas autoridades dedica um capítulo aos “crimes contra a probidade na administração”, merecendo destaque a previsão de punir o agente que “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro” (art. 9º).
O Decreto-Lei nº 201/67, que dispõe sobre os crimes de responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, também pune o agente que “proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo” (art. 4º, X).
Questão interessante e raramente citada envolve a lei nº 9.790/99. Esse documento “dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público”. Prevê que toda aquela entidade que pretenda assumir a condição de organização de interesse público deverá ter por finalidade pelo menos uma das doze previstas em seu art. 3º.
Entre elas, que a pretendente tenha suas atividades voltadas à “promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais” (art. 3º XI). Exige, ainda, referida lei que, uma vez atendido o requisito de sua finalidade, tenha a pessoa jurídica pretendente sua atuação regida por estatuto cujas normas expressamente disponham sobre “a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência” (art. 4º, I) (grifo nosso).
Como se percebe, várias e importantes leis acompanharam uma fase iniciada com a Constituição de 1988 e incorporaram um elemento moralizador em seus dispositivos. Assim, caberá agora ao Poder Judiciário uma maior sensibilidade no trato do tema, passando a utilizar os parâmetros éticos vigentes no julgamento dos atos emanados dos agentes públicos e dos particulares que mantenham alguma relação com o Poder Público.
2. PODER REGULATÓRIO DE POLÍCIA
2.1. Poder de Polícia
O poder de polícia se baseia poder de coerção que o Estado exerce sobre a sociedade, no sentido de manutenção do interesse social.
Na verdade, o chamado Poder de Polícia é intrinsecamente ligado à própria concepção de Estado, pois é ao Estado que são dadas as prerrogativas da mantença da ordem social. À administração pública é delegada a responsabilidade pelo cumprimento da legalidade e normas vigentes, e aplicação das sanções respectivas, na medida das infrações cometidas contra esta ordem pública.
Neste sentido, a administração pública pode e deve confrontar a liberdade individual sempre que o interesse público está em jogo, pois a administração está em supremacia sobre seus administrados, sempre que preponderar o interesse coletivo.
Interesse público pode ser compreendido como garantia da segurança, da saúde, da ordem moral, do patrimônio público, entre outros direitos coletivos, que devem ser o escopo do Estado no exercimento da administração.
A expressão Poder de Polícia é vaga e bastante criticada pela doutrina, pois não diferencia a chamada polícia administrativa da polícia judiciária, causando confusão. Em sentido amplo, pode-se tomar “Poder de Polícia” como sendo toda atividade estatal que tem por finalidade restringir ou adequar à liberdade individual e a propriedade em função do interesse coletivo.
Ou seja, Poder de Polícia é uma gama de medidas estatais que delimitam a esfera juridicamente tutelada de liberdades e propriedade do seu administrado.
No entanto, no sentido estrito, Poder de Polícia é a intervenção estatal abstrata e generalizada (ou eventualmente objetiva e especifica) destinadas a obstaculizar o surgimento de atividades individuais que conflitem com os interesses da sociedade. Esta é, basicamente, a atuação da polícia administrativa.
Atividade típica da administração pública, que se expressa por atos e normas, o poder de polícia administrativo é a capacidade estatal de condicionar, coibir, prevenir, fiscalizar e prevenir o rompimento das normas proferidas em prol do interesse coletivo. Como o controle preventivo não é suficiente, o controle repressivo fica a encargo da Polícia Judiciária, cuja atuação volta-se para o individuo infrator, diferentemente da Polícia Administrativa, cuja atuação é na conformação e limitação de liberdades.
2.2. Conceitos: Polícia Administrativa e Polícia Judiciária
Embora nosso estudo se volte para a polícia administrativa, é fundamental que entendamos a diferença entre esta e a polícia judiciária.
Polícia administrativa "restringe o exercício de atividades lícitas, reconhecidas pelo ordenamento como direito dos particulares, isolados ou em grupo” (MEDAUAR, 1996, p. 363), enquanto que a polícia judiciária "visa impedir o exercício de atividades lícitas, vedadas pelo ordenamento”. (MEDAUAR, 1996, p. 363).
A atividade desta última, como dito anteriormente, é de cunho repressor, pois “auxilia o Estado e o Poder Judiciário na prevenção e repressão de delitos; e auxilia o Judiciário no cumprimento de suas sentenças, conforme o que está previsto na Constituição Federal”. (MEDAUAR, 1996, p. 363).
A atividade da polícia administrativa é, por sua vez, essencialmente preventiva, incidindo sobre os bens, direitos e atividades.
Outra diferenciação é que a atividade da polícia administrativa se difunde por toda a administração pública, enquanto que a polícia judiciária se concentra em determinados órgãos da chamada polícia de segurança.
Ainda, a polícia administrativa tem sua base de atuação no direito administrativo, enquanto que a judiciária tem ao seu lado o direito penal e processual penal. Por isto uma incidirá sobre a coletividade (bens e direitos) e outra, sobre o individuo. (DI PIETRO, 1999, p. 96)
Assim, entendendo que o poder de polícia é parte integrante e fundamental do poder estatal, deve o Estado “fomentar as iniciativas dos particulares, econômica e socialmente úteis e, concomitantemente, coibir as ações e omissões nocivas, segundo o ordenamento jurídico” utilizando-se de seu poder de polícia administrativo. À polícia judiciária caberá a apuração da materialidade e autoria dos delitos; carecendo de poder para impor sanções embora possa praticar atos de coação cautelar, de prisão de indiciados como delinqüentes e de apreensão de bens, como meio de prova dos delitos; é exercida conforme a legislação processual penal, que não comporta regulamentação”. (OLIVEIRA, 1999, p. 14)
Entretanto, não há que se confundir a expressão “poder de polícia” com “poder da polícia”, uma vez que o poder da polícia é decorrente do que é outorgado pelo Estado (CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 547-549).
É através do poder de polícia e como sua conseqüência que surge o poder de agir da força policial. É por este motivo que a expressão poder de polícia merece críticas: doutrinadores preferem chamá-la de “limitações administrativas à liberdade e à propriedade” CRETELLA JÚNIOR, 1999, p 5), pois a expressão poder de polícia vem da jurisprudência americana, police power, traduzida e fixada como pouvoir de police; potere di polizia. Hoje, mesmo a doutrina daquele país já prefere a expressão regulation ou rulemaking. (GORDILLO, 2003, p. V–2)
2.3. Estado Interventor, Provedor E Regulador
A atividade das agências reguladoras brota de uma evolução do próprio conceito de Estado. Historicamente, em fins do século XIX, no auge do Liberalismo Econômico, verifica-se que o Estado permitia a auto-regulação de mercado (Europa), com a existência de concessões de serviços públicos.
No entanto, esta auto-regulação não se fazia suficiente para adequar o funcionamento do mercado, sendo necessária à paulatina interferência do Estado para ele mesmo regulamentar, a princípio ditando normas, fiscalizando a aplicação das mesmas e policiando a correta execução dos serviços. Em pouco tempo, o Estado aparece cada vez mais como intervencionista, regulando todo o mercado. Passa também a retomar as concessões, fosse por inadimplemento fosse por interesse público, e realizar a reversão de bens e serviços para si.
Já no início do século XX verifica-se um Estado de caráter muito mais intervencionista, mudando o perfil de administrador indireto. Após a 1ª guerra, e principalmente depois da crise econômica de 1929, há uma crescente multiplicação de empresas estatais principalmente nos Estados Unidos e Europa, e posteriormente na América Latina.
Neste momento, o Estado regulador só se faz sentir quando impede a formação de cartéis, e no mais adota um perfil de Estado provedor, produtor e fornecedor de bens e serviços públicos (welfare state).
Um segundo movimento ocorre principalmente nas décadas de 70 e 80, em especial na Inglaterra, e logo depois nos Estados Unidos. É a volta do Estado Regulador, desta vez desestatizado, concedendo serviços a empresas da iniciativa privada. É quando ocorre também a abertura de mercado nas concessões, o estimulo à concorrência na prestação de serviços públicos.
Desestatizado, o Estado regulador favorece a competição de mercado, que ao mesmo tempo pode criar seus próprios mecanismos na adequação do serviço à necessidade do consumidor.
Aqui ocorrem três tipos de regulação: a que se volta para o mercado competitivo, com a quebra do monopólio estatal do serviço e a abertura de mercado (regulação indireta); a regulação pública, nos pontos onde ainda se faz sentir o monopólio, e a presença do Estado na concessão é forte, como ainda é forte o poder de polícia, exercido diretamente; e a auto-regulação, entre as empresas que recebem as concessões e estão em concorrência pela sua faixa de mercado.
Esta é hoje, a mistura mais comum, e o que mais agudamente se nota é que o Estado se afasta da regulação direta, criando um ente regulador que pode, inclusive, fiscalizar, restringir e ditar normas ao próprio ente operador estatal, tendo forte poder de polícia. Este ente regulador é a agência reguladora, como hoje conhecida.
“É essencial à noção de moderna regulação que o ente regulador estatal dialogue e interaja com os agentes sujeitos à atividade regulatória buscando não apenas legitimar a sua atividade, como tornar a regulação mais qualificada, porquanto mais aderente as necessidade e perspectivas da sociedade.
Fruto da própria dificuldade do Estado, hoje, de impor unilateralmente seus desideratos sobre a sociedade, mormente no domínio econômico, faz-se necessário que a atuação estatal seja pautada pela negociação, transparência e permeabilidade aos interesses e necessidades dos regulados.
Portanto, o caráter de imposição da vontade da autoridade estatal (que impõe o interesse público selecionado pelo governante) dá lugar, na moderna regulação, à noção de mediação de interesses, no qual o Estado exerce sua autoridade não de forma impositiva, mas arbitrando interesses e tutelando hipossuficiências”. (MARQUES, 2003. p 12).
No Brasil, o modelo de agência reguladora se inspira no modelo norte americano, inclusive na nomenclatura (independent regulatory agency e regulatory comissions), similares na Europa às autorités administratives indépendantes ou administraciones independientes.
Porém, embora já se pudesse encontrar em 1887 a primeira agência reguladora estadunidense, a Interstate Commerce Commission (ICC), não é característica daquele país a estatização/desestatização de serviços como se viu no Brasil:
"Como se sabe, os Estados Unidos não optaram pela política de nacionalizações. O que para nós é serviço público, lá são atividades prestadas por empresas privadas que normalmente dependem de uma habilitação estatal. São empresas econômicas dotadas de um regime especial. Esta singularidade situa-se nas exceções à regra geral da livre iniciativa privada”. (MUNÕZ, 2000, p. 148)
Na verdade, nos Estados Unidos, as agencies tomam impulso após o New Deal, por volta da década de 30, mas no sentido de implementar políticas públicas em setores que sempre foram privados (os public utilities, que não podem ser traduzidos no mesmo sentido que nossos serviços públicos). Embora em contextos totalmente díspares, foi o modelo americano que inspirou o surgimento de nossas agências.
No momento em que o neoliberalismo procurava um Estado mínimo, menos burocrático, provedor e paternalista, o desinchaço estatal migrou poderes para as novas agências, mais técnicas, politicamente independentes e capazes de regular todo um setor de atividades.
2.4. Descentralização, Desconcentração, Deslegalização.
No texto constitucional - artigo 21, XI, verifica-se que o termo citado é ÓRGÃO, não AGÊNCIA:
“Compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”.
Tecnicamente a palavra é mal empregada. É que órgão se refere ao fenômeno da desconcentração, que é a migração de certas atividades burocráticas do Estado para outro ente administrativo, mas ainda subordinado àquele; o que ocorre na verdade é a descentralização, onde é criada uma entidade independente – política e tecnicamente (tais como as agências reguladoras). (MEIRELLES, 2000, p. 700-701)
Na verdade, as agências reguladoras são autarquias, em regime especial. As autarquias têm “personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizado.” (DECRETO LEI 200/67, art. 5º, inciso 1º)
Meirelles define com clareza o conceito de autarquia:
“A autarquia não age por delegação, age por direito próprio e com autoridade pública, na medida do jus imperii que lhe foi outorgado pela lei que a criou. Como pessoa jurídica de direito público interno, autarquia traz ínsita, para a consecução de seus fins, uma parcela do poder estatal que ele deu vida. Sendo um ente autônomo, não há subordinação hierárquica da autarquia para com a entidade estatal a que pertence, porque, se isto ocorresse, anularia seu caráter autárquico. Há mera vinculação à entidade matriz de que, por isso, passa a exercer, um controle legal, expresso no poder de correção finalístico do serviço autárquico”. (MEIRELLES, 2000, p. 236).
E de onde vem o poder normativo de tais autarquias especiais? Sabe-se que a tripartição de poderes surgiu nas idéias de Locke e Montesquieu. Era o contraponto ao Estado de até então, do Soberano Absolutista. Estas idéias permeiam todas as democracias até os dias de hoje, com rigidez na indelegabilidade de funções entre estes poderes (delegata potestas non potest delegare).
No entanto, não é possível uma separação tão completa de legislativo, executivo e judiciário. Assim é que cada um dos poderes tem sua atuação e função preponderante nestas áreas, mas uma rígida e completa separação é impraticável. Portanto, é possível ao executivo, sob determinados aspectos, legislar, regulamentar leis e deslegalizar, ou delegificar. Para fins de estudo, interessa a deslegalização, que ocorre quando o próprio legislador retira determinadas matérias do campo da lei, tornando-as do domínio do regulamento.
É daí que brota a força normativa das agências reguladoras. Por deslegalização, podem regular determinados setores de forma autônoma e técnica, o que seria impossível ao Estado dado o volume de normas, e sua conseqüente fiscalização quanto ao cumprimento.
As autarquias especiais são mais independentes que as comuns, pois:
“Ao se pretender qualificar uma “agência reguladora”, estar-se-á defendendo a mutação de sua natureza jurídica, mediante ampliação de seu título competencial”. Quando menos com as seguintes conseqüências a) ausência de vínculo hierárquico formal com a pessoa administrativa central (compreendendo mandato fixo e impossibilidade de exoneração ad nutum; b) conjunto de normas que lhe atribuam independência, entendida como poderes e deveres próprios e típicos (indelegáveis, intransponíveis e inderrogáveis), excluindo o chamado ”controle tutelar‘; c) possibilidade de emanar normas regulamentares exclusivas, e d) possibilidade de decidir as questões controversas postas a sua apreciação –(ex officio ou mediante provocação da parte interessada ou de terceiro)”. (MOREIRA, s/d, p 71).
3. CPI’s COMO FERRAMENTAS PARA A EXCELÊNCIA E ÉTICA DO PODER EXECUTIVO
A limitação recíproca entre os diferentes poderes que compõem o Estado moderno (Executivo, Legislativo e Judiciário, na clássica lição do filósofo e político francês Charles de Montesquieu) foi consolidada mediante a construção doutrinária dos mecanismos de freios e contrapesos (checks and balances) realizada pelos pais fundadores dos Estados Unidos da América, James Madison, Alexander Hamilton e John Jay (1984), na basilar obra O federalista. Os autores afirmaram que a tripartição dos poderes consiste em dar aos que ocupam cada poder os meios necessários e os motivos pessoais para resistir aos abusos dos outros.
Na democracia representativa, a separação de poderes e os checks and balances são os principais mecanismos institucionais que facultam aos parlamentares o controle das burocracias. O Direito Constitucional contemporâneo, apesar de permanecer na tradicional idéia de tripartição de poderes, entende que essa teoria, se interpretada com rigidez, torna-se inadequada para um Estado que assumiu a missão de fornecer a todo seu povo o bem-estar, devendo, pois, separar as funções estatais por meio de mecanismos de controles recíprocos: os freios e contrapesos. A idéia de controle está vinculada à democracia, enquanto a incontrolabilidade, ao arbítrio (BOBBIO, 1992).
Na responsabilização por controle parlamentar são utilizados mecanismos de separação de poderes, que buscam evitar as tiranias – definidas como apropriação privada do espaço público –, e os checks and balances que buscam estabelecer freios e contrapesos institucionais, em cuja ausência o poder torna-se irresponsável. Cabe lembrar, aqui, a definição de democracia de Bobbio (1986): “exercício do poder público em público”. A primeira significa acepção de público em contraposição a privado e, a segunda, em oposição a secreto. O que mostra que o poder democrático deve ser responsivo ao interesse público e responsável perante o público; passível, portanto, de controle público.
Segundo a teoria dos mecanismos de freios e contrapesos, na estrutura institucional do Estado brasileiro, cabe ao Poder Legislativo não apenas a tarefa de legislar, mas também a de fiscalizar os atos do Executivo e do Judiciário. O Capítulo I do título IV da Constituição Federal (BRASIL, 1988) trata especificamente do Poder Legislativo. Nele, estão elencados, entre outros temas, as atribuições e as competências do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional, incluindo as atividades de controle.
No ordenamento constitucional, encontra-se no art. 70 da Constituição a determinação que:
“A fiscalização contábil financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo controle interno de cada poder”. (BRASIL, 1988).
Conforme Paula (2003, p. 50), as casas do Congresso Nacional – Senado Federal e Câmara dos Deputados – trabalham em dois fóruns de debates: o Plenário e as comissões. No Plenário, os debates são realizados e as decisões são tomadas pelo conjunto dos parlamentares. As comissões, por sua vez, são formadas por grupos menores. O sistema de comissões propicia a descentralização das atribuições dos parlamentares e do trabalho do plenário, segundo critério técnico das matérias, conferindo maior celeridade aos trabalhos.
Nas comissões, que se constituem em fórum temático de debates, os projetos podem ser discutidos mais detalhadamente, com assessoria, estudos e informações técnicos da área. Não se deve esquecer, no entanto, que a comissão é também um fórum de debates políticos, e não somente técnicos, em que os parlamentares manifestam suas opiniões pessoais, as posições partidárias, ou, ainda, atuam em defesa de interesses de terceiros (PAULA, 2003).
De acordo com suas características, as comissões podem ser classificadas em permanentes ou temporárias. No Senado Federal existem dez comissões permanentes, responsáveis por áreas temáticas. As comissões temporárias são criadas por tempo determinado e com finalidade específica. Dentro dessa última categoria, inserem-se as comissões parlamentares de inquérito.
3.1. Histórico, aspectos jurídicos e funcionamento das CPI’s
As origens históricas das comissões de investigação legislativa remontam ao século XVII, quando o parlamento inglês, descontente com a conduta do comandante Lundy na direção da guerra contra os irlandeses, nomeou, em 1689, a Select Comitee, que concluiu pela traição daquele militar, levando-o a julgamento e à condenação pela Coroa (SILVA, 2001).
Da Inglaterra, a prática das investigações legislativas se disseminou por outras nações, de modo que variadas formas de inquérito parlamentar podem ser encontradas em praticamente todos os Estados democráticos de direito. Na Itália, recebem a denominação de Comissioni d’Inchieste Parlamentari; na França, Comission d’Enquête Parlamentaire; nos Estados Unidos, Congressional Investigations.
Segundo Sampaio (1964, p.16), no continente europeu a investigação parlamentar jamais gozou de grande reputação, devido à falta de solidez das instituições no passado e à predominância de sistemas parlamentaristas de governo, nos quais a agilidade do instrumento do voto de desconfiança parece funcionar de maneira eficaz na solução de conflitos políticos.
Nos Estados Unidos da América, entretanto, o congresso vem exercendo papel fiscalizador desde sua criação. Em 1792 foi nomeado o primeiro comitê de investigação parlamentar naquele país, com o objetivo de investigar as causas da derrota da expedição comandada pelo general Arthur St. Clair contra os índios, sob os aspectos militar e financeiro (OLIVEIRA, 1999, p. 12).
A prática tornou-se rotineira no Direito norte-americano, até mesmo nos estados federados, conforme afirma Baracho (2001, p. 5). Ainda segundo esse autor, o questionamento ao poder de investigação do legislativo levou a Suprema Corte daquele país a se manifestar, em 1927, de forma basilar sobre o assunto, nos seguintes termos:
“Somos de opinião que o poder de inquirir, com procedimento para aplicá-lo compulsivamente, é um auxiliar essencial e apropriado da função legislativa. Um corpo legislativo não pode legislar, de maneira sábia e eficaz, sem informação a respeito das condições que a legislação intenta modificar”.
No Brasil, temos notícias sobre investigações parlamentares desde o século XIX. Embora as Constituições de 1824 e 1891 fossem omissas no que se refere às comissões parlamentares de inquérito, tampouco as proibia de onde prevaleceu a interpretação de que o silêncio do texto constitucional não impedia que o Congresso realizasse investigações (OLIVEIRA, 1999)
A partir da Constituição de 1934, as comissões parlamentares de inquérito são elevadas ao patamar constitucional (à exceção da Carta de 1937, de cunho ditatorial) e, desde então, desempenham função de fiscalização e controle, embora sua organização e tarefas tenham sido consideravelmente tolhidas pela proeminência do Poder Executivo, principalmente nos períodos ditatoriais (DA SILVA, 1992).
Há que se destacar que sob a égide da Constituição de 1946 foi aprovada a Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952. Primeira lei da história jurídica federal brasileira a disciplinar as comissões parlamentares de inquérito, o instrumento tem vigência até hoje.
Durante a maior parte do período ditatorial militar (1964 a 1985), vigeu a Constituição de 1967, alterada profundamente pela Emenda Constitucional nº. 1, de 1969. Embora fosse prevista a possibilidade de investigações pelo Congresso, foram criados vários entraves ao seu funcionamento. Ademais, o período ditatorial, principalmente em seu início, foi marcado pela restrição à atividade legislativa como um todo, com a cassação do mandato de vários parlamentares, o fechamento temporário do Congresso e o exercício da prerrogativa de legislar pelo próprio Poder Executivo.
Entre 1969 e 1973, nenhuma comissão parlamentar de inquérito foi criada no Senado e apenas uma foi criada na Câmara dos Deputados. Após 1974, o ritmo de criação de investigações foi retomado, sem, no entanto, jamais alcançar o ritmo e a intensidade do período 1946–1967 (PEIXINHO e GUANABARA, 2001, p. 47-48).
Em contrapartida, a Constituição de 1988 dotou as CPIs de faculdades até então inéditas no ordenamento constitucional. Além dos poderes que expressa, a Constituição admite a existência de outros, previstos nos regimentos do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, bem como não opõe nenhum freio à criação das comissões, salvo a deliberação interna de um terço dos membros do Congresso Nacional. As conclusões das CPIs podem ser encaminhadas diretamente ao Ministério Público para que seja promovida a responsabilidade civil ou criminal dos eventuais infratores (DA SILVA, 1992).
Segundo Oliveira M. (1991), no ordenamento constitucional anterior a 1988, um dos problemas mais sérios das comissões parlamentares de inquérito foi a ineficácia jurídica de suas conclusões, as quais dependiam de apreciação do Plenário da respectiva Casa, e estavam sujeitas a manobras políticas que, não raras vezes, faziam os relatórios de comissões de inquérito serem sepultados nos escaninhos.
As comissões parlamentares de inquérito desempenham função de fiscalização e controle da Administração Pública. Possuem objetivo específico, que justifica sua própria existência, que é a apuração de fato determinado. Assim, as CPIs irão investigar casos concretos sobre os quais pairem suspeitas de irregularidade de qualquer ordem.
A legislação que regulamenta o funcionamento das comissões parlamentares de inquérito reside na Lei nº 1.579/1952, vigente desde a Constituição de 1946 e recepcionada pelas Constituições seguintes. Estabelece a lei, logo em seu art. 1º, que as CPIs, criadas na forma da Constituição, “terão ampla ação nas pesquisas destinadas a apurar os fatos determinados que deram origem à sua formação”.
Tratando da gênese da Lei nº 1.579, de 1952, Oliveira M. (1991) transcreve parecer de Aloysio de Carvalho, com a seguinte conclusão:
“É indisfarçável a importância do papel que as comissões parlamentares de inquérito desempenham (...) dentro, especialmente, do sistema presidencial, como resguardarem, enquanto possível, o princípio de equilíbrio dos poderes, invalidando, quiçá, o predomínio total do Executivo. O presidencialismo brasileiro, que dessa maléfica hipertrofia vem sofrendo, mais do que qualquer país do mesmo tipo de governo, poderá encontrar não o remédio – que remédio não há –, mas ao menos o paliativo, na prática inteligente e cautelosa dos inquéritos parlamentares”. (CARVALHO apud OLIVEIRA M., 1991, p. 21).
A criação de uma CPI ocorre, no plano federal, com o requerimento assinado pelo número determinado, constitucionalmente, de um terço de parlamentares, que atenda aos requisitos constitucionais e regimentais. Assim, o requerimento indicará, necessariamente, o fato determinado ensejador da criação da comissão, o prazo de duração, o número de parlamentares que irão compor a comissão e o limite de despesas a serem realizadas.
Cumpridos os requisitos formais, o presidente da Casa Legislativa na qual será instalada a investigação não pode impedir a instauração da CPI, pois ela não depende de deliberação plenária. Do contrário, a fiscalização pela minoria, uma das características essenciais dessas comissões, estaria comprometida (SILVA, 2001, p. 15). A comissão poderá ser instalada no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, ou, ainda, em ambas as Casas, caso em que recebe a denominação de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI).
A comissão parlamentar de inquérito deverá refletir em sua composição, tanto quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária na respectiva Casa. O princípio da colegialidade deve ser obedecido, ou seja, suas decisões devem ser expressas pelo voto da maioria dos seus membros. Seus atos devem ser documentados para que não se percam dados importantes ao escopo da investigação e para tornar possível a produção de relatórios (SANDOVAL, 2001, p. 89).
Os líderes dos partidos que compõem a respectiva Casa Congressual deverão indicar os parlamentares que irão compor a comissão3, que, em reunião de instalação, elegerá seu presidente, que, por sua vez, indicará o relator. Ao presidente compete tomar decisões monocráticas em nome do colegiado, que visam a assegurar o regular funcionamento da comissão. O relator cumpre a função de analisar a matéria sob exame e, sobre ela, proferir relatório que será submetido à apreciação e à aprovação ou não dos demais membros.
A tradição no Congresso é a de que os partidos com maior representação parlamentar tenham a primazia na escolha dos cargos. Assim, o maior partido da Casa poderá optar pela presidência ou pela relatoria. Se a escolha recair sobre a presidência, o segundo maior partido fica com a vice-presidência, e o autor da proposta com a relatoria. Se a opção do maior partido for à relatoria, cabe ao segundo maior partido a presidência, e à minoria a vice-presidência. No caso de comissões mistas, será observada a alternância de cargos entre o Senado e a Câmara. Em torno de tais regras de conduta cabem, entretanto, muitas variações, em razão da polêmica do assunto a ser investigado (FERNANDES e BANDEIRA, 2005, p. 7-9).
Conforme o ordenamento constitucional vigente, “as comissões parlamentares de inquérito possuem poderes próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas”. Dentre os poderes investigatórios das CPIs, tem-se: i) possibilidade de quebra de sigilo bancário, fiscal e de dados; ii) oitiva de testemunhas; iii) oitiva de investigados e indiciados; iv) realizações de perícias e exames necessários; v) requisição de documentos e busca de todos os meios legalmente admitidos.
Os poderes das CPIs são amplos, mas não ilimitados. Segundo Bulos (2001, p. 35-65), os limites existentes são de ordem constitucional formal e material e estão estabelecidos pelo ordenamento jurídico. Os primeiros estão claramente expressos na legislação, e são em linhas gerais: i) a impossibilidade de investigar fato indeterminado; ii) a impossibilidade de propositura de sua criação sem a observância do número mínimo de assinatura dos congressistas; iii) a impossibilidade de infração de normas regimentais da respectiva Casa; iv) a impossibilidade de ultrapassar o prazo previsto no requerimento de sua criação (excetuando dispositivo regimental de prorrogação do prazo) ou o prazo da legislatura; v) e a impossibilidade de desvirtuamento das funções de investigação. Os limites constitucionais materiais, por sua vez, dizem respeito à separação dos poderes, à reserva de jurisdição, aos direitos e garantias fundamentais e ao princípio republicano.
Ao final do processo de apuração, as CPIs produzem um relatório final, no qual ficam consignadas suas conclusões, bem como os encaminhamentos considerados necessários.
Os produtos das atividades da CPI podem ser, dentre outros: i) encaminhamentos ao Ministério Público para a promoção da ação judicial apropriada; ii) abertura de processos de cassação de parlamentares; iii) indiciamento de autoridades pelo próprio Congresso Nacional para julgamento por crimes de responsabilidade; iv) determinações ao Tribunal de Contas da União (TCU) para a realização de auditorias; v) recomendações e determinações aos órgãos do Poder Executivo; vi) proposição de projetos de atos normativos.
Importante destacar, conforme assinala Paula (2003, p. 60), o fato de o relatório final de uma CPI não ser uma peça judicial. Ele não denuncia, não julga e não sentencia. Ele apenas apresenta os relatos das investigações realizadas e as conclusões dos membros da comissão sobre os fatos. Assim, o desdobramento das investigações irá sempre depender de outros atores, que terão os trabalhos realizados pela CPI como subsídio para o exercício de suas funções.
3.2. Eficácia das CPI’s na fiscalização do Poder Executivo
Ao comentar os inquéritos parlamentares instaurados à época do Brasil Império – 1822 a 1889 – e da fase republicana conhecida como “República do Café com Leite” – 1889 a 1930 –, Sandoval (2001, p. 24), afirma que as comissões investigativas instaladas naquele período se caracterizam pela debilidade de seus procedimentos, estando o Poder Executivo, à época, inteiramente resguardado de qualquer inquérito compulsório por parte do Legislativo.
A primeira obra a se ocupar exclusivamente da análise dos resultados alcançados por inquéritos parlamentares consiste no trabalho de Pereira (1948). O autor assinala que, das seis comissões propostas no período de Constituição de 1934, apenas duas foram concluídas. O autor, entretanto, não questiona os possíveis motivos para o fato.
Pesquisa realizada por Peixinho e Guanabara (2001, p. 44) revela que no período entre 1946 e 1967 foram criadas 253 CPIs, das quais 240 pela Câmara dos Deputados e 13 pelo Senado Federal. Os resultados dessas comissões não são apresentados.
Oliveira M. (1991) realizou pesquisa na qual buscou avaliar o desempenho de comissões parlamentares de inquérito no Senado Federal, entre 1946 e 1988. O autor explicita a diferença de sua obra das demais publicações até então produzidas sobre o tema, pois:
“Diferentemente da maioria delas [as obras], este trabalho não discute as comissões parlamentares enquanto objeto do Direito Constitucional nem das derivações do Direito Penal. Tomou fulcro de análise e avaliação os aspectos metodológicos do funcionamento das CPIs, sejam os de eficiência, sejam os de eficácia”. (OLIVEIRA M., 1991, p. 7).
São analisadas 38 CPIs instaladas no Senado entre 1946 e 1989. O autor classifica as comissões como “sentenciadoras”, quando destinadas à apuração de irregularidades, “avaliadoras”, quando tem por objeto estudos, análises e avaliações temáticas, e, ainda, “híbridas”, quando possuidora de ambas as características.
Como indicador de desempenho, Oliveira, M. (1991, p. 72) considera uma CPI eficaz quando ela “cumpre o seu objetivo”, o que, para o autor, corresponde à comissão terminar suas tarefas com a votação do relatório conclusivo.
Ou seja, considerou-se eficaz a CPI que concluiu seus trabalhos com aprovação de relatório final. A respeito desse conceito limitado de aferição de desempenho, o próprio autor assinala que:
“Vistos da perspectiva dos resultados finais de um inquérito, os trabalhos parlamentares de uma CPI dizem respeito às questões de eficiência. Isso porque a eficácia escapa às suas competências, sendo apropriada para vincular-se ao papel da Câmara dos Deputados, que autoriza; ao do Senado Federal, que processa e julga diversas autoridades por crime de responsabilidade; e ao do Ministério Público, que promove a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”. (OLIVEIRA M., 1991, p. 71).
A avaliação da qualidade dos relatórios produzidos é realizada, tendo-se, como parâmetro, a organização do texto (por exemplo, a estrutura clássica Introdução versus Desenvolvimento versus Conclusão) para avaliação estrutural e itens como metodologia para avaliação qualitativa do relatório. Não é feita referência ao mérito do relatório. Os problemas mais comuns encontrados nos relatórios foram: i) falta de estruturação e conteúdo; ii) transcrições excessivas; iii) subdivisão demasiada; iv) longos diagnósticos.
A pesquisa revela que apenas 44,7% das comissões iniciadas são terminadas (17 em 38). O autor aponta como possíveis causas para o baixo rendimento das comissões de inquérito no Senado a falta de persistência e a ausência de método nas investigações.
Deve ser pontuado que o próprio autor reconhece as limitações da pesquisa, que restringiu a análise de eficácia das comissões à aprovação do relatório final, não se estendendo ao desdobramento das investigações das CPIs.
Lima (1997) realiza a aferição da eficácia dos instrumentos de controle externo pelo Congresso Nacional, no período 1984-1993. Dentre as formas de controle estudadas, as comissões parlamentares de inquérito são as mais utilizadas. Em seu estudo, a autora considerou como instrumentos de controle pelo Legislativo as comissões parlamentares de inquérito, as propostas de fiscalização e controle, os requerimentos de informação e as solicitações de informações ao Tribunal de Contas da União. Segundo a autora, “do total de 133 instrumentos utilizados pelo Senado Federal no período de 1984 a 1993 e analisados dentro dos critérios estabelecidos para a pesquisa, 63 referem-se a CPI”, ou seja, 47% do total. (LIMA, 1997, p. 196).
A proposta de análise de desempenho na pesquisa citada utiliza como indicador a produção de relatórios pelas comissões no prazo regimental de seis meses. Assim, as CPIs foram classificadas em três grupos: i) totalmente eficazes, quando apresentaram relatório final no prazo inicialmente proposto; ii) parcialmente eficazes, quando apresentaram relatório final após prorrogação do prazo inicial; iii) e sem eficácia, quando não apresentaram relatório.
Das 63 CPIs pesquisadas, apenas duas (3,2%) foram classificadas como totalmente eficazes; 26 (41,3%) foram classificadas como parcialmente eficazes, e 35 (55,5%), sem eficácia.
Lima (1997) identificou, ainda, que após a Constituição de 1988, a freqüência na utilização de instrumentos de fiscalização aumentou. Nos cinco anos anteriores à Constituição de 1988, foram catalogadas 41 iniciativas de controle, enquanto nos cinco anos seguintes foram identificadas 92 iniciativas do mesmo tipo, o que configura um aumento de 124%.
São apontadas como falhas, que podem comprometer o resultado das comissões:
“A morosidade do processo de investigação e apuração dos fatos, seu caráter eventual, e a sua instalação apenas após denúncias pela imprensa (fatos consumados) e, ainda, a necessidade de todo o caminho da Justiça após seus resultados, para as providências cabíveis, concorrem para a não-eficácia desse instrumento, pois a possível punição de caráter político envolve apenas perda de mandato e inelegibilidade para ocupantes de cargos representativos”. (LIMA, 1997, p. 200).
Figueiredo (2001), ao analisar mecanismos de supervisão e controle nos sistemas presidenciais da América Latina – do Brasil em particular – aborda a questão dos desempenhos de comissões parlamentares de inquérito como mecanismos de fiscalização e controle entre agentes no mesmo nível, no caso os poderes Legislativo e Executivo.
A autora afirma que, à medida que aumenta a capacidade de controle do Executivo sobre a maioria governista no Congresso, reduz-se a capacidade desse último de fiscalizar o Executivo. Assim, nesse contexto, a eficácia do controle do Congresso dependerá de fatores externos, como a mobilização da opinião pública pela imprensa e por grupos organizados.
Mesmo nesses casos, Figueiredo argumenta que a capacidade do Congresso para assumir iniciativas de fiscalização é muito maior do que a de obter resultados reais. De qualquer forma, ainda que o papel de controle direto do Congresso seja reduzido, sua atuação indireta é crucial: as informações que ele fornece, por meio de seus instrumentos de fiscalização, são essenciais para que grupos da sociedade ativem outros dispositivos de cobrança de responsabilidade política.
Sobre comissões parlamentares de inquérito, afirma que a aprovação e a constituição de uma CPI não significam que a investigação será concluída. “Na verdade, grande parte das CPIs jamais conclui seu trabalho. Algumas não chegam sequer a ser instaladas, isto é, os membros da comissão não são nomeados” (FIGUEIREDO, 2001).
Como causas para a não-conclusão das CPIs, a autora elenca algumas possibilidades, como, por exemplo, o fato de os propositores de uma CPI poderem, às vezes, não estar interessados em um inquérito: como ele pode servir de moeda de troca política, basta sua aprovação para que sejam produzidas as conseqüências políticas desejadas. Outro exemplo é o fato de uma CPI também poder ser proposta como parte da estratégia de um político particular, o qual busca estabelecer um registro em determinada questão para uma próxima eleição. Outra possibilidade é o teto para o número de CPIs funcionando simultaneamente poder levar à proposição de uma CPI para evitar a formação de outra – possibilidade válida apenas para a Câmara dos Deputados. Tem-se como possibilidade, também, o caso de criação de CPI proposta pela oposição, em que a maioria pode simplesmente não indicar os membros para sua composição, obstruindo seu funcionamento.
Em levantamento na Câmara dos Deputados, Figueiredo (2001) identifica 392 CPIs propostas no período 1946-1999. Dessas, 89 (23%) não foram instaladas. Dentre as instaladas, 207 foram concluídas, ou seja, 53% do número de CPIs propostas. A conclusão da CPI é utilizada como indicador de seu sucesso. Por conclusão entende como sendo a aprovação, pela comissão, de um relatório com recomendações das ações a serem seguidas.
CONCLUSÃO
O Brasil atravessa um momento em que a questão da corrupção de agentes públicos e do uso da máquina estatal em proveito de interesses particulares está no centro dos debates nacionais. Esses problemas, verdadeira praga que assola o país, longe de serem recentes, vêm de longa data. Os traços patrimonialistas da cultura brasileira são apontados por Faoro (1987) como presentes desde o nascimento do Estado brasileiro.
A falta de transparência nas ações dos governos e a ausência de envolvimento popular em sua fiscalização consubstanciam o que O’Donnell (apud HABERMAS, 1997) denominou de “democracias delegativas”, nas quais o povo dá verdadeira carta branca para que os governantes tutelem a vida da nação.
Matias-Pereira (2003) afirma que a consolidação da democracia brasileira acarreta a necessidade de haver transparência dos governos, visto que a corrupção se apresenta como um fenômeno que enfraquece a democracia, a confiança no Estado, a legitimidade dos governos e a moral pública.
A guisa de conclusão, foi possível identificar fatores externos e internos que influenciam no funcionamento das comissões de inquérito.
Dentre os fatores externos, destaca-se a interferência dos poderes Executivo e Judiciário no Legislativo. A ação do Executivo pode se dar pela mobilização de parlamentares de sua base de apoio para atender a seus interesses ou pela pouca cooperação de seus órgãos nas investigações parlamentares. O Judiciário exerce interferência quando delibera sobre o funcionamento cotidiano das comissões de inquérito, chegando a inviabilizar algumas investigações – motivado pela regulamentação frágil do instituto do inquérito parlamentar, que não torna claro os limites a serem observados.
Dentre os fatores internos, assume relevância a conduta dos próprios membros das comissões – que por vezes colocam seus interesses pessoais acima da efetividade das investigações – e a fragilidade dos procedimentos adotados (falta de foco nas investigações, relatórios tecnicamente frágeis e estrutura deficiente).
Parece haver um descompasso entre a investigação parlamentar e a judicial. Os objetivos políticos e eleitorais, o pouco cuidado na coleta de provas contra os acusados, o baixo índice de CPIs concluídas, as conclusões apresentadas de forma genérica e superficial, são fatores que exercem determinante influência na ausência de resultados efetivos para as investigações parlamentares. A falta de conseqüências jurídicas para as acusações formuladas pelas CPIs é agravada pela lentidão do sistema judiciário, no qual os processos podem se prolongar por vários anos e resultarem em arquivamentos motivados pela prescrição dos crimes.
Neste cenário, faz-se necessária uma reflexão profunda e abrangente sobre o papel que as comissões parlamentares de inquérito vêm desempenhando, de modo que sejam operadas as mudanças necessárias para que as CPIs deixem de servir para atender interesses individuais e passem a ser instrumentos efetivos de controle do Poder Executivo, entre suas tantas possíveis funções.
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Como referenciar o presente trabalho:
COSTA, Francisco dos Santos. Excelência e Ética na Gestão Pública: A Ética no Executivo Federal. Rio de Janeiro, 2008 – 48p. - Trabalho Final de Curso (Especialização em Gestão da Administração Pública) – UCB – Universidade Castelo Branco – Exército Brasileiro – DEP – CEP.