Em 04 de maio de 2004, o Tribunal Superior do Trabalho veiculou no seu site oficial a notícia intitulada "TST descaracteriza justa causa em demissão por alcoolismo".
Trata-se de decisão da Subseção de Dissídios Individuais 1 daquela Corte, relatada pelo ministro João Oreste Dalazen, proferida em face de embargos interpostos por ex-empregado do BRB (E-RR-5863201999).
Dos fundamentos do referido acórdão extrai-se que o voto condutor desconsidera o alcoolismo como justa causa, por se tratar de doença inclusa no Código Internacional de Doenças. Daí a determinada inaplicabilidade do artigo 482 Consolidado, que contempla a embriaguez habitual ou em serviço como motivo de rompimento abrupto do contrato de trabalho.
Em um dos trechos do acórdão proferido, diz o ilustre relator que o alcoolismo "é patologia que gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos", merecendo, por isso, "tratamento e não punição". Logo, "a despedida sumária do trabalhador, longe de representar solução, acaba por agravar a situação já aflitiva do alcoolista."
Assevera que "cumpre ao empregador, ao invés de dispensar o empregado por justa causa, encaminhá-lo para tratamento médico junto ao INSS, provocando o afastamento desse empregado do serviço e, por conseguinte, a suspensão do contrato de trabalho".
Afora o fato de se tratar de questão polêmica, já que existe expressa determinação em lei federal de que a embriaguez sustenta a justa causa do empregado, o que realmente chama a atenção neste acórdão é a questão fática que nele está projetada.
Isto porque o BRB, conforme noticiam os autos, empreendeu todos os esforços possíveis para a recuperação desse empregado. Este esteve internado 15 vezes em clínicas de reabilitação, e em várias delas deixou o tratamento antes do seu término ou cometeu infrações que motivaram sua expulsão. O BRB, através de seu serviço social, registrou todos esses eventos e ainda: as faltas injustificadas; os dias de comparecimento ao serviço sob o efeito do álcool; os problemas familiares.
Depois de considerar esgotadas todas as tentativas, o BRB, em 1997, instaurou um processo administrativo decorrente de sucessivas faltas ao trabalho, o que veio a culminar com a demissão por justa causa.
Mesmo diante do comprovado empenho do empregador e de seu inegável envolvimento com o problema do empregado, entendeu o TST, pela sua SDI-1, que "há aí certa incompreensão, ou, quando menos, falta de caridade, de magnanimidade para com situação grave, séria e dolorosa, do ponto de vista pessoal e social. Convém recordar que as empresas têm também responsabilidade social decorrente de mandamento constitucional." . .. "se o empregador optasse por se desvencilhar do empregado alcoolista – embora se me afigure uma opção pouco caritativa -, o máximo que poderia fazer seria uma despedida sem justa causa." E como arremate: "o dramático quadro social advindo desse maldito vício impõe que se dê solução distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra fria e hoje caduca do art. 482, ‘f’, da CLT, no que tange à embriaguez habitual."
A decisão tem fundo eminentemente social, na medida em que afasta expressa determinação da Consolidação das Leis do Trabalho, firmando-se no entendimento de que "as empresas têm também responsabilidade social decorrente de mandamento constitucional".
Embora louvável sob certo prisma, preocupa-nos o entendimento veiculado nesse acórdão e da precedência que poderá gerar.
Inicialmente, não é sustentável a invocação da Constituição Federal quanto ao cumprimento da função social da empresa, porque inúmeras outras garantias poderiam ser chamadas para lhe servir de confronto, como o próprio direito de propriedade. E no caso específico do BRB, restou fartamente demonstrado o esforço do empregador, sendo que a justa causa somente foi aplicada depois de efetivamente esvaídos todos os meios de que dispunha para ajudar seu colaborador.
Demais, é inafastável a plena vigência da alínea "f" do artigo 482 da CLT. A inserção da referida alínea no corpo do dispositivo legal, ainda que em 1943, teve por escopo garantir a "ordem interna do estabelecimento, a disciplina da empresa, a marcha normal do serviço e a boa execução do trabalho: a embriaguez degrada, desmoraliza e tira o senso de responsabilidade, sendo, destarte, justo que o empregador não pudesse confiar integralmente num empregado em tais condições", na preciosa lição de Délio Maranhão, nas suas Instituições de Direito do Trabalho (v. 1, 19. ed., atualizada por Arnaldo Süssekind e Lima Teixeira, Editora LTr).
Como se vê, as razões não envelheceram.
Não bastasse, a embriaguez tipifica ainda mau procedimento e incontinência de conduta, duas figuras igualmente previstas no multicitado artigo 482 da CLT, de sorte que o empregado que a pratica de forma habitual (violação da obrigação geral de conduta) ou em serviço (violação de obrigação específica de execução do contrato), acha-se incurso em três das hipóteses legais.
Não se pode olvidar, por outro lado, que a embriaguez abala não só a fidúcia que deve existir em toda relação contratual de trabalho, como expõe o empregado e seus colegas ao risco de acidentes, contendas e outras situações inseguras. Além disso, vulnera a imagem da empresa, seja qual for o cargo ocupado pelo faltoso.
Mesmo sabendo que o alcoolismo consta, há tempos, do Código Internacional de Doenças, entendemos que não poderá o empregador ser compelido a suportar o empregado que de forma habitual ou em serviço, encontre-se em estado de embriaguez.
Assim, enquanto em vigor o artigo 482 da CLT, somos de parecer que a embriaguez continua a motivar a aplicação da justa causa, máxime porque a alínea "f", na qual está expressamente prevista a figura, normalmente atrai a aplicação de outras duas hipóteses legais já mencionadas acima, previstas na letra "b" da norma legal, quais sejam: incontinência de conduta e mau procedimento.