Comentários ao rito do Tribunal do Júri

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15/11/2016 às 14:04
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No presente texto, estudaremos um roteiro detalhado do procedimento do Tribunal do júri.

O Tribunal do Júri não se trata de apenas uma apresentação dos trabalhos com esforços de ambas as partes, seja para alçar uma condenação satisfatória ou a árdua absolvição.

Na tribuna, os personagens são como polos positivos e negativos, não se acertam, repelem-se, divergem entre si das ideias e dos ideais.

Por um lado, o ímpeto da defesa no máximo do seu convencimento, da comoção dos jurados, da aproximação de Deus e da natureza humana como forma errante comum e inerente a todos. Do outro lado da tribuna, a sociedade representada pelo Estado, pessoa fria, determinada e incansável em busca do direito de punir pelo erro outrora cometido. Ambos em sua máxima condição do convencimento e acirrado ímpeto no embate.

Na tribuna, o Direito toma forma, respira, transpira odor, tem movimento e livre convencimento, a letra fria impressa no papel cria vida, há a transformação do homem e o irreal se torna real, cresce e encorpa-se, expressa-se e o que outrora se tratava de simples ideias agora fazem-se presentes e participantes.

Há cumplicidade do homem com a lei, há contorno e aplicabilidade, há entendimento e omissão, há boa vontade e memória, há comoção perante o júri, e assim, passa-se a existir.

Nada que se tem em mente à respeito dos debates respalda-se perante o júri.Tcharlye Guedes Ferreira

Tudo se faz novo, do olhar à entonação vocal, da expressão corporal ao semblante, da prosopopeia na labuta dos gladiadores ao empenho na empáfia desafiadora dos comuns em sua máxima representatividade.

O Tribunal do Júri é organismo vivo e pensante. Não se trata apenas dos presentes, mas de todo o cenário.

Há que se respeitar a importância da reunião e decisão que será tomada. Não há lugar para inveja ou mentiras, a decisão sempre se dará de forma imparcial e com a soberania garantida.

No man has a good enough memory to be a successful liar. Abraham Lincoln

Falar do Tribunal do Júri é expressar-se além das palavras, é dar forma às palavras impressas nos códigos e sobressair os sentimentos. Mas não se trata apenas de forma poética e toque leve de romantismo, mas há um rito a ser seguido, o que veremos a diante.

O Ilustríssimo Senhor João Ary Gomes, Juiz de Direito, hoje na cidade de Uberlândia, dá-nos aula ímpar do rito seguido no Tribunal do Júri, o que se faz necessário repassar nesta oportunidade. Nossos mais sinceros agradecimentos pela aula, com os devidos comentários.


A – INSTALAÇÃO

I . Abertura:

Entrada do Juiz, Promotor e Escrivão.

  1. Cumprimentos iniciais do Juiz:

Boa tarde, senhoras e senhores, daremos início, neste momento, à instalação da sessão do Tribunal Do Júri da Comarca de … Passo à conferência das 25 cédulas dos jurados sorteados para esta sessão.

II. Verificação das cédulas

O Juiz confere as 25 cédulas, assinando o termo comprobatório.

III. Chamada dos Jurados

O Sr. Escrivão procederá à chamada dos jurados sorteados para esta sessão.

O jurado ausente terá seu motivo apreciado pelo juiz. Não havendo motivo justificado e comprovado para a ausência, o jurado será punido com multa de um a dez salários mínimos. O jurado faltoso, com justificativa ou não, será automaticamente incluído na próxima sessão periódica do Tribunal do Júri.

Peço aos jurados que respondam “presente”.

O Escrivão faz a chamada, anota os jurados presentes, mantendo as cédulas sobre a mesa.

IV. Resultado da chamada

1. Havendo mais de 15 jurados, mas faltando algum, com ou sem escusa, e se houver mais processos na pauta de julgamento, proceder ao sorteio dos suplentes, anunciando:

Procederei ao sorteio dos jurados suplentes, para completar o número legal para o próximo julgamento.

2. Realiza-se o sorteio, pelo próprio juiz. Os nomes dos sorteados são anunciados pelo Juiz e anotados pelo Escrivão, para que consigne na ata, expedindo-se, ainda durante o julgamento, mandado de intimação dos mesmos.

3. Comparecendo menos de 15 jurados, não pode prosseguir, anunciando o Juiz:

DEIXO DE INSTALAR A SESSÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI, POR FALTA DE NÚMERO LEGAL DE JURADOS. DESIGNO NOVA SESSÃO PARA DIA ... FICANDO TODOS CONVOCADOS. PROCEDEREI AO SORTEIO DOS JURADOS SUPLENTES PARA COMPLETAR O NÚMERO LEGAL. OS FALTOSOS SERÃO PUNIDOS NA FORMA DA LEI.  AGRADECIMENTOS.  ENCERRAMENTO.

4. Havendo número legal, coloca-se as cédulas dos presentes na urna, fechando-a, e anuncia-se o julgamento.

V. Anúncio da sessão e do processo

Havendo número legal de jurados, declaro instalada e aberta a Sessão do Tribunal do Júri desta Comarca. Será submetido a julgamento o processo penal que a Justiça Pública move contra … sendo vítima …

Peço ao Sr. Oficial Porteiro que faça o pregão das partes e testemunhas, recolhendo-as aos seus devidos lugares.

O Oficial faz a leitura do pregão, com o nome da Comarca e Vara, nº do processo, artigo do código penal, Promotor de Justiça, Réu, vítima (se houver), Defensor, Testemunhas. Lavra-se a certidão – chamada – juntando-se aos autos.

VI. Comparecimentos

1. Do réu: pede aos Srs. Policiais para apresentá-lo à frente do Juiz, indagando-o:

Qual seu nome? Sua idade? Seu advogado?

O Escrivão confere e anota. Determina que o réu tome seu lugar.

2. Do advogado defensor:

Convido o Dr. …. para tomar assento na tribuna da defesa.

VII. Ausências

1. Do réu:

Se tiver preso – não se realiza, mesmo que tiver sido intimado. Adia-se para o primeiro dia desimpedido e requisita-se. Havendo pedido de dispensa de comparecimento, assinado pelo réu e pelo defensor, realiza-se.

Se tiver solto, por qualquer motivo: realiza-se se tiver sido intimado para o julgamento, pessoalmente ou por edital. Se não foi intimado, adia-se e determina-se a intimação.

2. Do defensor:

Intimado – com motivo justo – adia-se, ouvindo o Promotor.

Intimado – sem motivo justo – adia-se, nomeando outro – comunica a OAB.

Não intimado – adia-se.

Se o réu estiver preso, o adiamento deverá ser para o primeiro dia desimpedido.

3. Do Promotor:

Com motivo justo – adia-se.

Sem motivo justo – adia-se – comunicando ao Procurador Geral da Justiça.

4. Do Assistente da Acusação:

Com ou sem motivo – realiza-se.

5. Das testemunhas:

Regra geral – realiza-se o julgamento.

Se intimada por mandado, arrolada como imprescindível e seja residente na cidade – suspende-se o julgamento e determina-se sua condução coercitiva.

Se não localizada no endereço, para ser conduzida, o julgamento prossegue.

Se intimada, mas não seja possível sua condução imediata, em razão da distância ou outro motivo: se não arrolada como imprescindível, realiza-se; se arrolada como imprescindível, adia-se para o primeiro dia desimpedido e determina-se sua condução pela PM.

Se na sessão designada não for encontrada, realiza-se.

Se residente em outra Comarca – intimada ou não – realiza-se.

Se a testemunha deixou de comparecer sem justa causa, aplica-se multa de 01 a 10 salários.

VIII – Sorteio dos Jurados

Procederei neste momento ao sorteio dos sete jurados, dentre os presentes, para formação do Conselho de Sentença, mas antes advirto aos senhores e senhoras que não poderão servir no mesmo Conselho, entre os sete sorteados:

Marido e Mulher ou companheiro e companheira;

Ascendentes e descendentes – pai, avô, filho, neto;

Sogro e sogra com genro ou nora;

Irmãos, cunhados – durante o cunhadio;

Tio com sobrinho;

Padrasto ou madrasta com enteado;

Parentes próximos do Juiz, do Promotor, do Advogado de Defesa, do Assistente da Acusação, do réu ou da vítima;

Quem tiver sido testemunha ou exercido qualquer função no processo;

Quem já tiver manifestado disposição para condenar ou absolver o réu;

Quem for amigo íntimo ou inimigo capital do réu ou da vítima;

Quem tiver alguma demanda com o réu ou com a vítima;

Quem for credor ou devedor, tutor ou curador do réu ou da vítima;

Quem tenha tomado parte como jurado no julgamento anterior deste processo (se for o caso).

Advirto, ainda, aos senhores jurados que, uma vez sorteados, não poderão se comunicar entre si ou com outras pessoas, nem manifestar sua opinião sobre o processo, podendo, no entanto, sempre dirigir a palavra ao Juiz.

Solicito aos jurados sorteados que, caso queiram usar o telefone celular para algum aviso à família ou ao trabalho, que o faça antes do juramento. Em seguida, devem desligar e manter desligados seus aparelhos durante todo o julgamento.

Finalmente esclareço que a dispensa ou recusa de algum jurado não constitui nenhum demérito ou discriminação. Ao contrário, o jurado às vezes é dispensado por causa de suas virtudes e qualidades.

Peço ao jurado que, ao ser chamado, levante-se.

Retira a cédula, lê o nome do jurado, indagando, primeiro da Defesa e, em seguida do Promotor, se aceita ou recusa.

Defesa? … Promotor?

Os jurados aceitos deverão ser encaminhados aos seus devidos lugares, vestindo a beca.

1. A defesa e a acusação poderão fazer três recusas cada, sem motivação. Acima de três, só com motivo – suspeição ou impedimento. Levantado o motivo, o juiz deve consultar a parte contrária para depois decidir se exclui o jurado. Havendo concordância da Defesa e da Acusação, deve excluir, independentemente de ser legal o motivo. Os jurados excluídos por impedimento ou suspeição são contados para constituir o número legal. Se houver “estouro de urna”, o julgamento será adiado para o primeiro dia útil desimpedido. Suspeição ou impedimento não reconhecidos pelo Juiz não suspendem o julgamento, constando da ata.

A recusa de um dado jurado se dará pela relevância, sexo, idade, aparência e outras possíveis afinidades com o caso. Cada jurado que se apresenta, será analisado pela defesa e acusação, conforme vestes, adereços e joias, corte de cabelo e até entonação da voz. É importante ter calma e observar além dos detalhes. Saber recusar é uma arte, que apenas com o estudo e prática lhes dará a escolha correta. Trata-se de estratégia, trata-se de observação e tato.

2. Em caso de parentesco de jurados, serve o primeiro sorteado. Jurado que participou de julgamento de um réu não pode participar do julgamento do corréu.

3. Sendo mais de um defensor com um único réu, somente um advogado faz as recusas, e somente três (recusas).

4. Sendo mais de um réu e mais de um defensor, só um advogado faz as recusas, até seis. Se não concordarem, ambos são consultados, podendo a defesa de cada réu recusar até três jurados.

Neste sentido, decidiu o TJMG, em julgamento de Júri presidido por este juiz, verbis:

“O julgamento foi desmembrado diante da divergência entre os defensores em relação aos jurados. A cada defensor foram oportunizadas três recusas, a meu ver, de forma acertada. É direito de cada acusado aceitar ou recusar, por si só, o jurado sorteado, sendo que o art. 461, caput, do CPP, apenas faculta, caso os réus forem dois ou mais, que as defesas atribuam as recusas a um só defensor. Não coincidindo a recusa, dar-se-á a separação do julgamento, nos termos do dispositivo em questão” (Apelação Criminal n° 1.0470.02.010235-1/002 – Comarca de Paracatu).

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5. Havendo divergência (um réu aceita e outro recusa ou a Defesa aceita e o Promotor recusa) quanto a um jurado, este será recusado, prosseguindo-se até que acabam as recusas (três para cada réu e três para o Promotor). Somente nesta hipótese, “estouro de urna” pelas recusas, é que o julgamento será separado, de conformidade com o novo art. 469 do CPP. Deve-se ter cuidado para que pelo menos um dos réus seja julgado naquela sessão, pois, em caso de mais de três réus, podem ocorrer tantas recusas que não fique saldo de sete jurados. Para isso, o Juiz deve separar o julgamento antes que o número de jurados a serem sorteados seja insuficiente para compor o Conselho de Sentença.

6. Se houver divergência e necessidade de separar o julgamento, será julgado em primeiro lugar o réu a quem foi atribuída a autoria do fato (primeiro o autor e não o partícipe) e, em caso de coautoria, julga-se primeiro o que está preso; se todos presos, aquele há mais tempo na prisão e, persistindo igualdade ou sendo todos soltos, o pronunciado há mais tempo. O(s) outro(s) será julgado no primeiro dia desimpedido.

IX. Compromisso do Conselho

Estando os sete jurados assentados, o Juiz, ficando de pé, determina:

Levantem-se todos, por favor, para o juramento do Conselho de Sentença.

Senhores Jurados, levantem o braço direito.

Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão, de acordo com a vossa consciência e os ditames da Justiça.

Assim que eu disser o nome do jurado, por favor responda:

Assim o prometo.

Senhor Jurado … (chamar o nome de todos, aguardando a confirmação) Podem sentar-se.

O Oficial colhe a assinatura dos jurados no Termo de Compromisso.

O Juiz se dirige aos demais jurados, não sorteados:

Os demais jurados estão dispensados …

Havendo mais julgamentos na pauta:

… ficando desde já convocados para o próximo julgamento, amanhã, às … horas.

Querendo permanecer no Plenário será um prazer. Se quiserem levantar, fiquem à vontade.

Muito Obrigado.

O mesmo Conselho poderá julgar mais de um processo na mesma sessão, se as partes o aceitarem, prestando novamente o compromisso.

X. Entrega de cópia da pronúncia e relatório aos Jurados

Neste momento, faz-se a entrega aos Jurados de cópia da pronúncia e do relatório do processo, elaborado de conformidade e no momento previsto no art. 423, II, do CPP. O relatório deve ser sucinto e substitui o da legislação anterior, que o Juiz fazia oralmente, em plenário. Não pode ser longo para que os Jurados não gastem muito tempo lendo, atrasando o julgamento. Recomenda-se que, neste momento, após o compromisso e a entrega de tais peças aos jurados, e antes da oitiva das testemunhas, aguarde-se alguns minutos, pois, caso contrário, estar-se-ia impedindo ou prejudicando a leitura dos jurados. Pode o Juiz, no entanto, já consultar as partes se desejam ouvir as testemunhas e, caso queiram, já ir chamando e qualificando a primeira. Se dispensarem a oitiva, já pode ser qualificado o réu, enquanto os jurados estão lendo as peças.

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Sobre o autor
Tcharlye Guedes Ferreira

Advogado formado pela Universidade Salgado de Oliveira, Editor e CEO no Portal jurídico Veredictum, especialista em Turn around and Strategy.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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