3. ATUAÇÃO DO BRASIL
O Brasil é um dos países que ratificaram a Declaração Universal de Direitos Humanos e evidencia o seu respeito a este dispositivo em sua própria Carta Magna, - "Art. 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II - prevalência dos direitos humanos". Constituição Federal de 1988 – sendo assim, não podemos deixar de abordar como têm sido a aplicação dos direitos humanos em nosso território.
Como bem trata Flávia Piovesan, a primeira fase da proteção dos direitos humanos é regida pela ideia de proteção geral e abstrata, baseada na igualdade formal. Sendo o Brasil um país de vasta diversidade cultural e miscigenação, sabemos que a igualdade formal é um dos requisitos para uma boa aplicação dos direitos humanos, mas é notório em nosso dia a dia que este ainda é um tipo de direito que deve ser mais desenvolvido em nossa sociedade, pois o racismo com relação às diferentes etnias e raças, o preconceito e a intolerância com relação a homossexuais e mulheres ainda são problemas que nos afligem constantemente.
A sociedade brasileira foi constituída por uma ideologia patriarcal e machista bastante arraigada, o que gerou um grande problema com relação à igualdade formal entre homens e mulheres. É visível a discrepância sobre o tratamento entre homens e mulheres. Os homens continuam recebendo maiores salários, mesmo que as mulheres exerçam os mesmos cargos que eles. É visível, também, que a violência no Brasil acomete muito mais a população feminina do que a população masculina, e que grande parte da violência contra a mulher é praticada por seus próprios companheiros.
Em se tratando de violência sexual contra a mulher, segundo um levantamento do 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum de Segurança Brasileira, em 2015, cinco mulheres foram estupradas a cada uma hora no Brasil, sendo São Paulo o estado com maior índice de violência sexual do país. Ao todo e ainda em 2015, o Brasil computou cerca de 45.460 casos de estupro, em que 24% deles aconteceram nas capitais e no Distrito Federal. Apesar dos dados alarmantes, 2015 registrou redução de 7% de casos de estupro com relação a 2014, o que gera bastante preocupação.
Já no que diz respeito à violência doméstica, diariamente somos noticiados de histórias trágicas, em que mulheres são agredidas física e mentalmente, principalmente por seus companheiros, ex-companheiros e até mesmo por seus familiares. Em casos mais graves acabam perdendo a própria vida. Segundo o “Mapa da Violência” de 2015, entre 1980 a 2013, em torno de 106.093 mulheres brasileiras foram vítimas de assassinato e, entre 2003 a 2013 a quantidade de vítimas brasileiras aumentou de 3.937 para 4.762, considerando-se mais de 21% na década.
Com a Lei Maria da Penha (Lei Nº 11.340/2006) - de proteção e prevenção contra a violência doméstica - é possível perceber que o Brasil tem avançado no quesito de proteção sobre a mulher, pois muitas mulheres passaram a ter coragem para denunciar seus agressores, mas ainda há muito que ser trabalhado para que esses números de agressões possam ser reduzidos ao máximo. Por muito tempo a sociedade brasileira acreditou que a mulher fosse apenas um objeto para satisfazer os desejos dos homens e, infelizmente, ainda existem resquícios dessa cultura machista nos dias atuais.
Em se tratando do Direito Internacional, é essencial mencionar como se originou a Lei Maria da Penha, pois é por conta desta Lei que podemos enxergar avanços sobre a proteção dos direitos humanos da mulher no Brasil. A Lei “Maria da Penha” tem como motivação o caso da senhora Maria da Penha Maia Fernandes, que ao longo de sua vida matrimonial sofreu várias agressões físicas e psicológicas, como também, tentativa de homicídio, o que resultou na degradação de seu estado de saúde, acarretando paraplegia irreversível. Acontece que a senhora Maria da Penha não conseguiu êxito ao buscar a tutela jurisdicional brasileira, desse modo e diante da injustiça de não obter penalização ao seu agressor, enviou denúncia, em conjunto com o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. No que diz respeito a denúncia:
“A denúncia alega a tolerância da República Federativa do Brasil (doravante denominada “Brasil” ou “o Estado”) para com a violência cometida por Marco Antônio Heredia Viveiros em seu domicílio na cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, contra a sua então esposa Maria da Penha Maia Fernandes durante os anos de convivência matrimonial, que culminou numa tentativa de homicídio e novas agressões em maio e junho de 1983. Maria da Penha, em decorrência dessas agressões, sofre de paraplegia irreversível e outras enfermidades desde esse ano. Denuncia-se a tolerância do Estado, por não haver efetivamente tomado por mais de 15 anos as medidas necessárias para processar e punir o agressor, apesar das denúncias efetuadas.” Fonte: Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório Anual 2000. Relatório número 54/01. Caso 12.051 - Maria da Penha Maia Fernandes. Brasil. 4 de abril de 2001.
Após o recebimento da denúncia, a Comissão Interamericana analisou a admissibilidade da demanda e buscou explicações diante do Estado brasileiro quanto a sua omissão no caso, mas ainda assim, o Estado permaneceu omisso. Mesmo com o silêncio do Brasil frente aos esclarecimentos solicitados por parte da Comissão, houve o envio e publicação de Recomendações para solucionar o problema, em que se requereu a solução do processo penal do agressor da senhora Maria da Penha, que fossem adotadas medidas necessárias e indenizatórias para reparar o dano causado à vítima, que fossem adotadas reformas para que se evitassem tolerância e discriminação estatal frente à violência doméstica das mulheres do Brasil, a adoção de políticas publicas socioeducativas e também de segurança à respeito do assunto.
Em suma, foi somente depois deste infeliz cenário que o Brasil se viu obrigado a adotar medidas de proteção para a mulher, mas sabemos que esse é um problema que ainda deve ser incansavelmente trabalhado e discutido, pois é notório que é um problema cultural. Com certeza existiram muitas outras "Marias" da Penha em nosso país. A questão é que agora as mulheres possuem mecanismos para denunciar seus agressores e devem procurar cada vez mais pela tutela de seus direitos.
Conclusão
É possível afirmar que um grande passo para mudar o cenário global e do nosso país no que diz respeito à aplicação de direitos humanos é divulgando-os ainda mais, pois sabemos que muitas pessoas já ouviram falar sobre direitos humanos, mas elas não possuem o conhecimento de quais direitos são e, como já mencionado, precisamos ter ciência dos nossos direitos para que possamos buscar pela efetividade deles em nossa sociedade.
Além disso, faz-se necessário o entendimento do funcionamento das Cortes Internacionais, - em especial para nós, sobre o funcionamento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos - pois é através destes sistemas que poderemos responsabilizar os Estados frente à violação de direitos humanos.
Em se tratando do Brasil, observa-se que a necessidade do empoderamento das mulheres sobre seus direitos se faça presente, pois o que faz com que muitas mulheres continuem sofrendo agressões ou vivenciando a violência doméstica é a tolerância e normalidade sobre o assunto. O problema está em achar que a agressão contra a mulher é uma coisa comum e normal. É necessário muito mais que um Estatuto ou Tratado para que os direitos humanos sejam efetivamente respeitados. É necessário organização civil, adoção de políticas públicas sobre medidas de prevenção e punição, e, ainda, a criação de uma cultura de tolerância zero sobre qualquer tipo de violência contra a mulher.
Referências
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 15ª Edição. Revista e Atualizada, 2014. Páginas 260 a 265. BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
PIOVESAN, Flávia. "Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos" (Artigo).
PIOVESAN, Flávia. Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos. (Artigo)
Anotações de Aulas de Direito Internacional Público, segundo semestre de 2016. Professor Gabriel Teixeira Haddad no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).
DUDH. Declaração Universal de Direitos Humanos (1848). http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/
Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto San José da Costa Rica (1969).
PIOVESAN, Flávia. “A Proteção Internacional dos Direitos Humanos das Mulheres” (Artigo)
Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório Anual 2000. Relatório número 54/01. Caso 12.051 - Maria da Penha Maia Fernandes. Brasil. 4 de abril de 2001.
http://www.humanrights.com/
http://g1.globo.com/são-paulo/noticia/2016/11/brasil-teve-5-estupros-por-horaeum-roubo-carro-por-m...
http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/pesquisas/mapa-da-violencia-2015-homicidio-de-mulhere...