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Importância e reflexos do fim da unicidade sindical no âmbito da proposta de reforma sindical contida na PEC nº 29/2003

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29/06/2004 às 00:00
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5. Conclusões.

O interesse em transmudar o regime sindical, da atual unicidade imposta por lei para um modelo plural, sem a limitação hoje constante do inciso II, do artigo 8º da Constituição Federal é questão que em muito ultrapassa os limites do plano jurídico, emergindo como opção política de extrema importância, dados os reflexos econômicos no campo das relações de trabalho.

Não há unanimidade quanto ao sistema mais eficaz, como é natural em matéria tão complexa. Doutrina e trabalhadores dividem-se, ora na defesa do sistema em vigor, ao argumento de que dividir é enfraquecer, ora em prol do regime plural, sob o lema da plena liberdade sindical.

Como destacado no estudo, a origem da unicidade sindical brasileira encontra-se no regime fascista da Itália, incorporado pelo ordenamento nacional em momento histórico-político autocrático, sob os auspícios do Estado Novo de Getúlio Vargas. Sob esse ângulo, parece claro que essa limitação não se compatibiliza com o regime democrático que atravessa o país, bastando argumentar que a própria Itália, fonte de inspiração de nosso modelo, há muito já adotou a pluralidade.

Aliás, no âmbito do direito comparado é este último o modelo adotado em todos os países ocidentais democráticos, assim o sendo, igualmente, pela Organização Internacional do Trabalho.

Não bastassem esses dados objetivos, há a considerar que a pluralidade traz a indiscutível vantagem de possibilitar, também, a existência de um único sindicato para determinada categoria, apenas deslocando essa decisão para o democrático campo da escolha dos interessados, o que evidentemente não se dá na unicidade, imposta que é por lei. Trata-se da unidade sindical, possível no pluralismo, incabível no modelo unicista.

O que é indispensável enxergar, na análise da reforma, é que os sindicatos brasileiros mais fortes, sempre em evidência na mídia, não extraem sua consistência da unicidade, mas da consciência de seus filiados. Além disso, também o fato de estarem situados nos estados mais desenvolvidos da federação, onde o movimento sindical tem história marcante no cenário político e econômico, influencia a força desses entes.

Não é o que se passa, porém, com a maioria dos sindicatos nacionais, mergulhados que se encontram num estado de paralisia que apenas beneficia o lado mais forte da relação de emprego, sob as mais diversas formas de dissimulação do controle patronal. Isso sim, como resultado da unicidade, fator definitivo da baixa representatividade dos sindicatos e do conseqüente comodismo de seus dirigentes, apenas preocupados em manter a prerrogativa da estabilidade, em evidente desvio da finalidade desse instituto.

Diante de todas essas circunstâncias, o que se espera é que a democracia chegue ao âmbito do sindicalismo, eis não se justificar o modelo atual, de parcial liberdade, sendo certo que a pluralidade enseja não só a concorrência entre os sindicatos, mas, principalmente, a resolução da questão da representatividade, exigindo ação madura da classe trabalhadora, em contraponto à inércia em que se encontra o modelo.

Nesse sentido, a PEC-29/2003 representa um grande passo, embora, como dito, não devesse ter adentrado na questão da escolha do sindicato mais representativo.

Em linhas gerais, porém, é positiva a proposta, apenas com a ressalva apontada. Por isso, entre a mudança propugnada pela PEC e o modelo vigente, melhor a PEC.


Referências bibliográficas.

Brito Filho, José Cláudio Monteiro de. Direito sindical. São Paulo: LTr, 2000.

Constituição da República Federativa do Brasil (1988).

Delgado, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002.

Pamplona Filho, Rodolfo. Pluralidade sindical e democracia. São Paulo: LTr, 1997.

Proposta de emenda constitucional nº 29/2003, de autoria dos deputados federais Maurício Rands e Vicentinho.

Sady, João José. Reforma sindical: o que a PEC nº 29/2003 pretende é a manutenção do princípio da unicidade. Artigo inserido no site Jus Navigandi nº 79 (20.9.2003). Elaborado em 05.2003.

Siqueira Neto, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores nos locais de trabalho. São Paulo: LTr, 1999.


Notas

1 Também há na legislação estatal, evidentemente, disposições de proteção também ao empregador, parte essencial que é no processo produtivo. O que de momento importa, contudo, é a análise da proteção legal ao trabalhador, afinal de contas o maior beneficiário da preocupação do Estado Legislador, dadas as desigualdades com que se põem as relações entre capital e trabalho.

2 CF/88, art. 8º, inciso V. ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato.

3 No processo de formação do acordo coletivo, a negociação se desenvolve entre o sindicato obreiro e um ou mais empregadores, sem intervenção do sindicato patronal. Isso não afasta, contudo, a idéia de lei. Apenas restringe seu alcance, limitando-o à fração da categoria representada na negociação.

4 Não existe, desse modo, particularidade tamanha no ramo juscoletivo que lhe permita, ainda que através da negociação coletiva, romper, drasticamente, com o núcleo basilar de princípios do Direito do Trabalho e com o patamar civilizatório mínimo fixado pela ordem jurídica heterônoma estatal. (Curso de Direito do Trabalho, Sâo Paulo: LTr, 2002, pág. 1265).

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5 O Brasil tem suas normas sobre sindicalização, ainda hoje e em boa parte, cunhadas com base no corporativismo, adotado a partir da década de 30, não possuindo regime de plena liberdade sindical. (obra citada, São Paulo: LTr, 2000, pág. 94)

6 Considerando que o modelo atual já consagra a liberdade sindical, Júlio César do Prado Leite assim se pronuncia: "O artigo 8º da Constituição Federal, rompendo preconceitos anteriores, assegurou, de maneira linear, a liberdade sindical estabelecendo como partes fundamentais desse propósito a desnecessidade de autorização burocrática para a criação da entidade representativa da categoria obreira ou patronal e vedando a interferência estatal em seu funcionamento." (Direito Sindical, José Cláudio Monteiro de Brito Filho. São Paulo: LTr, 2000, pág. 94)

7 O autor assim se pronuncia: "Obviamente, se for da vontade dos trabalhadores manter-se dentro de uma única entidade, tanto melhor, contanto que isto não seja compulsório, limitando totalmente a autonomia da vontade. Em outras palavras, a liberdade sindical que a aqui se propugna diz respeito a uma pluralidade sindical de Direito, que pode, entretanto, derivar uma unicidade sindical de fato, em decorrência, única e exclusivamente, dos interesses dos atores sociais.

Esta liberdade de manifestação de pensamento já ocorre, por exemplo, no pluripartidarismo político e ninguém questiona a legitimidade desta forma de organização, achando que o bipartidarismo refletiria melhor os posicionamentos da sociedade." (obra citada, São Paulo, LTr, 1997, pág. 61)

8 Com isso, a liberdade sindical deixou de ser entendida apenas como um direito reconhecido de associação, para significar também uma limitação ao poder do Estado de desnaturar ou desvirtuar o direito de livre associação das pessoas, como também a livre organização interna e a ação dos sindicatos. Vincula-se, desta maneira, a liberdade sindical com a democracia. A democracia, então, apresenta-se como pré-requisito e, ao mesmo tempo, como possibilidade para a existência dos sindicatos. (idem, pág. 57)

9"O discurso da PEC fala em negociação entre as centrais (uma ‘comissão mista’ das centrais) ou mediante ‘mediação e arbitragem’. Aquele ‘sindicato único’ que não for propriedade de nenhuma central sindical vai ter que entrar também neste garrafão da ‘arbitragem’.

E quem vai arbitrar? Quem vai dizer qual dos ‘sindicatos únicos’ será o ‘sindicato único’ de verdade? A arbitragem, é claro, diz a PEC. Ora, mas, quem são estes árbitros, como serão escolhidos, não fica delimitado. Terá que ser um poder mas, que homens terão esse poder? A PEC não o diz.

Em resumo, o discurso começa por extinguir o sindicato que hoje é o único pela simples razão de que já estava lá quando a discussão recomeçou. E ali mais adiante restaura a velha e tão criticada unicidade sindical vestida com outra roupinha mais elegante. Continuará a existir um sindicato único por categoria. A diferença está em que não mais será aquele primeiro que foi fundado mas, aquele que os ‘árbitros’ escolherem." (autor citado, artigo "Reforma sindical: o que a PEC nº 29/2003 pretende é a manutenção do princípio da unicidade", publicado no site ‘Jus Navegandi’ nº 79 (20.9.2003). Elaborado em 05.2003.

10"(...) em sede de acordo coletivo de trabalho, os sindicatos têm conseguido resultados muito mais eficazes para os trabalhadores do que através de convenções coletivas e, principalmente, da atuação da Justiça do Trabalho, através de seu poder normativo." (Rodolfo Pamplona Filho, Pluralidade sindical e democracia, São Paulo: LTr, 1997, pág. 77).

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Sobre o autor
Raul José da Silva Junior

Professor de Direito Coletivo do Trabalho e de Legislação Social da Faculdade de Alagoas, em Maceió, Pós-Graduado, com especialização em Direito Processual pela Universidade Federal de Alagoas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JUNIOR, Raul José. Importância e reflexos do fim da unicidade sindical no âmbito da proposta de reforma sindical contida na PEC nº 29/2003. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 357, 29 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5401. Acesso em: 4 mai. 2024.

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