Ato libidinoso com menores

conceituação e críticas

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29/10/2016 às 12:25

Resumo:


  • O ato libidinoso com menor é um fenômeno recorrente na humanidade e reflete a busca pela saciação carnal, sendo tratado no Direito em stricto sensu como atividades sexuais diversas do coito pênico-vaginal.

  • No mundo jurídico, o conceito de ato libidinoso é de conteúdo aberto, desvalorizado pela norma jurídica e realizado por normas extrajurídicas referentes ao plano moral, religioso, ético ou consuetudinário.

  • O ato libidinoso pode não exigir contato físico direto, podendo ocorrer por meio de violência psicológica, sendo imprescindível em algumas situações que ocorra "em todas as hipóteses contato físico", segundo diferentes doutrinadores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A questão do ato libidinoso com menores de idade requer a análise dos conceitos de ato libidinoso e menor, segundo a definição jurídica e psicanalítica

 

O ato libidinoso com menor é um fenômeno recorrente na humanidade e reflete, em última análise, a busca interminável pela saciação carnal. A respeito do tema da pesquisa, na tentativa de evitar qualquer equívoco, a ressalva que se faz necessária mencionar é em relação à expressão temática “libidinoso”, que tradicionalmente é tratada no Direito em stricto sensu, a significar as atividades sexuais diversas do coito pênico-vaginal, conjunção carnal. Não obstante, para o título desta obra, é adotado o conceito em lato sensu, referindo-se a toda e qualquer prática sexual.       

 


1. Do ato libidinoso

1.1Da etimologia

O vocábulo adjetivo “libidinoso” deriva do substantivo “libido”, ambos têm suas raízes no idioma latino. Libidinoso advém da palavra libidinosus, que remete a ideia de caprichoso e devasso. Já a expressão “libido”, sucede do termo latino libidinis, exprimindo a ideia de desejo, não somente sexual (DICIONÁRIO ACADÊMICO, 2008).

1.2. Do conceito jurídico

O conceito de ato libidinoso no mundo jurídico é de conteúdo aberto, ou seja, a norma jurídica nada assevera sobre sua definição. O conteúdo normativo jurídico é desvalorizado e realizado por uma norma extrajurídica, referente ao plano moral, religioso, ético ou consuetudinário (REALE, 2008). Já que o legislador não incumbiu à lei, que é a principal fonte formal do direito, de definir o conceito de ato libidinoso, buscar-se-á na doutrina o conceito que melhor se adapta a este fenômeno.  

Segundo Noronha (2000), o ato libidinoso é o mesmo que ato lascivo, voluptuoso e dissoluto. Este é, em regra, o inspirado pela concupiscência e destinado à satisfação do instinto sexual, em suas proteiformes manifestações. São, segundo o mesmo autor, exemplos de atos libidinosos: fellatio ou irrumatio in ore, cunnilingus, pennilingus ou annilingus, que são as práticas sexuais orais genitais e anais; o coito anal ou inter femora; a masturbação e os toques voluptuosos, entre outros. Em súmula, observa-se que, segundo Noronha, para que haja o ato libidinoso é imprescindível que ocorra “em todas as hipóteses contato físico” (Idem, 2000, p. 90). E não devem ser confundidos com conjunção carnal:

 

Conjunção carnal, como adotada no artigo 213 e nos artigos 215, parágrafo único, e 217, significa exclusivamente congresso sexual, realizado por meio do membro viril e do órgão sexual da mulher. É o coito normal, em que de um lado há o sujeito ativo – o homem – e do outro a vítima ou sujeito passivo – a mulher (NORONHA, 2000, p.69).

Não obstante, segundo Mirabete (2002), o ato libidinoso pode não exigir contato físico diretamente, contrariamente a definição de Noronha. No exemplo: um homem adulto obriga uma mulher a se masturbar em sua frente, utilizando-se de violência psicológica, ou seja, grave a ameaça, enquanto este contempla sua lascívia. Nesta hipótese, não existe contato físico, o homem pode nem mesmo ter tocado o agente passivo para obrigar-lhe a fazer sua vontade. Inobstante a isto, ocorreu um ato libidinoso.

Os atos libidinosos seguem uma escala de grau luxurioso, onde nem sempre o agente passivo observa através de seus sentidos as intenções sexuais do agente ativo. Destarte, qualquer parte do corpo em contato com outra pode ser considerada como tal (CARRARA, apud, NORONHA, 2000). Um exemplo disto é na seguinte situação: o preceptor leciona para uma jovem ingênua de nove anos, enquanto esta se atém as lições, o mestre ardilosamente afaga suas coxas, enquanto sorri para a jovem. Seu riso na verdade esconde suas intenções libidinosas. A despeito disto, a jovem nada suspeita de seus desígnios.  

De outra banda, segundo Pozzolini (apud, NORONHA, 2000), doutrinador italiano, a libertinagem, ou seja, os atos libidinosos, só são assim considerados se realizados forem por pessoa do sexo oposto. Nota-se que as leis italianas restringem o conceito de ato libidinoso. Em relação a restrição genérica, o ordenamento brasileiro não faz qualquer restrição sobre o sexo do agente ativo e passivo. Como assevera Mirabete (2003), pode a mulher praticar o ato contra outra mulher ou praticá-lo com um homem, e o homem pode praticar tanto com uma mulher como com outro homem.

O ato libidinoso não é por si só um crime, este é apenas um elemento, que somado com outros, podem vir a se tornar um crime. De acordo com o ordenamento brasileiro até o começo de 2009, os crimes que envolvem o ato libidinoso eram: atentado violento ao pudor, atentado ao pudor mediante fraude e corrupção de menores (BRASIL, 2008). Não obstante, em agosto de 2009, ocorreu uma novatio legis in mellius. A lei nº. 12.015 de 7 de agosto de 2009 revogou o artigo 214 do Código Penal e alterou o artigo 213:

Estupro – Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:  Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. § 1o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. § 2o  Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (BRASIL, 2009).

 

O legislador ampliou a abrangência do artigo 213 na nova lei, o crime que antes correspondia apenas ao ato de conjunção carnal, ou seja, coito vaginal, agora corresponde a qualquer ato libidinoso com ou sem conjunção carnal. A intenção do legislador foi, indubitavelmente, de penalizar com maior severidade o praticante de crime sexual.

Infelizmente o mundo jurídico não é suficiente para entender todos os fenômenos do mundo. E assim como a química e a física se utilizam dos conceitos matemáticos, muitas vezes é necessário utilizar-se de disciplinas auxiliares para dar maior embasamento científico nas questões do direito. 

1.3 Do conceito psicanalítico

É impossível investigar juridicamente o ato libidinoso sem mencionar o conceito psicanalítico de libido. Este foi um importante conceito descoberto por Freud na primeira metade do século XX. Segundo Laplanche e Pontalis (2008), o conceito de libido já era utilizado na literatura psiquiátrica há muito tempo e sempre designou a vontade e o desejo sexual. Entrementes, foi Freud quem pioneiramente deu uma importância científica de destaque para ela. Para Freud a libido era uma energia derivada das pulsões sexuais, assim como a agressividade. A libido correspondia, pois, a “todas as pulsões responsáveis por tudo o que compreendemos sob o nome de amor” (1921, p. 152).

É difícil apresentar uma definição satisfatória da libido. Não apenar a teoria da libido evoluiu com as diferentes etapas da teoria das pulsões, como o próprio conceito está longe de ter recebido uma definição unívoca (Idem, 2008). A dificuldade em se fazer uma definição objetiva do conceito se dá não apensar pela sua complexidade, mas pelas diversas modificações que lhe ocorreram, não somente na teoria Freudiana, mas nas demais ascendentes psicanalíticas. 

De acordo com Zimerman (2006), a libido é uma energia sexual presente em todo prazer corporal que não era devido à satisfação direta das pulsões do ego, tais como a satisfação direta das pulsões da fome, sede, necessidades excretoras. Freud dava demasiada importância para a sexualidade humana, tanto que para ele não havia diferença entre um prazer ordinário e um prazer sexual. Tudo era pulsão sexual, podendo ser libidinal ou agressiva.

Argúi Lapanche e Pontalis (2008), que na primeira edição de Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade de 1905, a libido se mantinha próxima do conceito de desejo sexual, onde havia necessidade de uma busca de satisfação. Esta busca pelo prazer sexual, inevitavelmente leva a perversão sexual.

Em relação a este caráter perverso da sexualidade humana, assevera Lapanche e Pontalis (2008), que no fundo é uma característica essencial do homem. Na medida em que não se desliga nunca inteiramente das suas origens, que lhe fazem procurar a sua satisfação, mas não numa atividade específica, mas sim no lucro pelo prazer.

Para a psicanálise a sexualidade humana não significa somente os comportamentos de coito ou os atos libidinosos no sentido jurídico: sexo oral, anal, masturbação, etc. O conceito de sexualidade é muito mais abrangente, ela representa uma “série de excitações e de atividades presentes desde a infância que proporcionam um prazer irredutível à satisfação de uma necessidade fisiológica e que se encontram no amor sexual” (LAPANCHE; PONTALIS, 2008, p. 476).

Até o advento da psicanálise nunca tinha se atribuído sexualidade às crianças. Até então se acreditava que a sexualidade se iniciava no período pueril. Malgrado, Freud foi o primeiro que iniciou seus estudos de sexualidade infantil, a constatar que desde a mais tenra idade o bebê já apresenta uma sexualidade aflorada.


2. Da menoridade

2.1Da etimologia

A palavra “menoridade” deriva do próprio vocábulo da língua portuguesa “menor”, fazendo referência à idade cronológica. Este substantivo tem origem na expressão latina minorus e significa mais novo: minorus natu puer, o menino mais novo. Para os antigos romanos, este vocábulo tinha valor de inferioridade, dado a pouca sabedoria do jovem (DICIONÁRIO ACADÊMICO, 2008).

2.2. Do conceito jurídico

Aduz Mirabete e Fabbrini (2008), que a menoridade se caracteriza pelo critério biológico de idade da pessoa jurídica. Não se utiliza para este conceito a questão do desenvolvimento mental. Para o Código Penal são considerados penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos segundo o artigo 27: os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial (BRASIL, 2008).

Em relação ao Direito Penal, segundo Massa (apud MIRABETE; FABBRINI, 2008), a idade de dezoito anos é um limite razoável de tolerância recomendada pelo Seminário Europeu Social das Nações Unidade, de 1949, ocorrida em Paris. No Brasil, adotou-se em 1990, uma legislação especial para tratar do menor de idade. 

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente: considera-se criança, para os fins desta lei, a pessoa até doze anos incompletos, e adolescentes aquele entre doze e dezoito anos (BRASIL, 1990). Dessarte, não obsta mencionar que o Estatuto também se utilizou de um critério simplesmente biológico para definir o conceito de criança e de adolescente.

Em compêndio, o legislador fixou para a menoridade a idade de dezoito anos por acreditar que antes dessa idade, a maioria dos jovens não possuía desenvolvimento mental suficiente para responder por si próprios na vida jurídica. Obviamente esta questão se embasa em conceitos biológicos e psíquicos do desenvolvimento humano.

2.3. Do conceito psicanalítico

Segundo Bee (2003), consagrada estudiosa do desenvolvimento infantil, o conceito de criança na psicologia não é exato, depende mais de fatores culturais do que propriamente biológicos. Para muitos autores o início da puberdade confere o término da infância e início da adolescência, não obstante, inúmeras pesquisas têm apontado que, mesmo em sociedades semelhantes, a educação recebida pelos pais pode adiantar ou postergar a introjetação dos valores de responsabilidade e independência.

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De acordo com Atkinson et al (2002), a adolescência se refere formalmente ao período de transição da infância a idade adulta. A adolescência para muitos autores se inicia com puberdade e se estende ate os vinte anos. Menciona Bee (2003), que este período é marcado, maxime, pelo desenvolvimento dedutivo lógico do processo cognitivo, a personalidade começa a aflorar e se iniciam as crises de auto-estima.

Segundo o psicanalista Erikson (apud, Atkinson, 2002), a maior tarefa do adolescente é o desenvolvimento do senso de identidade. Este dilema existencial de “quem sou eu?” e “para onde estou indo” e a demasiada falta de referência, propicia o início das famigeradas crises.

Afirma Freud (1905) que, até a puberdade, na fase infantil, predominam o impulso auto-erótico, originado de diversos instintos e zonas erógenas distintas que propicia à criança uma única fonte de prazer. Com a chegada à puberdade, o jovem vivencia mudanças em sua vida sexual, onde todos os instintos se combinam e ficam subordinados a uma única zona erógena: a zona genital.

Esta mudança no padrão de zona erógena propicia para o jovem o desvencilhar definitivo da fase edípica, no período de latência, para finalmente adentrar na fase genital, onde permanece ate a morte. É a partir desde período, corresponde à puberdade, que o indivíduo passa a buscar um novo objeto sexual. Em geral, este objeto é o parceiro sexual, mas pode ser qualquer outro objeto que satisfaça seu desejo.

Para Freud os processos psíquicos humanos são de baldrame biológico, não tendo relevância com a cultura. Sendo assim, todos os homens, em qualquer meio social, passam pelos mesmos processos e desenvolvimentos. A grande crítica que se deve fazer a psicanálise freudiana, e, consequentimente de seus seguidores, é que esta foi uma abordagem desenvolvida no começo do século XX, cuja metodologia científica se restringia a observação de pacientes em situação de terapia.

A Psicanálise já provou que a sexualidade é inerente a essência humana. Não obstante, o surgimento dos valores éticos e morais levaram o surgimento de normas comportamentais. Tal desenvolvimento social representou para o homem a restrição do comportamento sexual natural.

Como bem sopesa Reale (1983), o mundo do ser não se confunde com o mundo do dever ser. Os fatos se tornam, destarte, de interesse do Direito já que são como são e não como deveriam ser. O discurso sexual no campo jurídico se torna necessário já que grande parte das condutas sexuais são ilícita.           

 


3. Do ato libidinoso com menor

3.1Da corrupção de menores

Corrupção, segundo Noronha (2000), é a contaminação da vítima, até o momento do fato, inexperiente dos prazeres da carne, com a revelação do conhecimento sensual que a viciam. Ela fere o menor no comportamento sexual, viciando sua inocência de modo pervertido. Inobstantemente, esta afirmação fere a proposição psicanalítica que afere a criança, desde a mais tenra idade, o impulso sexual.

Até 2009 O crime de corrupção de menor era previsto no artigo 218: corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de catorze anos e menor de dezoito anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo: pena – reclusão de um a quatro anos (BRASIL, 2003).

Não obstante, com a nova redação da Lei 12015 de 2009, sua redação foi alterada para: induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (BBRASIL, 2009). Modificando, pois, o sentido do dispositivo penal.

Segundo Hungria (apud, MIRABETE, 2003), entre os mais relevantes interesses da sociedade está a disciplina ético-sexual, segundo as normas de cultua, e como a juventude, em razão mesma da sua fragilidade ou maleabilidade psíquica, está mais exposta à influencia maligna da libidinagem e do vício, é natural que a sua pudicícia ou dignidade sexual seja especial objeto de reforçada proteção pena. 

Observa que a intenção do legislador ao criar esta lei era preservar a sexualidade do adolescente. Nota-se, no entanto, que o artigo nada assevera sobre uso de violência ou grave ameaça. O artigo 218 é uma norma meramente moralista.

De acordo com Noronha (2000), esta preocupação moralista do Estado em relação ao menor passivo de ato libidinoso se dá porque é dever da sociedade tutelar os menores, “cuja personalidade em gestão os torna fáceis presas dos vícios e das depravações, na órbita sexual” (p. 131).

Para ocorrer este crime é tipificadamente necessário que o sujeito ativo seja maior de dezoito anos, podendo ser tanto o autor do sexo masculino como feminino. A lei também não distingue o sexo do sujeito passivo. Hipoteticamente uma jovem de dezoito anos que praticar sexo oral em outro um jovem de dezessete anos, estaria tipificada neste crime (NORONHA, 2000).  

Assevera Mirabete (2003) que o dispositivo prevê três meios executivos de corrupção: de praticar ato libidinoso havendo contato corporal; induzir o menor à prática de ato libidinoso em si mesmo, como a masturbação, ou em terceiro, pela felatio ou sexo anal; e, por fim, a induzir o menor a presenciar ato de libidinagem praticado pelo agente ou por terceiro.  

A reflexão que se deve fazer é: quem é a vítima que o legislador pretende proteger?  De acordo com Noronha (2000), ao analisar a lei extensivamente, chega-se a conclusão de que a intenção é preservar o menor ainda não corrompido. Já não faz sentido em corromper alguém que já está corrompido. Esta discussão é resolvida ao admitir que a corrupção possui diversos graus. Logo, o crime se dá quando o agente ativo expõe o passivo a um grau de perversão não conhecido por este.

3.2Da presunção de violência

A presunção de violência remete a idéia de que existe uma idade mínima a qual abaixo dela, a falta de maturidade sexual e desenvolvimento mental, seriam tamanha que o ato seria considerado violento. O artigo que expressamente se refere a este é o 224: Presunção de violência – Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de quatorze anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência (BRASIL, 2008). Para a presente pesquisa será analisada apensar a primeira hipótese do crime: quando o agente passivo não é maior de quatorze anos.

Segundo Mirabete (2003), a circunstância do dispositivo é de que o menor de quatorze anos não pode avidamente consentir pelo desconhecimento dos atos sexuais e de suas conseqüências: innocentia consilii. Pela letra da lei, mesmo havendo possível consentimento do agente passivo, este é absolutamente nulo. Não obstante, alguns doutrinadores inclinam para a existência de uma presunção relativa.

 A questão da presunção de violência se choca com a ideia de idade de consentimento, que se refere aquela onde o menor já possui desenvolvimento mental suficiente para saber se ele quer ou não praticar conjunção carnal ou ato libidinoso (NORONHA, 2000).

Não é difícil notar que a questão da idade de consentimento abordada pela doutrina e a corrupção de menor são contraditórios. Já que é vontade do legislador que o menor não pratique qualquer atividade sexual, carnal ou libidinosa, com um maior. Neste caso o conceito de idade de consentimento perde seu sentido. 

Em relação aos demais ordenamentos, Noronha (2000) cita como os outros países resolveram o problema da presunção de violência. O Código Penal italiano fixou a idade em quatorze anos também; a lei espanhola e argentina presumem a violência com doze anos.

Em relação aos efeitos da lei, aduz Bertasso (2009) que, muita discussão foi travada na doutrina e na jurisprudência acerca da natureza dessa presunção, se absoluta ou relativa. A controvérsia girava acerca da possibilidade de haver exceção à regra do artigo 224, alínea “a”, ou seja, de, diante de casos peculiares, em que a vítima demonstre possuir conhecimento e experiência em relação a prática sexuais, permiti-se afastar a presunção e considerar atípica a conduta. Para os que advogam a tese de ser absoluta a presunção, pouco importaria essa realidade, pois a lei pune de forma indistinta o agente que pratica relações sexuais com menor de 14 anos, tenha ou não a vítima experiência e conhecimentos sexuais.

Não obstante, após longas e calorosas discussões na ceara legislativa, com o advento da lei nº. 12.015 de 7 de agosto de 2009, o crime de presunção de violência recebeu nova roupagem: passou a ser denominado estupro de vulnerável, tornando a conduta mais gravosa.

3.3. Do estupro de vulnerável

De acordo com a nova disposição penal, extingue-se o crime de presunção de violência, a criar diversa denominação para o fato. O novo crime, estupro de vulnerável, passa a abranger não só os atos libidinosos, como também a conjunção carnal, artigo 217-A: Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos (BRASIL, 2009).

Até a novatio legis in mellius ainda se fazia alusão a discussão desta presunção ser absoluta ou relativa, como o próprio Noronha (2000) menciona. Não obstante, com o advento da nova disposição legal, fica clara a vontade do legislador em punir aquele que realiza atividade sexual com menor de quartoze anos. Segundo Bertasso (2009), não se cogita mais a presunção de violência, aliás, sequer se cogita se é violência ou grave ameaça.

Outro ponto notável da nova lei é em relação a pena do crime, reclusão de oito a quinze anos para quem comete o crime de estupro de vulnerável. Enquanto que a disposição antiga nem ao menos mencionava a pena para presunção de violência. Se comparado com o crime de corrupção de menor, cuja pena culmina de um a quatro anos, observa-se a radical mudança no pensamento legislativo.

A produção legislativa não é aleatória, ela é reflexo dos valores factuais e das novas demandas sociais. Para se compreender os motivos aos quais levaram o legislador a escrever o presente ordenamento, é necessário discutir sobre o processo histórico que formou este pensamento.  

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Sobre o autor
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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