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Cancelamento do visto de Larry Rohter: ato de soberania ou de autoritarismo?

16/06/2004 às 00:00
Leia nesta página:

O jornalista estrangeiro William Larry Rother Junior, correspondente do The New York Times, após escrever uma notícia, em 09/05/2004, na qual acusava o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de consumir bebidas alcoólicas em excesso, tornou-se o grande alvo das manchetes nos últimos dias. Larry Rother provavelmente vive os dias de maior fama em toda a sua carreira profissional, uma vez que, por uma decisão presidencial, sua matéria e seu nome ficaram conhecidos mundialmente. Vejamos o que o jornalista realmente publicou:

Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional

Por Larry Rohter, do New York Times, em Brasília.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca escondeu sua inclinação por um copo de cerveja, uma dose de uísque ou, melhor ainda, um copinho de cachaça, o potente destilado brasileiro feito de cana-de-açúcar. Mas alguns de seus conterrâneos começam a se perguntar se sua preferência por bebidas fortes não está afetando sua performance no cargo.

Nos últimos meses, o governo esquerdista de Da Silva tem sido assaltado por uma crise depois da outra, de escândalos de corrupção ao fracasso de programas sociais cruciais.

O presidente tem ficado longe do alcance público nesses casos e tem deixado seus assessores encarregarem-se da maior parte do levantamento de peso. Essa atitude tem levantado especulação sobre se o seu aparente desengajamento e passividade podem de alguma forma estar relacionados a seu apetite por álcool. Seus apoiadores, entretanto, negam as acusações de excesso de bebida.

Apesar de líderes políticos e jornalistas falarem cada vez mais entre si sobre o consumo de bebidas de Da Silva, poucos estão dispostos a expressarem suas suspeitas em público ou oficialmente. Uma exceção é Leonel Brizola, líder do esquerdista PDT, que foi companheiro de Lula na eleição de 1998, mas agora está preocupado que o presidente esteja "destruindo os neurônios de seu cérebro".

"Quando eu fui candidato à vice-presidente de Lula, ele bebia muito", disse Brizola, agora um crítico do governo, em um discurso recente. "Eu o avisei que bebidas destiladas são perigosas. Mas ele não me escutou e, de acordo com que estão dizendo, continua a beber".

Durante uma entrevista no Rio de Janeiro em meados de abril, Brizola argumentou sobre a preocupação que ele havia expressado a Da Silva e que o que ele dissera ter sido desconsiderado. "Eu disse a ele: "Lula, eu sou seu amigo e camarada, e você precisa controlar isso´´", ele lembra.

"Não, não há perigo, eu tenho isso sob controle", Brizola lembra da resposta de Da Silva, imitando sua voz rouca. "Ele resistiu, ele é um resistente", Brizola continuou. "Mas ele tinha aquele problema. Se eu bebesse como ele, estaria frito."

Os porta-vozes de Da Silva recusaram-se a discutir oficialmente os hábitos de beber do presidente, afirmando que não iriam dar crédito a acusações infundadas com uma resposta oficial. Em uma breve mensagem por e-mail que respondia a um pedido de comentário, afirmaram que a especulação que Da Silva bebe em excesso como "uma mistura de preconceito, desinformação e má-fé".

Da Silva, um metalúrgico de 58 anos, mostrou ser um homem de apetites e impulsos fortes, o que contribui para seu apelo popular. Com um misto de compaixão e simpatia, os brasileiros têm assistido a seus esforços para não fumar em público, a seus flertes com atrizes em eventos públicos e à sua batalha contínua para evitar comidas gordurosas -que fizeram seu peso aumentar muito em pouco tempo desde que assumiu o cargo em janeiro de 2003.

Além de Brizola, líderes políticos e a mídia parecem preferir lidar com isso de forma mais sutil e indireta, mas com um certo apetite. Sempre que possível, a imprensa brasileira publica fotos do presidente com os olhos avermelhados e as bochechas coradas e constantemente fazem referências tanto aos churrascos de fim de semana na residência presidencial, onde a bebida corre solta, como aos eventos oficiais onde Da Silva parece nunca estar sem um copo de bebida nas mãos.

"Eu tenho um conselho para o Lula", escreveu em março o crítico mordaz Diogo Mainardi, colunista da Veja, a revista mais importante do país, enumerando uma lista de reportagens contendo referências ao hábito do presidente. "Pare de beber em público", ele aconselhou, acrescentando que o presidente tornou-se "o maior garoto-propaganda para a indústria da bebida" com seu notório consumo de álcool.

Uma semana depois, a mesma revista publicou uma carta de um leitor preocupado com o "alcoolismo de Lula" e seu efeito na habilidade do presidente de governar.

Apesar de alguns sites estarem reclamando de "nosso presidente alcoólico", foi a primeira vez que a grande imprensa nacional referiu-se a da Silva desta maneira.

Historicamente, os brasileiros têm razão para estarem preocupados com sinais de hábitos de abuso do álcool de seus presidentes. Jânio Quadros, eleito em 1960, foi um bebedor manifesto que um dia declarou: "Bebo porque é líquido".

Sua inesperada renúncia, menos de um ano após ter assumido -período considerado uma maratona de excessos- iniciou um período de instabilidade política que levou a um golpe de Estado, em 1964, e a 20 anos de uma rígida ditadura militar.

Independentemente se Da Silva tem um problema com bebida ou não, o tema tem se infiltrado na consciência pública e se tornado alvo de piadas.

Quando o governo gastou US$ 56 milhões no início do ano para comprar um novo avião presidencial, por exemplo, o colunista Cláudio Humberto, uma espécie de Matt Drudge da política brasileira, fez um concurso para dar um apelido à aeronave. Uma das escolhas vencedoras, em alusão de que o avião presidencial americano é chamado de Força Aérea Um, sugeriu que o nome do jato de Da Silva deveria ser "Pirassununga 51" -nome de uma marca popular de cachaça no Brasil.

Outra sugestão foi "Movido a Álcool", um trocadilho com o plano governamental de incentivar o uso de etanol em carros.

Especulação sobre os hábitos de bebida do presidente tem sido alimentada por várias gafes e passos em falso que ele tem feito em público. Como candidato, ele uma vez se referiu aos moradores de uma cidade considerada uma abrigo para os gays chamando-a de "pólo exportador de veados". Como presidente, suas escorregadas em público continuaram e se tornaram parte do folclore político brasileiros.

Numa cerimônia aqui em fevereiro para anunciar um grande investimento, por exemplo, Da Silva duas vezes se referiu ao presidente da General Motors, Richard Wagoner, como presidente da Mercedes-Benz. Em outubro, num dia em homenagem aos idosos do país, Da Silva disse a eles: "Quando vocês se aposentarem, não fiquem em caso aborrecendo sua família. Encontrem alguma coisa para fazer".

No exterior, Da Silva também tropeçou ou foi mal aconselhado. Em visita ao Oriente Médio no ano passado, ele imitou um sotaque árabe falando em português, inclusive com pronúncias erradas. Em Windhoek, na Namíbia, o presidente disse que a cidade parecia tão limpa que "não parece que está num país africano.".

A equipe de Da Silva e seus simpatizantes respondem que esses escorregões são apenas ocasionais e previsíveis para alguém que gosta de falar de improviso e não tem nada a ver com seu consumo de álcool, que eles descrevem como sempre moderado. Para eles, Da Silva é visto de um padrão diferente -e injusto- com relação a seus antecessores porque ele é o primeiro presidente brasileiro vindo da classe trabalhadora e estudou apenas até a quinta série.

"Qualquer um que já tenha estado em recepções formais ou informais em Brasília testemunhou presidentes bebericando uma dose de uísque", escreveu recentemente o colunista Ali Kamel, no diário carioca "O Globo". ""Mas sobre o fato nada se leu a respeito dos outros presidentes, somente de Lula. Isso cheira a preconceito."".

Da Silva nasceu em uma família pobre, num dos Estados mais pobres do país e passou anos liderando sindicatos de trabalhadores, um ambiente famoso pelo alto consumo de álcool. Relatos da imprensa brasileira têm repetidamente descrito o pai do presidente, Aristides -o qual ele pouco conheceu e morreu em 1978- como um alcoólatra que maltratava suas crianças.

Histórias sobre episódios de beber envolvendo Da Silva são abundantes. Depois de uma noite na cidade onde ele fora membro do Congresso, no final dos anos 1980, Da Silva saiu do elevador no andar errado do prédio onde morava na época e tentou arrombar a porta de um apartamento que ele imaginava ser o seu, de acordo com políticos e jornalistas aqui, incluindo alguns que moravam no mesmo edifício.

"Sob Lula, a caipirinha virou "bebida nacional" por decreto presidencial", escreveu o diário Folha de S.Paulo no mês passado, em artigo sobre a associação de Da Silva com álcool e em alusão a um coquetel feito com cachaça.

Após ler cuidadosamente o texto do jornalista, lembrei-me instantaneamente de que Diogo Mainardi, colunista da Revista Veja e conhecido por sua acidez, disse as mesmas coisas, embora com um tom ainda mais jocoso. A edição da Veja de 27/03/2004 traz uma coluna intitulada "Meu conselho ao presidente", com os seguintes trechos centrais:

O Álcool é o pior problema do Brasil. Lula deveria dar o exemplo e parar de beber em eventos a que comparece. No primeiro ano de governo fomos informados sobre tudo o que ele bebeu a cada encontro político ou social.

A mídia, de modo geral, tem noticiado amplamente os fatos mencionados na matéria de Larry Rohter, que parece ter trazido à tona um tema já bastante discutido anteriormente, o que causa estranheza pelo fato de o presidente só agora ter sentido a ofensa. Em um estilo bem americano, o jornalista aborda um pequeno "deslize", algo comum entre figuras públicas frequentemente retratadas em tablóides sensacionalistas. A notícia teria causado menos repercussão caso tivesse sido ignorada. Ademais, se a decisão for de expulsar Larry Rohter, não seria recomendável deixar de punir Diogo Mainardi e Leonel Brizola, pois, do contrário, o ato poderia ser interpretado como discriminação em razão da condição de estrangeiro do jornalista.

Não fiques irritado depressa, pois a irritação mora no peito dos insensatos. (Eclesiastes, 7, 9)

Como sugere a passagem de Eclesiastes, o presidente ficou irritado rapidamente e, por isso, tomou a decisão insensata de cancelar o visto do jornalista — fato amplamente repudiado pela sociedade civil. A medida foi criticada tanto por aliados quanto por opositores e gerou reprovação de diversas entidades de relevância nacional, como a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Força Sindical, a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), a Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira, a Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

Há 34 anos, segundo a Agência Reuters, o governo brasileiro não expulsava um jornalista. A última expulsão ocorreu em 1970, quando o francês François Pelou foi deportado. O jornalista Ricardo Noblat, em uma coluna publicada na internet, revelou que foi o próprio Presidente da República quem decidiu pessoalmente pela expulsão do correspondente do The New York Times. Segundo o colunista, "em reunião ocorrida na terça-feira, 11, no Palácio do Planalto, vários ministros e assessores apelaram para que o presidente não tomasse a decisão, chegando a alertá-lo de que o jornalista é casado com uma brasileira e que a Constituição lhe garante o direito de permanecer no Brasil. O presidente teria respondido com um palavrão".

A nota oficial comunicando a punição ao jornalista foi emitida pelo Ministério da Justiça no dia 11 de maio. O titular da pasta, Thomaz Bastos, estava em viagem e soube do ocorrido por meio de jornalistas. Segundo rumores, ele não aprovou a medida e cogita abandonar o cargo, o que seria coerente com sua trajetória de vida, sempre pautada pela defesa dos direitos sociais e individuais. Abaixo, segue a íntegra da nota do Ministério da Justiça:

"Em face de reportagem leviana, mentirosa e ofensiva à honra do Presidente da República Federativa do Brasil, com grave prejuízo à imagem do país no exterior, publicada na edição de 9 de maio passado do jornal The New York Times, o Ministério da Justiça considera, nos termos do artigo 26 da Lei nº 6.815, inconveniente a presença em território nacional do autor do referido texto. Nessas condições, determinou o cancelamento do visto temporário do sr.William Larry Rohter Junior"

Fonte: https://www.radiobras.gov.br/

O Diário Oficial da União de 12/05/2004 publicou o seguinte despacho:

GABINETE DO MINISTRO DESPACHO DO MINISTRO EM 11 DE MAIO DE 2004 N O 253 - PROCESSO Nº 08000.004044/2004 - 52.WILLIAM LAWRENCE ROHTER JUNIOR. EM FACE DO EXPOSTO, DETERMINO O CANCELAMENTO DO VISTO TEMPORARIO OUTORGADO AO ESTRANGEIRO WILLIAM LARRY ROHTER JUNIOR, DETERMINANDO, AINDA, AO DEPARTAMENTO DE POLICIA FEDERAL QUE O CIENTIFIQUE PESSOALMENTE DESTA DECISAO E DE QUE, NOS TERMOS DO ART. 57. DA LEI N O 6.815/80 E ART. 98. DO DECRETO N O 86.715/81, SEJA NOTIFICADO A DEIXAR O TERRITORIO NACIONAL NO PRAZO DE OITO DIAS.

LUIZ PAULO TELES FERREIRA BARRETO INTERINO"".

O senador Sérgio Cabral Filho, filho do jornalista Sérgio Cabral (perseguido e preso durante a Ditadura), inconformado com a decisão do governo, impetrou um habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), buscando garantir a permanência do jornalista no país. Abaixo, segue a petição:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

"Onde se der violência, onde o indivíduo sofrer, ou correr risco próximo de sofrer coação, se essa coação for ilegal, se essa coação produzir-se por excesso de autoridade, por arbítrio dos que a representam, o habeas corpus é irrecusável" (RUI BARBOSA, Obras Completas, vol. XX, tomo IV, pág. 140)

ANDRÉ LUIZ EIRÓ DO NASCIMENTO, brasileiro, paraense, casado, advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil-Secção do Pará sob o n.º 8.429, com escritório profissional na Avenida Almirante Wandenkolk, 266, Bairro do Umarizal, em Belém-Pará, CEP 66.055-030, onde receberá intimações, vem, mui reverenciosamente, com o axiomático respeito que lhe é devido, arrimado no Art. 5º LIII, LIV, LV e LXVIII da Constituição Federal, interpor ordem de HABEAS CORPUS PREVENTIVO COM PEDIDO LIMINAR em favor do paciente WILLIAM LARRY ROHTER JUNIOR apontando como autoridade coatora o EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO INTERINO DA JUSTIÇA, Dr. LUIZ PAULO TELES FERREIRA BARRETO, ou quem fizer suas vezes, pelos substratos fáticos e jurídicos a seguir escandidos.

1. Todas as formas de imprensa nacional e internacional tornou fato público e notório que a autoridade coatora resolveu CANCELAR O VISTO TEMPORÁRIO do paciente motivando sua decisão no Art. 26. da Lei nº 6.815/80, por considerar que a notícia veiculada na edição de 09.05.2004 do jornal The New York Times trouxe prejuízos à imagem do Brasil no exterior, o que, por sua vez, tornou "INCONVENIENTE A PRESENÇA EM TERRITÓRIO NACIONAL" do paciente.

2. O Art. 26. do dispositivo legal invocado pela autoridade coatora não trata de cancelamento de visto e sim do poder discricionário de obstar a entrada, a estada ou o registro do estrangeiro quando ocorrerem as hipótese do artigo 7º ou a inconveniência da presença no território nacional.

Art. 26. O visto concedido pela autoridade consular configura mera expectativa de direito, podendo a entrada, a estada ou o registro do estrangeiro ser obstado ocorrendo qualquer dos casos do artigo 7º, ou a inconveniência de sua presença no território nacional, a critério do Ministério da Justiça.

3. Portanto, o que poderia ter feito a Autoridade Coatora seria obstar, impedir que, após concedido o visto temporário pela autoridade consular, o paciente tivesse realizado o seu REGISTRO DE ESTRANGEIRO, porém, uma vez realizado o REGISTRO este somente poder ser CANCELADO através da DECRETAÇÃO DA EXPULSÃO, pois só se pode impedir, obstar aquilo que ainda não foi feito, desde que observado o DEVIDO PROCESSO LEGAL, a teor do Art. 49, II da Lei 6815/80.

Art. 49. O estrangeiro terá o registro cancelado:

II - se tiver decretada sua expulsão;

4. Por outro lado, o Art. 66. do mesmo diploma legal invocado, estatui que "CABERÁ EXCLUSIVAMENTE AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA RESOLVER SOBRE A CONVENIÊNCIA E A OPORTUNIDADE DA EXPULSÃO OU DE SUA REVOGAÇÃO", sendo levada a efeito através de Decreto.

5. Ora, se o Ministro da Justiça só tem poder para obstar o registro, impedindo que seja feito, somente o PRESIDENTE DA REPÚBLICA possui poderes para cancelar o registro de estrangeiro que já foi feito, logo, após ter sido realizado o registro do estrangeiro, como in casu, somente o PRESIDENTE DA REPÚBLICA pode cancelá-lo através do Decreto de Expulsão, após o DEVIDO PROCESSO LEGAL, ficando cristalina a INCOMPETÊNCIA da Autoridade Coatora para o ato, bem como, não fora atendido o DEVIDO PROCESSO LEGAL no processo de expulsão do paciente.

6. Contudo, ainda que se admitisse que a Autoridade Coatora fosse competente para o ato, o paciente não poderia ser expulso do país, posto ser fato público e notório que o mesmo possui cônjuge brasileiro e filho nacional que dele depende economicamente.

Art. 75. Não se procederá à expulsão:

I - se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira; ou

II - quando o estrangeiro tiver:

a) cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou

b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente.

7. Excelsos Ministros, na verdade este ato de expulsão se afasta terminantemente do ordenamento jurídico, bem como, não se pode admitir que seja USADO COMO FORMA DE REPREENSÃO À LIBERDADE DE IMPRENSA, FERINDO DE MORTE O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, ou melhor, utilizando a castração do sacro DIREITO DE IR VIR do paciente para satisfazer o penoso sentimento de vingança pessoal, com o intuito, não de outra coisa, tornar o paciente mártir, servindo de exemplo a outros repórter que ousem falar mal da pessoa do Presidente, data vênia, um regresso na Democracia.

8. O Ordenamento Jurídico Pátrio tem meios adequados que permitem a defesa daqueles que se sentem ofendido pela veiculação de notícias, como o DIREITO DE RESPOSTA, QUEIXA CRIME, etc., o que não pode admitir é que se "rasgue" a constituição, banalizando um instrumento sério como a expulsão de um estrangeiro do território nacional, para satisfazer interesses pessoais, agredindo o PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE na Administração Pública.

Fonte: Redação Terra (www.terra.com.br)

O habeas corpus (HC 35445, registro 200400667613) obteve êxito no pleito liminar, concedido pelo ministro Francisco Peçanha Martins hoje (13/05/2004), o que intensificou a discussão. A liminar tem validade até que o mérito da questão seja analisado, o que significa que o presidente Lula terá que "engolir" a presença do jornalista Larry Rohter por um bom tempo. "Este jornalista não entra [no país]; legalmente estará impedido", teria dito Lula, conforme relato de participantes da reunião em que a decisão foi tomada. O presidente justificou a medida argumentando que, caso não agisse, "qualquer outro jornalista, de qualquer outro país, poderia fazer o mesmo, sem preocupação com punições".

Embora o presidente da República tenha tomado a decisão inicial, a palavra final sobre este assunto será dada pelo Judiciário, gerando mais um episódio de confronto — ou afronta, dependendo do ponto de vista — a uma ordem do chefe máximo do Poder Executivo. A liminar concedida permite que o jornalista, casado com uma brasileira e pai de filhos brasileiros, entre e permaneça no país, não podendo ser coagido, sob pena de crime de desobediência à ordem judicial, a deixar o território nacional.

A atitude foi incomum e, por essa razão, gerou grande celeuma em torno do assunto. Em um país recém-saído de um regime ditatorial, atitudes extremadas — principalmente as de caráter punitivo sem o devido processo legal, assegurado a todos os cidadãos pela Constituição da República — causam comoção pública e severas críticas. Essa reação é especialmente intensa por partir de um presidente que pessoalmente sofreu as agruras do regime de exceção. A lei que embasou a atitude do Planalto foi criada durante o governo do general João Baptista Figueiredo (1980), sendo, portanto, uma herança do regime militar, elaborada sob o espírito de um “presidente-imperador”. Tal espírito, no entanto, é incompatível com a realidade atual, na qual o presidente está submetido e limitado pela lei.

Nossa Carta Magna de 1988, consolidada sob o império da lei no Estado Democrático de Direito, proíbe a extradição de estrangeiros por crimes políticos ou de opinião (art. 5º, LII). A Constituição tem supremacia sobre o Estatuto dos Estrangeiros (Lei 6.815/80) e serve de manto protetor ao jornalista. Por mais que repudiemos o conteúdo do que ele escreveu, devemos defender, até o fim, o direito de ele se expressar livremente — desde que responda por eventuais excessos, como certamente ocorrerá.

A Lei 6.815/80 foi criada com o propósito de perseguir e expulsar aqueles que ousavam se opor e levantar a voz contra o regime. O espírito dessa lei não encontra amparo na principiologia constitucional e, por consequência, deve ser expurgado do nosso ordenamento jurídico.

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De fato, a atitude do jornalista ofendeu o presidente, mas trata-se apenas de mau jornalismo, algo que não pode ser utilizado como pretexto para cercear a liberdade de expressão. Também não justifica atos autoritários, nem pode servir para “dar o exemplo”, como disse o presidente. Afinal, isso significaria tolher a liberdade de expressão, que custou tanto sangue aos brasileiros. As vozes dissonantes precisam existir e devem ter espaço.

A Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em outubro de 2000, afirma em seu Princípio 13: "Os meios de comunicação social têm direito a realizar seu trabalho de forma independente. Pressões diretas ou indiretas dirigidas a silenciar o trabalho informativo dos comunicadores sociais são incompatíveis com a liberdade de expressão". Há outros meios legítimos para se buscar retratação, sendo o mais eficaz o judicial, ao qual o presidente pode recorrer para exigir direito de resposta, retratação e, eventualmente, uma indenização.

Se toda notícia que desagradar o presidente Lula se tornar motivo para expulsão de jornalistas, estaremos caminhando para uma ditadura. Os traços de autoritarismo da medida adotada aparecem de forma evidente, a começar pela recusa do advogado-geral da União, Álvaro José da Costa, em endossá-la, o que já sinalizava a "fumaça" que se desprendia da violação da Constituição. Além do membro da AGU, vários correligionários também tentaram dissuadir o presidente da decisão, alertando-o sobre o vexame de ter sua medida suspensa pelo Judiciário e, possivelmente, anulada.

A jornalista Vera Magalhães, em coluna publicada no Primeira Leitura, destacou algumas anedotas que circulavam nos corredores do Palácio do Planalto e que, segundo ela, fariam o presidente "espumar". Vejamos:

• O New York Times já decidiu o nome do novo correspondente no Brasil: Johnny Walker.

• O governo não resiste a "uma dose" de democracia – essa dita pelo líder do PFL, José Carlos Aleluia (BA).

• O colunista Cláudio Humberto aconselhou a Lula que "governe com moderação".

Fonte: https://www.primeiraleitura.com.br/auto/entenda.php?id=4056

Todas essas piadas e outras que possam surgir no futuro poderiam ter sido evitadas. O pior é que o presidente do Brasil está fadado a ser lembrado, não pelo episódio em si, mas pela condução esdrúxula do problema. Se a reportagem tivesse sido encarada da mesma forma que outras sobre o mesmo tema, não haveria tanto estardalhaço nem desgaste para a figura do presidente, que aparenta se preocupar mais com a opinião dos estrangeiros do que com a dos brasileiros — um erro que pode ser fatal.

A má repercussão da punição ao jornalista foi muito mais danosa do que a própria reportagem, que, ao fim e ao cabo, não passa de uma compilação de notícias já publicadas pela mídia brasileira. Esse entendimento parece ter prevalecido, já que a Advocacia-Geral da União (AGU) anunciou que não recorrerá da decisão do ministro Peçanha Martins, que concedeu a liminar permitindo que o jornalista permaneça no país.

A discricionariedade administrativa não foi criada para encobrir perseguições pessoais. O meio legítimo de exigir punição é a ação judicial. Os tempos da autotutela ficaram no passado, junto com os sentimentos de revanche e vingança. Hoje, no Estado Democrático de Direito, prevalecem os valores da justiça e da paz social. Contudo, para assegurar a liberdade, é necessário pagar um preço. Como diz o ditado popular, "o preço da liberdade é a eterna vigilância". Em nossa jovem democracia, "matar um leão por dia" é um esforço diário, mas vale a pena. Afinal, quem já experimentou o sol da liberdade uma vez está sempre disposto a lutar para vê-lo novamente.

A decisão do ministro Peçanha Martins não avaliou o mérito do ato administrativo, mas o ato poderá ser alvo de controle judicial, especialmente quanto à sua motivação, que vincula a legalidade da ação se for devidamente explanada.

Longe de ser um ato de soberania, a tentativa de cancelar o visto do jornalista foi autoritária. A sociedade brasileira tem uma aversão profunda a qualquer tentativa de silenciar a imprensa, o que explica a reação pública tão veemente. Um assunto que deveria se restringir ao âmbito jurídico acabou se transformando em um pesadelo político, graças à precipitação na tomada da decisão.

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Sobre a autora
Dayse Coelho de Almeida

Professora do Curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe - UFS e do Curso de Direito da Faculdade de Sergipe – FaSe, advogada cível e trabalhista do escritório Almeida, Araújo e Menezes Advogados Associados - ALMARME, Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ. Coautora dos livros: Relação de Trabalho: Fundamentos Interpretativos para a Nova Competência da Justiça do Trabalho, LTr, 2005 e 2006; Direito Público: Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Tributário, PUC Minas, 2006 e Roda Mundo 2006, Editora Ottoni, 2006. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ, da Associação Brasileira de Advogados – ABA e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos – INEJUR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Dayse Coelho. Cancelamento do visto de Larry Rohter: ato de soberania ou de autoritarismo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 350, 16 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5337. Acesso em: 5 dez. 2025.

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