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Em busca de uma concepção científica do inquérito policial

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10/11/2016 às 14:15
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Ao longo das décadas, o trabalho investigativo sofreu com o desdém acadêmico por parte de grande parte da erudição processual penal brasileira. É momento de resgate e também de reconstrução.

Introdução:

Repousa na doutrina nacional um retrógrado e anacrônico entendimento de que o IP deve ser visto como um aglomerado de providências, cuja única finalidade é a apuração da autoria e materialidade delitivas, como forma de servir ao titular da ação penal.

A carência de uma conceituação legal de Inquérito Policial deixou esta incumbência à doutrina, contudo, é de se verificar que ao longo das décadas, o trabalho investigativo sofreu com o desdém acadêmico por parte de grande parte da erudição processual penal brasileira.

É momento de resgate e também de reconstrução.

Com a aurora dos novos tempos instituídos pela edificação do Estado Democrático de Direito a partir do advento da Constituição Federal de 1988, impõe-se o fortalecimento daquilo que chamamos de “doutrina policial”, ou seja, da criação de conhecimento a ser aplicado em prol do fortalecimento das Instituições e institutos que circundam o trabalho policial. 


1.Sobre a conceituação doutrinária tradicional:

A denominação Inquérito Policial, surge no Brasil com a edição da Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871, regulamentada pelo Decreto-lei 4.824, de 28 de novembro de 1871, o qual institui em seu art. 42 a seguinte definição: “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito”.

Entretanto, em que pese a adoção desta nomenclatura tenha se dado apenas em 1871, suas funções existem há longa data e tornaram-se especializadas com a aplicação efetiva do “princípio da separação da polícia e da judicatura”. Destaca Guilherme S. Nucci (2015, p. 133) que já havia no Código de Processo de 1832 alguns dispositivos sobre o procedimento informativo, mas ainda não havia o “nomen juris” de Inquérito Policial.

O vigente Código de Processo Penal de 1941 manteve em nosso Ordenamento Jurídico o Inquérito Policial, enquanto etapa de investigação preliminar policial, sob o seguinte argumento em sua exposição de motivos: “o ponderado exame da realidade brasileira, que não é apenas a dos centros urbanos, senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio ao sistema vigente”. 

O arcabouço legislativo processual penal brasileiro em nenhum momento declinou uma definição jurídica de Inquérito Policial, entretanto, estabeleceu no artigo 4º do Código de Processo Penal as finalidades das atividades de Polícia Judiciária, indicando que seria a “apuração das infrações penais e da sua autoria”. Corroborando, ainda, o art. 2º, §1º da Lei 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, ao cuidar da finalidade do inquérito robusteceu o estabelecido em 1941, reiterando os mesmos termos.

Portanto, em se tratando de produção estritamente legislativa, nada se falou em destinatário ou mesmo o colocou como um mero apêndice da relação processual. Pelo contrário, instituiu um verbo a vigorar como diretriz dos trabalhos investigativos de Polícia Judiciária: “apurar”. Vocábulo este que tem o sentido de purificar, de aperfeiçoamento, esmero e, até mesmo, de suavização.

Ora, apurar é trabalhar pelo refinamento de determinado material bruto. Este é o mister da investigação policial, tornar puro, extrair a essência dos fatos expostos quando da “notitia crimis”, restando tão somente a seiva principal: os elementos de provas suficientes para que sejam apontados os indícios de autoria e a prova da materialidade delitiva, ou seja, dizer sobre a existência do crime e quem possivelmente o praticou. Deste modo, estamos tratando de atividade Estatal encarregada de tratar o corpo da “notícia criminis”, decantando-o, de forma a aclarar a penumbra posta sobre os fatos, através das diferentes versões de testemunhas, vítimas e autores, levando ao processo, por fim, material fino e puro, contendo somente aquilo que mais interessar à síntese da persecução penal.

Tourinho Filho (2011, p. 111) institui o Inquérito Policial como um procedimento administrativo persecutório, consistente num conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração da infração penal e sua autoria, a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.

Em toada semelhante, Eugênio Pacceli (2012, p. 29) trata a etapa investigativa como “fase pré-processual, tratando-se de procedimento tendente ao cabal e completo esclarecimento do caso penal, destinado, pois, à formação do convencimento (“opinio delict”) do responsável pela acusação”.

É certo que o Inquérito Policial constitui um estágio preliminar à Ação Penal, por isso, integrante do curso da persecução penal brasileira e, também, que é um procedimento que visa a plena elucidação dos fatos investigados. Contudo, o autor construiu um paradoxo em sua conceituação, ora, se o procedimento é “tendente ao cabal e completo esclarecimento do caso penal”, como fora dito, ele não é destinado exclusiva e simplesmente à formação do convencimento do responsável pela acusação. É muito mais do que isso, é uma tentativa de aproximação à realidade do ocorrido, uma coletânea de elementos que servirão à ambas as partes no curso do Processo Penal.

Ademais, defesa em infeliz escolha de palavras em jurisprudência dos Tribunais Superiores[1], parte da doutrina, como por exemplo Fernando Capez (2012, p.121), chega ao absurdo de tratar o Inquérito Policial como “mero procedimento informativo”. Representa desmedido engano conferir atributo da trivialidade, da banalidade à um procedimento investigativo, capaz de causar sérios transtornos à vida social do cidadão, pelo simples fato de rotulá-lo como investigado, isso para não falarmos nos efeitos de um indiciamento, prisão em flagrante ou outras deliberações legais aplicadas pelo Delegado em solo policial. Além do que, não se pode negar que o Inquérito Policial também contribui para a decretação de medidas cautelares no transcurso da persecução penal, através da análise, por parte do Magistrado, dos rudimentos amealhados ao longo da investigação, levando a decisões judiciais propedêuticas, antes mesmo de iniciado o processo, como a decretação de prisão preventiva, determinação de interceptação telefônica, busca e apreensão domiciliar etc.

Verifica-se que a doutrina tradicional considera o titular da Ação Penal como destinatário imediato do Inquérito Policial, ou seja, o Ministério Público nas Ações Penais Públicas e o ofendido em se tratando de Ações Penais Privadas. Repousando sobre a figura do Juiz a titularidade mediata deste procedimento. Esta rotulação deriva de um entendimento anacrônico de que a investigação preliminar serve tão somente a colheita dos elementos mínimos destinados ao abastecimento do responsável pela movimentação acusatória. Não há que se falar em um único e súbito receptor, o Inquérito serve à relação processual, não sendo conduzido ou guiado de acordo com os ventos da vontade de qualquer das partes envolvidas na relação processual. Ao contrário, a coleção de elementos pesquisados nesta etapa preliminar se colocarão a disposição tanto da acusação quanto da defesa, para que munidos e embasados neles possam formular teses capazes de agasalhar seu ponto de vista.

Em suma, a atividade de investigação não possui único senhor, é sim súdita direta da relação processual, postando-se a serviço de ambas as partes, em legítima veneração ao Processo Penal Democrático.

Ademais, servirá também para o desenvolvimento da convicção jurídica do Magistrado, conforme se extrai da lição do artigo 155 do Código de Processo Penal, que os fundamentos da decisão judicial serão compostos de um amalgama dos elementos colhidos tanto na fase preliminar, quanto na fase processual da persecução penal, não podendo lastrear-se, unicamente, nos pontos depreendidos na etapa investigativa, face a ausência de contraditório e ampla defesa.

Equilibrada é a conceituação de Aury Lopes Júnior (2016, p. 95), neste sentido:

Constitui o conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos do Estado, a partir de uma notícia-crime, com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal, e que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delituoso, com o fim de justificar o processo ou não processo.

A persecução penal desperta no momento da “notitia criminis”, ou seja, tão logo que a notícia do ilícito chegue aos ouvidos dos órgãos oficiais e os atos destes iniciem seu fluxo. À vista disso, tem-se que a “persecutio criminis” no Brasil é composta de duas fases distintas e sucessivas: a investigação preliminar e a fase processual. Sendo que no estágio embrionário se pesquisarão os substratos mínimos a cerca da autoria e materialidade delitiva, sem os quais não se justificaria, na vigência da Ordem Constitucional Democrática, a existência de um processo penal em face de um cidadão, sem que pairem os requisitos mínimos de suspeita sobre ele, em respeito às suas garantias e direitos constitucionalmente estabelecidas.

Ora, é inegável que o Processo Penal configura uma violência contra as liberdades individuais, posto que o cidadão processado acaba por sofrer em sua vida com a aspereza de muitos efeitos oriundos desta relação, sejam eles diretos ou indiretos. Contudo, é medida imperiosa e necessária para que sejam aplicadas ao caso concreto as sanções penais previstas abstratamente nas normas penais, dentro dos ditames democráticos impostos pela existência do Estado de Direito. Diante desta natural ferocidade processual, ao longo dos anos que compuseram a construção de nosso sistema penal, entre avanços e recuos, foram sendo erigidos princípios, garantias e institutos capazes da neutralização ou redução dos impactos indesejados do método de distribuição das penas.

Assim, surge a garantia do devido processo legal, um “princípio síntese” posto que engloba os demais princípios e garantias processuais assegurados constitucionalmente, conforme preleciona Gustavo Badaró (2012, p. 23), “bastaria que a Constituição assegurasse o devido processo legal e todos os demais princípios dele defluiriam”.

Os atos de Polícia Judiciária, em sede de investigação criminal, denotam instrumentalidade preliminar ao processo, decorrendo desta característica duas funções, conforme aponta Renato Brasileiro de Lima (2013, p. 71):

  1. Preservadora – a instauração de Inquérito é apta à precaução contra ações penais temerárias, sem justa causa ou infundadas, com vantagens à economia processual;
  2. Preparatória – colige elementos de informação, protegendo a prova contra a ação do tempo e conferindo robustez à justa causa para a ação penal.

A margem destas funções, Aury Lopes Júnior (2016, p. 95) cita outras relevantes aplicabilidades:

1. Busca do fato oculto:

O crime, na maior parte dos casos, é total ou parcialmente oculto e precisa ser investigado para atingir-se elementos suficientes de autoria e materialidade (“fummus commissi delicti”) para oferecimento da acusação ou justificação do pedido de arquivamento.

2. Função simbólica:

A visibilidade da atuação Estatal investigatória contribui, no plano simbólico, para o restabelecimento da normalidade social abalada pelo crime, agastando o sentimento de impunidade.

3. Filtro processual:

A investigação preliminar serve como filtro processual para evitar acusações infundadas, seja porque despidas de lastro probatório suficiente, seja porque a conduta não é aparentemente criminosa. O processo penal é uma pena em si mesmo, pois não é possível processar sem punir e tampouco punir sem processar, pois é gerador de estigmatização social e jurídica (etiquetamento) e sofrimento psíquico. Daí a necessidade de uma investigação preliminar para evitar processos sem suficiente “fumus commissi delicti”.

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No início da década de 1960 a célebre corrente criminológica que ficou conhecida como “Escola de Chicago” desenvolveu a Teoria do “Labelling Aproach”, pela qual impôs-se um novo paradigma criminológico, através da análise do modelo persecutório criminal e do controle social. O criminoso não era mais visto como o degenerado, atávico e doente de outrora, mas sim como um elemento pertencente ao meio social, de tal modo que a criminalidade configura desvio ao qual a sociedade atribui rótulo que sinaliza um comportamento indesejado.

Deste modo, as instâncias de controle social da criminalidade passam a ser cindidas entre informais (escolas, família, opinião pública etc.) e formais (Polícia, Justiça etc.). Acerca desta divisão, Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes (2002, p. 134):

Os agentes de controle social informal tratam de condicionar o indivíduo, de discipliná-lo através de um largo e sutil processo (...) Quando as instâncias informais do controle social fracassam, entram em funcionamento as instâncias formais, que atuam de modo coercitivo e impõem sanções qualitativamente distintas das sanções sociais: são sanções estigmatizantes que atribuem ao infrator um singular status (de desviados, perigoso ou delinquente)

Estas etapas de controle acabam por naturalmente gerarem processos de exclusão, e a sucessão destes acabam por ocasionar a estigmatização e o distanciamento do indivíduo da comunidade em que estava inserido. O criminoso é considerado pela etiqueta que lhe é colocada e este rótulo poderá levar a sua rejeição por seus pares.

Ao pormenorizar estas diferentes incumbências, apontadas pela doutrina, emerge a constatação que a Investigação Preliminar realizada pela Polícia Judiciária, formalizada através de Inquérito Policial, corresponde a instrumento essencialmente democrático, tendo em vista que, embora não integre a relação processual, sua existência se justifica em razão da própria essência do devido processo legal e do corolário da presunção de inocência. Ora, se todos serão considerados inocentes até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, esta virtude deve ser tida em alta conta, de modo que somente poderia ser afrontada pela existência de processo se plenamente legítimo.

Neste sentido, é possível a aproximação de uma melhor conceituação do Inquérito Policial que emerge da análise dos escopos de sua existência, ou seja, a produção de diligências investigativas, buscando a colheita de todos os possíveis pontos de vista e circunstâncias, em consonância aos direitos fundamentais dos indivíduos afetados por esta investigação, compondo-se, ao final, a confirmação (ou não) da autoria e materialidade delitivas. Sendo assim, nada mais é que uma tentativa formal de aproximação máxima à realidade em que os fatos investigados verdadeiramente ocorreram. Não se trata de busca da verdade real, uma vez que esta é uma utopia processual que deve ser esquecida  na opacidade dos tempos passados.

Neste sentido, Zanotti e Santos (2015, p. 138):

(...) é possível concluir que o fim do inquérito policial é a “reconstrução” do fato, a partir de sua documentação no procedimento, que pode ter como consequência uma futura ação penal. Se o inquérito policial não ensejar uma eventual ação penal, igualmente terá alcançado a sua finalidade.

Ante o até aqui exposto, é possível depurar duas diferentes perspectivas quanto ao Inquérito Policial, natureza, finalidade e conceituação. Em um primeiro plano, sob enfoque objetivo ele consubstancia-se, formalmente, por um conjunto de diligência encetadas com fulcro na apuração de autoria e materialidade delitivas, no fornecimento de elementos de prova a um futuro e eventual processo, podendo (ou não) influenciar na formação da convicção jurídica do Magistrado.

Por sua vez, sob o prisma da subjetividade, trata-se de procedimento de Polícia Judiciária, expressão que não se confunde com Polícia Administrativa, conforme alerta Celso Antônio Bandeira de Melo (2004, p. 731): “o que aparta a polícia administrativa de polícia judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades antissociais enquanto a segunda se preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica.”

Estas diferentes dimensões dos trabalhos de Polícia Judiciária são perfeitamente sintetizadas nas palavras de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (1982, p. 12): “a polícia, enquanto judiciária, e o inquérito que ela faz, exsurgem administrativos, por sua atuação e forma, mas judiciários, nos seus fins”.

O Poder de Polícia da Administração Pública consiste no desempenho limitador do Estado dos direitos de liberdade e propriedade, constitucionalmente estabelecidos, em prol da prevalência do interesse coletivo. Consoante Hely Lopes Meirelles (2007, p. 131): "a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado." Entretanto, com a premissa vênia, a percepção da leitura do artigo 78 do Código Tributário Nacional dispensa conceituações doutrinárias:

Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único: Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

É atividade que possui, enquanto características ínsitas a auto-executoriedade, a coercibilidade e a discricionariedade de seus atos, contudo, embora esta discricionariedade se faça presente em grande parte das ações estatais de polícia, não há empecilho no sentido de que a lei, em determinados atos ou fatos, disponha pela vinculação total da atuação administrativa aos preceitos legais. Conforme José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 83):“[...] a Administração terá de cingir-se a essa dimensão, não podendo, sem alteração da norma restritiva, ampliá-la em detrimento dos indivíduos. A atuação, por via de consequência, se caracteriza como vinculada”.

Os atos administrativos devem possuir elementos e estes se perfazem em cinco: competência (sujeito), finalidade, forma, motivo e objeto. Quando um ato administrativo é exarado ele pode ser por lei um ato vinculado ou discricionário. Na discricionariedade não existe o afastamento total do preenchimento dos requisitos competência, forma e finalidade. O sujeito sempre será o competente, assim entendido como aquele que se encontra investido do poder de praticar atos em nome da Administração Pública (Teoria da Imputação). A finalidade invariavelmente será o bem coletivo, a utilidade pública, bem comum do ato e disto o administrador não pode deixar de se avizinhar. Por derradeiro a forma, esta que não se confunde com formalidade, mas como a regra que preceitua a exteriorização do ato de forma expressa, clara, inteligível e de acordo com o Ordenamento Jurídico. Dentro da forma se encontra a motivação do ato administrativo que, de acordo com a lei 9784/99, em seu artigo 50, um rol de atos deverão ser motivado, rol este tão abrangente que motivar se tornou a regra. Não percamos de vista o mandamento Constitucional que, na busca da concretização da proteção eficiente dos direitos e garantias fundamentais, preceitua, em seu artigo 93, X, motivar os atos administrativos ainda que estejam sendo talhados na função atípica do Poder Judiciário.

Porém, deve-se tratar com cautela, zelo e prudência a escolha das palavras para que não se construa uma distorcida e desacertada visão que leve a confusão entre discricionariedade administrativa e arbitrariedade. Portanto, para superar qualquer circunstancial desalinho, insta sublinhar que se diz discricionário aquilo que é deixado à discrição, isento de condições.

Por outro lado, arbitrário remonta aos atos despóticos, não regulados por lei, realizados ao bel prazer de seu executor. Ao que, de longe, não corresponde aos atos administrativos praticados pelas Polícias, posto que estes estão fadados à trilha íntegra da sujeição fiel da lei. Sujeitos às competentes instâncias correcionais do controle interno do órgão público, bem como ao controle externo, em respeito ao sistema dos freios e contrapesos, fundamental e íntimo à essência da Democracia.

Diante do fato de o Inquérito configurar um procedimento sujeito à discricionariedade da Autoridade Policial presidente, não há que se falar em uma ordem preestabelecida e sucessiva de atos que culminariam no Relatório Final. A liberdade é fundamental para a condução e o rumo das investigações, tomando diferentes sentidos em seu curso. Conquanto, esta característica pode fabricar uma visão de que todo o trabalho investigativo de Polícia Judiciária se encontra lançado em uma confusa brochura desordenada. Em absoluto não é disso que se trata.

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Sobre o autor
Sandro Vergal

Delegado de Polícia Civil do Estado de São Paulo, Professor Universitário e de Cursos Preparatórios, Mestre em Direitos Sociais, Difusos e Coletivos, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, pós-graduando em Balística.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERGAL, Sandro. Em busca de uma concepção científica do inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4880, 10 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53642. Acesso em: 28 mar. 2024.

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