Colaboração premiada no âmbito da Lei 9.807/99

26/10/2016 às 15:22
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A Lei 9.807/99, referente à Lei de Proteção às Vítimas, Testemunhas e Acusados Colaboradores, tem por escopo proteger as referidas pessoas, que, por espontânea vontade, venham a colaborar com o deslinde do caso que se encontra sob apreciação da autoridade.

A Lei 9.807/99, referente à Lei de Proteção às Vítimas, Testemunhas e Acusados Colaboradores, tem por escopo proteger as referidas pessoas, que, por espontânea vontade, venham a colaborar com o deslinde do caso que se encontra sob apreciação da autoridade, seja ela administrativa ou judiciária. A Lei 9.807/99 não trata apenas da proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas, mas também do que se refere aos réus colaboradores, o que é conhecido como a “colaboração premiada”. A colaboração premiada, influenciada principalmente pela legislação italiana, cria uma diminuição da pena para o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação criminal, identificando os coautores e partícipes do delito, assim como a vítima e o produto do referido delito.

Esse instituto possibilita e facilita o desmantelamento de grupos, quadrilhas e organizações criminosas, pois é realizado por um partícipe ou associado, cujo conhecimento a respeito do grupo e suas atividades é consideravelmente mais elevado e detalhado.

A cooperação entre todos os entes envolvidos nesta rede de proteção visa somente um objetivo: a criação de um país mais seguro através da justiça, proporcionando a redução dos índices de criminalidade e impunidade, cada vez mais alarmantes em nosso território, o que se pretende elucidar.


DESENVOLVIMENTO

Entretanto, conceitua Nucci, sobre a colaboração premiada:

(...) significa a possibilidade de se reduzir a pena do criminoso que entregar o(s) comparsa(s). É o ‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade.

O instituto da colaboração premiada ocorre, portanto, quando o indiciado imputa a autoria do crime a um terceiro, coautor ou partícipe. Também é possível a sua ocorrência quando o sujeito investigado ou processado, de maneira voluntária, fornece às autoridades informações a respeito das práticas delituosas promovidas pelo grupo criminoso, permitindo a localização da vítima, entre outras ações referentes ao crime praticado.

Além de que o indiciado ou acusado, poderá colaborar durante a fase de inquérito policial ou mesmo na fase processual, quando já está em curso a ação penal. Normalmente a prática mais comum é ocorrer na fase inquisitiva, pois é nessa etapa que o delator se faz mais útil, sendo capaz de fornecer ao órgão acusador mais elementos da materialidade e da autoria do crime para fortalecer com indícios a denúncia.

Também chamada de confissão delatória, a colaboração se difere da confissão em razão desta se referir à autoincriminação, enquanto aquela representa a imputação do fato criminoso a terceiros.

Basicamente, a colaboração premiada se perfaz num acordo entre o Ministério Público e o acusado, pelo qual este recebe uma vantagem em troca das informações que fornecerá ao parquet. Quanto mais informação for dada por aquele que delata, maior será o benefício a ele proporcionado, desde que seja verídica a sua colaboração com dados relevantes.

Como benefício ao delator temos a substituição, redução ou isenção da pena, ou mesmo o estabelecimento de regime penitenciário menos gravoso, a depender da legislação aplicável ao caso.

Sendo assim, a natureza da colaboração premiada variará conforme a situação do caso concreto, podendo ser, uma causa de diminuição de pena, incidente na terceira etapa do sistema trifásico de aplicação da pena, ou uma causa extinção da punibilidade, pois pode resultar na concessão do perdão judicial, nos termos do art. 13 da Lei 9.807/99, abaixo transcrito:

“Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.”

Além disso, a colaboração premiada também tem um viés processual, posto valer como meio de prova na instrução processual penal.

Nesses casos, é importante salientar que a colaboração não deverá servir como prova absoluta contra aquele que está sendo delatado, apenas servirá como indicadora da materialidade e da autoria do crime, devendo o processo ser instruído com outras provas que corroborem as informações apresentadas pelo delator.

Se assim não fosse, tal instituto serviria tão somente como uma forma de o delator conseguir um benefício a todo custo, mesmo que para isso tivesse que atribuir a autoria da conduta delituosa a quem é inocente.

O investigado deverá, também, colaborar de forma permanente com as autoridades, comparecendo perante tanto à autoridade policial quanto à judicial todas as vezes que for solicitada a sua presença ou acompanhar os atos de diligência, se assim for necessário.

Para o investigado que tenha recebido o benefício da causa especial de redução de pena, previsto no artigo 14 da Lei 9.807/99, a pena a ser cumprida será aquela fixada na sentença condenatória. É provável que o réu colaborador cumpra sua pena com seus ex-comparsas, mesmo que a lei determine que sejam custodiados em locais separados, a realidade demonstra essa inviabilidade e, portanto, ficarão à mercê dos mesmos, e possivelmente de sua vingança. Sem descartar tal hipótese, o legislador previu a possibilidade de proteção aos réus colaboradores no artigo 15 da Lei em questão. Notória é a diferença da proteção legislativa entre a vítima e testemunhas e os réus e partícipes. Para o primeiro caso, há um programa de proteção destinado a estas pessoas. Já no segundo caso o que existe são medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física e apenas se houver ameaça ou coação eventual ou efetiva a essas pessoas.

A aplicação de medidas protetivas aos acusados colaboradores também tem a atuação fundamental do Ministério Público. Para tais, incumbe ao Promotor de Justiça, nos casos em que verificar a necessidade, requerer ao Juiz a concessão da medida. Como nos demais casos, se houver requerimento por parte da defesa haverá manifestação ministerial a seu respeito, a fim de zelar pela correta aplicação da lei.

O que se aplica aos acusados colaboradores são medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, mas somente em casos de ameaça ou coação eventual ou efetiva. Assim, a Lei fez algumas previsões de medidas especiais de segurança e proteção aos mesmos, como se extrai dos parágrafos do artigo 15 da Lei, contudo de forma bastante abrangente e levando em consideração a situação atual de nosso sistema prisional, com pouca efetividade.

Desta maneira, verifica-se a real importância da questão financeira para que haja uma eficaz aplicação do dispositivo legal, a fim de se prestar um programa protetivo que realmente produza resultados positivos, como a realização da verdadeira intenção do legislador. Portanto, é notório que o problema se torna mais complexo, já que, para essa efetividade, existe a dependência de verbas próprias alocadas no orçamento da União para a implantação do programa nos Estados.

Contudo, a falta de interesse político neste tipo de investimento acaba por trazer a falência de projetos, como este, que poderiam fazer toda a diferença na questão da segurança pública brasileira. Ademais, a dotação orçamentária não teria qualquer tipo de perda das verbas públicas, não se exigindo quantias tão significantes aos cofres públicos, isso se levado em conta a grande diferença entre o custo-benefício, posto que seriam cortados ou evitados outros tipos de gastos resultantes e próprios das ações criminosas.

Portanto, o desenvolvimento de projetos na área de assistência e proteção às vítimas e testemunhas de crimes, bem como dos acusados colaboradores, é de suma importância, pois visam expandir a atenção do Estado para os vários sujeitos envolvidos no processo penal, como também na luta contra a impunidade, auxiliando no desmantelamento de organizações criminosas e na devida responsabilização dos envolvidos.

Após a edição da Lei 9.807/99, que regula o sistema de Proteção a vítimas e testemunhas, a colaboração premiada era aplicável somente aos tipos penais descritos nas leis especiais que previam tal instituto. Porém, com o advento da referida norma, esse benefício foi estendido a todos os tipos penais, posto que neste diploma não foi ressalvada a aplicação do instituto a nenhum crime específico.

Apesar de parte da doutrina defender que a Lei 9.807/99 teria sido editada tendo como foco o tipo penal previsto no art. 159 do CP (extorsão mediante sequestro), a posição majoritária entende que a aplicação da colaboração premiada passou a ser geral e irrestrita, uma vez que tal instrumento normativo não especificou expressamente para quais tipos penais estaria destinado.

Rogério Greco, ao tratar da possibilidade de concessão do perdão judicial, prevista no art. 13 da Lei 9.807/99, decorrente da colaboração premiada, afirmou que:

Pela redação do mencionado art. 13, tudo indica que a lei teve em mira o delito de extorsão mediante sequestro, previsto no art. 159 do Código Penal, uma vez que todos os seus incisos a ele se parecem amoldar. Contudo, vozes abalizadas em nossa doutrina já se levantaram no sentido de afirmar que, na verdade, a lei não limitou a sua aplicação ao crime de extorsão mediante sequestro, podendo o perdão judicial ser concedido não somente nesta, mas em qualquer outra infração penal, cujos requisitos elencados pelo art. 13 da Lei nº 9.807/99 possam ser preenchidos.

Ora, não havendo ressalva expressa, não pode o aplicador do direito interpretar a norma penal mais benéfica restritivamente. Segundo o próprio Greco, “havendo dúvida em matéria de interpretação, deve esta ser resolvida em benefício do agente (in dúbio pro reo).”. Portanto, desde que a Lei nº 9.807/99 entrou em vigor, resta claro que a aplicação da colaboração premiada não está limitada a tipos penais específicos.

Afirma o Superior Tribunal de Justiça (2010, p. 5) que: “A delação premiada, a depender das condicionantes estabelecidas na norma, assume a natureza jurídica de perdão judicial, implicando a extinção da punibilidade, ou de causa de diminuição de pena”.

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Essa ampliação no âmbito de incidência da colaboração premiada era medida necessária, uma vez que não faz sentido o benefício se restringir apenas a certos delitos quando se tem em vista que a mens legis é proporcionar ao Estado uma melhor aplicação da lei penal, facilitando a persecutio criminis, e um consequente controle da criminalidade.

Por mais que se discuta a respeito da oticidade do instituto, já que se exige uma postura “imoral e antiética” do delator para com seus comparsas, é inegável que a medida contribui na busca do esclarecimento do crime. A aplicação do instituto não só facilita o trabalho das autoridades policiais e a instrução probatória, como também acelera a solução do litígio penal.

O professor Mirabete (2008, p. 818) leciona sobre o que é o instituto do perdão judicial:

O Perdão judicial foi também arrolado pela reforma penal entre as causas de extinção da punibilidade, como o instituto por meio do qual o Juiz, embora reconhecendo a prática de crime, deixa de aplicar a pena desde que se apresentem determinadas circunstâncias excepcionais previstas em Lei e que tornam inconveniente e desnecessária a imposição de sanção penal.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

No entanto, não cabendo justificativa para limitar a aplicação do instituto da colaboração premiada, na então Lei 9.807/99, apenas veio para atender aos anseios da população, tornando-se legal a posição doutrinária que entende ser possível a expansão dos efeitos da colaboração premiada em todos os tipos penais do Código Penal Brasileiro.

Cabe ressaltar que o Estado, ao adotar o uso da colaboração premiada, não está atestando apenas a sua ineficiência na persecução criminal, mas também está aperfeiçoando os instrumentos para que possa alcançar, o mais rápido e da melhor maneira possível, a verdade real, para que esta possa transparecer diante de todos.

Portanto, os efeitos benéficos dessa medida alcançam a todos, tanto o acusado quanto a sociedade, que vem lutando a anos contra a impunidade e principalmente pela redução da criminalidade em todo o país.      

Por estas e outras razões, que é defensável e louvável a utilização da colaboração premiada em qualquer delito praticado, sem nenhuma restrição.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus nº 97.509. 15 de Junho de 2010.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2010, páginas: 40/41 e 685.

MACHADO, Nilton João de Macedo. Lei N. 9.807/99-Proteção à Vítima, Testemunhas Ameaçadas e Acusados Colaboradores (Colaboração Premiada). Centro de Estudo Jurídico. Florianópolis, 1999.

MENDES, Marcella Sanguinetti Soares. A delação premiada com o advento na Lei 9.807/99. Disponível no site: < http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11229&revista_caderno=3>. Acessado em 26 out. 2016.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 6ª ed, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

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Sobre a autora
Ananda Cristina Alves Silva

Acadêmica de Direito da Faculdade Ifasc

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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