Testamento biológico: a vida como dever ou direito

31/10/2016 às 11:12
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O presente artigo científico tem como fundamento analisar os conceitos do testamento vital ou biológico. Pretende com base no ordenamento jurídico brasileiro bem como no Direito Comparado, justificar que o paciente sempre terá direito à uma morte digna.

RESUMO: O presente artigo científico tem como fundamento analisar os conceitos do testamento vital ou biológico. Pretende com base no ordenamento jurídico brasileiro bem como no Direito Comparado, justificar que o paciente sempre terá direito à uma morte digna e à escolha dos métodos de tratamento à que sera submetido. Pois, não se pode admitir que o tratamento seja mais prejudicial do que a própria doença do paciente. Surge assim, a suma importância do testamento vital, que é o que iremos defender, como uma forma válida de dispor de seu corpo e saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Ética Médica; Morte Digna; Princípios Constitucionais.

ABSTRACT: This scientific paper is based analyze the concepts of life or living wills. Want based on Brazilian law as well as comparative law, justify that the patient will always have the right to a dignified death and the choice of treatment methods that will be subjected to. For it is unacceptable that the treatment is more harmful than the disease of the patient. Thus arises the paramount importance of the living will, which is what we will defend as a valid way to have your body and health.

KEYWORDS: Medical Ethics; Dignified Death; Constitutional Principles.

1 - INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como fundamento analisar os conceitos do testamento vital ou biológico. Pretende com base no ordenamento jurídico brasileiro bem como no Direito Comparado, justificar que o paciente sempre terá direito a uma morte digna e à escolha dos métodos de tratamento à que será submetido.

Pois, não se pode admitir que o tratamento seja mais prejudicial do que a própria doença do paciente. Surge assim, a suma importância do testamento biológico, que é o que defenderemos, como uma forma válida de dispor de seu corpo e saúde.

Neste contexto, surge as seguintes problemáticas: O princípio da dignidade da pessoa humana está em colisão com direitos fundamentais, no que se refere as diretrizes antecipadas de vontade? Qual a validade das disposições de última vontade do paciente que se encontram em fase terminal?

O artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, prevê como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, que é a qualidade distintiva de cada ser humano, que o torna digno de respeito. Já o artigo 5º da Carta Magna deixa evidenciado que todos os seres humanos têm direito inviolável à vida. Essas normas jurídicas devem ser adequadas à realidade, acompanhando a evolução da sociedade e às necessidades de cada indivíduo.

É certo que os avanços tecnológicos gerados dentro da medicina aumentaram a probabilidade de cura em casos terminais e contribuem para a melhora na qualidade de vida dos enfermos, porém estes avanços também criaram formas artificiais de prolongar a vida, onde órgãos humanos são substituídos por equipamentos que preenche algumas funções dentro do corpo, como por exemplo o coração. Nestes casos o paciente permanece vivo só que em estado vegetativo permanente, ocasionando o sofrimento prolongado não só do enfermo mas também dos seus familiares que acompanham todo o tratamento. Nesta direção, considera-se que os princípios devem ser apreciados de acordo com cada momento histórico, pois a vida artificial do paciente não assegura a este a verdadeira dignidade da pessoa humana. A dignidade humana deve compreender tanto a dignidade da vida quanto a dignidade da morte, a ciência deve ser limitada quanto for contrária aos princípios e direitos fundamentais, é neste contexto que se defende o direito à morte digna.

A vontade do paciente deverá ser observada pelo profissional que o acompanha,

mesmo que a não submissão a quaisquer procedimentos implique em risco de morte, tendo em vista que o enfermo tem a opção de dispor de seu próprio corpo e não está obrigado a aceitar determinado tratamento que lhe cause algum tipo de sofrimento, se tratando de cuidados que tem eficácia momentânea e incompleta e que não possam trazer a cura.

A presente pesquisa têm como objetivo geral evidenciar que a vida consiste no principal direito da pessoa humana, mas, os demais direitos fundamentais também não devem ser desprezados, o fim da vida deve ser tratado com respeito e dignidade, prevalecendo o direito a uma morte digna. O que vemos hoje é que com a chegada da fase terminal da vida, esses direitos são feridos constantemente.

Tem como objetivo específico esclarecer que o testamento biológico tem a finalidade de registrar a linha de conduta a ser seguida pelo médico nas hipóteses de inconsciência do paciente, que fica impossibilitado de exprimir sua vontade pelo estado de incapacidade, principalmente nos casos em que existe a perda de consciência, sem a possibilidade de recuperá-la, como, por exemplo, quando ocorre o coma, havendo essa lesão permanente no cérebro diante da ausência das funções vitais, ou na presença de sequela que torne a vida do paciente impossível sem o auxílio permanente de um cuidador.

1.1 - DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais têm como finalidade garantir uma vida plena a todos os cidadãos, tendo sua origem no Código de Hamurabi, oriundo da Mesopotâmia aproximadamente em 1772 a.C, onde o rei Hamurabi registrou dispositivos que dariam regularidade a vida social de determinada comunidade. Nestes dispositivos encontram-se a defesa da vida, contemplação da honra, da unidade familiar e dignidade da pessoa humana, bem como o direito à propriedade e o respeito às leis normativas.

Logo após na Idade Média surgiram as primeiras declarações de interesse dos indivíduos, mais conhecidas como Pactos, Forais e Cartas de Franquia, dentre eles está a Carta Magna (1215) e o Petition of Rights (1628).

A Revolução Francesa teve como um dos marcos essenciais as dimensões dos direitos fundamentais, bem como o progresso normativo, que possuem prioridade dentro da doutrina e na elaboração das constituições nacionais. Isto é, na estruturação dos documentos capitais de cada nação, o desenvolvimento humano e o respeito à integridade tornam-se cada vez mais importantes. O primeiro êxito das ideias libertárias foi influenciar de maneira decisiva a legislação norte-americana, sendo totalmente inédito em sua época e promovendo uma grande revolução no conceito de direitos fundamentais.

Buscando uma maior humanização dos sistemas legais, o ponto máximo da evolução encontra-se na Declaração Universal dos Direitos do Homem, redigida e rubricada em 10 de dezembro de 1948 na capital da França, que procurou estabelecer regras positivadas para todos os seres humanos, independente de sua origem, religião, raça ou cultura. Por meio da Resolução 217 as Nações Unidas aprovou seu conteúdo, sendo confirmada pelo Brasil na mesma data de sua assinatura, considerada uma conquista de todo ser humano, sendo inadmissível reflexionar uma sociedade sem que se respeite os princípios contidos neste documento.

De acordo com Celso Ribeiro Bastos (2000), podemos distinguir quatro tipos de direitos fundamentais, os quais são: os direitos pessoais (direito à vida, liberdade e segurança; os direitos do indivíduo em face da coletividade (direito à nacionalidade, livre circulação, asilo e residência, tanto no interior como no exterior e direito à propriedade); liberdades e direitos públicos (liberdade de pensamento, consciência, religião, opinião, expressão, reunião e associação); os direitos econômicos e sociais (direito ao trabalho, sindicalização, repouso e educação).

A Constituição brasileira de 1988 é vigorosamente influenciada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, dando assim o seu codinome de Constituição Cidadã.

1.2 – DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Segundo Paulo Bonavides (2006) os direitos fundamentais são divididos em quatro categorias tais quais: direitos fundamentais de primeira, segunda, terceira e quarta dimensão. Os de primeira dimensão são aqueles que dispõem sobre os direitos políticos e civis, ou seja, os direitos considerados de liberdade. De titularidade única, são opostos ao Estado, expondo o seu caráter antiestatal. Neste afinamento, nota-se que de fato há uma separação entre Estado e Sociedade, ficando a instituto intervencionista do segundo restringindo de modo que não atinja as liberdades abstratas de cada sujeito.

Os de segunda dimensão são os direitos econômicos, sociais, coletivos e culturais, tendo uma limitada relação com o Princípio da Igualdade, contudo trazem em sua essência a proteção da isonomia entre os indivíduos através de normas Constitucionais, buscando-se a proteção da igualdade material.

Ao passo que as categorias anteriores apresentam estrita relação com a individualidade, em especial os direitos fundamentais de primeira dimensão, os direitos de terceira dimensão aprimoram em grande escala a sociedade de uma forma geral. Adaptados sobre a ideia de fraternidade, os direitos fundamentais podem ser subdivididos em cinco grupos: o direito ao meio ambiente, o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito de comunicação e o direito de propriedade sobre o patrimônio da humanidade.

Já os direitos de quarta dimensão abrangem a democracia, o pluralismo, o direito à informação e a autodeterminação dos povos. Com o primórdio na globalização política, tais direitos ajustam a fase mais moderna da institucionalização do Estado Social, comprometendo-se a preparar o indivíduo para uma participação social mais efetiva, apoiando-o a ser parte no sistema democrático.

É de suma importância ressaltar que o fato de existir uma completa relação entre a situação política econômica de um país, a efetividade das garantias previstas e do ordenamento jurídico. Nota-se, portanto, que enquanto as garantias são consideradas instrumentos da consolidação dos direitos fundamentais e extremamente assecuratórios, os direitos fundamentais por sua vez constam de forma expressa na Carta Magna, o que cabe aos mesmos um caráter declaratório.

1.3- PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição Federal de 1988 surge em uma concepção de busca da defesa e da realização de direitos fundamentais de cada ser humano e da sociedade em comum, nos mais diferentes ramos. Caracteriza a instituição do Estado Democrático, o qual se consigna a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, assim como o desenvolvimento, o bem-estar, a justiça social e a igualdade, bem como o constitucionalismo contemporâneo, incorporou, nitidamente em seu texto, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III), possuindo um valor supremo e definindo-o como fundamento da República.

O conceito de dignidade humana é um tema habitual em pesquisas extensas, segundo os cristãos, havia outra denominação para obter a ideia de algo tão subjetivo. O escritor Ingo Wolfgang Sarlet (2001) aponta que o conceito de dignidade é originário da Bíblia Sagrada, e traz em seu contexto que a crença em um valor próprio ao ser humano, não podendo ser ele transformado em um simples objeto. De modo que, a chave-mestra do homem é o seu caráter, ou seja, imagem e semelhança de Deus; esta ideia exposta na Bíblia, explicaria a origem da dignidade e sua inviolabilidade.

Já em um sentido político e filosófico da antiguidade, a dignidade da pessoa humana estava associada à posição social que ocupava o cidadão, considerado o seu grau de reconhecimento por parte da comunidade onde estava introduzido. Por conseguinte, os primeiros passos de defesa da dignidade e dos direitos do ser humano na antiguidade encontram-se expressos no Código de Hamurabi, como dito anteriormente.

A Constituição de 1988 apresenta como característica a limpidez no que se refere à importância da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido a Constituição foi elaborada visando a necessidade de solidariedade entre os povos. Nota-se a expressão de uma nova era relacionada às garantias individuais, resultado de algumas lutas e abusos no trabalhoso caminho do reconhecimento de certas liberdades, até se alcançar o bem social. Verifica-se também que a dignidade humana possui duplo significado, ora como princípio geral, ora como princípio fundamental.

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Immanuel Kant (2006), o principal teórico na construção do princípio da dignidade da pessoa humana, parte da alegação de que nenhuma pessoa é vulnerável à valoração, pois, sendo privada de racionalidade gera a possibilidade de autoafirmação, ou seja, a liberdade em seu sentido extenso.

Os direitos fundamentais evoluíram rapidamente no sentido de proteger o indivíduo em sua dignidade, porém, é necessário alastrar o conceito de tais valores e articular a emancipação da sociedade, mais uma iniciativa da raça humana no que diz respeito à distribuição de forma equilibrada o que, pelo trabalho de todos, já foi e ainda é conquistado.

Diante de uma sociedade cuja desigualdade ainda é a marca primordial, avante a uma circunstância de vida onde o capitalismo alimenta o individualismo, em face dos protestos da atualidade, em que valores e vidas são constantemente assolados, pondo em risco o próprio planeta, só resta a esperança de um projeto mais solidário para a raça humana. Propõem-se a reflexão sobre o mundo, sobre o estado da humanidade, de que o mundo pode ser imaginado a partir da possibilidade de admitir o outro não como um alguém além de nós, mas o outro enquanto um alguém em nós.

A ação humana é capaz de orientar os caminhos da história e da existência individual e coletiva. Uma condição fundamental do ser humano é sua estrutura comunicativa e justamente por essa razão deve estar em constante processo de socialização.

Cabe aos operantes do Direito essa transformação, utilizando o princípio da dignidade da pessoa humana como interpretação, com fundamento na Constituição, tendo sempre como objetivo principal a ampliação da solidariedade humana para além das palavras, percebendo que a civilização só evoluirá quando todos, juntos, puderem assumir um projeto de vida que leve em consideração a nossa essência, ou seja, seres sociais a caminho de um mundo melhor, buscando o direito à felicidade plena.

1.4 - PRINCÍPIOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988 devido a diversos acontecimentos históricos, locais ou internacionais, instituiu um rol de Direitos e Garantias Fundamentais, constituídos nos artigos 5º ao 17º. Sendo Lei Suprema do Estado Constitucional de Direito, a Constituição liga governantes aos governados, garantindo a esses uma série de direitos e garantias baseando-se pelo Princípio da Tripartição de Poderes. À vista disso, para que seja possível dar continuidade às singelas considerações aqui presentes, é medida de rigor o discernimento entre direitos e garantias.

Paulo Bonavides (2008, p. 526) cita em sua obra Curso de Direito Constitucional que as garantias constitucionais podem ser tanto da Constituição, como serem "garantias dos direitos subjetivos expressos ou outorgados na Carta Magna, portanto, remédios jurisdicionais eficazes para a salvaguarda desses direitos (acepção estrita)."

É de suma importância ressaltar a existência das garantias institucionais, como modalidade autônoma protetiva, assim nomeada pelo jurista alemão Carl Schimitt (1996) onde as garantias conferem proteção constitucional.

A definição de garantias constitucionais é limitada, razão pela qual há necessidade de redefinir os conceitos dados às garantias fundamentais, ampliando ao mesmo a definição das garantias institucionais. Neste contexto, repara-se que garantia constitucional é um meio disciplinador do exercício dos direitos fundamentais, e ao mesmo tempo, de proteção adequada às instituições do Estado, dentro dos limites constitucionais.

A Constituição Federal de 1988, consagra direitos fundamentais como sendo direitos assegurados ao cidadão tanto em sociedade quanto particularmente em oposição à liberdade estatal ou à outros atos precipitosos praticados por terceiros.

Os direitos fundamentais apresentam caráter constitucional, possuindo fundamento no princípio da soberania popular, portanto na medida em que estão ínsitos no Texto Constitucional. Aquilo que vem antes de tais direitos detêm a eficácia e a aplicabilidade imediata, situação que pode ser atribuído em determinado caso, ou aplacado conforme os critérios de proporcionalidade e razoabilidade previstos em lei.

Têm como características a imprescritibilidade (direitos fundamentais imprescritíveis, na medida em que serão exercidos, ou seja, não possui um lapso temporal que limite sua exigibilidade), historicidade (diz respeito ao seu nascimento, modificação e desaparecimento no tempo, benevolência dos acontecimentos históricos), irrenunciabilidade (significa que mesmo não sendo exercidas essas tais prerrogativas, o cidadão não poderá renunciar às mesmas), inalienabilidade (impossível a negociação dos mesmos, tendo em vista que não possuem conteúdo patrimonial), universalidade (é caracterizada pela disposição dos direitos fundamentais a todo ser humano, observando-se o Princípio da Isonomia), inviolabilidade (são invioláveis, enquanto não podem ser desrespeitados por qualquer lei infraconstitucional ou autoridade, sob pena de ilícito penal, civil ou administrativo), concorrência (podem ser exercidos ao mesmo tempo, ainda que em um caso concreto um se contraponha ao outro.

1.5 - DIREITO À VIDA

O direito à vida foi sancionado constitucionalmente como direito fundamental, na Constituição Federal em seu caput do artigo 5º, garantindo a sua inviolabilidade. Embora existam correntes em nossa doutrina no sentido de que o direito à vida deveria ser um direito assegurado desde o nascimento, os legisladores constituintes singelamente o garantiram sem ligá-lo a qualquer outra referência, confiando a demonstração do momento do surgimento da vida humana à jurisprudência e à doutrina, com o uso dos conhecimentos científicos oriundos dos diversos meios da ciência.

Uma minuciosa apreciação desse bem jurídico, a vida humana, diligencia antes de tudo, a sua consideração ao lado dos diversos valores constitucionais considerados fundamentais ao ser humano. O direito à vida é considerado um direito humano por todas as declarações internacionais e surge como o mais essencial deles, por ser pressuposto indispensável para aquisição de todos os demais direitos. A sua demorada inserção no corpo da Carta Constitucional acusa o seu valor de símbolo, porque independe de reconhecimento pelo ordenamento jurídico, porém não se dissipa, derivando de sua regulamentação como direito fundamental o dever de proteção e de respeito, para o Estado e os demais indivíduos.

Não se trata, todavia, de um direito absoluto, pois, a própria lei admite algumas exceções à sua proteção. Diante disso, o ordenamento jurídico estabelece a distinção entre a vida humana dependente e independente, ao regulamentar com o maior critério, por exemplo: o homicídio em relação ao aborto.

A evolução científica na área da biotecnologia tem propiciado uma melhoria na qualidade de vida dos indivíduos. Porém, opostamente, as concepções e os conceitos, inclusive sobre o início da vida e o seu término, mantêm os mesmos de décadas atrás. O direito à vida está proclamado como um bem absoluto e intangível, apesar da própria Constituição Federal relativizá-lo.

O direito à vida, garantido pela Constituição Federal de 1988, possui uma interpretação a outros valores superiores, entre os quais se evidencia a dignidade humana, sobressaindo-a à categoria de princípio fundamental da República Federativa do Brasil. Nesse sentido ninguém pode ser carecido da própria vida contra sua vontade, mas não existe um dever eficaz, absoluto e incondicionado de viver.

Apesar disso, não estamos falando de um direito à própria morte resultante do direito à vida, se assim fosse haveria uma inversão do sentido no preceito constitucional. O direito à vida ainda aparece como direito indisponível, embora essa afirmação deva ser estudada quando este direito estiver em colisão com os demais princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico, o que resultaria em verdadeira renúncia às garantias. Assim, deve-se compreender que a vida humana tem como objeto principal a tutela constitucional enquanto estiver proporcionando uma vida digna.

1.6 – DO DIREITO À LIBERDADE E AUTONOMIA PRIVADA

Autonomia privada é um dos princípios mais contemporâneos no direito privado, decorrente do princípio da autonomia da vontade (é a liberdade de agir que a pessoa executa para cumprir seus anseios), discordando dele na medida em que as pessoas criam normas a partir de sua vontade, com o propósito de que elas mesmas executem e respeitem.

Saciados os pressupostos básicos sobre a autonomia da vontade, e, em síntese, sabe-se que a autonomia privada é a evolução do exercício da autonomia da vontade longínqua, destaca-se abaixo a liberdade de contratar e o vínculo direto com a autonomia privada.

A palavra privado, na Roma antiga, mostrava o homem que vivia em casa, ou seja, que não possuía liberdade, sendo subjugado, sob a tirania do senhor da casa. Até o senhor da casa era coibido pela sua própria autoridade, em casa, todos eram privados de liberdade. Quando este homem passava para o espaço público ele se relacionava com outras pessoas, tornando-se

cidadão, satisfazendo sua vontade, sendo, portanto, um animal político, segundo Aristóteles.

A liberdade de contratar, sengundo Enzo Roppo (2009) surge nesse espaço de tempo em que o homem se relaciona com seus iguais, produzindo normas para que este relacionamento fosse não só válido, mas também justo. Essa autonormatização dos indivíduos só foi possível pela aparente igualdade entre os contratantes, pois, se assim não fosse, haveria um trato, mas não um con-trato.

1.7 – PONDERAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PARA ROBERT ALEXY

Analisa-se a ponderação como um elemento proporcional, sendo assim, a proporcionalidade é subdividida da seguinte forma: a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido específico. Para Robert Alexy (2002), a ponderação é exibida pelo elemento segmentário da proporcionalidade em sentido circunscrito e para regressar a ela, é essencial passar pela adequação, visto que existe uma sequência a ser obedecida.

A adequação exige propensão do meio escolhido para articular um determinado fim. Adequado é o meio que protege, favorece o fim, e não aquele que o articula. A obrigação faz um juízo confrontativo, exige que, quando o meio escolhido delimitar outro direito fundamental, que sejam estudados novos meios que não afetem este outro direito fundamental. Já a proporcionalidade em sentido específico, que, para Robert Alexy (2002), refere-se ao encargo de ponderação, requer que se observe se a importância do princípio causado pelo meio escolhido é suficiente para comprovar a intensidade da contenção ao princípio inverso.

É significativo enfatizar que algumas constituições oferecem o núcleo substancial dos direitos fundamentais, consolidado num âmbito inviolável, mesmo em casos de colisão entre os princípios. Vários autores argumentam se o objeto da proteção ao núcleo substancial seria amparado pela teoria subjetiva ou objetiva. Outra demanda doutrinária questiona se a proteção ao núcleo é relativa ou absoluta. Percebe-se também que para alguns autores, o núcleo substancial confunde-se com a dignidade da pessoa humana.

Constata-se que Robert Alexy (2002) ampara a ponderação como um modelo de fundamentação, garantindo sua segurança, ou seja, sua racionalidade. Desse modo, o jurista amplifica um conjunto de regras de argumentação competentes à racionalização das decisões jurídicas. Robert Alexy elaborou uma lei aplicável a todas as ponderações dos princípios, a nomeada: lei da ponderação, que preceitua que quanto maior é o grau da insatisfação de um princípio, maior deve ser a satisfação do outro.

O paradigma defendido por Robert Alexy passou por uma forte crítica de Jürgen Habermas (2003), onde este interpreta que a carência de racionalidade na ponderação é decorrente de uma construção problemática que tenta enlaçar princípios a valores. Com a finalidade de expor em particularidade a racionalidade da ponderação, Robert Alexy esforçou-se na criação da fórmula da ponderação, também conhecida como fórmula peso. Todavia, o aproveito de um artifício matemático indubitavelmente não é acolhida pacificamente pela teoria do direito.

As críticas são pertinentes, apesar de compreender que não anulam a teoria de Robert Alexy e ponderação relatada por ele foi um triunfo que permite atingir a potencialização dos princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, sem precisar apelar à invalidação de um deles.

O princípio da proporcionalidade foi um dos mais importantes princípios do pós-positivismo, exercendo papel imprescindível na proteção dos direitos fundamentais. A harmonização entre os direitos fundamentais só será almejada através da proporcionalidade, uma vez que o intérprete se encontra com uma constituição que denota um conjunto axiológico plural, cujos princípios entram em impacto constantemente.

A concepção de proporção está profundamente conectada ao direito. A proporção é descoberta na relação entre o meio e o fim, tendo em vista que sempre haverá uma medida a ser questionada, cujo propósito também será avaliado para que se possa aprofundar corretamente a proporcionalidade.

O núcleo dos direitos fundamentais precisa funcionar como um último limite de sentido, invulnerável às restrições que possam acontecer em virtude de conflitos específicos envolvendo direitos entre si ou os que oferecem fins coletivos.

A decisão que será apurada no processo de ponderação não poderá violar o núcleo dos direitos fundamentais, como demarcação à atuação do intérprete e acolhendo esses direitos de ações abusivas, sendo possível que a doutrina se responsabilize de construir os sentidos próprios de cada direito, apresentando parâmetros capazes de apontar o que deve ser classificado como prerrogativa essencial de cada direito.

2 - CONCLUSÃO

O novo Código de Ética Médica brasileiro esclarece que o médico deve respeitar a vontade manifestada pelo paciente, vontade esta que deve ser expressa através de um documento denominado declaração prévia de vontade do paciente terminal, também conhecido por testamento biológico. Portanto, até o presente momento não existe nenhuma normatização sobre o tema no Brasil, seja no âmbito jurídico ou no âmbito da medicina e esta falta de normatização acarreta uma insegurança aos indivíduos que querem deixar a sua vontade instrumentada e aos médicos que, por exemplo, diante de um caso concreto, veem um conflito entre a vontade do paciente e dos familiares.

Tendo em vista que essas situações de terminalidade estão carente de proteção é necessário garantir ao paciente que suas vontades (expressão do direito à liberdade), serão seguidas até o momento em que ele não mais puder exprimi-las com discernimento e é fundamental garantir ao médico que ele não sofrerá nenhuma retaliação ao seguir expressamente a vontade do paciente, seja no âmbito de sua entidade de classe ou no âmbito jurídico.

Portanto, torna-se imprescindível que as discussões acerca da declaração prévia de vontade do paciente terminal ocorram de forma criteriosa e efetiva. O que se busca é o respeito à autonomia do paciente, tornando válido todos os meios legais possíveis e as decisões da equipe médica sempre deverão refletir sobre a vontade real daquele que está no processo final da vida.

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Anna Eliza Marques Flugge

Bacharela em Direito

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