Prolegômenos do Novo Código de Processo Civil e sua aplicabilidade nos juizados especiais cíveis e da fazenda pública

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02/11/2016 às 14:50
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As mudanças ao rito sumaríssimo, explícitas ou implícitas, são alvo de grandes dissensos. Entre elas, a mais discutida, a contagem de prazos processuais em dias úteis ou em dias corridos.

1. Relação do Código de Processo Civil com as leis dos juizados especiais 1.1. Regras expressas 1.2. Normas peculiares dos juizados 1.3. Subsidiariedade do NCPC 2. Problemáticas 2.1. Contagem de Prazos 2.1.1. Regulamentação 2.2. Competência para realizar admissibilidade de recursos 2.3. Cabimento da tutela provisória 2.4. Alterações com relação à audiência de conciliação e inclusão da mediação 2.5. Distribuição dinâmica do ônus da prova

Resumo:As alterações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil geraram mudanças expressas e implícitas aos procedimentos adotados nos juizados especiais. Apesar das regras das leis próprias como a 9.099/95 e a 12.153/09, outras do Código de Processo Civil se aplicam. Este trabalho mostra as mudanças expressas trazidas ao rito sumaríssimo, e debruça-se sobre as mudanças implícitas que são alvo de grandes dissensos. Entre elas, a mais discutida, a contagem de prazos processuais em dias úteis ou em dias corridos.

Abstract:The changes introduced by the new Civil Procedure Code generated express and implied changes to the procedures adopted in special courts. Although the rules of the laws themselves as the 9,099/95 and 12,153/09, other of the Civil Procedure Code apply. This work shows the expressed changes brought to the rite accelerated, and focuses on the implied changes that are subject to major disagreements. Among them, the most discussed, the count of procedural deadlines in working or calendar days days. 1 Introdução


Desde a aprovação do Novo Código De Processo Civil (NCPC) através da lei 13.105/15, ou melhor, antes mesmo de sua aprovação, dezenas de discussões foram travadas. O bem maior, um processo célere e justo para a sociedade, foi a bandeira da nova legislação. E o juizado especial, que é o braço do judiciário mais próximo da celeridade e da sociedade, sofre reflexos das alterações do NCPC.

Todavia, que reflexos são esses? Não há consenso. No Brasil e em especial em Rondônia, desde que o NCPC entrou em vigor, cada juizado tem seguido uma rotina procedimental. Mesmo na vigência do Código de 1973, já existiam problemas práticos. Muitos juizados em todo o país tornaram-se pequenas varas, mitigando a celeridade esperada pela adoção de procedimentos indevidos. Com as mudanças de 2015 renovam-se as discussões, as burocracias e as teorias sobre a função esperada pelos juizados. Os maiores problemas e divergências enfrentadas nos juizados especiais cíveis e da fazenda em Porto Velho/Rondônia, e que são comuns à maioria no país, são trazidos com análise teórica e prática. 1. Relação do Código de Processo Civil com as leis dos juizados especiais Não há possibilidade de determinarmos o que e como se aplica do NCPC aos juizados sem analisar anteriormente a relação entre eles. A maioria dos juristas fala em aplicação subsidiária. Outros afirmam que a lei dos juizados não é especial em relação à norma geral de processo civil pois decorre diretamente do mandamento constitucional:

“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I- juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”.

Para a ministra Nancy Andrighi (1996, pg. 24), referência em estudos sobre os juizados especiais, a lei 9.099/95 “não determina expressamente a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, podendo-se inferir, salvo situações especiais, que buscou-se manter afastada sua incidência, considerando a especialidade de que é revestida essa justiça”. No mesmo sentido, Ricardo Cunha Chimenti (1999, pg. 7): “Na fase de conhecimento dos processos cíveis disciplinados pela Lei n. 9.099/95, o CPC sequer é expressamente apontado como norma supletiva de interpretação (excetuadas indicações contidas na parte final do art. 30 e no caput do art. 51 da Lei n. 9.099/95), circunstância que não impede sua aplicação por analogia (art. 4º da LICC), mas que recomenda a superação das omissões do legislador com base nos princípios próprios do novo sistema”.

1.1. Regras expressas

a) Código de Processo Civil/2015 O NCPC cita os juizados especiais na possibilidade de aplicação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (art. 985) e do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (art. 1.062).

Também dispõe que mesmo com a extinção do procedimento sumário os juizados especiais cíveis continuam competentes para o processamento e julgamento das causas previstas no art. 275, inciso II, do Código de 73. (art. 1.063)

Algumas alterações foram feitas quanto ao cabimento dos embargos de declaração, vinculando-os aos casos previstos no NCPC. (arts. 1.064 a 1.066)

Além dessas considerações, não há regra quanto a aplicação subsidiária do NCPC aos juizados especiais, bem como nenhuma outra influência expressa sobre o procedimento sumaríssimo.

b) Lei 9.099/95

A lei sofreu alterações pelo NCPC. Desta forma, está expresso a competência para as causas do extinto procedimento sumário (art. 3º) e as mudanças relativas aos embargos de declaração (arts. 48 e 49) já citadas anteriormente.

A lei 9.099 remete a outro caso de aplicação subsidiária do CPC, a execução. Devem ser, consoante literalidade dos arts. 52 e 53, aplicadas as disposições do CPC com algumas regras específicas dos juizados.

Afora estes casos específicos, não há uma disposição geral dizendo que o NCPC ou antigo, que seja, tem aplicação subsidiária.

c) Lei 12.153/09

A lei dos juizados da fazenda pública traz no seu art. 6o a regra de que às citações e intimações aplicam-se as disposições contidas no CPC/73. Ainda, o art. 27 da lei 12.153/09 determina a aplicação subsidiária do CPC/73, bem como das leis 9.099/95 e 10.259/01. Por óbvio que se o CPC foi revogado, estes artigos restam prejudicados. Entretanto, é necessário realizar uma interpretação lógica. Contra legem facit, qui id facit quod lex prohibet: in fraudem vero, qui, salvis verbis legis, sententiam ejus circumvenit – esta é a antiga conclusão romana que afirma que age em fraude de lei quem, ressalvadas as palavras da mesma, desatende ao seu espírito (MAXIMILIANO, 2011, pg. 101). O objetivo evidente do legislador na lei dos juizados da fazenda pública foi de fazer do Código de Processo Civil lei subsidiária. Logo, se não houve disposição contrária no NCPC, ele deve ser aplicado em substituição ao CPC/73.

1.2. Normas peculiares dos juizados 

Existem muitas regras procedimentais específicas nas leis dos juizados, que não é o objeto deste trabalho. As normas que analisamos aqui são aquelas que dão suporte ao rito sumaríssimo, o chamado de sistema dos juizados especiais. Na literalidade (lei 9.099/95):

“Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

(...)

Art. 5º O Juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.

Art. 6º O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum”.

Estas são as regras procedimentais gerais dos juizados que devem ser adotadas cumulativamente às demais, ou na ausência de regra específica.

O art. 2º nos remete aos princípios orientadores. Muitos doutrinadores entendem que a palavra critério foi empregada equivocadamente pois são princípios. Não resta dúvidas sobre a principiologia, entretanto não deixam de ser critérios que devem ser aplicados no procedimento sumaríssimo.

Toda a lei 9.099/95 foi produzida com a finalidade de aproximar a justiça da população, bem como resolver as pequenas lides rapidamente gerando estabilização social.

Poderia ter sido produzida uma lei que alterasse o CPC/73, como tantas outras, criando o rito sumaríssimo. Mas não foi essa a intenção do legislador nem dos estudiosos sobre os juizados das pequenas causas que participaram desse processo legislativo. Nas palavras da ministra Nancy Andrighi (1996, pg. 20):

“Para o sucesso desse importante instrumento processual é preciso desregrar, desformalizar, simplificar, desburocratizar, modernizando conceitos e institutos, que devem ser adaptados à exigência de celeridade imposta pelos fatos sociais da vida moderna.

Os aplicadores desta nova Lei devem afastar o excesso de tecnicismo e o rigorismo das formas, para que prevaleça o princípio da instrumentalidade no processo de conhecimento e faça do processo de execução um “processo de resultados”, cujo trabalho tem, como grande maestro, o Juiz.

O sucesso da Justiça Especial somente advirá se for assimilada a concepção de que “o dinamismo do magistrado é a própria alma do juizado” segundo ensinamento do Prof. Kazuo Watanabe, na medida em que não poderá relegar ou protelar decisões que reclamam imediatidade e presteza”.

Nota-se que a lei não trouxe apenas um novo rito, mas um novo sistema interpretativo. Vinte anos depois podemos perceber que as advertências feitas à época não foram ouvidas. Advogados conversam entre si pra saber onde a audiência está sendo marcada antes, na vara comum ou no juizado. Não são poucos juizados que demoram mais com um processo do que as varas. Burocracias mil. Alguns juízes assumem juizados com a mentalidade da vara de onde vieram e tornam todo o processo inútil. Inútil pois não atinge o objetivo da lei - uma prestação célere e simples. Parece que os juizados tornaram-se apenas uma forma de divisão da organização judiciária. Alguns juízes entendem o espírito da lei e tentam aplicá-la na forma devida mas encontram uma série de dificuldades. Muitas decisões de turmais recursais comprovam isso anulando sentenças e oficiando sobre sua forma burocratizada de entendimento. Mas saindo do aspecto crítico e retornando à letra da lei, passo a relembrar os princípios norteadores dos juizados especiais:

a) Oralidade

Se aplicada na prática é fantástica. Facilita a solução rápida do litígio, traz celeridade, aplica a simplicidade e a informalidade, gera aproximação entre o magistrado e o jurisdicionado, facilita a conciliação, enfim, uma série de benefícios diretos e indiretos.

O princípio não se esgota na possibilidade de manifestação oral em substituição à escrita. Ele torna o julgamento muito mais interessante, produzindo um entendimento diferente daquele que se teria com a análise de papéis. Resultaria em maior convencimento aos sujeitos processuais.

Logicamente alguns atos serão escritos, em especial os realizados pelos cartórios. Se em 1995 já se falava em oralidade, hoje não há menor justificativa para sua não aplicação. Temos todos os recursos tecnológicos disponíveis. Porque a contestação não é mais realizada de forma oral e logo após a frustração da tentativa de conciliação? Sentenças saiam na hora. O que mudou nos juízes para burocratizar tanto? É cerceamento de defesa realizar um ato de forma oral?

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b) Simplicidade

Por muitos caracterizada pelo fato de que o advogado não é imprescindível nas causas de até 20 salários mínimos. Mas vai além, a simplicidade é condição sine qua non do rito sumaríssimo. Os procedimentos devem ser mais simples, e não reprodução do Código de Processo Civil.

c) Informalidade

A informalidade dá ao magistrado uma margem de liberdade na condução do processo, podendo inclusive dispensar a realização de medidas que não trariam nenhum resultado útil. Há limites para a informalidade pois nenhum princípio é absoluto, e eles estão na Constituição Federal: garantia do devido processo legal, contraditório, ampla defesa e fundamentação dos atos judiciais.

d) Celeridade

Maior efetividade, eis o objetivo da lei. Todavia a celeridade é consequência e não causa. Se aplicadas a simplicidade, informalidade, oralidade, economicidade e busca pela conciliação, o resultado será a celeridade. E com a celeridade vem a efetiva prestação jurisdicional. Efetiva enquanto eficiente mesmo. O “ganha mais não leva” sempre foi reproduzido no meio acadêmico. Os casos de pessoas que quando ganhavam a ação já tinham morrido também. O juizado veio com uma postura nova pra evitar o perecimento de tais direitos, que por mais que sejam de pequena monta, para os envolvidos pode significar a vida.

e) Economia processual

O princípio da economia processual implica na desburocratização do processo, evitando-se atos desnecessários à luz dos princípios norteadores do juizado. Este é, junto à oralidade, um dos critérios mais esquecidos na prática. A burocratização está enraizada nos juizados de todo o país como um câncer.

f) Busca da conciliação e transação

A conciliação e a transação não são mais vistas apenas como uma solução altruísta do litígio, mas como a maneira mais eficaz de solução do conflito. Resolver o processo é simples, mas resolver o conflito que muitas vezes nem é aquele apresentado ao judiciário, é tarefa árdua. A conciliação, já que o presente trabalho dispõe sobre os juizados cíveis, é a forma que gera mais satisfação entre os jurisdicionados. A decisão, seja qual for, imposta pelo juiz sempre deixa uma ou as duas partes insatisfeitas.

Ainda sobre a conciliação, ela é o mecanismo adequado para determinados tipos de conflitos que chegam ao judiciário como em casos de responsabilidade civil com culpa concorrente, brigas entre vizinhos, dentre outras questões. Também é o meio mais satisfatório para leigos que procuram o judiciário como último recurso e esperando que aquele processo acabe o mais rápido possível. Muitos não tem paz enquanto a situação perdura, sentem-se incomodados de estar naquela situação, adquirindo até problemas de insônia e depressão. São coisas que notamos diariamente, em especial entre idosos e doentes.

Os princípios que regem os juizados, assim como os demais do ordenamento jurídico brasileiro, não são absolutos. Porém, não pode o julgador deixar de aplicá-los porque entende que deveria aplicadas as regras do NCPC nos juizados. Eles são de observância obrigatória, restringidos apenas por normas constitucionais.

Os artigos 5º e 6º da lei 9.099/95 adicionam regras para a condução, pelo juiz, do processo nos juizados. Ele terá liberdade para determinar as provas a serem produzidas, bem como para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica. Ainda, pode, ou deve, adotar “a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum”.

Somadas aos princípios, formam o sistema interpretativo dos juizados especiais, de onde podemos retirar procedimentos não expressos. Ao invés da lei dizer que o NCPC seria de aplicação subsidiária para os casos em que a lei fosse omissa, ela se autorregulou.

1.3. Subsidiariedade do NCPC

Em suma, analisamos que o NCPC é norma subsidiária à lei 12.153/09 da fazenda pública mas em concorrência com a lei 9.099/95. Também comprovamos que há casos expressos em que o NCPC deve ser utilizado nos juizados. Para os demais, em especial para os juizados especiais cíveis, ele não tem aplicação subsidiária em regra, devendo os procedimentos serem interpretados conforme os princípios e regras dos arts. 2º, 5º e 6º da lei 9.099/95. Ainda, de acordo com o FONAJE no enunciado 161 - “Considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2º da Lei 9.099/95” (XXXVIII Encontro – Belo Horizonte-MG).

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Sobre a autora
Hanna Thó

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ) Especialização para a Carreira da Magistratura da Escola da Magistratura do Estado de Rondônia - EMERON (em curso) Mestrado interrompido em Direito Urbanístico na Universidade Federal do Pará (UFPA) Servidora do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo publicado como avaliação da Escola da Magistratura de Rondônia.

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