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A configuração do "foro do idoso" no novo Código de Processo Civil

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20/12/2016 às 10:13
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6 - ALGUMAS SITUAÇÕES PROBLEMÁTICAS

Demonstrado o novo perfil do foro do idoso, resta abordar brevemente algumas questões que serão enfrentadas pelo operador do direito quando da aplicação da nova regra de competência territorial especial.

A primeira delas diz respeito à colisão com outras normas de competência especial de natureza relativa, a exemplo do que ocorre quando uma ação em que pessoa maior de 18 anos pede alimentos em face de pessoa idosa que não reside no mesmo domicílio ou residência do alimentando[48]. Nesse caso, deve prevalecer o foro do idoso (art. 53, III, "e" do NCPC) ou o foro do alimentando (art. 53, II)?

Antes da vigência do CPC/15, a questão era resolvida pela jurisprudência pátria em favor do alimentando, sob a alegação de que a regra do art. 80 do Estatuto do Idoso seria inaplicável ao caso, por não envolver interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos do réu[49].

A nova feição do foro do idoso, de alcance mais abrangente, exigirá que a questão seja abordada sob ângulo diverso. Ainda que a parcela (alimentos) tenha natureza patrimonial, é nítida sua relação direta com direitos fundamentais enumerados pelo próprio Estatuto em seu art. 3º, já que a dignidade e a subsistência do próprio idoso alimentante podem ser afetadas por ações desse jaez. Além disso, o pedido envolve a análise de aspectos peculiares à condição etária da pessoa idosa, como particularidades relativas às suas relações familiares; à forma de remuneração do idoso, muitas vezes já aposentado; aos gastos diferenciados com saúde em razão de enfermidades típicas da idade, etc. A reunião desses fatores enseja a potencial aplicação da prerrogativa processual do novo art. 53, III, "e" do NCPC.

A saída para situações como essa não é simples. Ordinariamente, a colisão entre regras que estabelecem competências territoriais especiais leva à aplicação do foro comum, sendo devido o ajuizamento da ação no foro do domicílio do réu (no caso, o alimentante idoso).

Entretanto, como as duas normas concretizam valores de especial dignidade, defende-se que a solução deve ser obtida em cada caso, em um juízo de ponderação, a partir da análise da parte mais vulnerável na situação concreta.

No hipótese da ação de alimentos, a despeito da mudança de prisma, tende-se a manter a prevalência do foro do alimentando mesmo no contexto do CPC/15, pois aquele que pede alimentos costuma enfrentar situação de maior vulnerabilidade em relação ao alimentante, mesmo que este seja idoso.

Vale ressaltar, que, por óbvio, havendo conflito com regra de competência absoluta, esta última deverá prevalecer sobre o foro do idoso, a exemplo do que se dá com o art. 47 do NCPC.

De se destacar que a jurisprudência também privilegia o alimentando nas hipóteses de ação de alimentos cumulada com ação de investigação de paternidade, conforme teor da Súmula nº 1 do Superior Tribunal de Justiça[50], inteligência que se estende a outras ações, a exemplo da cumulação com petição de herança[51].

Nestes casos, porém, o argumento vitorioso é a prevalência do foro especial do alimentando (art. 100, II do CPC/73, atual art. 53, II do CPC/15) em detrimento do foro geral - a que se submete, por exemplo, a ação de investigação de paternidade. O raciocínio não ajuda a resolver a situação ora apreciada, pois nesta ambas as regras de competência são especiais e relativas.

Situação similar ocorrerá quando autor e réu forem idosos. Daniel Amorim Assumpção Neves defende a prevalência do foro do domicílio do réu, posicionando-se pela aplicabilidade da regra geral (foro comum)[52].

Data maxima venia, na linha do que já defendido, ousa-se discordar do ilustre processualista neste ponto. Pensa-se que a solução proposta pelo jurista deve ser subsidiária, adotada apenas caso seja inviável aplicar critério que melhor atente para o caráter tuitivo do instituto.

Primeiro, deve o magistrado se utilizar de critérios psicobiológicos, econômico-financeiros ou sociais para privilegiar o idoso em situação de maior vulnerabilidade (mais idoso, com maior dificuldade de deslocamento, em situação de maior hipossuficiente do ponto de vista econômico-financeiro, etc.). Caso não haja distinção relevante entre os litigantes, aí sim, aplica-se o foro geral, prevalecendo o foro do domicílio do réu.

A terceira situação problemática diz respeito às ações com cumulação objetiva. Havendo diversos pedidos na mesma ação, sendo que alguns não se submetem à aplicação do foro do idoso, onde deverá ser proposta a ação?

Entende-se que cabe ao juízo do local de residência do idoso a competência para apreciação dos demais pedidos, desde que estes não se submetam a regra de competência absoluta. Aplica-se, pois, a mesma lógica da Súmula nº 1 do STJ, prevalecendo o foro especial sobre o comum.

A última questão digna de atenção neste breve estudo é possivelmente a mais complexa e relevante, por ser de ocorrência mais comum. Perquire-se quanto à possibilidade de afastar o foro do idoso quando este prejudicar a celeridade e a eficiência da prestação jurisdicional.

É certo que nem sempre a escolha feita pela pessoa idosa será a mais adequada para a melhor qualidade da prestação jurisdicional. O local da residência do idoso pode ser muito distante daquele em que deverão ser produzidas as provas, fato que poderá retardar e encarecer o processo.

Mantendo o critério adotado na análise das demais situações, considera-se que, mais uma vez, caberá ao juiz ponderar os valores em jogo e, em situações de extrema desproporcionalidade, poderá rejeitar a opção do idoso caso esta seja excessivamente prejudicial à demanda e à parte contrária.

Pode-se imaginar a hipótese de processo ajuizado por idoso que envolva a oitiva de várias testemunhas e a produção de complexa prova pericial em local distante da residência do autor, que, por sua vez, demonstra vigor físico, elevado status social, situação financeira confortável e facilidade de acesso ao foro do domicílio do réu, que é o mesmo local em que as provas deverão ser produzidas. 

A prevalência do foro do idoso, no caso, além de dificultar a defesa do réu e complicar, encarecer e atrasar o andamento do feito ao embaralhar notificações e exigir a utilização de cartas precatórias, acabará por prejudicar o próprio reclamante ao retardar o provimento jurisdicional.

A soma destes fatores poderá conformar valor que supera a mera comodidade do idoso, nos casos extraordinários em que sua vulnerabilidade for suficientemente atenuada por circunstâncias fáticas. Conformadas tais condições, pensa-se que restaria  excepcionalmente justificada a superação da regra de competência territorial especial.


CONCLUSÃO

Antes do advento do NCPC, a aplicabilidade do foro do idoso às lides individuais envolvia polêmica, decorrente da sua previsão legal no art. 80 do Estatuto do Idoso, dispositivo claramente voltada para as ações coletivas.

Verificava-se divergência mesmo no seio da própria corrente que se posicionava pela aplicabilidade à lides individuais desta regra especial de competência, notadamente quando ao regime jurídico a que esta se submetia – se dispositivo ou cogente – e quanto aos direitos tuteláveis por meio das ações submetidas ao foro do idoso.

Este quadro de dissenso minava a celeridade dos feitos em que se pretendia a aplicação da prerrogativa processual e a própria segurança jurídica, gerando debates estéreis travados em exceções de incompetência e preliminares que atrasavam a obtenção de solução efetiva para a lide.

O art. 53, III, "e" do Novo Código de Processo Civil foi inserido com o desiderato de sanar as controvérsias, conferindo maior coesão e organicidade ao sistema processual.

A partir da vigência do novo dispositivo, seu campo de incidência nas lides individuais se torna evidente, ao mesmo tempo em que se esclarece que a previsão do art. 80 do Estatuto do Idoso é dirigido às ações coletivas, em ratificação à posição doutrinária e jurisprudencial que já era majoritária.

Além disso, a regra do NCPC confere nova conformação ao foro do idoso, ampliando sua efetividade ao evidenciar que, nas lides individuais, a competência é do tipo territorial relativa, sendo faculdade do hipossuficiente a utilização ou não da prerrogativa. Do mesmo modo, o local do ajuizamento da ação deverá observar critério mais flexível, baseado na mera residência do idoso, podendo ou não coincidir com seu domicílio.

Por fim, a nova configuração do instituto afasta interpretações restritivas quanto ao alcance da regra, inclusive aquelas que a vinculavam ao rol do art. 79 do Estatuto do Idoso.

A expressão "direito previsto no respectivo estatuto", inserida no art. 53, III, "e" do NCPC com o evidente propósito de limitar sua aplicação, faz alusão às ações voltadas para a tutela do amplo conjunto de direitos fundamentais da pessoa idosa, ainda que dotados de certo caráter não predominante de disponibilidade e patrimonialidade, desde que relacionados à condição etária deste grupo de pessoas. 

Não é preciso, pois, que o direito a ser tutelado seja explicitamente referenciado pelo Estatuto, seja no art. 3º, no art. 79 ou qualquer outro. Não se exige, também, que haja previsão pormenorizada do direito na lei. Basta que se trate de direito fundamental próprio da pessoa idosa e sua tutela poderá ser maximizada por meio da adoção do foro do idoso.

Promove-se, assim, o acesso à justiça e o respeito a este grupo populacional crescente em número e importância social, amenizando a desventura de uma sociedade que ainda não aprendeu a valorizar seu próprio futuro.


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Sobre o autor
Bruno Ítalo Sousa Pinto

Especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG, em Direito do Trabalho e Previdenciário na Atualidade pela PUC-MG e em Direito Civil e Processual Civil pela UCDB-MS. Bacharel em Direito (UFPI). Analista Judiciário, desempenhando a função de Assistente de Juiz no TRT da 16ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Bruno Ítalo Sousa. A configuração do "foro do idoso" no novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4920, 20 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53901. Acesso em: 2 nov. 2024.

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