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Importância e reflexos do fim da unicidade sindical no âmbito da proposta de reforma sindical contida na PEC nº 29/2003

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29/06/2004 às 00:00
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Os rumos do Direito Coletivo, caso aprovadas as mudanças, alteram-se sensivelmente, invertendo diretrizes centrais traçadas pela Constituição. O cotidiano do sindicalismo brasileiro será diretamente afetado; bem assim suas estruturas e modo de atuação.

1. Introdução.

Discutir reforma sindical não é tarefa simples. O tema, naturalmente polêmico, já começa complicado, visto que parte dos sindicatos, com apoio de certo setor da doutrina, entende não haver necessidade de mudanças.

Por outro lado, há clamores em sentido contrário, é evidente. Reclamam-se alterações significativas do modelo, dentre as quais destacam-se o fim da unicidade e da contribuição sindical compulsória, além de mudanças na forma de agregação, hoje por categoria. Partindo dessas premissas, tramita no Congresso Nacional a proposta de emenda constitucional (PEC) número 29, de 2003, de autoria dos deputados Maurício Rands e Vicentinho.

Os rumos do Direito Coletivo, caso aprovadas as mudanças, alteram-se sensivelmente. Basta ver que invertem diretrizes centrais traçadas pela Constituição, há muito em vigor em nosso ordenamento. O cotidiano do sindicalismo brasileiro será diretamente afetado; bem assim suas estruturas e modo de atuação.

Se as mudanças em debate virão para melhor ou para pior é tarefa que não parece de fácil conclusão, dada a complexidade do tema, como facilmente se extrai dessas primeiras linhas. De um lado, há receios de enfraquecimento do modelo; de outro aplausos à idéia de mudar.

Como quer que seja, antes de qualquer olhar nas propostas da PEC-29/2003, parece inconteste a importância do conhecimento de como funciona, no momento, o Direito Coletivo brasileiro.

Só assim a perspectiva do que se propõe novo poderá ter análise eficiente, com a profundidade que a matéria requer.


2. O princípio protetivo no Direito Coletivo e no Direito Individual.

De início, o que é indispensável compreender é que, tanto quanto o Direito Individual do Trabalho, o Direito Coletivo parte da preocupação de proteger o trabalhador.

Nisso convergem esses ramos do Direito.

PROTEGER, portanto, é verbo tão caro ao Direito Coletivo quanto o é ao Direito Individual, onde as normas do Estado recaem diretamente sobre os sujeitos e sobre a própria relação de trabalho (aliás, de emprego, regra geral). E essa preocupação se justifica na medida que o chamado princípio protetivo – também dito tuitivo – constitui princípio geral do Direito do Trabalho.

Está acima, assim, das especificidades que separam aqueles ramos, não sendo relevante, aqui, discutir se há ou não autonomia entre eles. O fato que aqui importa é que tanto um quanto outro têm nesse verbo um pilar de sustentação; um princípio, em suma.

A despeito de comum, entretanto, a proteção se efetiva, numa e noutra hipóteses, com modus operandi essencialmente diversos; ambos com vantagens e desvantagens, sendo certo que com lógicas, nos dois casos, distintas e muito bem definidas.

Pois bem.

No Direito Individual, como consignado, a proteção é DIRETA. E assim é porque endereçada ao titular do direito a ser protegido: o trabalhador empregado [1].

Restando isso claro, voltemos ao que interessa. Não há, no Direito Individual do Trabalho, qualquer forma de intermediação entre a lei do Estado – heterônoma, portanto – e seu destinatário, o trabalhador, via de regra hipossuficiente na relação de emprego.

A efetivação desse modelo protetivo, assim, fica condicionada tão-somente ao binômio lesão ao direito (no plano material), e encaminhamento do conflito à jurisdição (agora já no plano judicial), pela via oficial do processo.

Abstraindo, momentaneamente, os naturais aprofundamentos que envolvem o tema, é este, em apertada síntese, o modo civilizado – e oficial – de solução dos conflitos trabalhistas do Direito Individual, cuja origem se encontra na Tripartição dos Poderes, idealizada por Montesquieu ainda no século XVIII, com o advento da Revolução Francesa, para descentralizar e controlar reciprocamente o Poder.

Este cenário, como se sabe, nada traz de novo à dogmática tradicional, que dele se vale para a solução dos mais variados conflitos, nos mais diversos ramos instituídos no Direito, por questões de ordem operacional.

No Direito Coletivo, entretanto, não se aplicam essas diretrizes. E nisso sua maior peculiaridade.

Não há nesse ramo, com efeito, intervenção da atuação legiferante do Estado de forma direta. Ou, invertendo a colocação, a proteção legal, na hipótese, é apenas INDIRETA.

E é indireta porque não se dirige ao trabalhador, ou, mais precisamente, à categoria profissional, verdadeira titular do interesse a ser resguardado. Destina-se, diversamente, à proteção da figura institucional do sindicato, representante daquele grupo de trabalhadores e, portanto, figura instrumental. Nada mais que isso.

Do ponto de vista legal, pois, a legislação pública existente não se desvia desse foco, cuidando, assim, apenas de revestir a entidade sindical de arcabouço legal que lhe permita atuação livre e honesta, observada a finalidade para a qual criada.

E essa proteção vem revestida de status constitucional, cuidando o art. 8º da Constituição de traçar as linhas gerais do sistema sindical. Nele estão inscritos os princípios da liberdade e da autonomia do sindicato, que evidentemente escapam de qualquer cogitação de alterações, porque inegáveis marcos na evolução do sistema rumo à democracia.

Aqui, o que há de importante é a armadura normativa a envolver o sindicato contra intervenções do Estado, tão comuns em épocas de governos autocráticos. Não há como negar que, em larga medida, a Constituição, nesse mesmo artigo 8º, instituiu expressivos avanços nesse aspecto. Procurou dotar o sindicato de proteção desde seu nascimento até o momento em que, na mesa de negociação, passa a exercer sua função principal: a negociação coletiva.

Nesse contexto, nascer livre, desvinculado dos interesses governamentais, traduziu-se na Constituição logo na primeira parte do inciso I daquele artigo, nos seguintes termos, verbis:

"I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato.. ."

A liberdade de associação e de desassociação também foi objeto da preocupação constitucional [2].

Já a idéia de afirmação do sindicato encontra firme supedâneo no inciso VIII, ainda do art. 8º, vedando a dispensa do empregado sindicalizado desde o registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato. Nisso, supostamente, a garantia de livre atuação de quem se encontra à frente da instituição, a permitir o embate dos interesses da categoria profissional contra os da categoria patronal, quase sempre conflitantes.

Como se vê, no Direito Coletivo há leis prévias, exatamente como no Direito Individual. A diferença é que servem apenas à exclusiva proteção do sindicato, figura central daquele ramo do Direito.

Mas vimos que a preocupação maior do Direito do Trabalho é a proteção ao trabalhador, pelo que a destinação de leis ao ente sindical tem que servir àquele fim; apenas uma forma de propiciar seja alcançada a finalidade maior. E assim o é, como se vê na seqüência.


3. A forma de funcionamento da proteção legal no Direito Coletivo.

Qual seria, então, o meio de concretizar a proteção ao trabalhador, no Direito Coletivo do Trabalho?

A resposta é simples: possibilitar que as próprias partes criem as leis que irão regular sua relação, por meio da negociação. Eis a maior das peculiaridades do Direito Coletivo do Trabalho: leis das partes, isto é, autônomas, decorrentes de método autocompositivo.

Note-se que o fato de decorrerem de convergência de vontades entre as partes faz brotar, quase que involuntariamente, a idéia de contrato. E isso é absolutamente natural, tendo em vista que o documento que nasce do sucesso da negociação retrata, de fato, um acordo de vontades.

Mas tal documento, também dito instrumento coletivo, é, como se sabe, lei, e não contrato.

E a lógica do direito, neste particular, é a seguinte: o que houver sido acordado entre o sindicato dos trabalhadores, cuja participação na negociação é obrigatória (CF, art. 8º, VI) e o sindicato patronal vinculará, indistintamente, toda a categoria profissional, e não somente os filiados ao sindicato [3].

Por outras palavras, qualquer membro de determinada categoria profissional será alcançado pelas disposições da norma coletiva, sendo indiferente ao Direito tratar-se ou não de empregado sindicalizado. Além disso, mesmo os trabalhadores posteriormente contratados terão de submeter-se àquelas regras, de modo que, dali em diante, a relação terá regulamentação específica, no prazo de duração do instrumento normativo. Cuida-se, pois, de regras gerais, impessoais e abstratas, de observância obrigatória. Ora, regra geral, impessoal e abstrata, com poder de coerção, é lei, não há discussão.

Condensando-se tudo, trata-se de substituir a lei do Estado pela lei das partes; a lei pública, pela lei privada, oriunda da negociação entabulada por instituição protegida, o quanto possível, pelo Direito.

A situação foge ao normal, mas não à lógica. E essa lógica é a de abrir exceção ao modo legislativo clássico para que os próprios interessados disciplinem a relação, o que tende a ocorrer de forma mais eficiente, já que os interlocutores vivem essa relação.

Ocorre que regulação eficiente não significa, necessariamente, regulação mais favorável ao trabalhador, já que o poder da pressão econômica pode falar mais alto que o poder jurídico, ou político, do sindicato dos trabalhadores.

Atento a essa possibilidade, a Constituição tratou de elencar em seu art. 7º o que entende os direitos trabalhistas de maior relevância à dignidade do trabalhador. Ali, portanto, os limites mínimos, a indicar que nem mesmo a autonomia privada da negociação coletiva, tão central nesse modelo, pode suprimi-los, salvo as hipóteses em que expressamente ressalvada a possibilidade de negociação, como nos casos dos incisos VI, XIII e XIV daquele artigo, ao dispor sobre irredutibilidade salarial, duração do trabalho e turnos ininterruptos, respectivamente.

Disso se extrai que, quando a negociação não obtiver êxito, deverá prevalecer o Direito Individual, guardião do "patamar civilizatório mínimo" da relação de emprego, nas palavras de Maurício Godinho Delgado [4] (abstraindo, aqui, a possibilidade de solução judicial, via Dissídio Coletivo).

De igual maneira, quando sirva de instrumento para redução de direitos do trabalhador, sem contrapartida em benefício da classe obreira, não deverá prevalecer o fruto da negociação, mas o Direito Individual, por idêntica razão.

Aliás, é extremamente importante destacar que a idéia sobre que se assenta o Direito Coletivo é a de proporcionar melhores condições de trabalho ao hipossuficiente, assim consideradas quando confrontadas com as regras mínimas do Direito do Individual. Por isso a permissão legal de que as partes, negociando, produzam a lei, mais próxima, mais adequada, mais eficiente. Eventual estabelecimento de regras prejudiciais ao obreiro, contudo, somente são válidas quando impliquem verdadeira transação, isto é, quando proporcionem, num contexto mais amplo, benefícios à classe trabalhadora.

O Direito Coletivo, vê-se, não se desgarra do que lhe é princípio geral: a proteção ao trabalhador. Sob tal premissa, pois, deve ser analisada qualquer proposição de mudança.

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4. As falhas do sistema e as propostas de mudança.

Traçado este panorama geral, surge a indagação: onde o sistema é falho? Ou, por visão diversa, o que a reforma sindical intenta modificar?

O ponto central da PEC 29/2003 é a extinção da unicidade sindical, disso decorrendo significantes alterações na estrutura do sindicalismo brasileiro, a seguir apreciadas.

Unicidade significa, em nosso caso, a existência de apenas um sindicato representativo de categoria, profissional ou econômica, numa mesma base territorial, não inferior à área de um Município (CF, art. 8º, II).

Na defesa desse modelo, grande parte dos sindicatos e pequena parte da doutrina especializada. O argumento é o mesmo: fracionar significa diminuir a força. Desse modo, o modelo plural significaria redução do poder de pressão dos sindicatos obreiros, diminuindo-lhes o poder de pressão perante o patronato. Do ponto de vista político, propagam os defensores dessa tese tratar-se de manobra articulada pelo capital, ansioso por desvencilhar-se da atuação que os sindicatos de trabalhadores hoje desempenham, a obrigá-lo a transferir parte do que seria lucro para a classe obreira.

De outro lado, porém, a crítica da doutrina majoritária – e também, importa frisar, de significativos segmentos laborais organizados, como a CUT – Central Única dos Trabalhadores. Aqui, o que se propõe é que a liberdade sindical, em grande medida iniciada pela ordem constitucional, chegue à plenitude, possibilitando a formação de quantos sindicatos queiram os trabalhadores. Pregam, enfim, a extinção dos limites hoje existentes, remanescentes que são do modelo corporativo da Itália,, concebido durante o regime fascista daquele país, e que impede a plena liberdade sindical, como assinala José Cláudio Monteiro de Brito Filho, em sua obra Direito Sindical [5]. Essa corrente parte da premissa de que a possibilidade de fracionamento dos entes sindicais, longe de enfraquecer o sistema, tende a fortalecê-lo, eis estimular a concorrência e a combatividade no meio sindical. Liberdade, então, não poderia significar enfraquecimento.

É inegável haver nos dois lados vantagens [6] e desvantagens. Nada é perfeito, afinal.

O problema que emerge, portanto, é definir qual dos sistemas é mais vantajoso; ou, por outro ângulo, qual traz menos desvantagens.

Não é fácil essa definição. Há argumentos ponderáveis dos dois lados, e a questão transborda do campo jurídico para os ambientes social, econômico e principalmente político, complicando sobremaneira o problema, já tão intrincado.

A amplitude do tema parece impor a coerência como fonte de solução, e ainda assim haverá espaço para discussões; mas é preciso escolher um dos lados.

Em face disso, a indagação inevitável: o sistema de hoje é satisfatório?

A resposta, neste ponto, deve considerar toda a massa trabalhadora; é dizer: casuísmos, de qualquer dos lados, devem ser repelidos.

Daí porque a existência de alguns poucos sindicatos com estrutura invejável, eficientes e combativos, não serve como retrato do modelo, no âmbito global. Da mesma forma, casos escabrosos de sindicatos controlados, às escâncaras, por empregadores, também não reproduzem com fidelidade o problema.

Pela média, assim, deve ser visualizada a situação e a conseqüente solução. "Virtus in medius", conforme o brocardo.

Nessa linha, a realidade que se apresenta é a de um sem número de entidades sindicais com pouquíssima representatividade, alvo fácil, por isso, das investidas patronais, minimizando o poder de combate negocial, o que termina por refletir os interesses do empregador, e não do empregado. Rememore-se que, casos escabrosos nesse sentido constituem exceção, mas a dissimulação, a situação intermediária, é o comum nessa seara. Comum e danosa, por óbvio.

O sistema, portanto, não é satisfatório.

Basta ver que os ganhos da classe trabalhadora, no momento, além de resumidos a categorias mais fortes, nos estados concentradores de riqueza da federação, têm sofrido com as freqüentes oscilações e crises do mercado econômico. Não que se ignore que essas variações realmente afetam as categorias econômicas; não é isso. Mas também emerge claro que o custo das crises tem sido sistematicamente transferido à classe trabalhadora, quase que com exclusividade, como se dela fosse a responsabilidade pelo cenário econômico deficiente. Obviamente não é, e os riscos da atividade econômica, ademais, devem correr por conta do empregador, e não do empregado, como é primário no Direito Individual.

Mudanças, diante disso, são bem-vindas.

Na PEC-29/2003, a principal delas consiste na extinção da unicidade sindical, transmigrando o modelo para a pluralidade. O atual inciso II do artigo 8º da Constituição, que impõe a vedação de formação de mais de um sindicato, da mesma categoria, numa mesma base territorial, tem seu conteúdo integralmente revisto, dele nada se aproveitando. A nova redação seria a seguinte:

"II – organizações sindicais representativas de trabalhadores e empregadores podem se organizar a partir do local de trabalho e constituir federações, confederações e centrais sindicais e a elas se filiarem, e qualquer uma dessas organizações pode filiar-se a organizações internacionais de trabalhadores e empregadores."

Na justificativa da PEC, a respeito do fim da unicidade, lê-se o seguinte:

"(...) A reforma sindical necessária tem que ir mais além. Tem que eliminar interferências indevidas do estado na organização sindical (aspecto negativo), mas tem de criar mecanismos que fortaleçam a organização sindical autônoma e a negociação coletiva (aspecto positivo)."

Adiante, elenca o que denomina de elementos inovadores no art. 8º da Constituição, referindo-se à "eliminação da unicidade sindical com a solução dos conflitos pela legitimidade para negociar sendo resolvidos pelas centrais sindicais ou pela mediação e arbitragem."

A idéia de afastar definitivamente a intervenção do Estado, no plano legislativo conta com o aval de numerosos e abalizados doutrinadores, dentre os quais Maurício Godinho Delgado, Mozart Victor Russomano, Délio Maranhão e José Cláudio Monteiro de Brito Filho. Sem dúvida, um dos mais fortes argumentos que se pode levantar em favor dessa tese é a vinculação existente entre pluralidade sindical e democracia, tema tratado com excelência pelo professor e juiz do trabalho baiano Rodolfo Pamplona Filho, em seu "Pluralidade Sindical e Democracia [7].

Aliás, em idêntico sentido, José Francisco Siqueira Neto [8].

Em contrapartida, alguns outros doutrinadores, tão ilustres quanto os citados, elogiam a unicidade, estando entre eles, por exemplo, Oliveira Viana, José Martins Catharino, Segadas Viana, Evaristo de Moraes Filho e Orlando Gomes.

Pelas razões já expostas, ficamos com a primeira corrente. Defendemos, enfim, a pluralidade. Mas de momento, o que mais importa é a análise da alteração propugnada na PEC.

A respeito, o que se nota é que a intenção da proposta, no inciso em estudo, não se restringiu a abolir as amarras do texto em vigor, que impõe a unicidade. Mais que isso, tratou de inserir no modelo as centrais sindicais, associações de fato, mas até o momento ainda não de direito. A influência que essas entidades exercem no sistema é notória, dispensando maiores considerações. Daí a conclusão, de pouca dificuldade, do acerto de sua inserção no ordenamento.

Tema que merece análise, na verdade, é a legitimidade de representação da categoria, caso aprovado o pluralismo.

Qual entidade, dentre os possíveis múltiplos sindicatos de uma mesma categoria, ficaria responsável pela representação?

Rodolfo Pamplona Filho, na obra há pouco citada, menciona que a lei ou a jurisprudência deve fazê-lo, com a edição de regras sobre a aferição do sindicato mais representativo, que deve incumbir-se de falar em nome da categoria e o estabelecimento de critérios para a solução dos conflitos de representação

Não é essa a solução da PEC. O que nela se propõe consta do inciso X, hoje inexistente, abaixo transcrito:

"X – os litígios entre as entidades sindicais pela legitimidade para negociação coletiva serão submetidos à central sindical a que elas sejam filiadas ou a comissão mista composta pelas diversas centrais sindicais quando elas forem filiadas a centrais distintas; ou por mediação e arbitragem, quando não houver acordo na comissão mista ou quando as entidades não forem filiadas a qualquer central."

Sobre essa proposição, o professor João José Sady, em recente artigo publicado no site "Jus Navegandi", pronuncia-se de forma irônica, apontando tratar-se de forma disfarçada de manutenção do sistema unicista [9].

A crítica, a nosso ver, é bem colocada. Afinal, o que serve de fundamento à proposta de emenda é a plena liberdade sindical, com o que não se coaduna o estabelecimento de quem definirá o sindicato mais representativo. Mais coerente com tal fundamento, portanto, seria deixar aos próprios interessados a escolha, qualquer que fosse ela.

Nesse contexto, não se pode ignorar a possibilidade, inclusive, de que os trabalhadores prefiram, em determinados casos, a realização de acordos setorizados, tornando desnecessária a negociação com representante de toda a categoria. Uma vez mais, serve a lição do professor Rodolfo Pamplona Filho, que menciona a maior efetividade dos acordos coletivos em relação às convenções coletivas e sentenças normativas, cuja abrangência, como se sabe, é bem mais ampla [10].

De resto, a mudança trazida no inciso IV do artigo 8º, concernente à extinção da obrigatoriedade de contribuição compulsória guarda coerência com a liberdade sindical, importando, porém, em discutir-se se os não-sindicalizados seriam ou não beneficiados com as conquistas de algum sindicato. A questão é de extrema relevância, já que, pelo sistema atual, basta que o trabalhador pertença a determinada categoria para submeter-se à lei coletiva correspondente, o que pode não ocorrer no modelo plural.

Já a alteração do inciso VIII diz respeito à inclusão do representante no local de trabalho como beneficiário da estabilidade sindical, o que, num modelo totalmente livre, em que possível, portanto, a constituição de sindicatos inclusive de empresas, é plenamente justificável, de vez que a proteção à livre atuação do sindicato, enquanto instituição central do Direito Coletivo não foi alvo de propostas de alteração.

Estas duas últimas questões, entretanto, fogem ao escopo deste trabalho, pelo que considerações mais aprofundadas, a respeito, restam dispensadas.

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Sobre o autor
Raul José da Silva Junior

Professor de Direito Coletivo do Trabalho e de Legislação Social da Faculdade de Alagoas, em Maceió, Pós-Graduado, com especialização em Direito Processual pela Universidade Federal de Alagoas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JUNIOR, Raul José. Importância e reflexos do fim da unicidade sindical no âmbito da proposta de reforma sindical contida na PEC nº 29/2003. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 357, 29 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5401. Acesso em: 25 abr. 2024.

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