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Responsabilização dos Estados frente à violação dos direitos humanos

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22/12/2016 às 15:31
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O presente artigo busca trazer esclarecimentos acerca dos direitos humanos e da responsabilização dos Estados no que tange a sua violação.

Introdução

Para que possamos compreender de forma clara e objetiva a responsabilização dos Estados no âmbito da violação dos direitos humanos, é necessário que se tenha, primeiramente, uma compreensão do que eles são.

Além de saber o que são os direitos humanos, há que se falar também da construção desses direitos no decorrer da história da humanidade, pois sabemos que até a criação da Declaração Universal de Direitos Humanos (em 1948), diversas sociedades tiveram que sofrer e lutar, passando por guerras e revoluções, até que viessem possuir determinados direitos.

É notório que, até mesmo nos dias atuais, tais direitos não têm sido, ainda, efetivamente respeitados no cenário global. É possível perceber, também, que as desigualdades sociais ainda são um problema que assolam muitas sociedades que ainda são privadas de suas liberdades individuais e não possuem um direito tão conhecido como: a “dignidade à vida”.

Dessa forma, trataremos da conceituação de tais direitos para que possamos abordar a questão das responsabilidades dos Estados, pois um dos requisitos necessários para que possamos reclamar por nossos direitos é ter conhecimento deles.


1. O QUE SÃO OS DIREITOS HUMANOS?

A ideia de Direitos Humanos é antiga, surgiu nos primórdios do desenvolvimento das sociedades, quando ainda não haviam direitos disponíveis à todas as pessoas, mas apenas para algumas pessoas.

A primeira Declaração de Direitos Humanos foi constituída em 539 a. C. Pelo primeiro rei persa, Ciro II, após conquistar a Babilônia. Em seu governo, Ciro II passou a decretar leis em favor da sociedade, suas leis mais conhecidas foram constituídas em um cilindro de barro, conhecido como "Cilindro de Ciro" e foi neste cilindro que se estabeleceu que todos os povos exilados na Babilônia teriam direito a regressar às suas cidades de origem, que as pessoas tivessem liberdade para escolher sua própria religião e ainda, que se constatou a igualdade racial.

"Com início na Babilônia, a ideia de direitos humanos espalhou–se rapidamente para a Índia, Grécia e por fim chegou a Roma. Ali surgiu o conceito de “lei natural”, na observação do fato de que as pessoas tendiam a seguir certas leis não escritas no curso da vida, e o direito romano estava baseado em ideias racionais tiradas da natureza das coisas." Fonte: http://www.humanrights.com/

Com a disseminação das ideias desses direitos outras pessoas começaram a lutar pelas mesmas liberdades e por mais direitos. A falta de garantias de liberdades individuais, desde sempre, foram problemas que geraram desigualdades sociais entre as diversas sociedades, pois estavam protegidos aqueles que detinham o poder da força e das riquezas. Sendo assim, foram necessários muitos séculos de lutas, Guerras e Revoluções para que as minorias passassem a ter voz e possuir direitos. A exemplo disso, temos em nossa história a criação de vários documentos que puderam afirmar os direitos individuais, como a tão conhecida Carta Magna (1215), a Petition of Rights ou Petição de Direitos (1628), a Constituição dos Estados Unidos da América (1787), a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a Declaração dos Direitos dos Estados Unidos (1791), sendo esses os grandes exemplos escritos para incentivar a criação da ideia de direitos humanos que temos hoje em dia.

No entanto, a necessidade da sofisticação e conscientização da humanidade frente aos direitos humanos só se deu efetivamente muito mais tarde, em 1945, após a Segunda Guerra Mundial. Foi após a Segunda Guerra Mundial que se percebeu que era indispensável a criação de algum ordenamento que pudesse promover a paz no âmbito internacional. Sendo assim, alguns Estados se propuseram a fundar a ONU - Organização das Nações Unidas, também em 1945, a fim de reforçar a existência dos direitos humanos, que foram finalmente organizados em forma de documento em 1948, com a criação da Declaração de Direitos Humanos.

Mas afinal, o que são os direitos humanos? Os direitos humanos são os direitos básicos essenciais à vida dos seres humanos, são os direitos necessários para que se possa garantir as liberdades individuais e à dignidade da vida humana. Esses direitos são inerentes a todos os seres humanos, são universais, independentemente de sexo, cor, raça, religião, orientação sexual ou política. São direitos oponíveis, ou seja, disponíveis a todos.

A Declaração Universal de Direitos Humanos elenca trinta direitos essenciais básicos aos seres humanos, porém, não estabelece qualquer órgão institucional judiciário que tenha competência para assegurar e garantir que esses direitos sejam efetivamente respeitados. Segundo o autor Francisco Rezek, dos Arts. 4º ao 21 da referida declaração tem-se menção dos "direitos civis e políticos", que mais tarde vieram a ser chamados de "direitos humanos de primeira geração".

"Ali se diz que todo homem tem direito à vida, à liberdade e segurança; a não ser jamais submetido à escravidão, à tortura e a penas cruéis ou degradantes; ao reconhecimento de sua personalidade jurídica e a um processo judicial idôneo; a não ser arbitrariamente detido, preso ou desterrado, e a gozar de presunção de inocência até que se prove culpado; a não sofrer intromissões arbitrárias a sua vida particular, na família, no domicílio e na correspondência; à livre circulação e à escolha de seu domicílio; ao asilo quando perseguido por delito político; a uma nacionalidade; ao casamento e à constituição de família; à propriedade singular e em condomínio; à liberdade de pensamento, convicção política, religião, opinião e expressão, reunião e associação pacíficas; a participar do governo de seu Estado patrial e a ter acesso, em condições igualitárias, à função pública." Fonte: REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 15ª Edição. Revista e Atualizada, 2014. (Página 261).

Como "direitos de segunda geração" que classificam os "direitos econômicos, sociais e culturais", o autor Francisco Rezek se refere aos Arts. 22 ao 27.

"(...) a Declaração versa os direitos políticos que a pessoa humana deve ter"como membro da sociedade". São eles o direito ao trabalho e à previdência social, à igualdade salarial por igual trabalho, ao descanso e ao lazer, à saúde, à educação, aos benefícios da ciência, ao gozo das artes, à participação na vida cultural da comunidade." Fonte: REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 15ª Edição. Revista e Atualizada, 2014. (Página 261).

Já os "direitos de terceira geração" (Arts. 28 a 30) se referem aos: “(...) direitos à paz, ao meio ambiente, à copropriedade do patrimônio comum do gênero humano". Fonte: REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 15ª Edição. Revista e Atualizada, 2014. (Página 261).

Francisco Rezek em conjunto com o Pierry Dupuy apontam que o grande problema dos direitos de terceira geração seria identificar quem são os credores e devedores de tais direitos, tendo em vista que são reclamáveis tanto pelos indivíduos, como por parte da administração pública e Estatal.

Feitas estas considerações, vale mencionar como esses direitos têm sido encarados no cenário global atual. É notório que, ainda, há muito que se trabalhar para que os direitos humanos sejam efetivamente respeitados. Ainda hoje, as desigualdades sociais continuam fazendo parte das mazelas de muitas sociedades. Pessoas continuam sendo torturadas em cenários de guerras, tal como as guerras continuam acontecendo, como a da Síria e Estados Unidos. A intervenção Estatal continua arraigada, impedindo que as pessoas possam ter suas liberdades individuais, a exemplo da Coreia do Norte. A evidente discrepância entre a distribuição de rendas entre as várias classes da sociedade brasileira, onde poucos possuem o acesso a uma vida digna.

Como bem expressa Flávia Piovesan, “(...) com o intenso envolvimento da sociedade civil, o sistema internacional constitui poderoso mecanismo para reforçar a proteção dos direitos humanos em nossas regiões, invocando uma cidadania revitalizada e ampliada, pautada na prevalência absoluta da dignidade humana.", e é assim que devemos lutar por nossos direitos, envolvendo a sociedade civil e buscando conhecê-los ainda mais, para que possamos reclamar por eles.


2. PROTEÇÃO DA PESSOA HUMANA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS ESTADOS FRENTE À VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS.

Para promover a solução de conflitos no que diz respeito aos direitos humanos e ao bem-estar entre os Estados, criaram-se muitos tratados em busca da proteção de direitos e dissolução de controvérsias, mas, ainda assim, houve a necessidade da criação de sistemas jurídicos, ou seja, das Cortes Internacionais. Essas Cortes foram e são criadas em conjunto pelos Estados, que, por sua vez, estabelecem suas regras e competências - o que se poderá julgar e quem poderá julgar. Vale mencionar, também, que entre estas Cortes não há hierarquia, pois cada sistema possui a sua própria hierarquia.

Ainda no que diz respeito à criação de mecanismos para a proteção internacional da pessoa humana, houve a criação da CIJ - Corte Internacional de Justiça, também conhecida como Corte de Haia, por estar situada em Haia nos Países Baixos. A CIJ foi criada em 1945, no mesmo contexto da criação da ONU e tem como objetivo promover a manutenção da paz. Nessas circunstâncias de proteção e manutenção da paz, surgem outros sistemas de atuação conjunta à da ONU, com o mesmo propósito de proteção dos direitos humanos, os chamados “sistemas regionais de proteção”, que procuram dar estabilidade aos direitos humanos nos planos regionais, como na Europa, América e África.

No que tange à responsabilização dos Estados frente à violação de direitos humanos e entre outras regras de Direito Internacional, vale reiterar que dentro do Direito Internacional Público não existe estrutura hierarquizada que detenha o completo monopólio da força. Não existe Tratado que regulamente como se deverá proceder para aplicar uma sanção a um Estado que viole os direitos humanos, porém, existem regras costumeiras gerais, que envolvem a observância de três requisitos para que um país seja penalizado: i) Se o ato ou omissão é passível de responsabilização, ii) Se causou dano e iii) Se há nexo de causalidade. Além disso, observa-se também se o dano causado é ilícito ou escusável e se viola dois princípios basilares, como o Princípio da Prevenção – princípio consolidado do Direito Internacional, que se refere ao conhecimento do risco e da escolha de assumir causar o dano - e o Princípio da Precaução – princípio que ainda está em consolidação, mas se refere a suspeita fundada de risco, em que se solicita que o Estado busque conhecer dos riscos de sua atuação sob pena de responsabilização.

Os meios para pressionar um Estado a modificar sua atuação frente à violação de direitos humanos e tratados são utilizando dos mecanismos de Contramedidas (retorsão e represália) ou Guerras. A retorsão é um mecanismo de pressão não armada, um ato que, embora lícito, é considerado descortês ou desproporcional, pois se utiliza da ideia de fazer com que o Estado repense suas atitudes sem a utilização da força, como por exemplo, expulsando nacionais do Estado infrator de seu Estado ou decretando suspensão de emissão de vistos. Já a represália pode utilizar do uso da força armada contra um ato ilícito, – não vale para violação de direitos humanos - fazendo com que o Estado infrator retome a obrigação dele. Esse mecanismo deve ser proporcional, principalmente se for armado. Para que a represália com uso de força armada seja lícita é necessário que se tenha tentado dialogar com o Estado infrator anteriormente. No caso do uso da força armada, que seria a própria Guerra, vale mencionar que o Direito Internacional proíbe esse mecanismo, mas pode ser utilizado em duas situações: i) Legítima defera e ii) Segurança coletiva.

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Com relação às sanções aplicadas pelo sistema regional sobre violação de direitos humanos, trataremos do sistema regional da América ou Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, aplicável ao Brasil. Sendo assim, é indispensável mencionar que, um dos Tratados que regem a essência deste sistema é o Tratado de São José da Costa Rica (1969), pois foi durante a conferência deste Tratado que o Sistema Interamericano foi criado. O Tratado de São José da Costa Rica foi constituído com o intuito de alicerçar um acordo entre os países do Continente Americano, dentro do rol de países de instituições democráticas, para reafirmar os direitos humanos. Dessa forma, houve a necessidade de se criar um sistema jurídico que pudesse resolver as controvérsias em nosso Continente.

O Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos é composto por dois órgãos autônomos da OEA – Organização dos Estados Americanos, sendo eles a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A Corte Interamericana é composta por sete juízes eleitos pela OEA, com mandato de seis anos, havendo a possibilidade de recondução por uma vez. Além dos seis juízes tem-se a possibilidade de se nomear um juiz ad hoc. A Corte Interamericana possui competência Contenciosa e Consultiva em matéria de direitos humanos, em que a competência Contenciosa diz respeito às demandas litigiosas, em que os Estados membros da OEA devem reconhecer a competência da corte para que se possa decidir sobre os litígios. Já a competência Consultiva diz respeito às demandas de interpretação sobre os dispositivos contidos em Tratados em que os países membros da OEA fazem parte.

Sobre a violação de direitos humanos e com base no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, é possível dizer que tanto um Estado Americano, OI – Organizações Internacionais, como um cidadão americano, podem buscar pela tutela do Sistema Interamericano. Sendo assim, o processamento de um agente infrator – que, normalmente, será um Estado - se dá com uma denúncia escrita, que deve obedecer a alguns requisitos, como: a) Quando houver esgotamento dos recursos internos e b) Ser enviada após o prazo de até seis meses da notificação do último recurso. A denúncia é recebida, primeiramente, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que irá analisar a admissibilidade do litígio e se possui a competência para solucioná-lo.

Se a Comissão aceita a denúncia passa a buscar por esclarecimentos por parte do agente infrator, feito isso, a Comissão emite um relatório ou carta contendo recomendações para solucionar o determinado conflito. Por último, caso o infrator não tome as devidas providências para solucionar o problema, o caso passa a ser analisado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em que apenas os Estados possuem acesso. Vale mencionar que, a Corte Interamericana julga demandas que se referem às violações de direitos humanos e sua tomada de decisões são públicas e as deliberações são sigilosas, com fundamento no Pacto de São José da Costa Rica, sendo este o processo para penalizar um país que tenha praticado violação de direitos humanos. A título de curiosidade, os países sujeitos ao Sistema Interamericano são: a Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Grenada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Saint Kitts e Nevis, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Catherine Groenwold. Responsabilização dos Estados frente à violação dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4922, 22 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53716. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Trata-se de um trabalho acadêmico no âmbito da disciplina de Direito Internacional Público.

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