Reprodução humana assistida:uma análise crítica

31/10/2016 às 07:33
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ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O ASSUNTO A PARTIR DO QUE FOI TRATADO EM PALESTRA REALIZADA NO DIA 29/09/2015, PARTE DO CONGRESSO INTERNACIONAL DE BIODIREITO E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO.

1. INTRODUÇÃO

É fato que, independente de a definição do que é família estar passando por diversas discussões, o brasileiro, assim como qualquer outro cidadão do mundo, quer formar a sua própria família. Desse modo, pode, além de preservar e perpetuar o seu nome, deixar um legado, uma pequena marca que seja de seu caráter e personalidade. É fato também que existem aqueles que não desejam um filho, seja por falta de condições ou até por falta de jeito para lidar com um pequeno ser e moldá-lo à sociedade - que por muitas vezes pode se fazer cruel – até que esteja pronto para dar os primeiros passos na vida civil.

Por conta do crescente desejo por filhos, as técnicas de reprodução assistida inegavelmente apresentaram crescimento, vez que nem todos apresentam condições físicas e/ou genéticas de gerar um ser humano por conta própria, tendo que recorrer então ao avanço tecnológico para ter o seu desejo satisfeito.

A importância de tal procedimento é tanta que ele já é até reconhecido pelo Código Civil de 2002 como forma de concepção dos filhos na constância do casamento, como pode ser observado no artigo 1.597, incisos III, IV e V do referido dispositivo legal:

Artigo 1.597: Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Apesar de o nosso Código ter reconhecido tal procedimento como sendo forma de concepção, nota-se que no Brasil, apesar dos grandes avanços jurídicos quanto ao tema, o referido procedimento ainda é visto com receio, talvez por ser a sociedade brasileira um tanto marcada pelo tradicionalismo e valores patriarcais machistas da antiguidade, como por exemplo, a afirmação de que uma das principais funções da mulher (ou do ser humano em uma visão geral) é de procriar.

Desse modo, observa-se que, ao mesmo tempo em que alguns países já deram o pontapé inicial na busca por novas maneiras de gerar vidas, como Reino Unido, França, Portugal e Estados Unidos (que já tutelaram o assunto) outros países não o fazem por receio, ignorância ou despreparo.

Apesar disso, é de extrema importância lembrar que no que diz respeito à evolução da família no Brasil, a Constituição Federal de 1988 promoveu o princípio da isonomia quando proclamou a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, consagrando, neste interim, a igualdade de filiação, vez que

a liberalidade dos costumes, ao menos nas sociedades de países ocidentais, fez com que o conceito de família fosse sendo gradativamente ampliado, para alcançar praticamente todos os tipos de uniões englobadas nas chamadas "entidades familiares". Destarte, foi completa a ruptura operada com relação aos antigos dogmas em que se assentavam esses clássicos institutos do direito de família, o que contribuiu decisivamente para que a igualdade entre os filhos oriundos ou não de justas núpcias fosse plenamente aceita pela sociedade¹.

Quanto ao Brasil, é de extrema importância que se atente para a Resolução 2013/2013, que vigorou até o dia 22 de setembro de 2015, a qual representou grande avanço para a reprodução assistida, bem como a Resolução 2121/2015, que dá continuidade aos avanços proporcionados pela primeira.

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¹ BOSCARO, Márcio Antonio. Direito de Filiação. 2002, p. 78.

2. DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

Antes de aprofundar o estudo sobre a reprodução humana assistida, é necessário voltar a atenção para as formas de inseminação artificial.

Ela pode ser heteróloga, caso em que pelo menos um dos materiais genéticos usados no procedimento é de um terceiro, ou homóloga, quando é utilizado o material genético do próprio casal, havendo assim, certo tipo de conciliação entre a filiação biológica e a afetiva, diferente do que se observa no primeiro caso.

A reprodução assistida se caracteriza por um conjunto de técnicas, utilizadas por médicos especializados, cujo principal objetivo é fornecer todo o material e conhecimento técnico para auxiliar e estimular o processo de reprodução humana de acordo com a técnica conhecida, visto que a reprodução pelos meios naturais não se faz possível, geralmente por questões genéticas, que poderiam trazer problemas para a vida conjugal.

Tais técnicas podem ser dividas em dois grupos: as técnicas mais antigas e mais simples, como é o caso da inseminação artificial. Sobre essa técnica, vale destacar entendimento de Maria Helena Diniz (Direito Civil Brasileiro. 2001, p. 548):

Ter–se–á inseminação artificial quando o casal não puder procriar, por haver obstáculo à ascensão dos elementos fertilizantes pelo ato sexual, como esterilidade, deficiência na ejaculação, má-formação congênita, pseudo-hermafroditismo, escassez de espermatozóides, obstrução do colo uterino, doença hereditária etc. Será homóloga se o sêmen inoculado na mulher for do próprio marido ou companheiro, e heteróloga se o material fecundante for de terceiro, que é o doador.

Além da inseminação, temos as técnicas mais modernas, nas quais a fecundação se dá fora do corpo da mulher, através do procedimento chamado de fertilização in vitro. Existem diversas variantes deste procedimento, sendo que as mais conhecidas são:

  • GIFT – consiste na transferência do gameta masculino e feminino diretamente na tuba uterina da mulher. Tal técnica encontra o apoio da Igreja Católica, desde que os gametas utilizados sejam do próprio casal;
  • TV-TEST – Técnica que transfere por via vaginal embrião já formado, em estágio pré-nuclear, na altura das tubas uterinas;
  • ICSI – técnica mais conhecida popularmente é a realização de uma fertilização in vitro através da inoculação de um espermatozoide no interior de um ovócito, seguida da transferência via vaginal do embrião (pré-embrião) formado e
  • O IAIU – Ocorre pela colocação via vaginal, de espermatozoides diretamente na altura da tuba uterina.

Um dos principais temas do Biodireito e da Bioética é a questão do princípio da Beneficência, que deve sempre ser prestigiado pelo médico. Neste caso, não poderia deixar de ser o mesmo. Desta feita, se após a avaliação médica for constatado que a reprodução poderá propiciar algum risco ao paciente, esta jamais deve ser feita. Importante destacar ainda a questão do consentimento informado, no qual o médico deve informar todos os riscos e dificuldades além de problemas sociais e econômicos que os pacientes estão sujeitos a enfrentar no momento da reprodução.

De acordo com o Doutor Mario Cavagna, no que diz respeito às taxas de sucesso, o fator principal é a idade, o fator prognóstico. Quanto mais jovem, maior é a chance de a mulher engravidar. A taxa global é de 35 a 40% de gestações por transferência embrionária que dão certo.

Em números específicos, tem-se que até os 30 anos, a chance de engravidar é de mais de 50%. Após os 40, as chances diminuem em 30% e depois dos 44 anos, a probabilidade de a mulher engravidar é praticamente nula, a não ser que os óvulos tenham sido de outra mulher.

A Resolução 2121/2015 não impõe limite de idade, diferentemente do que a anterior fazia, pois determinava os 50 anos como idade máxima para uma mulher que queira se submeter a este tipo de procedimento.

A não imposição de limites à mulher que esteja disposta a se submeter a estas técnicas caracteriza enorme avanço, tanto na questão médica como na jurídica, porém, deve-se atentar para o fato de que o procedimento de captação de gametas é mais “violento” para a mulher, enquanto o homem pode apenas captá-los através de masturbação ou uma simples cirurgia. Desse modo, a imposição de um limite não era medida abusiva ou restritiva de direitos, representava apenas cautela do legislador.

Ao preferir por prezar pela liberdade de a mulher poder dispor do seu próprio corpo da forma que queira, o legislador acabou por deixar de lado a preocupação com os riscos a que as mulheres mais velhas podem estar sujeitas, visto que a gravidez em si exige muito da mulher, não só fisicamente como também psicologicamente.

Tanto é verdade que não é incomum vermos casos de depressão pós-parto ou morte após dar a luz, muitas vezes decorrentes de violência obstétrica e desrespeito à vontade da mulher na hora de dar a luz. Muitas vezes os próprios médicos optam pela cesariana por se procedimento mais rápido que o parto natural, podendo causar imensos traumas físicos e psicológicos nas mulheres.

2.1 Da Maternidade Por Substituição / Barriga de Aluguel / Cessão de Útero

Quando a mulher se encontra impossibilitada de carregar o embrião, de ter uma gestação normal, esta técnica é uma das mais indicadas. Consiste em uma terceira pessoa emprestar o seu útero, assegurando a gestação, quando o estado do útero materno não permite o desenvolvimento normal do ovo fecundado ou quando a gravidez apresenta um risco para a mãe genética.

No Brasil tal forma de procriação está prevista na Seção VII da Resolução nº 1358/92, que determina a sua utilização somente na existência de um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética.

Existem alguns requisitos para a realização deste tipo de procedimento, como, por exemplo, a doadora temporária do útero deve ser parente até quarto grau da doadora genética e a substituição não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

A referida prática é polêmica, e vem rodeada de dúvidas e questionamentos que geram profunda perplexidade no meio social e grande cautela entre os juristas. Salienta-se que, de regra no Brasil, o "aluguel do útero" não poderá ter caráter lucrativo ou comercial, e a ideia de contrato da mãe de substituição deve ser rejeitada, pois pessoas não podem ser objeto de contrato.

Nesse sentido, estando em jogo o estado de filiação, a natureza do direito envolvido não admite qualquer negociação, mormente remunerada².

2.2 Reprodução Humana Assistida Post Mortem

Acerca do assunto, compulsemos afirmação de Washington de Barros Monteiro (2007, p. 37):

A fecundação ou inseminação homóloga é realizada com sêmen originário do marido. Neste caso, o óvulo e o sêmen pertencem à mulher e ao homem, respectivamente, pressupondo – se, in casu, o consentimento de ambos. A fecundação ou inseminação artificial post mortem é realizada com embrião ou sêmen conservado, após a morte do doador, por meio de técnicas especiais.

A mestranda Lara Rocha Garcia, debatedora da palestra em questão, perguntou ao Doutor Mario Cavagna sobre a ética médica nas inseminações post mortem. O doutor, por sua vez, respondeu que atualmente há bastante apelo midiático para esse tipo de inseminação, bem como alguns outros como o de barriga de aluguel, assunto tratado no tópico acima.

O apelo midiático ainda é grande pois este tipo de inseminação ainda é considerado bastante incomum pela população. Mesmo não sendo tão comum quanto à reprodução assistida por conta da impossibilidade de engravidar,

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² BARBOZA, Heloísa Helena. O estabelecimento da filiação. In: LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o Direito. 2003, p. 403-4.

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o palestrante afirmou que há uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que permite a inseminação post mortem desde que o indivíduo autorize previamente a utilização de seu material genético.

Tal Resolução é a 1352/98, sendo importante destacar a sua inteligência:

No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá–los.

2.3 Caso Nick Loeb X Sofia Vergara

“Quando se criam embriões com o propósito de que vivam, não deveríamos defini-los como vida, em vez de propriedade? ”

Por fim, vale destacar um dos casos envolvendo o assunto tratado na palestra, o de Nick Loeb contra sua ex-mulher, a renomada atriz Sofia Vergara, no qual pretende recuperar dois embriões congelados pelo casal antes de se separarem.

O ator proferiu a indagação em destaque em matéria que escreveu ao jornal “The New York Times” demonstrando o seu inconformismo com a situação.

As partes assinaram contratos acerca do destino dos embriões, inclusive sobre a necessidade de que ambos estejam de acordo em qualquer situação, mas os documentos não contemplam a hipótese de separação.

3. DAS CONCLUSÕES

Ante todo o exposto e assistido em palestra ministrada no dia 23.09.15, percebe-se que grande parte das resoluções do Conselho Federal de Medicina que já abordaram o assunto não possuem força legal, apenas força ética, vez que precisam de legislação específica para que possam assim, ser levadas mais a sério, principalmente pela população leiga.

O Projeto de Lei 115/2015, mais conhecido como Estatuto da Reprodução Assistida poderá trazer esta estabilidade e assim abrir novos caminhos para a realização das técnicas referidas no presente artigo. Como já foi visto, o direito à família é garantia constitucional, não podendo ser cerceado ou retirado de alguém apenas porque esta pessoa não apresenta as condições genéticas necessárias para a geração da vida.

Há de se tomar muito cuidado com os direitos dos outros seres envolvidos, o foco não pode se dar apenas na criança que estaria por vir, os futuros pais não podem apenas terem o desejo de ser pais, mas sim apresentar recursos – não somente materiais – que possibilitem o desenvolvimento e amadurecimento saudável.

Vale destacar ainda a situação de clínicas estrangeiras de fertilização que abrem filiais no Brasil, se aproveitando da vedação ao comércio de sêmen para fazerem as vendas desse material aqui. Exemplo disso é o Fairfax Cryobank. Se o Brasil não regular assuntos como esse, abrirá espaço para entidades estrangeiras como essa criarem uma lei, um costume, que no final acabará por ser aderido pela população, tornado difíceis as chances de reversão da situação.

Assim, há muito o que se apostar no Estatuto da Reprodução para dar início a um processo de regularização destas novas formas de gerar vidas e até para que a soberania de nossa nação não seja violada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 
             1) BARBOZA, Heloísa Helena. O estabelecimento da filiação. In: LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o Direito. 2003.

2) CARVALHO, Adriana Pereira Dantas. Âmbito Jurídico. Técnicas De Reprodução Humana Assistida: O Direito De Nascer Do Embrião. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13713&revista_caderno=14 > Acesso em 25/09/2015

3) GOLDIM, José Roberto. UFRGS.com. Bioética e Reprodução Humana. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/biorepr.htm> Acesso em 28/09/2015

4) CORRÊA, Marilena. Ghente.org. Reprodução Assitida. Disponível em : <http://www.ghente.org/temas/reproducao/> Acesso em 28/09/2015.

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