3. MEIO DE AQUISIÇÃO DA PROVA
3.1 LIMITAÇÕES À PROVA
O Código de Processo Penal determina restrições quanto ao princípio da liberdade da prova, da mesma forma que os princípios constitucionais como base da norma jurídica, são preceitos básicos que servem para os operadores do direito como limitações de ordem processual. O princípio da ampla defesa, por exemplo, se traduz num direito fundamental que possibilita um desenrolar perfeito do contraditório criminal, porque propicia embasamento legal para que as partes, do ponto de vista jurídico, possam provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, salvo aqueles vetados pela lei.
Segundo, Badaró (2014, p. 280), “ainda que não seja um direito absoluto, o reconhecimento de um verdadeiro direito à prova exige que se trabalhe com um regime de inclusão, admitindo-se todos os meios de prova”, cujos meios deverão ser os permitidos em direito, requeridos pelas partes, salvo nos casos em que resultam vetados pela lei. Contudo, ressalte-se com absoluta certeza que os depoimentos colhidos no interrogatório não refletem a verdade dos fatos. Mas, sim um mesclado entre o limite da ficção e a vida real, entretanto, mister se faz relatar que o magistrado provavelmente durante a produção de provas, na fase processual, talvez diga com prudente certeza: os depoimentos prestados pelas testemunhas muitas das vezes são apresentados desordenados e descompassados com uma deliberada deformação subjetiva dos fatos com o objetivo propósito de mascarar o que realmente aconteceu.
Contudo, existem limites de ordem constitucional e processual, e há justificadas razões para essas referidas limitações como adiante veremos.
3.1.1 Limitações de Ordem Constitucional
Lembrando o princípio constitucional que, aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa. Sendo este, um princípio positivado no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal de 1988, teoricamente abre-se uma fonte inesgotável de diferentes meios de prova, em contra partida, o legislador regulamentou a inadmissibilidade no processo, para as provas obtidas por meios ilícitos, normatizado na Constituição Federal, nos termos do artigo. 5º, incido LVI, que inquestionavelmente, podemos perceber um comando limitador dos meios de prova. Ou seja, os meios de prova poderão ser todos os permitidos em direito, desde que sejam lícitos. Segundo Badaró pode-se constatar o seguinte:
[...] é de se destacar que nos sistemas probatórios em que às partes é assegurado um verdadeiro direito à prova, os critérios de admissibilidade devem ser concebidos a partir de um regime de inclusão: a regra é que os meios de prova requeridos pelas partes devem ser admitidos. Somente haverá exclusão nos casos de manifesta irrelevância ou impertinência do meio probatório requerido pelas partes. Inverter os sinais dessas premissas seria trabalhar com um regime de exclusão: em regra não se admite a prova, salvo se a parte demonstrar que a mesma é pertinente e relevante. Em um sistema com esse cariz, o direito à prova não passaria de uma falsa promessa. [...] Assim sendo, não cabe à parte que requereu a prova demonstrar sua pertinência e relevância. O juiz é que poderá, constatando a manifesta irrelevância da prova, indeferi-la. Repita-se, a regra é a admissão, a exceção é a não admissão. Ou seja, somente na hipótese em que o juiz estiver convicto da irrelevância do fato, ou de que a prova proposta é impertinente, deverá indeferir a diligência requerida pela parte, (BADARÓ, 2014, p. 283).
O Código de Processo Penal prevê em seu artigo. 400, § 1º, que “As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”. Ressalte-se que esse filtro é tão importante quanto a observação àquelas produzidas em violação de normas processuais e às normas de direito material.
3.1.2 Limitações de Ordem Processual
De acordo com o caput do art. 157, do CPP. “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas [...]”, desta forma, com este sentido normatizado, cabe ressaltar que o entendimento “[...] em violação a normas constitucionais ou legais [...]” deve ser entendida com sentido amplo, ou seja, não há definição de uma norma específica; seja ela constitucional ou infraconstitucional.
Faz-se necessário, uma reflexão a respeito do objetivo com o qual o legislador entendeu conciliar o artigo supra, do Código de Processo Penal, para que a prova quando colhida, seja de forma lícita, cujo alcance não encontra limites, permitindo englobar todo o ordenamento jurídico processual, tornando-se necessário uma análise mais detalhada no artigo 157 do CPP, após a Lei 11.690/08:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
Ressalte-se que os meios de prova admitidos no processo penal podem ser qualquer um; desde que lícitos, e nos preceitos da fundamentação supramencionada.
3.2 PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO
A denominada prova ilícita por derivação é conhecida no meio jurídico brasileiro como a “teoria dos frutos da arvore envenenada” e sua origem é baseada na doutrina americana conhecida como fruits of the poisonous tree, ou seja, frutos da árvore envenenada também estão comprometidos.
Nesse contexto, as provas ilícitas por derivação, são aquelas que estão lícitas com relação aos fatos em si, mas contaminadas por terem sido produzidas de modo ilícito, ou seja, foram contaminadas de outras. São exemplos dessa contaminação: a confissão extraída do acusado, mediante tortura, em que o ele indica o local onde se encontra o produto do crime, que posteriormente, vem a ser regularmente apreendido; e outro, é o da interceptação telefônica clandestina, através da qual se descobre o local onde está o entorpecente, depois regularmente apreendido.
Tanto o interrogatório quanto a interceptação telefônica por terem sido produzidas em sua forma material, de modo proibido, ou seja, não autorizado judicialmente, contaminando a prova produto do crime e por consequência não poderá ser admitidos no processo, devendo ser considerados como provas ilícitas por derivação.
Segundo, Silva (2010, p. 22): a jurisprudência dominante é pela não aceitação da prova derivada da ilícita no processo, tomando por base a solução adotada pela Suprema Corte norte-americana, fruits of the poisonus tree, segundo a qual o defeito da árvore transmite-se a seus frutos. Neste entendimento, Silva prossegue citando outros doutrinadores que pactuam esse mesmo entendimento. (apud Scarance Fernandes e Gomes Filho. Segundo argumento:
Na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e consequentemente mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova transmite-se às provas derivadas, que são assim igualmente banidas do processo.
Silva (apud, Avolio, p. 71), também tratando do assunto, concluiu não ser possível a utilização das provas ilícitas por derivação em nosso Direito. Disse o autor:
Não resta dúvida, como afirmou Ada Grinover, que a Constituição deixou em aberto a questão da admissibilidade das provas ilícitas por derivação. Mas se nos afigura primordial, como pareceu a Trocker, perquirir a ratio das normas violadas pelo comportamento contrário à constituição. Desta forma, efetuando o mesmo raciocínio utilizado pelo autor peninsular, se a prova ilícita tomada por referência comprometer a proteção de valores fundamentais, como a vida, a integridade física, a privacidade ou a liberdade, essa ilicitude há de contaminar a prova dela referida, tornando-a ilícita por derivação, e, portanto, igualmente inadmissível no processo, (SILVA. 2010, p. 23).
Seguem abaixo, alguns julgados pelo Supremo Tribunal Federal, em que, as provas ilícitas por derivação, podem ser interpretadas dentro do princípio da proporcionalidade:
Por escassa maioria, o Pretório Excelso repeliu a teoria dos frutos da árvore envenenada, admitindo as provas derivadas das ilícitas (HC 69.912-0-RS). Nesse julgamento, os Ministros Sepúlveda Pertence, Francisco Resek, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Celso de Mello firmaram entendimento de que a teoria dos frutos da árvore envenenada é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita, porque de nada adiantaria vedar a própria interceptação ilícita e admitir que as informações nela colhidas pudessem ser aproveitadas. Em sentido contrário, com a tese vencedora, posicionaram-se os Ministros Carlos Velloso, Paulo Brossad, Sydnei Sanches, Néri da Silveira, Moreira Alves e Octávio Galloti. Em resumo, tais Ministros entenderam que não se poderia desprezar todas as demais provas legítimas e lícitas somente porque derivadas de uma prova ilícita, sendo que seria preferível admitir essa provas a deixar impunes organizações criminosas. Ficou claro que esses Ministros adotaram o princípio da proporcionalidade. O resultado do julgamento foi de 6 x 5, admitindo ser válidas as provas derivadas das ilícitas, (SILVA, 2010, p. 23).
Ademais, conforme se pode vislumbrar, a referida teoria pode ser entendida como uma regra por ocasião da qual uma prova derivada da ilícita pode ser analisada dentro do princípio da proporcionalidade, dependendo do caso concreto, até porque a colocação do legislador deixa a desejar, tendo em vista que se a prova não é derivada da ilícita por ausência do nexo de causalidade, é uma prova plena e não há se falar em ilicitude.
Com razoabilidade e dependendo o caso concreto, o juiz no uso senso comum poderá admitir uma prova ilícita por derivação, para evitar um mal maior, como, por exemplo, para absolver um inocente e não cometer um injusto ou a impunidade de perigosos marginais, em que a prova deriva ou independente como veremos a seguir, tenha comprovado o ilícito penal. Destarte, os interesses que se colocam na balança precisam ser cotejados, para escolha de qual lado deva ser sacrificado, pro reo ou pro societate.
3.3 FONTE INDEPENDENTE
Fonte independente de prova (FIP), segundo Rangel (2014, p. 484) é aquela que foi obtida sem qualquer relação, direta ou indireta, com a prova ilícita. Trata-se de um meio de prova que tem vida própria, autônoma, lícita e que não é contaminada e nem contamina qualquer outra fonte de prova, exatamente pela sua licitude. Ademais, quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras, conforme nova reforma feita pela Lei 11.690/08, ao § 2º do artigo 157 do CPP que considera fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. Segundo, Silva (2010, p. 24):
[...] a fonte independente não possui qualquer relação com a prova considerada ilícita. Ela não deriva daquela, mas de investigação ou instrução criminal regular. A fonte é capaz de, por si só, usando de métodos regulares de obtenção da prova, chegar ao fato objeto da prova considerada ilícita. Nesse caso, a fonte independente fatalmente chegaria à mesma prova que se originou da ilícita, motivo pelo qual a lei não a macula, podendo ser aproveitada no processo. Note-se que se trata de uma presunção legal de licitude, já que a lei, dentro de um critério de razoabilidade, entende que seria possível chegar-se ao objeto da prova com o emprego dos trâmites típicos e de praxe próprios da investigação ou instrução crimina.
Quanto à fonte independente, alguns doutrinadores como, por exemplo, Badaró (2014, p. 290), acha que na definição induz-se à dupla interpretação, pois que, “a regra legal, pretendendo definir a fonte independente, parece ter definido outra exceção, da descoberta inevitável, fazendo-o, porém, em termos tão amplos que pode anular a própria regra geral da vedação das provas ilícitas derivadas”. Em que pese, as observações supra, não havendo nexo de causalidade entre a prova ilícita e a lícita não há se falar em contaminação. Em jurisprudência, Neto (apud. RANGEL, 2014), tem um parecer bastante elucidativo a respeito de fonte independente:
Fonte independente de prova (FIP) é o que até então a jurisprudência chamava de prova absolutamente independente (PAI), ou seja, aquela que não tem conexidade nenhuma com a prova ilícita, e que, independentemente da ilícita, nós chegaríamos nela pelos atos normais de investigação. Ela é alcançada pela atividade contínua do estado, durante a persecução penal (por isso a Lei usa a expressão: seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal). É a própria investigação criminal, através dos autos que lhe são próprios, que é capaz de nos conduzir ao fato objeto da prova.
Note-se que a Lei determina que a prova ilícita seja desentranhada dos autos do processo criminal, evitando a contaminação psicológica do juiz que, conhecendo daquela prova, pode tentar procurar, por outros meios, salvar aquela informação probatória.
Tanto que a prova, uma vez considerada inadmissível e retirada dos autos, será inutilizada pelo juiz, facultando-se às partes acompanhar o incidente de inutilização. Se a lei fala em “preclusa a decisão de desentranhamento”, é porque permite que se possa impugnar a decisão que a inadmitir. (NETO, 2015).
Entretanto, se a prova ilícita não poderá ser admitida no processo, igual procedimento se aplica às provas ilícitas por derivação, salvo se houve quebra do nexo de causalidade entre ela e a prova originariamente ilícita, o que pode ocorrer, por exemplo, nos casos de uma fonte independente ou de uma descoberta inevitável, daí, não há se falar em provas ilícitas.
Após a reforma proferida pela Lei nº 11.690, o CPP trata da fonte independente no § 2º do art. 157 dispondo que: “considera-se fonte independente aquela que por sí só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. Polastri apresenta a citação de (apud, Gomes Filho, 1977, p. 268):
“Bem salienta que, neste caso, haveria até a exclusão da própria relação da causalidade, sendo, assim, a prova ilícita, pois “ainda que suprimida a fonte ilegal”, o dado probatório trazido ao processo subsiste e, por isso, pode ser validamente utilizado”.
Mas, o que se tem defendido é que o novo § 1º do art. 157 acata e distingue o tipo de fonte de prova, ou seja, se é independente ou inevitável, pois sendo uma fonte independente (por exemplo, já existe uma digital ou um DNA do agente no arquivo estatal), a prova poderia ser utilizada perfeitamente, (POLASTRI, 2010, p. 461).
É notório que em determinados casos a lei disse mais do que devia, e noutros deixa o magistrado refém da letra, pois que, não se pode conceder barganha absoluta quando o assunto é investigação do delito praticado contra direitos de outrem. O que não se deve é conceder a total credibilidade à presunção de inocência, visto que, o juiz não pode iniciar o processo convencido da inocência do réu, a não ser que contra o agente não exista nenhum indício de culpabilidade.
3.4 DA BUSCA E APREENSÃO
Busca e apreensão nada mais é do que a busca ou procura feita por ordem de autoridade competente para os fins constituídos na lei. A Constituição Federal assegura no Art. 5º, inciso XI, que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. E o Código de Processo Penal, diz que “a busca pessoal será realizada quando houver fundada suspeita de que a pessoa oculte consigo arma, coisas obtidas por meios criminosos, coisas de porte proibido ou de interesse probatório”, conforme art. 240, § 2º. O não cumprimento da fundamentação prevista na CF/88 e no CPP dispensa tratamento diverso senão a garantia e o direito à intimidade da vida privada das pessoas. Segundo Tourinho (2010, p. 404) “As buscas e apreensões constituem diligências que podem ser realizadas antes da instauração do inquérito, durante a sua elaboração, no curso da instrução criminal e até mesmo na fase de execução”, a justificativa para a autorização reveste-se da oportunidade para prender o condenado, por exemplo.
3.4.1 Generalidades da Busca e Apreensão Domiciliar
O art. 245 do CPP assim dispõe: “As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem a noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta”. Sendo a conduta autorizativa para realizar buscas e apreensões, determinadas de ofício, pela Autoridade Judiciária ou Policial, ou, então, a requerimento de qualquer das partes, como previsto no art. 242 do Código de Processo Penal.
O sujeito ativo, a quem cabe a iniciativa de busca poderão ser realizadas pela própria autoridade, seja Judiciária, seja Policial. Geralmente, tais diligências são procedidas por investigadores, membros da Policia Judiciária ou Oficiais de Justiça, sendo que estes as realizam quando ocorrem na fase da instrução criminal. Já o sujeito passivo é o próprio titular da esfera de posse, pessoal ou ambiental, em que se suspeita encontrar-se a pessoa ou coisa suspeita que se busca para fins investigativos.
3.4.2 Busca Domiciliar
Segundo Tourinho Filho (2010, p. 405) “A busca domiciliar é a procura de alguém ou de alguma coisa, que se faz no domicilio alheio, em casa de alguém”. Naturalmente, que isso pode parecer estranho, falar em buscas e apreensões em domicilio, quando se sabe que o domicilio e inviolável. Entretanto, a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XI, impõe limites e restrições quanto à inviolabilidade do domicílio, uma vez que a casa é o asilo inviolável do indivíduo. Ensina o professor Tourinho (2010, p. 407):
Além daqueles casos previstos expressamente na Lei Maior, e obvio ser possível a entrada em casa alheia (sem que se cometa o crime de violação de domicilio) nos casos de legitima defesa (exemplo: entrar na casa para interromper uma agressão a tiros por parte do dominus contra um transeunte), de estado de necessidade (exemplo: ingressar na casa alheia para ajudar na extinção de um incêndio ali manifestado, ou para livrar-se da perseguição de um malfeitor).
Diante do acima exposto, se a autoridade policial desejar realizar uma busca domiciliar, para isso, haverá a necessidade de solicitar ordem judicial, se o Juiz não autorizar, mesmo que pretenda fazê-lo pessoalmente, não será possível, e, se mesmo assim vier a acontecer, poderá responder a autoridade policial civil e criminalmente, pois a “entrada” se deu sem as formalidades legais. Por conseguinte, ressalta Tourinho (2010, p. 408) que “não se deve deslembrar que, em face do principio do due process of law, o juiz não pode agir em desconformidade com o direito preestabelecido...”, ou seja, todos os procedimentos de busca e apreensão, deverão estar alicerçados no devido processo legal, sob pena de nulidade no processo. De forma que, a busca e apreensão exige o fumus boni iuris e o periculum in mora.
3.4.3 Violação da Intimidade Domiciliar e o Princípio da Proporcionalidade
Se a autoridade policial receber uma ligação anônima que em determinada casa há indícios de ocorrências de crime de tráficos de drogas e, sem mandado judicial o policial entrar na casa e encontrar grande quantidade de substância entorpecente que tipifique o delito. Nesse sentido acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
PROVA CRIMINAL – Obtenção de forma ilícita – ingresso de policiais na residência do acusado, mediante violência, por volta das 22:00 horas – Ação motivada por denúncia anônima de tráfico de entorpecentes – Inexistência de fundada suspeita de situação de flagrância – Violação do artigo 5º, incisos XI e LVI, da Constituição da República – Absolvição mantida.
Relator Celso Limonge – Apelação Criminal 107.908-3 – São Palo – 25/392.
Por certo, não cabe aqui tecer juízo de valor, mas a garantia constitucional não pode proteger abusos de quem quer que seja, tão pouco acobertar bandidos que praticam infrações penais nas arestas da lei, uma vez que o crime de tráfico de droga é de natureza eminentemente clandestina e dificilmente alguém se mostra disposto a apresentar denúncia contra o autor. Embora com voto vencido, nos autos da apelação nº 83.624-3, da Comarca de Guarulhos, constantes da RT 670/273, o Desembargador Ary Belfort, declarou o seu voto, cuja parte que o resume:
Exigir da autoridade policial, nos casos de entorpecentes ou afins, sempre a ordem judicial, pode equivaler a tornar írrita, inoperante, risonhamente inútil, a luta estoica, perigosa, repleta de surpresas e riscos, patriótica, nobilitante que é essa contra a comercialização funesta. Cujas características deletéricas não se necessita de destacar.
Para se evitar contradições e abusos é importante seguir alguma precauções, mesmo com mandado judicial em mãos, como ensina Tourinho Filho (2010, p. 418):
A busca domiciliar e medida que excepciona a garantia da infranqueabilidade do domicilio. Assim, deverá ser realizada com toda a cautela. Poderá ocorrer, por parte dos executores, abuso de autoridade ou exercício arbitrário, e mais: às vezes, sem embargo do comportamento urbano dos executores, o morador poderá alegar descomedimento na diligencia. Por tudo isso, convém seja tal diligencia presenciada por duas testemunhas.
É importante salientar que no caso de flagrante delito, se a autoridade policial se encontrar na perseguição direta de um agente criminoso, sem com ele perder o contato, não poderá se ver impedida de apreendê-lo simplesmente porque adentrou em uma casa - vez que não cessou a perseguição ao criminoso, se houver a quebra do flagrante, desaparece, em consequência, a permissão constitucional de invasão domiciliar.
3.5 DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES
Consagrado na Constituição Federal no art. 5º, incisos X, XI, XII, XIV, o sigilo à intimidade se reveste de uma garantia constitucional que somente para se evitar um mal maior poderá ser violado. O direito à intimidade da vida privada das pessoas se traduz num rol de informações particulares que se reveste de costumes e das origens individuais étnicas de cada indivíduo ou família. E isso se configura como uma tutela garantida enquanto esse anonimato não esteja sendo utilizado para fins ilícitos ou práticas contra a lei. Como bem saliente Fernando Capez (2012, p. 373) “Apesar de a Constituição não ressalvar hipótese de restrição ao sigilo desse tipo de transmissão de mensagem, deve-se consignar que não existe garantia absoluta em nenhum ordenamento constitucional”. Para esse estudo, vamos abordar a quebra do sigilo de alguns instrumentos da vida privada como, por exemplo: a interceptação telefônica, a violação de correspondências e a quebra de sigilo bancário.
3.5.1 Interceptação Telefônica
Na Constituição Federal de 1988, o legislador consagrou em seu art. 5º inciso XII a inviolabilidade do sigilo das informações, sejam elas comunicações, telefônicas, telegráficas ou de dados, entretanto, não o fez de maneira absoluta, prevendo, uma exceção condicionada à apreciação judicial para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, em detrimento do uso das comunicações para fins ilícitos, cuja disciplina legal foi designada à legislação infraconstitucional. Preceitua a Lei 9.296, de 24 de julho de 1996, que:
Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:
I - da autoridade policial, na investigação criminal;
II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.
..........
Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Sem embargo, a Lei 9.296/96 de forma sucinta e conjugada com a norma constitucional legitimou a interferência na vida privada no que tange a interceptação telefônica fruto da necessidade, percebida pelo legislador, de se equipar a sociedade com instrumentos que possibilitem a busca de informações com o fim de conter o crescente crime organizado diante da grande evolução nos sistemas de comunicação, principalmente da telefonia, ora utilizados pelo crime organizado em larga escala até mesmo pela facilidade em sua aquisição no mercado livre. Importante, salientar que a doutrina faz diferenciação entre interceptação telefônica e gravação clandestina e Canci Junior (apud Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho), cita nossos doutrinadores descrevem as modalidades de captação eletrônica de provas:
a) a interceptação da conversa telefônica por terceiro, sem o conhecimento dos dois interlocutores; b) a interceptação da conversa telefônica por terceiro, com o conhecimento de um dos interlocutores; c) a interceptação da conversa entre presentes, por terceiro, sem o consentimento de nenhum dos interlocutores; d) a interceptação da conversa entre presentes por terceiro, com o conhecimento de um ou alguns dos interlocutores; e) a gravação clandestina da conversa telefônica por um dos sujeitos, sem o conhecimento do outro; f) a gravação clandestina da conversa pessoal e direta, entre presentes, por um dos interlocutores, sem o conhecimento do(s) outro(s). (grifos nossos). (GRINOVER; FERNANDES e GOMES FILHO, As Nulidades do Processo Penal, 2004, p. 208).
Conclui-se, portanto, que o direito à intimidade no que tange ao sigilo das comunicações via telefonia, embora garantida em princípio constitucional, a intimidade e a privacidade das pessoas ainda que por ordem judicial, poderão ser violadas, bastando estar presentes os requisitos exigidos pela Constituição Federal e legislação infraconstitucional, ou seja, quando sopesado as garantias e por derradeiro a aplicação do princípio da proporcionalidade restando evidenciado a preservação de bens e interesses de maior valia. Sobre o assunto assim se manifestou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Prova – Gravação de comunicação telefônica – deferimento – Interceptação do art. 5º, inciso XII da constituição da República – Recurso provido nesse sentido. É admissível aceitar como prova a gravação feita através de fita magnética e ou áudio/vídeo da conversação mantida com terceiro, quando não haja interceptação, cumprindo ao juiz apreciar o valor do documento, se necessário através de perícia aferitória de sua autenticidade.
No mesmo entendimento conforme acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, com razoabilidade aplica o princípio da proporcionalidade:
De acordo com a jurisprudência dominante, a gravação realizada por um dos envolvidos nos fatos supostamente criminosos é considerada como prova lícita, ainda porque serve de amparo da notícia sobre o crime de quem a promoveu.
Analisando a admissibilidade da prova colhida por meios ilícitos, em recurso ordinário de Habeas Corpus, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, acolhendo o princípio da proporcionalidade, também chegou à conclusão de que a gravação telefônica é diferente da interceptação telefônica, não sendo, portanto, considerada ilícita. Diz a ementa:
1. A gravação de conversa por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal.
2. Pelo princípio da proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cuja harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à intimidade.
3. Precedentes do STF.
4. Recurso conhecido, mas não provido.
(RHC 7216/SP – Relator Ministro Edson Vidigal, v.u – 28/4/98).
Segundo, o entendimento de Silva (2010, p. 29), “não havendo regra especifica para a escuta ou gravação clandestina, elas não são vedadas. Poderá ocorrer, em tese, violação ao direito de intimidade do interlocutor que não sabia da escuta ou gravação clandestina”. Até porque o princípio da proporcionalidade não está previsto expressamente na Constituição Federal, assim como, não está expresso que o direito à intimidade é um direito absoluto. A polêmica jurisprudencial questiona se o juiz, agindo na jurisdição cível pode, validamente, autorizar ou acatar a interceptação telefônica, de informática ou telemática, ainda que por via indireta. Ademais, por via direta, de logo se constata essa impossibilidade jurídica, conforme fundamento no art. 5º, XII da CF/88.
3.5.2 Violação de Correspondência
Aparentemente, ao analisar o inciso XII do art. 5º da Constituição Federal pode-se considerar que o legislador pretendeu consagrar sigilo absoluto à correspondência, uma vez que para esta, não existe legislação infraconstitucional que autoriza sua violação mesmo com ordem judicial. Entretanto, no ensinamento de Silva (2010, p. 64):
Não existe em nosso ordenamento jurídico uma liberdade que se sobreponha a outra de forma inquestionável, haja vista que todos devem obediência ao princípio da livre convivência das liberdades públicas, sendo sempre possível o sacrifício de um direito em prol de outro de igual ou maior valia, principalmente quando está em jogo interesse público relevante.
Desta forma, por analogia utilizando-se o mesmo critério da interceptação telefônica, não obstante, a interceptação de uma correspondência deve ser autorizada quando justificada por questões de segurança pública ou quando estiver sendo utilizada como instrumento para práticas ilícitas. Assim, a colocação do ilustre (SILVA, C.D.M., 1999, p. 70). “Ora, se tivermos, de um lado, o direito à intimidade de um traficante de drogas, e, de outro, o direito à vida, segurança e saúde da sociedade, certamente esses últimos deverão prevalecer, pois são bens mais importantes”. Na sequência, vale colacionar aqui um julgado para que tenhamos um entendimento mais amplo, conforme acórdão relatado pelo Desembargador Christiano Kunts, cuja ementa é a seguinte:
Tóxico – Tráfico – Caracterização – carta contendo certa porção de cocaína – Alegada obtenção ilícita da prova inocorrente – descoberta do entorpecente quando do recebimento da missiva, na carceragem de presídio – Furo casual do envelope – Inaplicabilidade da inviolabilidade do sigilo de correspondência – Limitações aos princípios constitucionais para não afetarem a ordem pública e a liberdade alheia – Recurso não provido. Nenhum dos direitos individuais e coletivos garantidos pela Constituição Federal pode servir para acobertar a prática de ilícitos civis ou penais.
(Apelação criminal nº 177.130-3 – Ribeirão Preto, Relator Christiano Kunts, Ccrim 5, v.u., 27/04/95).
Muito se discute acerca da inviolabilidade das correspondências. Segundo Silva (2010, p. 66), “[...] se formos interpretar de forma absoluta, estaremos premiando os criminosos da modernidade, que sabem como ninguém manipular e transmitir dados.” Nessa seara, por ausência normativa, as normas penais devem ser encaradas como limitações constitucionais ao direito de punir do Estado. Como direito de punir, deve ser entendido não só as espécies de penas possíveis de ser aplicadas como também a forma de chegar à responsabilidade penal do agente, até mesmo quanto à própria investigação policial seja ela autorizada ou não, ou judicial. Conjugando-se o princípio da legalidade, no que diz respeito ao Estado, no sentido de que o ente estatal só pode fazer aquilo que a lei permite, enquanto para o particular é tudo aquilo que lei não proíbe de fazer.
Portanto, sendo a regra, a “inviolabilidade e a intimidade da vida privada, à honra e à imagem das pessoas [...]”, art. 5º inciso X da CF/88, o sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, destaca-se como verdadeiro princípio corolário das inviolabilidades previstas na Constituição Federal, coadunando-se com as garantias à intimidade, honra e dignidade da pessoa humana. A seara em questão é o direito à intimidade, considerado por grande parte da doutrina como parte integrante dos direitos da personalidade e, como tal, destinado a resguardar a dignidade da pessoa humana, pois “os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção constitucional da vida privada, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”. Sendo, pois, objeto de intervenção estatal tais garantias por ordem judicial devidamente justificada e fundamentada em caso evidente práticas ilícitas. Com efeito, o sigilo e a inviolabilidade dessas garantias e direitos constitucionais não podem servir para acobertar a torpeza de quem quer que seja em nome da impunidade, uma vez que o direito está condicionado à convivência social ideal.