O Governo da República propõe a definição de um modelo sindical adequado às novas exigências da vida moderna como tema primeiro das discussões do Fórum Nacional do Trabalho. Assim, pela ótica do Planalto, antes de se discutir qualquer reforma da C L T, deve-se proceder à análise do modelo vigente de organização dos trabalhadores.
Entende que somente uma estrutura de sindicatos verdadeiramente representativos pode propiciar uma discussão objetiva quanto à reforma trabalhista, afirmando seus agentes políticos que o Governo tem idéias apenas, mas não tem propostas, e que estas propostas devem aflorar das discussões das quais participem as representações dos trabalhadores e dos empresários.
Discordamos, em primeiro lugar, da prioridade estabelecida: discutir a reforma da estrutura sindical sem cogitar de regulamentar ou disciplinar um mínimo de direitos e garantias já estatuídos na Constituição e nos textos legais resulta extremamente perigoso.
Em sede de Direito do Trabalho é comum que muita gente aplauda entusiasticamente as novidades ; alguns o fazem, cheios de esperança, movidos pelo caminho que os sonhos prometeram a suas ânsias; outros, quiçá, por acharem moderno apoiar toda e qualquer mudança, ainda que de efeitos duvidosos.
Assim, não faltou quem brindasse as inovações da contratação de trabalho em regime de tempo parcial, com a redação emprestada aos artigos 58 A e 130 A, ambos da CLT [1], a contratação de trabalho por prazo determinado e o banco de horas-extras com redução de direitos do trabalhador [2] ;muitos enxergaram nas Comissões de Conciliação Prévia a saída para agilizar e descongestionar a Justiça do Trabalho; outros tantos chegaram a levar ao Congresso o malfadado projeto de lei 4302/98 – que facilitava a terceirização fraudulenta- tão horrendo que foi retirado de pauta pelo atual Governo, mediante a pressão dos trabalhadores.
Já a algum tempo estes mesmos setores elegeram a CLT e a unicidade sindical como grandes vilãs a entravarem as conquistas dos trabalhadores. Enxergam na Convenção 87 da OIT um elixir mágico capaz de promover a classe operária, de criar postos de trabalho, de alavancar o progresso do país; pregam um liberalismo ímpar, alardeando a plena e total autonomia dos trabalhadores se organizarem como melhor lhes aprouver.
E quais são seus principais argumentos ? Em primeiro lugar alardeiam que a CLT e a unicidade sindical são filhas do fascismo e da era Vargas, ambas elaboradas com o propósito de atrelar o sindicato ao Governo para frear a luta dos trabalhadores; em segundo lugar argúem o grande número de sindicatos existentes no país; e mais, dentre outros, levantam que a atual estrutura privilegia o peleguismo, afastando os trabalhadores dos sindicatos.
Fato é que nesta discussão não há lugar para preconceitos; do contrário teríamos de repudiar o direito ao voto feminino, o direito às férias e à aposentadoria dentre tantos outros nascidos, a bem da verdade, em tempos de exceção, mas, principalmente, à custa das lutas dos trabalhadores e de mentores políticos cujos ensinamentos inspiraram nossos pensadores, políticos e sindicalistas mais expressivos.
Quanto ao grande número de sindicatos, não há lógica para explicar que a possibilidade de criação de dois, três ou mais sindicatos por empresa, possa diminuir a quantidade de sindicatos ora existentes.
Alguns dos detratores do sistema sindical vigente admitem que se e quando o pluralismo for instituído vai imperar o caos; contudo, afirmam que este caos será temporário, até que ocorra a acomodação da nova ordem.
Trata-se de raciocínio simplório: todos que labutamos no sindicalismo, sabemos com que dificuldade conquistamos os avanços e com que facilidade nossos inimigos se lançam a destrui-los. Destruída a precária organização que ainda temos será muito difícil reorganizar a classe operária.
Quanto ao peleguismo, não há estrutura que, de per se, possa outorgar títulos de honradez ou de canalhice a qualquer militante ou sindicalista. O que deve ser implantado são condições para fomentar a participação dos trabalhadores em suas organizações o que traduz uma das facetas do exercício pleno da cidadania.
Nada impede que a legislação infraconstitucional discipline a relação básica entre associados e diretoria ou entre estes e o patrimônio, em termos específicos, a exemplo do que já ocorre no Decreto 3708/19 (Sociedades por Quota Limitada), na Lei 4591/64( Lei do Condomínio),na Lei 6404/76 (Lei das S/A) e no novel Código Civil.
Nenhum dos preceitos veiculados nestas leis gravam a liberdade individual ou a economia de mercado; nem caracterizam intervenção do Estado nos negócios particulares : apenas delimitam matérias em lei de ordem pública, definida nas palavras de Henri de Page:
" aquela que atende com os interesses essenciais do Estado ou da coletividade, ou que fixa, no Direito privado, as bases jurídicas fundamentais sobre as quais repousa a ordem econômica ou moral de determinada sociedade "
Concretamente, o que se pode afirmar é que os países que encamparam a pluralidade sindical ostentam índices pífios de sindicalização ; com a agravante de que são sociedades com um grau maior de cidadania e acesso à informação, o que não impediu a fragmentação e o desmonte.
Não questionamos a necessidade de rever alguns pontos da CLT ou de aprimorar a relação sindical. Contudo, a primeira de todas as lutas do sindicalismo deveria ser a regulamentação do inciso I, artigo 7° da Constituição:
" Art. 7°. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;"
...
Como já afirmado acima, muitos dos que persistem na implementação do pluralismo sindical são os mesmos que apoiaram as reformas que ensejaram a contratação a tempo parcial, a prazo determinado, o banco de horas e as comissões de conciliação prévia, todas alardeadas como grandes avanços no diapasão da supremacia do negociado sobre o legislado.
Para começarem a se redimir, melhor seria que apoiassem a ratificação da Convenção 168 da OIT, que dispõe sobre a vedação de despedida imotivada do emprego.
Não vemos como um sindicalismo que venha a surgir do pluralismo, fragmentado em luta fratricida de entidades pela representação dos trabalhadores, possa vir a fazer frente às reformas trabalhistas : a exemplo do passado, estas poderão derrogar as garantias e direitos que ainda resistem na boa e velha Consolidação das Leis do Trabalho.
A OIT 87 também é velha, pré- aids e pré pílula anticoncepcional; mas não é isto que a desqualifica, senão sua total incompatibilidade com os reclamos de uma sociedade brasileira, plural, com suas especifidades e ainda fortemente marcada pelo individualismo que a passos lentos vai sendo mitigado pela conscientização da classe operária.
Desagregá-la, pulverizá-la em nome de um sentimento libertário, individualista e neoliberal é um inominável desserviço ao Brasil.
Felizmente muitos companheiros que no primeiro momento perfilharam a modernosa pluralidade reviram suas posições e hoje apóiam a unicidade e a manutenção da CLT e do artigo 8° da Constituição do Brasil.
Não há que se falar do negociado sobre o legislado, nunca houve: nem nos áureos tempos do milagre econômico no ABC, nascedouro ou reverberador das atuais teorias liberais.
A incapacidade ou lentidão de estabelecermos um sistema de fiscalização e implantação de garantias e de exercício da cidadania não pode ser debitado, indiscriminadamente, à conta da estrutura sindical vigente. Esta mesma estrutura foi a que permitiu avanços consideráveis, inclusive na alteração da composição do Poder Executivo e Legislativo.
Sem a manutenção e regulamentação dos direitos básicos da cidadania das quais a CLT é uma fiel guardiã, de nada servirá qualquer alteração da organização sindical, para a manutenção ou avanço no pouco que conseguimos até agora.
Muito pelo contrário...
Notas
1 Decreto-lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943 (Título VI-A introduzido pela Lei n° 9.958, de 12 de janeiro de 2000.)
58-A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a vinte e cinco horas semanais.
§ 1° O salário a ser pago aos empregados sob o regime de tempo parcial será proporcional à sua jornada, em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral.
§ 2° Para os atuais empregados, a adoção do regime de tempo parcial será feita mediante opção manifestada perante a empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação coletiva.
2 Lei n° 9.601, de 21 de janeiro de 1998
Art. 1° As convenções e os acordos coletivos de trabalho poderão instituir contrato de trabalho por prazo determinado, de que trata o art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, independentemente das condições estabelecidas em seu § 2°, em qualquer atividade desenvolvida pela empresa ou estabelecimento, para admissões que representem acréscimo no número de empregados.
Art. 2° Para os contratos previstos no art. 1°, são reduzidas, por sessenta meses, a contar da data de publicação desta Lei:
I - a cinquenta por cento de seu valor vigente em 1° de janeiro de 1996, as alíquotas das contribuições sociais destinadas ao Serviço Social da Indústria - SESI, Serviço Social do Comércio - SESC, Serviço Social do Transporte - SEST, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC, Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte - SENAT, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agraria - INCRA, bem como ao salário educação e para o financiamento do seguro de acidente do trabalho;
II - para dois por cento, a alíquota da contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, de que trata a Lei n° 8.036, de 11 de maio de 1990.