I - INTRODUÇÃO
A religião está presente no cotidiano humano desde os primórdios da civilização, confundindo-se em alguns períodos, com o próprio Estado.
Na acepção constitucional moderna da Constituição da República de 1988, o seu texto está repleto de direitos-garantia, como é o caso do inciso IV, artigo 3º, que se mostra no texto constitucional como um dos objetivos da República, afastando quaisquer tipos de preconceitos e discriminações.
Ademais, o fundamento mor da nossa república, inciso III, art. 1º do texto Constitucional, protege o homem contra toda e qualquer tentativa do Estado ou do particular em mitigar tal garantia; A dignidade da pessoa humana é imensurável, embora passível de controle judicial, com o fim de evitar a banalização de tal fundamento.
A seguir a constituição de 1988 em seu art. 5º, inciso VI diz que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Continua ainda o constituinte originário, garantindo, aos que escolham professar uma crença religiosa, mas que estejam impedidos de fazê-lo por seus próprios meios, a assistência religiosa necessária art. 5º, VII. A CF/88 garante ainda que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa, art. 5º, VIII.
Percebe-se claramente que o Constituinte originário teve a devida precaução no início do inciso VI do art. 5º: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença” (deixou a cada um a escolha), aí incluída a liberdade de não professar nenhum culto ou religião, confirmando a neutralidade do Estado quanto a esse cunho.
O constituinte protegeu o direito de escolha do cidadão por professar ou não uma crença ou religião, prevendo inclusive tipificação penal a quem tentar furtar tal direito, como se vê no art. 208 do Código Penal:
“Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência”.
A lei 7.716/89 também criminaliza a afronta a tal liberdade:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Até então a Constituição protege a liberdade de crença e religiosa dos atos dos particulares.
O artigo 19, I da CF/88 veda à União, aos Estados, o Distrito Federal e aos Municípios que estabeleçam cultos religiosos ou igrejas, subvencione-os, embarace-os o funcionamento ou mantenha com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
Afastou aí o constituinte, qualquer possibilidade de retorno dos vínculos entre o Estado e a religião.
Com o fito de propiciar um amplo exercício da liberdade de crença e religiosa no Brasil, o Constituinte Originário achou por bem, diante da competência ampla da União em criar e cobrar tributos, limitar tal atuação prevendo em seu art. 150, VI, “b” a imunidade tributária quanto à impostos aos templos de qualquer culto, como forma de aplicação plena ao direito à liberdade religiosa, sem possíveis intervenções pessoais dos representantes do Estado.
II - HISTORICIDADE DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RELIGIOSA
A imunidade tributária dada às instituições religiosas em nossa história não tinha o ímpeto do ideal de liberdade, pelo contrário, por vezes a não tributariedade do setor religioso se dava pela posição política em que o setor possuía junto ao poder monárquico, outras vezes por o poder estar em suas próprias mãos e ainda por ser a religião oficial do Estado, o que privilegiava a determinada seita religiosa, como foi no Brasil e em boa parte do mundo em relação à Igreja Católica Apostólica Romana.
Tinha-se a ideia de que não se poderia tributar a religião oficial por ser ela uma representação na terra do próprio Deus, o que implicaria em proibição de cobrar tributos da entidade espiritual.
Mas tal benesse não era apenas ao setor religioso, por vezes fora direcionadas a determinadas classes sociais.
As classes influentes se negavam a exercer o papel de contribuintes do Estado, cabendo tal obrigação à classe trabalhadora (COSTA, 2001), sendo a imunidade tributária um verdadeiro privilégio do Estado dado a determinadas classes sociais.
Trazendo a discussão para o âmbito histórico brasileiro, temos que a constituição do império de 1824 traduziu em “garantia” o direito ao culto religioso, porém apenas à Religião Católica Apostólica Romana deu a plena liberdade, às demais deu uma pequena liberdade de culto.
“Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. (Constituição Política do Império do Brasil, 1824).
Além da imunidade tributária a Religião Oficial recebia subvenções do Estado para pagamento dos ministros religiosos e manutenção dos seus seminários.
Somente com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 fez-se menção à liberdade e igualdade religiosa e ao fim de tais regalias, concretizou-se no texto constitucional e sendo ainda o marco da separação Estado-Igreja, uma vez que determinou o estado laico no Brasil, como vemos no art. 72, §§3º e 7º.
§ 3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum
§ 7º - Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados.
O cenário de imunidade foi sendo aperfeiçoado ao que temos hoje com a Promulgação da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, que em seu art. 31 introduziu a imunidade tributária quanto a impostos aos templos de qualquer culto, impondo a condicionante de que as rendas fossem aplicadas integralmente no país em sua atividade fim, além de repetir a vedação de ligação Estado-Igreja e da interferência estatal.
“Art 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:
(...)
II - estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou embaraçar-lhes o exercício;
V - lançar impostos sobre:
(...)
b) templos de qualquer culto bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins”;
A constituição de 1988 acompanhou a linha iniciada pela de 1946 e trouxe a previsão em seu artigo 150, VI,”b” a imunidade aos templos de qualquer culto.
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
b) templos de qualquer culto”;
O texto constitucional trouxe ainda a mitigação quanto à abrangência de tal imunidade, que somente incidirá sobre o patrimônio, renda e serviços dos templos religiosos.
“§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”.
O dispositivo constitucional imunizante parece de uma clareza imensa, porém até hoje causa interpretações dúbias por diversas fazendas no Brasil.
III – O CONCEITO DE LIBERDADE RELIGIOSA
Antes de viajarmos na imunidade em si, necessária trazer à baila algumas considerações quanto ao direito-garantia protegido (ou que se tenta) proteger com o texto imunizante.
Conceituar liberdade religiosa não é tarefa das mais fáceis, haja vista a infinidade de concepções e pensamentos distintos.
Inicialmente, no dizer de José Afonso da Silva, “o conceito de liberdade humana deve ser expresso no sentido de um poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade.” (SILVA, 2014, p. 235).
É esse aspecto que iremos encampar no presente trabalho.
A liberdade religiosa, como uma liberdade humana, é a exteriorização da liberdade de pensamento, sendo direito fundamental onde residem a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. (SILVA, 2014, p. 250).
Na liberdade de crença entra a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. (SILVA, 2014, p. 251).
A liberdade de culto exterioriza-se com a prática dos ritos, no culto, com as suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indicada pela religião escolhida. Tal garantia está prevista no art. 5º, VI da CF/88.
A liberdade de organização religiosa refere-se à possibilidade do estabelecimento e organização das igrejas sem a intervenção estatal em seu funcionamento, mas as instituições religiosas devem cumprir a norma legal para sua criação e organização.
Portanto, a liberdade religiosa consagrada pela CF/88, em sentido amplo, é a liberdade de crer ou não crer em um ou vários deuses, de se congraçar com os seus e ainda dar forma jurídica a tais reuniões de pessoas.
IV – LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR
A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu texto diversas normas-regras a serem aplicadas em desfavor de seu apetite tributário, de forma que protegesse o contribuinte de sua voracidade, e consequentemente, protegendo direitos e garantias fundamentais.
Os princípios contidos no texto constitucional podem ser classificados em princípios gerais, especiais, específicos e imunidades tributárias. Antes de analisarmos o conteúdo proclamado, façamos uma breve abordagem quanto aos princípios.
Os princípios gerais são classificados em expressos, se subdividindo em:
- da legalidade estrita (art. 150, I), onde é vedado ao ente exigir ou amentar tributo sem lei que o estabeleça;
- da igualdade tributária (art. 150, II), busca dar tratamento igualitário, considerando as desigualdades dos contribuintes e proíbe a tributação com distinção em razão da ocupação profissional e ou função exercida;
- da personalização dos impostos e da capacidade contributiva (art. 145, §1º), onde se busca tributar levando em consideração o contribuinte individualmente inserido na sociedade e sua capacidade de sua capacidade de contribuir;
- da irretroatividade tributária (art. 150, III, “a”), onde o ente tributante somente pode cobrar impostos dos fatos geradores ocorridos após o início da vigência da lei que o criou ou majorou;
- da anualidade do lançamento do tributo (art. 150, III, “b”), a cobrança do tributo se dará apenas no exercício financeiro seguinte ao da publicação da lei, cabe exceções;
- da noventena (art. 150, III, “c”), a cobrança do tributo somente poderá ocorrer após o prazo de 90 dias da publicação da lei que o instituiu ou majorou, cabe exceções;
- da ilimitabilidade do tráfego de pessoas ou bens (art. 150, V), proíbe a cobrança de tributos que acabem por limitar o livre tráfego de pessoas dentro do território nacional, exceto a cobrança de pedágio; e
- os princípios gerais decorrentes da universalidade (art. 19, III).
Princípios especiais, aqueles vedados à União:
- da uniformidade tributária (art. 151, I), embora seja permitido os incentivos fiscais na promoção do desenvolvimento das regiões do país, a regra é que os tributos devem ser uniformes em todo território nacional;
- limitabilidade da tributação da renda das obrigações da dívida pública estadual ou municipal (art. 151, II) ;
- de que o poder de isentar é inseto ao de tributar (art. 151, III);
- da não diferenciação tributária (art. 152), não importando a origem e o destino, a tributação deve ser a mesma.
Princípios específicos:
- da progressividade (arts. 153, §2º, I; 156, §1º e 182, §4º, II);
- da não cumulatividade do imposto (arts. 153, IV, §3º, II e 155, II e §2º, I);
- da seletividade do imposto (art. 153, IV, e §3º, I).
Imunidades, que no dizer do professor José Afonso da Silva: “As imunidades fiscais, instituídas por razões de privilégio, ou de considerações de interesse geral (neutralidade religiosa, econômicos, sociais ou políticos), excluem a atuação do poder de tributar. (SILVA, 2014, p. 730).
As imunidades tributárias contidas no art. 150, VI da CF/88, veda à União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços uns dos outros (imunidade recíproca);
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão;
e) fonogramas e videofonogramas musicais e /ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que o contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura laser.
Tais imunidades referem-se apenas aos impostos, excluindo as taxas e contribuições.