Possibilidade de aplicação dos danos punitivos nas relações de consumo

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11/11/2016 às 21:06
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5. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA X DANOS PUNITIVOS

            O enriquecimento sem causa ou ilícito, é assim definido por De Plácido e Silva:

O enriquecimento ilícito ou sem causa é o que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal.”[63]

            Conforme definição exposta acima, o requisito basilar do enriquecimento ilícito é “empobrecer” outrem sem razão jurídica, o que no caso dos danos punitivos tal premissa não é pertinente.

            A busca pela aplicação dos danos punitivos se funda em atos lesivos praticados por fornecedores em relação aos consumidores, como cláusulas abusivas, negativação indevida em órgãos de restrição do crédito, dificultar que o cliente solucione problemas advindos da prestação de serviços, e assim por diante.

            Sendo assim, os danos punitivos não configuram um enriquecimento ilícito, pois, quando arbitrados pelo judiciário, pressupõe a existência de uma razão jurídica, isto é, a reparação pela violação de um bem jurídico tutelado por nossa legislação, ademais, quando determinada sua reparação por um juiz ou por uma turma de Desembargadores, que analisaram os fatos e reconheceram o direito ao ressarcimento, deixa o enriquecimento de ser ilícito, pois fundado em um comando sentencial ou acordão que, por sua natureza e legitimação de quem o prolatou, torna o valor mensurado, independentemente do quantum a ser recebido, lícito.

            Sílvio Rodrigues diz que “o repúdio ao enriquecimento indevido estriba-se no princípio maior da equidade, que não permite o ganho de um, em detrimento do outro, sem uma causa que o justifique”.[64] [grifei]

            Conforme demonstrado no decorrer do trabalho, existem diversas causas que justificam a aplicação dos danos punitivos, em especial, a reiteração de práticas lesivas, onde as condenações de danos morais, já aplicadas pelo Poder Judiciário no Brasil, faz crer que em nada desestimulam estes infratores.

            Giovanni Ettore Nanni faz a seguinte ponderação:

Portanto, verifica-se que, na linha da instituição da pena privada, sustenta-se que a fixação derivada do dano extrapatrimonial deve acompanhar duas diretrizes, quais sejam, ressarcir o dano sofrido e punir o ofensor a fim de que não reincida na prática do ato danoso. Porém, assim procedendo, estar-se-ia concedendo uma indenização superior ao dano efetivo, o que, em princípio, configuraria um enriquecimento sem causa [grifei] .”[65]

            Entendemos, no entanto, que deve prevalecer neste caso a punição do ofensor, pois evitar sua reincidência na prática de atos danosos é buscar pela efetiva proteção de uma coletividade, que será beneficiada por uma única ou algumas decisões que apliquem os danos punitivos, isto é, o efeito será erga omnes.

            Caroline Vaz faz a seguinte ponderação, quanto a alegação de enriquecimento sem causa, por conta da aplicação dos danos punitivos:

Quanto a gerar o enriquecimento sem causa, como esclarecido, pela verificação do tratamento dado à matéria no Direito comparado, os sistemas que aplicam as prestações punitivas destinam o valor a ser pago pela causador do dano, no mais das vezes, à vítima ou a uma entidade pública ou privada de interesse público relacionada ao bem jurídico afetado, ao menos como ocorre nos Estados Unidos. [...] Ressalta-se que o objetivo da aplicação das prestações punitivas não é enriquecer um indivíduo em detrimento do empobrecimento de outro, sendo que a destinação do valor decorrente da condenação para fins punitivos e dissuasórios será regulada por ocasião de sua aplicação.”[66]

            Sendo assim, como solução para o alegado enriquecimento sem causa, ter-se-ia a destinação do valor decorrente dos danos punitivos a associações ou fundos, onde conste a participação do Ministério Público e da comunidade, que promovam a proteção e a conscientização dos consumidores, conforme mesmo indica Maria Celina Bodin de Moraes[67].


6. FORMA ATUAL DE APLICAÇÃO DOS DANOS PUNITIVOS JUNTO AO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO E A APROXIMAÇÃO OU NÃO DO SISTEMA DA COMMON LAW

            Atualmente, no Poder Judiciário brasileiro, os danos punitivos aplicados nas decisões judiciais relacionadas ao direito do consumidor, não possuem a mesma característica dos punitive damages aplicados no direito norte americano.

            O primeiro ponto, que pode ser visualizado é quanto a forma de aplicação, pois não existe uma separação na hora da quantificação da reparação do dano extrapatrimonial e a punição pecuniária.  Os danos punitivos se apresentam como uma extensão dos danos morais, não existindo uma singularidade entre um e outro.

            O segundo ponto é quanto a sua mensuração. Os valores pagos a título de danos punitivos são ínfimos, quase que irrisórios perto dos valores milionários pagos no direito norte americano.

            Por muitas vezes visualizamos acórdãos como o que segue:

RESPOSABILIDADE CIVIL. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SERASA, DECORRENTE DE ERRO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA. DANO MORAL CONFIGURADO IN RE IPSA. CONSUMIDOR SEM QUALQUER REGISTRO NOS CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. CONSTRANGIMENTO INDENIZÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. Comprovada a inscrição indevida do nome do autor no SERASA, por erro do banco, uma vez inexistente a dívida e a condição de inadimplente, configurado o dano moral pelo constrangimento experimentado por quem, sem qualquer registro desabonatório de sua conduta de bom pagador, se viu com o nome inscrito no SERASA. 2. Majorado o valor da indenização, de R$ 3.000,00 para R$ 7.650,00, considerando-se a capacidade financeira do ofensor e o caráter punitivo/pedagógico da condenação, sem promover a alteração do status econômico pelo enriquecimento sem causa da vítima. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DO REÚ. DERAM PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR. UNÂNIME.[68] [grifei]

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            Verifica-se, neste acórdão, a tentativa de dar, majorando os danos morais, um caráter punitivo e pedagógico a indenização imposta, mas tanto a nomenclatura, forma de aplicação, bem como a quantificação do valor, diferem da idéia de danos punitivos.

            Nesse mesmo sentido, se manifestam Judith Martins Costa e Mariana Souza Pargendler:

Similar trajeto se não reflete, como vimos, na doutrina e na jurisprudência brasileiras, que continuam a conotar aspectos punitivos como “imanentes” ou próprios aos danos morais, reforçando-se a tese punitiva que não foi suplantada sequer pela indenizabilidade irrestrita do dano moral pela Constituição de 1988.”[69]

            Caroline Vaz também se manifesta quanto a jurisprudência vincular a função punitiva aos danos morais:

[...] as prestações punitivas/dissuasórias como se percebe da análise até momento realizada, passariam a ser o valor excedente àquele que pertine aos danos patrimoniais e extrapatrimoniais, não se assemelhando ou subsumindo em quaisquer destes.[70]

            Alguns juízes brasileiros, como Hilbert Maximiliano Akihito Obara, já referenciado neste trabalho, tentam modificar esta concepção, aplicando sanções mais expressivas, que atinjam significativamente o “bolso” de grandes corporações, tentando assim, coibir práticas abusivas, que se tornam reiteradas, e fazendo valer princípios constitucionais como o da proteção ao consumidor, estampado no artigo 5º, inciso XXXII da Constituição Federal de 1988.

Para exemplificar a diferença na quantificação de danos punitivos aplicados no Brasil e nos Estados Unidos, trago uma decisão da Corte Americana, no caso Philip Morris USA v. Williams, in verbis:

05-1256 PHILIP MORRIS USA V. WILLIAMS - DECISION BELOW:127 P3d 1165 - LOWER COURT CASE NUMBER: S51805 - In this case brought by the widow of a smoker, the jury held Philip Morris liable for fraud and awarded $79.5 million in punitive damages -- 97 times the compensatory damages awarded by the jury. On remand from this Court for reconsideration in light of State Farm Mutual Automobile Insurance Co. v. Campbell, 538 U.S. 408 (2003), the Oregon Supreme Court upheld the trial court's refusal to instruct the jury that it could not punish Philip Morris for harms to nonparties, concluding that a jury may punish for such harms so long as the conduct that caused those harms is similar to the conduct that harmed the plaintiff. Then, construing the evidence in the light most favorable to the plaintiff, the court proceeded to hold that the punitive award was not unconstitutionally excessive, despite concluding that the punitive award was not reasonably related to the harm to the plaintiff.[71]

            Verifica-se que, as duas diferenças preponderantes na aplicação dos danos punitivos no Brasil e nos Estados Unidos, são, primeiramente, os valores, que chegam as cifras dos milhões, e, segundo, o seu arbitramento distinto do dano moral, não possuindo nenhuma vinculação, sendo assim, resta claro que o nosso judiciário ainda não aplica os punitive damages em suas condenações, em especial, na área do direito do consumidor.


7. CONCLUSÃO

            A ideia da leitura da legislação infraconstitucional à luz da Constituição Federal primar pela aplicabilidade e eficácia de princípios constitucionais, como no caso em tela, a proteção do consumidor, confere subsídios na busca de um fim maior, para inserção dos danos punitivos nas relações de consumo.

            A doutrina, mesmo não sendo vasta neste aspecto, dá grandes contribuições, verificando-se, até mesmo que doutrinadores contrários à aplicação dos punitive damages, admitem seu emprego em casos extremados, como forma de coibir práticas danosas reiteradas.

            Verifica-se, também, que o Poder Judiciário brasileiro aplica, como forma de tentar dissuadir práticas abusivas por parte de fornecedores, um acréscimo no valor dos danos morais dando, assim, um caráter punitivo e pedagógico na condenação, mas tal prática não se assemelha aos danos punitivos e ao formato em que é usado no direito norte americano.

            Constatou-se, na doutrina, que um dos argumentos para contraditar o princípio do enriquecimento sem causa é o direcionamento das condenações a título de danos punitivos para fundos ou associações, fiscalizadas pelo Ministério Público, que invistam em ações para coibir práticas abusivas e, também, na orientação dos consumidores quanto aos seus direitos.

            Ao final, podemos afirmar que está ocorrendo uma movimentação por parte de alguns magistrados em fomentar a aplicação de condenações mais altas, atingindo significativamente a parte financeira das grandes corporações, como meio de coibir práticas que estão se tornando reiteradas e demonstrando o desrespeito das mesmas com a Lei e com o Poder Judiciário.

            Sendo assim, finalizo este trabalho, acreditando que foi alcançado o objetivo de demonstrar a existência da possibilidade de aplicar sanções mais severas, sejam elas nos moldes dos punitive damages, e que com elas, seja realmente alcançada a efetiva proteção do consumidor, que até o momento não pode ser concretizada.

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