Periculum libertatis e fumus commissi delicti são pressupostos da Prisão Temporária?

28/10/2016 às 16:51

Resumo:


  • A prisão temporária, regulamentada pela Lei 7.960/89, é frequentemente associada aos pressupostos do periculum libertatis (perigo da liberdade) e fumus commissi delicti (indícios do cometimento do delito), embora a lei não estabeleça explicitamente o periculum libertatis, sendo este um conceito doutrinário para tentar equiparar a prisão temporária à preventiva.

  • Na prisão preventiva, prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal, os pressupostos são a existência de indícios de autoria e materialidade do crime (fumus commissi delicti) e a necessidade de garantir a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal (periculum libertatis), que justificam a prisão antes do trânsito em julgado.

  • Na prisão temporária, a lei menciona a "imprescindibilidade para as investigações do inquérito policial" como justificativa para a detenção, refletindo uma necessidade investigativa e não propriamente um perigo associado à liberdade do indivíduo, diferenciando-se, portanto, da prisão preventiva nesse aspecto.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo questiona a existência dos pressupostos fumus commissi delicti e periculum libertatis na prisão temporária (Lei 7.960/89), traçando um comparativo com a prisão preventiva.

1- INTRODUÇÃO:

 

Grande parte da doutrina extrai os pressupostos periculum libertatis e fumus commissi delicti da Lei 7.960/89. Todavia, a análise mais detida do referido diploma normativo nos obriga a concluir que se trata de uma construção doutrinária cujo objetivo é tornar a prisão temporária análoga à prisão preventiva, no que diz respeito aos pressupostos.

Como essas duas modalidades de prisão ocorrem antes do trânsito em julgado, a doutrina tenta equacioná-las de tal maneira que tenham um denominador comum, uma característica que as unam e as diferenciem da prisão após o trânsito em julgado. O ponto em comum seria a presença de dois pressupostos: o periculum libertatis e o fumus commissi delicti. No entanto, tal esforço doutrinário não prospera, pois a Lei 7.960/89 permite identificar apenas o fumus commissi delicti.

 

2-  FUMUS COMMISSI DELICTI E PERICULUM LIBERTATIS NA PRISÃO PREVENTIVA:

 

A prisão preventiva, diferentemente da prisão temporária, está prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal e exige a presença de indícios de autoria e a certeza do crime (materialidade), o que a doutrina chama de fumus commissi delicti (fumaça da prática de um delito). Também é pressuposto da prisão preventiva o periculum libertatis (para Lopes Júnior e Távora, não é pressuposto, mas fundamento) isto é, a existência de perigo causado pela liberdade do sujeito passivo da persecução penal. A partir desse último pressuposto - ou fundamento, para esses autores - a lei elenca as seguintes situações nas quais a prisão preventiva poderá ser decretada: por conveniência da instrução criminal, como garantia da ordem pública, da ordem econômica ou para assegurar a aplicação da lei penal. Para Tourinho Filho, entretanto, essas seriam as condições para a prisão preventiva, sendo os pressupostos: a materialidade e indícios de autoria.

Assim, de uma maneira ou de outra, a doutrina majoritária afirma a existência de fumus commissi delicti e periculum libertatis na prisão preventiva. No entanto, a inferência não poderá ser a mesma quando se tratar de prisão temporária, uma vez que, nessa modalidade de prisão, não é possivel identificar o periculum libertatis.

 

3-  FUMUS COMMISSI DELICTI E PERICULUM LIBERTATIS NA PRISÃO TEMPORÁRIA:

 

A Lei 7.960/89, estranhamente, não exige a certeza material do crime, ou seja, a presença de materialidade; a lei se limita dizer no seu artigo 1°, inciso III: “caberá prisão temporária quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes”, em seguida, elenca os crimes. De modo diverso, o artigo 312 do Código de Processo Penal - que trata da preventiva - exige ipsis litteris “prova da existência do crime”, ou seja, materialidade para a decretação da prisão preventiva.

No entanto, uma interpretação sistemática pode conferir ao termo “crimes” (redigido ao final do inciso III)  a significação de materialidade de crime, o que certamente resolve a questão da presença do fumus commissi delicti na mencionada lei. Com razão Lopes Júnior (2014) ensina que esse requisito está sim previsto no artigo 1°, inciso III, da Lei 7.960/89.

Por sua vez, o inciso I, do mesmo artigo 1º, diz que "caberá prisão temporária: I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial". Nesse inciso é que residiria, segundo grande parte da doutrina, o requisito periculum libertatis. Entretando, é necessário destacar que a lei surgiu num período em que a polícia não dispunha dos mecanismos de investigação de que dispõe hoje. Logo, a deficiência investigativa da polícia da época corroborou para que viesse a lume o referido diploma normativo.

Segundo Lopes Júnior, a Lei 7.960/89 (Lei de Prisão Temporária) foi originada da Medida Provisória 111/89. Para o autor, a referida MP surgiu em atendimento aos pleitos da polícia judiciária brasileira (que se viu fragilizada com a nova ordem constitucional de 1988), pois, sob a expressão literal da lei: “imprescindível para as investigações do inquérito”, a polícia poderia dispor do imputado como bem entendesse. Interessante a explanação de Lopes Júnior acerca do momento em que surgiu a Lei de Prisão Temporária:

"Há que se considerar que a cultura policial vigente naquele momento, em que prisões policiais e até busca e apreensão eram feitas sem a intervenção jurisdicional, não concebia uma investigação policial sem que o suspeito estivesse completamente à disposição  da polícia. A pobreza dos meios de investigação (da época) fazia com que o suspeito fosse o principal "objeto de prova". Daí por que o que representava um grande avanço democrático foi interpretado pelos policiais como uma castração de suas funções" (LOPES JÚNIOR, p. 692).

"Então, não se pode perder de vista que se trata de uma prisão cautelar para satisfazer o interesse da polícia, pois, sob o manto "imprescindibilidade para as investigações do inquérito", o que se faz é permitir que a polícia disponha, como bem entender, do imputado" (LOPES JÚNIOR, p. 692).

Assim, o elemento desencadeador da lei não foi a preocupação com o perigo causado pela liberdade do imputado, mas sim a ineficiência investigativa da polícia da época e o surgimento da nova ordem constitucional, que foi interpretada pelos policiais como uma castração de suas funções. A partir dessa compreensão histórica, permite-se concluir que não existe periculum libertatis na Lei 7.960/89.

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Desse modo, temos que a prisão preventiva é justificada pelo perigo causado pela liberdade do sujeito passivo da persecução penal, ao passo que a prisão temporária encontra sua razão de ser na imprescindibilidade para a investigação. Oportuna a lição de Lopes Júnior: “o periculum libertatis acaba sendo distorcido na prisão temporária, para atender à imprescindibilidade para as investigações”. Em seguida, esclarece: “não é a liberdade do imputado o gerador do perigo que se quer tutelar, senão que a investigação necessita da prisão” (LOPES JÚNIOR, 2014, ps. 905 e 906).

 

4- CONCLUSÃO:

 

Portanto, pode-se inferir que não há, na Lei 7.960/89, o pressuposto periculum libertatis tal qual se observa na prisão preventiva, uma vez que não é a liberdade do imputado o fato gerador do perigo, mas sim a necessidade para a investigação é que constitui o motivo da prisão, ou seja, a prisão se funda na imprescindibilidade para a investigação e não no perigo causado pela liberdade do imputado.

Na verdade, o que há é a tentativa da doutrina para tornar a prisão temporária análoga à preventiva, no que diz respeito à existência dos pressupostos: fumus commissi delicti e periculum libertatis.

 

5- REFERÊNCIAS:

 

ARAÚJO, F. R. S.; TÁVORA, Nestor. Código de Processo Penal para concursos. 6ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2015.

 

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 34ª ed. V. 3. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

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Sobre o autor
Ivo Andrade Souza Júnior

Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Especialista em Processo Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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