Do ensino jurídico e da educação aristocrática.

Uma introdução à filosofia de Nietzsche

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29/10/2016 às 11:32
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[1]          “A palavra educação é mais ampla que a palavra ensino, apesar de muito corriqueiramente serem usadas como de sentido equivalente. O que há é que a educação envolve todos os processos culturais, sociais, éticos, familiares, religiosos, ideológicos, políticos que se somam para a formação do indivíduo” (BITTAR, 2001, p. 15).

[2]          Visto que se fala numa abordagem nietzschiana, não há óbice em citar: “O que é educação? É compreender imediatamente tudo o que se viu através de fantasmas determinados. O valor destas representações determina o valor das culturas e da educação. Nesse sentido, a educação é um assunto do intelecto e, portanto, possível até certo ponto. Estas representações fantasmáticas somente são comunicadas pela energia das personalidades. Nessa medida, a educação depende da grandeza moral e do caráter do professor. Influência mágica da pessoa sobre a pessoa, toda manifestação superior da vontade, já saída da coerção da afirmação da vida individual e que se submete, além disso, às manifestações ainda inferiores da vontade. Essa influência se exterioriza na transmissão dos fantasmas.” (NIETZSCHE, 2007 B, p. 262).

[3]          Em ressonância às lições de Reale (1983) sobre gnoseologia, a relação que existe no processo de conhecimento se dá por meio do ser cognoscível, o qual se apropria das informações do ser cognoscente. Enquanto aquele é o sujeito capaz de conhecer e adquirir determinado conhecimento, este é o objeto capaz de ser conhecido.

[4]          Neste diapasão, Abbagnano (2007) defende que uma sociedade humana não pode sobreviver se sua cultura não é transmitida de geração para geração; as modalidades ou formas de realizar ou garantir essa transmissão chamam-se educação. Esse é o conceito generalizado de educação, que se tornou indispensável graças à consideração do fenômeno não só nas sociedades chamadas civilizadas, mas também nas sociedades primitivas. Segundo Jaeger (1995), nesta mesma linha de raciocínio, pode-se mencionar que a educação não é uma propriedade individual, mas pertence por essência à comunidade. Toda educação é, pois, o resultado da consciência humana, quer se trate da família, uma classe, uma profissão, um grupo étnico ou um Estado.

[5]          Nessa classificação, menciona sabiamente Abbagnano (2007) que é possível distinguir duas formas fundamentais de educação: “a que simplesmente se propõe transmitir as técnicas de trabalho e de comportamento que já estão em poder do grupo social e garantir a sua relativa imutabilidade; e a que, através da transmissão das técnicas já em poder da sociedade, propõe-se formar nos indivíduos a capacidade de corrigir e aperfeiçoar essas mesmas técnicas” (p. 306).

[6]          Infelizmente as disciplinas jurídicas, como Introdução ao Estudo do Direito, Direito Civil e Constitucional, somente são ministradas nas instituições de ensino superior. Atualmente se discute muito sobre a importância da cultura jurídica para o cidadão, e o quanto seria produtivo que tais disciplinas pudessem ser introduzidas em seus currículos. Não obstante, parabeniza-se projetos de leis que tentam introduzir disciplinas de cunho jurídico no Ensino Fundamental e Médio. Cita-se como exemplo o Projeto de Lei 2781/2003 (BRASIL, 2003) de autoria do Deputado Federal Carlos Sampaio do PSDB.

[7]          De acordo com o Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep, o Brasil o país com maior número de cursos de Direito no mundo, hoje são mais de mil cursos oferidos (INEP, 2012).

[8]          “Há 180 anos a sala de aula, que deveria cumprir um papel pedagógico, dentre outros, cumpridos pela pesquisa, pela extensão, pelo estágio profissional, é um espaço de transmissão de preconceitos, de dóxa, de política, de ideologia e de pseudo-superioridade hierárquica do Direito frente outras áreas do saber as quais deveria dialogar e interagir” (CERQUEIRA, 2008, p. 216).

[9]          A partir do momento em que historicamente surgem as instituições de ensino, o Estado passa controlá-las, delimitando sua ideologia, metodologia e todos os direitos relativos a ela. A educação passa a ser prioridade nos programas governamentais e, ao mesmo tempo em que se fala em mercantilização da educação, fala-se também em democracia da educação (BRANDÃO, 1983). Então, inicia-se o processo de democratização, na tentativa de equilibrar a desigualdade intelectual na população – a respeito da massificação da educação falar-se-á melhor a seguir. Entretanto, será que a democratização é o melhor para o progresso da educação?

[10]         “Para ser professor de Direito não se exige formação jurídica ou didática especial. Basta ter diploma de bacharel nessa disciplina, o que, acoplado ao fato do ensino ser retórico, generalista, humanista e pouco profissionalizante, e as faculdades trabalharem com uma demanda estudantil pouco exigente, todo bacharel é potencialmente professor de Direito. Resulta não somente no ensino de má qualidade, por todos condenado, como no aviltamento do salário profissional” (RODRIGUEZ, 1993, p. 75).

[11]         “Para que se possa mudar estruturalmente a instância educacional, é necessário mudar-se antes o próprio paradigma dominante de ciência. Só assim dar-se-á o conhecimento a ser transmitido. Esse é o caminho para alterar efetivamente o seu ensino, que é ao mesmo tempo reprodutor e realimentador dos saberes produzidos” (RODRIGUEZ, 2005, p. 40).

[12]        Até o período Clássico a educação grega não foi uma soma de técnicas e organizações privadas, orientada para a formação de uma individualidade perfeita e independente – consoante à educação formal coeva. Isto só aconteceu na época helenística, quando o Estado grego já havia desaparecido – período da qual deriva em linha reta a pedagogia moderna (JAEGER, 1995).

[13]        Até o período Arcaico o trabalho braçal era visto como o único caminho para se alcançar a virtude. Segundo a mitologia grega, o próprio Ulisses – rei de Ítaca – gabava-se ao dizer que colhia mais rápido do que qualquer um de seus escravos (ASSIS; KÜMPEL; SPAOLONZI, 2010). Não obstante, com o aumento da densidade demográfica, os donos das terras mais férteis passaram a adquirir mais escravos. A abundância de mão-de-obra fez com que os senhores se tornassem cada vez mais ociosos, a deixar o trabalho prático para os escravos. As famílias abastadas passaram a não mais admirar a virtude do trabalho braçal, a levar sua atenção para o conhecimento das artes e da Filosofia, que dava seus primeiros passos.

[14]        Não há dúvida de que os primeiros vestígios das instituições de ensino se iniciaram na Grécia Antiga, por meio de aglomerações que discutiam questões intelectuais – envolvendo Política, Filosofia, Direito e artes. Durante este momento surgem duas instituições de ensino: a oficina de trabalho, para onde vão os filhos dos escravos, dos servos e dos trabalhadores artesãos; e a escola livresca, para onde vão os filhos da elite (BRANDÃO, 1983). Pode-se citar que a Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles são os dois mais nítidos exemplos de formação escolar filosófico da história ocidental, a ter em vista reunir com o intuito do preparo intelectual e racional de seus discípulos (Bittar, 2006; Bittar, 2001).

[15]         Não há óbice em asseverar que a educação teórica e militar na Grécia era direcionada apenas para os homens. Na opinião geral, a mulher era destinada exclusivamente a reprodução, criação dos filhos e governança da casa, dada sua natureza materna e fragilidade física (JAEGER, 1995). Não obstante, Platão discordava desse paradigma, a acreditar na capacidade da mulher para cooperar criadoramente na vida da comunidade: “entende-se que as fêmeas dos cães de guarda devem exercer vigilância com eles, como os machos, e caçar com eles, e fazer tudo o mais em comum. Ou deveriam ficar dentro do canil como incapazes, por causa da criação e alimentação dos cachorros, enquanto os machos se esforçam e têm a seu cargo todo o cuidado dos rebanhos?” (PLATÃO, 2010, p. 146).

[16]         Especificamente sobre o ensino jurídico antigo, entre os romanos, diferentemente do que ocorria com os gregos, o Direito era abordado de outra forma, a possuir um cunho muito mais pragmático que teórico (Bittar, 2006; Bittar, 2001). Importa-se ressaltar que foram os romanos que primeiramente organizaram as normas positivas em formato codificado: Corpus Iuris Civilis e Lex Duodecim Tabularum.

[17]        Esse saber técnico, pertinente à atividade servil, era absolutamente desnecessário tanto aos pontífices e aristocratas antigos, quanto aos clérigos, nobres e senhores feudais medievais. Por pertencerem a uma sociedade de estratificação imutável, a elite jamais exerceria qualquer atividade relativa ao escravismo: como construção e artesanato. Então, para ela restava o ensino das Artes, da Matemática, da Física e da Filosofia. Esta categoria de conhecimentos teóricos era muito apropriada para eles, uma vez que passariam o resto de suas vidas se dedicando exclusivamente à religião, à governança, à administração de suas terras ou à atividade bélica.

[18]         Nietzsche é um grande crítico do cristianismo e da moral católica. Cita-se, pois, a conclusão de O Anticristo: “com isso chego ao fim e dou meu veredicto. Eu condeno o cristianismo, eu instauro contra a Igreja cristã a mais terrível das acusações que alguma vez tenha sido feita por um promotor. Pra mim, ela é maior das corrupções imagináveis, ela teve a vontade até para a última das corrupções” (NIETZSCHE, 2008, p. 124).

[19]         É interessante notar que a Universidade não foi uma iniciativa eclesiástica, monárquica, ou mesmo feudal, em suas origens. A partir de iniciativas de alunos e professores, vindos de várias partes, é que surgem os rumores em torno da necessidade de formação de núcleos de ensino que se autodeterminavam ecléticas em sua formação (Bittar, 2006; Bittar, 2001). 

[20]         Segundo Nietzsche o Renascimento representou a ascensão de uma aristocracia intelectual, cujo legado se contrapôs a moral cristã dominante até então: “o que foi o Renascimento? A transvaloração dos valores cristãos, a tentativa, empreendida por todos os meios, com todos os instintos, com todo o gênio, de levar à vitória dos valores contrários, os valores nobres” (NIETZSCHE, 2008, p. 122). 

[21]        Grosso modo, em que tange a educação em geral, pode-se dizer que o avanço tecnológico moderno exigiu da classe trabalhadora um conhecimento cada vez mais aprofundado. Desta forma, as escolas de ofício da Idade Média, onde os servos aprendiam as técnicas para trabalho, já não atendiam mais às demandas do mercado. Com o advento da modernidade, o número de escolas se tornou maior e iniciam-se efetivamente as primeiras teorias pedagógicas. É necessário ressaltar que, por meio do processo de laicização estatal, além das escolas de ofício, surgem instituições de ensino desvinculadas à educação e moral cristão.

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[22]         Possivelmente Portugal mantinha um bloqueio ao ensino superior na colônia, assim, não era possível se produzir uma cultura própria, bem como desenvolver qualquer conhecimento científico e filosófico. O retardo educacional no Brasil é tão evidente que é possível apresentar exemplos ululante, ao ser comparado com outros países latinos, cita-se: em 1553 foi inaugurada a Universidade do México; a Universidade de São Marcos em 1551 no Peru; e Córdoba na Argentina em 1613 (RODRIGUES, 2000).

[23]                                                                                                         Dom Pedro Primeiro, por Graça de Deus e unanime acclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber a todos os nossos subditos que a Assembléia Geral decretou, e nós queremos a Lei seguinte: Art. 1º - Crear-se-ão dous Cursos de sciencias jurídicas e sociais, um na cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda (…) Art. 9º - Os que freqüentarem os cinco annos de qualquer dos Cursos, com approvação, conseguirão o gráo de Bachareis formados. Haverá tambem o grào de Doutor, que será conferido áquelles que se habilitarem som os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e sò os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes (sic) (BRASIL, 1827).

[24]        Desde o início do período colonial brasileiro era usual que os filhos das famílias ricas fossem estudar fora do país. Sendo assim, os primeiros intelectuais tiveram sua formação acadêmica na França ou em Portugal. Contudo, pela relação colonial, o mais prosaico era que estes jovens abastados fossem estudar na universidade lusitana de Coimbra. Não obsta asseverar que seu ensino e pedagogia, já considerado obsoleto pelos padrões europeus, foi totalmente incorporado e utilizado como base para as Universidade subsequentes no Brasil.

[25]        Quando foram criados os cursos, havia a preocupação em focar os estudos nas questões propriamente jurídicas. Existia o temor de que, sem este foco tecnicista e dogmático, os bacharéis saíssem da academia grandes eruditos, porém pouco hábeis à prática jurídica. Ademais, como alhures exposto, não havia nenhuma preocupação pedagógica, a legislação fornecia apenas breves indicações de como os professores deveriam ministrar suas aulas (CERQUEIRA, 2008).

[26]        Em seu texto “Isto aqui é Coimbrã?”, Oswald de Andrade faz severas críticas à perspectiva jurídica brasileira: O vosso mal é um mal coimbrão, um mal portuguez agravado pela nossa situação de colonia-mental. A nossa velha Faculdade, é como a de Recife, apenas um pedaço do projeto escolar, que não foi avante no Primeiro Império e assim reprezou o pensamento brasileiro na bacharelice.” (sic) (ANDRADE, 1985, p. 76). As críticas, sapientissimamente colocadas por Andadre, diziam respeito ao atraso dos conteúdos ensinados. Causado pela permanência do espírito de colônia e a demasiada influência do ensino religioso – jusnaturalismo. A consequência disto foi a falta de produção intelectual e a transformação dos cursos de ciências jurídicas em simples forma de ascensão profissional.

[27]         No período de 1930 a 1972, muito pouca coisa mudou em nível qualitativo no ensino do Direito. Houve, contudo, uma proliferação muito grande de cursos de Direito por todo país, a ampliar o acesso para eles por parte da classe média. As reformas efetuadas buscaram novamente dar um caráter mais profissionalizante aos cursos e mantiveram a rigidez curricular.

[28]         Pode-se perceber paulatinamente a partir da segunda metade do século XX a mudança no perfil universitário do Direito, no que se refere a quantidade de matrículas: ano de 1960 foram realizadas 93.202 matrículas; o número dobra na década de setenta; a chegar a 1,5 milhão na década de oitenta (Bittar, 2006).

[29]         Segundo Santos (2001), o paradigma se refere a um esquema global de algumas hipóteses de base sobre as quais cada época científica baseia as suas orientações e valores. Não obstante, com o tempo, este modelo se torna obsoleto e não responde mais as demandas e exigências da sociedade: cria-se então a crise do paradigma dominante. No caso do modernismo, este momento crítico deu início, pois, a um novo momento científico.

[30]         A racionalidade técnica não colabora para a melhoria das condições de análise da atualidade. Em poucas palavras, ela é a linguagem da própria dominação, e não condição para a sua libertação. Assim, um bacharel altamente especializado em Direito Processual Civil geralmente é insuficientemente preparado para a análise dos quadros de conjuntura social, política e econômica (Bittar, 2009).

[31]         Nietzsche defende uma elite intelectual, porém, é evidente que isto não pode ser analisado de forma nefasta, com o propósito de subjugar ou erradicar determinado grupo em virtude de sua inferioridade. “For Nietzsche, one's ancestry, race, and ethnicity play a significant – althought neither decisive nor fixed – role in one's constituition. By no means are such factors the only or absolutely determining ones. To be sure, Nitzsche is a radical elitist; but he is neither a crude racist nor a proponet of something like racial purity as might be espoused by those he would otherwise consider plebeian and resentment-driven: such as self-described 'aryans' or 'white supremacists'” (ONGE, 2011, p. 12).

[32]      O aprisionamento do homem significa, em primeiro lugar, o estado de distanciamento de suas potências intelectuais e afetivas. Massificação, então, designa a generalização da inação racional do indivíduo em sociedade, que produz o vulgo. Em outros termos, quando muitos indivíduos agem sem um cuidadoso uso da razão, pode-se dizer que a massificação está presente (MENDONÇA, 2011 A).

[33]         “O que é aristocrático? Que sentido a palavra aristocrático pode ter ainda hoje? Onde se releva, em que se reconhece o homem aristocrático, sob o céu pesado e ameaçador desta nascente supremacia do vulgar, este céu que tona todas as coisas opacas como chumbo? Não são as ações que indicam isso – as ações são sempre ambíguas, sempre insondáveis –; não são também suas obras. Atualmente, podemos encontrar muitos artistas e eruditos, cujas obras denunciam um profundo desejo de valores aristocráticos, mas é precisamente este desejo que é radicalmente diferente das necessidades do espírito aristocrático, e constitui o sinal eloquente e perigoso da ausência de um espírito assim disposto. Aqui, não são as obras que decidem e fixam a hierarquia, mas a fé, para retomar uma velha fórmula religiosa num sentido novo e mais profundo: alguma certeza íntima inerente à alma aristocrática, algo que não se pode procurar, nem achar, nem talvez perder – a alma aristocrática tem respeito por si” (NIETZSCHE, 2007 B, p. 314).

[34]         “In contrast to modern politcal theoristis, Nietzsche does not disre the appeal of the multitudinous “people”; nor does he require their consent. The first Nietzschean political premise is one of basic, ineluctable inequality. He is a conscious aristocrat addressing himself to future airstocrats of politics and culture, a wide gulf separetes the ruling caste from the ruled; the few leaders from the mob, as it were – not the consent of governed but their submission is all that is required” (ONGE, 2011, p. 10).

[35]         “Convicções são inimigas da verdade mais perigosas que as mentiras” (NIETZSCHE, 2005, p. 239). Homens com convicções não entram absolutamente em consideração quando se trata de tudo aquilo que é fundamental em questões de valor e desvalor. Convicções são prisões. O homem de fé, o crente de qualquer espécie, é necessariamente um homem dependente – alguém que não pode colocar a si mesmo como fim, que não pode absolutamente colocar fins a partir de si mesmo. O crente não pertence a si mesmo, pode ser apenas meio, precisa ser consumido, precisa de alguém que o consuma. O crente não é livre para uma consciência acerca do verdadeiro e do falso. Contudo, muitas coisas só se alcançam mediante uma convicção. A grande paixão necessita de convicções, consome convicções, mas sem se sujeitar a elas (NIETZCHE, 2008).

[36]         “Nietzsche is interested principally in a very few: the genius and the great human beings – the best and most fruitful people. The genius is here understood by Nietzsche as the most high-spirited, most lively, and most world-affirming human being, an intellectually superior human being with an immediate, almost superhuman insight into the deepest meaning of things. Likewise, the great human being is a speciemen of the highest spirituality. The genuine philosopher the gratest kind of genius according to Nietzsche, is the peak of nature” (ONGE, 2011, p. 15).

[37]        Segundo Nietzsche (2000; 2007 C), os valores são criados ao alvedrio da elite cultural e incorporados pela sociedade, ou seja, os valores são introduzidos na sociedade pelas castas superiores e obedecidos pelo rebanho. Esta elite nem sempre representa a aristocracia tratada neste trabalho, uma vez que aqui se trata apenas do aristocracismo intelectual, ela pode representar também os detentores do poder, os governantes e os religiosos, por exemplo. Em suma, é o próprio homem que conscientemente cria seus valores segundo suas necessidades e anseios. A este respeito, dado que os valores são incorporados pela elite, discute-se na filosofia de Nietzsche até que ponto os aristocratas têm autonomia sobre esses valores. Em outras palavras, em que medida os aristocratas estão imunes à influência dos valores do que é bom e do que é mal. De acordo com esta filosofia, o aristocrata teria capacidade de criar seus próprios valores, ou seja, revalorar os valores sociais.

[38]        A aristocracia de Nietzsche é então uma nova classe de homens superiores, afastados da religião, da política e dos valores morais vigentes. O seu aristocratismo está fundado na ideia de que os homens são desiguais: guias e rebanhos, homens completos e homens fragmentados, homens bem-sucedidos e homens fracassados (MELO SOBRINHO, 2007, p. 55).

[39]         Segundo o legado nietzschiano, fala-se de forma plural dos aspectos de autossuperação, superação, autocrítica e crítica do indivíduo, como se na prática houvesse diferença. Enquanto a superação e crítica representaria uma relação com o outro, a autossuperação e autocrítica significaria um processo de autopsia. Entretanto, parece equivocado, numa prespectiva lacaniana, uma vez que não há diferença prática entre o ego e o outro. Assim, de maneira geral, os sentimentos de dificuldades e limitações do indivíduo – ego – estão sempre ligados ao olhar do outro (LACAN, 1995; LAPLANCHE; PONTALIS, 2000).

[40]      De acordo com as ideias de Nietzsche, por adormecimento se entende a falta de ações racionais voluntárias que evidenciam o estado de alerta de alguém que busca se superar na sociedade. Em linhas genéricas, segundo Heráclito, a sociedade está dormindo e, embora este autor tenha escrito para os seus concidadãos do século V a.C., Nietzsche atualizou a ponderação para a Alemanha do século XIX, e a metáfora se aplica para os dias de hoje – afinal, o homem continua adormecido na sociedade (MENDONÇA, 2009).

[41]      A superação sugerida pelos pensadores racionalistas dizia respeito a uma concepção de homem e de mundo balizada no contexto da transição da Idade Média para a Moderna. Anteriormente, a verdade era tida como revelada por Deus, e a Igreja Católica determinava a ordem do mundo. Superação, nesse contexto, dizia respeito à tentativa dos pensadores em serem protagonistas do conhecimento e não mais se submeterem à aceitação da autoridade divina na esfera cognitiva. A emergência da ciência moderna, as grandes navegações e outras inovações produziram um momento de incertezas (MENDONÇA, 2009).

[42]        Não se imagina a busca da excelência, do que se tem de melhor, sem que se tome plena consciência do que se é e sem que se considere todas as implicações decorrentes desta tomada de consciência, a incluir também a degradação, a degeneração e a corrupção. Em última análise, trata-se da busca do que se tem dentro de si mesmo. A busca de si é o núcleo da autocrítica e da autossuperação, que inclui a tarefa de revaloração em relação àquilo que se é. É nesse sentido que se aborda a busca da excelência em Para Além de Bem e Mal para uma vida aristocrática (MENDONÇA, 2009).

[43]        Na retórica de aristolélica havia se observado a necessidade do homem de viver em grupo, daí sua célebre frase: o homem é um ser social um ser social (ARISTÓTELES, 1998, p. 18).  

[44]        “O rebanho é o modo e a condição de existência do homem moderno: o rebanho é a massa. O rebanho moderno é o resultado da exacerbação do antigo e originário instinto gregário – o instinto animalesco de bando –, quer dizer, a sociedade de massa moderna é o instinto gregário levado até as suas últimas consequências” (MELO SOBRINHO, 2007, p. 21).

[45]        “A gregaridade não nasceu da espontaneidade de um instinto social colocado no homem pela natureza, mas de uma obrigação imposta pelas castas dos mais fortes pelo medo da morte que sobreviveria caso os homens não estabelecessem uma associação diante de um perigo comum” (MELO SOBRINHO, 2007, p. 13).

[46]        Na mesma trincheira, segundo o próprio filósofo alemão: “desde que houve homens, houve também rebanhos de homens – associações de famílias, comunidades, tribos, povos, Estados, Igrejas – e sempre muito obedientes em comparação com o pequeno número daqueles que mandam. Considerando, portanto, que a obediência que foi até o presente melhor e por tempo exercida e ensinada entre os homens, pode-se facilmente supor que, de um modo geral, cada um possui agora a necessidade inata dela, como uma espécie de consciência formal que ordena: deves absolutamente fazer tal coisa, deves absolutamente não fazer tal outra” (NIETZCHE, 2000, p. 109).

[47]        Essa ideia de sociedade de rebanho representa a grande maioria da população. Assim, a relação que existe entre este grupo social e o rebanho está na forma homogênea em que estes animais obedecem ao pastor e caminham na mesma direção: comportamento gregário. Os homens deste substrato social representam, pois, a mediocridade coletiva (AZEREDO, 2008).

[48]         Os únicos texto específicos sobre educação escritos por Nietzsche são: Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino e Schopenhauer como educador. Contudo, em diversos momento o filósofo defende a ideia de uma educação superior, baseada na ideia de oposição à massa: “toda educação superior pertence a uma exceção: é preciso ser privilegiado para ter direito a um privilégio tão elevado” (NIETZSCHE, 2009, p. 71).

[49]      A educação aristocrática em Nietzsche nasce de seu aristocratismo, na acepção de pertencer a uma elite, ser de uma exceção. Assim, fica excluída de imediato a possibilidade de uma educação vulgar por meio da aristocracia. O ponto de partida da educação aristocrática em Nietzsche é a vida aristocrática, que se efetiva por meio da superação e crítica. Ademais a educação aristocrática se contrapõe à sociedade massificada, o que não significa dizer que se trata de alternativa messiânica para o aprisionamento do homem no mundo. Esta educação é reservada sobretudo para o filósofo, da mesma forma que para os adormecidos existe a educação de rebanho (MENDONÇA, 2009).

[50]      A crítica de Nietzsche à democracia aproxima-se da crítica ao princípio de igualdade, uma vez que democracia e igualdade dizem respeito ao nivelamento das condições humanas como enquanto enfraquecimento do indivíduo. Aliás, Nietzsche afirma que não existe veneno mais tóxico para o humano do que a igualdade. Assim, a democracia atua sobre as massas e estabelece a igualdade como parâmetro ao nivelamento do desenvolvimento individual (MENDONÇA, 2011 B). Com base neste argumento, cita-se Nietzsche: “aos iguais, tratamento igual, aos desiguais, tratamento desigual, esta deveria ser a verdadeira divisa da Justiça” (NIETZSCHE, 2007, p. 156).

[51]         A ser uma educação em oposição a igualdade e ao nivelamento, ela se torna contrária a própria ideia de democratização. De acordo com Mendonça (2009), a crítica de Nietzsche à democracia se aproxima da crítica ao princípio de igualdade, uma vez que democracia e igualdade dizem respeito ao nivelamento das condições humanas como tema do enfraquecimento do indivíduo. O filósofo alemão ainda afirma que não existe veneno mais tóxico para o humano do que a igualdade.

[52]         “Nitzsche's argument starts from the fact that humans are by natural different, and this proves to means that they are 'by natural' of unequal rank. People are unequal with particular regard to their innate power; more specifically with respect to their ability or capacaty to acquire knowledge, virtue, health, and transfigure such endowment and acquisitions into supreme creative possibility. The inequality, which is due to nature, chance, and luck, is increased and deepend by cultural habituation – bildiung – and the form of education in which different tiers of people are segregated” (ONGE, 2011, p.11).

[53]      Como resultado da educação aristocrática, o homem deixará de ser pequeno e mesquinho, e isso partirá de sua vontade. Trata-se, assim, da vida solitária, que proporciona ao indivíduo, por meio da solidão, o contato dele consigo e a experiência de superação de seu estado de massificação e adormecimento. A educação aristocrática aponta para a grande individualidade, em contraposição à maioria das pessoas. Há outros elementos que justificam o adormecimento do homem no mundo; contudo, a sinalização feita até o presente parece-nos suficiente para evidenciar o nascedouro da educação aristocrática em Nietzsche. Paradoxalmente, a educação aristocrática é pensada também a partir da educação de rebanho. A “cegueira” da educação de massa anuncia a busca da solidão, na medida em que o aristocrata opta pela vida solitária, que se contrapõe ao rebanho (MENDONÇA, 2011 A).

[54]        Fala-se em potência filosófica pois a Filosofia, por definição, aponta para uma reflexão e uma visão crítica do Universo. Enquanto o cientista analisa seu objeto de forma microscopica; o filósofo observa de longe, a relacionar o objeto com os demais elementos cósmicos. É neste sentido que se pode conceber a ideia da Filosofia como auxiliar da educação, na busca da excelência. Destarte, segundo Mendonça (2009), se a tarefa da Filosofia é promover a crítica do mundo e do próprio sujeito, pode-se concluir que a educação aristocrática diz respeito também à Filosofia enquanto tal. Conclui-se, pois, que o pensamento filosófico é tradicionalmente aristocrático e, assim, a tese da educação aristocrática que aqui se formula indica o surgimento de filósofos capazes de revalorar os valores vigentes.

[55]         This may well have been the reason why Sigmund Freud identified education as one of the three “impossible professions” - the other two being government and psychoanalysis – “in which one can be sure beforehand of achieving unsatisfying results’”. But whereas some would see the weakness of education as something that ought to be overcome, I wish to argue that the weakness of education is actually something that belongs to education and is proper to it. This means that, if we fail to acknowledge the fundamental weakness of education, we run the risk of forgetting what may well matter most in our education endeavors (BIESTA, 2009, p. 354).

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Sobre o autor
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

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