Responsabilidade da Administração Estatal

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O escopo desse artigo é realizar uma breve análise sobre a responsabilidade civil da Administração Pública.

RESUMO: O escopo desse artigo é realizar uma breve análise sobre a responsabilidade civil da Administração Pública. A forma como esse instituto é observado no ordenamento jurídico brasileiro é o problema a ser investigado. Com a finalidade de granjear o objetivo supracitado, são apresentadas hipóteses referentes ao conceito, à evolução histórica, às teorias e às espécies de responsabilidade civil da Administração Pública. O método adotado foi a pesquisa bibliográfica, que se arrima na doutrina majoritária concernente ao tema.  Transcendendo a seara teórica, o presente trabalho também explora a jurisprudência e, como não poderia ser diferente ao se tratar de Administração Pública, a lei. Os resultados dessa pesquisa apontam os elementos circunstanciais como determinantes na identificação da espécie de responsabilidade civil da Administração Pública. As conclusões, em harmonia com os resultados, denotam a relatividade com a qual o legislador positivou o assunto, prevendo, para cada caso, uma obrigação específica.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil, Administração Pública, Estado, Direito Brasileiro.

CIVIL LIABILITY OF PUBLIC ADMINISTRATION

ABSTRACT:The scope of this paper is to perform a brief analysis of the liability of Public Administration. The way this institute is observed in the Brazilian legal system is the problem to be investigated. In order to gain the above purpose, hypotheses are presented for the concept, the historical evolution, theories and liability species of Public Administration. The method used was a literature search, which stow the majority doctrine concerning the subject. Transcending the theoretical harvest, this study also explores the jurisprudence and, as it could not be different than the case of public administration, the law. The results of this research show circumstantial evidence as key to identify the species of liability of Public Administration. The conclusions, in harmony with the results, denote relativity with which the legislator wrote the subject, providing in each case, a specific obligation.

Keywords: Liability, Public Administration, State, Brazilian Law.


1. INTRODUÇÃO

A ideia de responsabilidade civil está alicerçada no dever de reparação do prejuízo, moral ou patrimonial, causado à vítima. O ordenamento jurídico brasileiro, além de prever a aplicação desse instituto nas relações entre indivíduos, também tutela os danos causados pelo Estado. Essa obrigação, de reparar os danos produzidos pelos agentes públicos no exercício de suas funções, é o que se denomina de responsabilidade civil da Administração Pública.

As ações do Estado são desenvolvidas por seus agentes, que são pessoas físicas e, naturalmente, estão vulneráveis a incorrer em comportamentos que podem causar danos a outras pessoas, acarretando na obrigação de reparação, a fim de que se reestabeleça o equilíbrio patrimonial.

Desse modo, considerando sua natureza jurídica, que é de sujeito de direito público, o Estado deve observar a responsabilidade civil, de acordo com o que aduz a Constituição Federal em seu artigo 37, parágrafo 6º. De acordo com esse dispositivo, “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.[6]

Ressalte-se que essa responsabilidade pode se originar não apenas de procedimentos ilícitos, mas também de atos lícitos praticados pelos agentes públicos. Embora comporte uma grande complexidade de condutas, o dever de reparação pelo Estado não é de compleição absoluta, como se verá de maneira mais detalhada adiante, ao serem abordadas as causas de exclusão da responsabilidade civil da Administração Pública.

Facilitar a compreensão sobre as peculiaridades desse instituto é a finalidade precípua desse trabalho, que contempla aspectos históricos, legais, doutrinários e jurisprudenciais. Com esse encadeamento de fontes, tem-se por objetivo fornecer, embora concisa, uma importante contribuição acadêmica sobre o assunto em comento.

Nessa perspectiva, fez-se uso da pesquisa bibliográfica, consubstanciada pelo entendimento doutrinário predominante. Dessa forma, o assunto é minudenciado por meio da análise de elementos conceituais, da evolução histórica, das teorias e das espécies de responsabilidade civil da Administração Pública. Ademais, as ações judiciais pertinentes ao tema também são apreciadas.


2. CONCEITO

A compreensão do conceito de responsabilidade civil da Administração Pública percorre, basicamente, um caminho que compreende o entendimento acerca da responsabilidade em si, a percepção dessa responsabilidade no âmbito civil, além da própria concepção sobre a Administração Pública. Assimilar esses três itens de maneira fragmentada, a priori, faz-se necessário para que se tenha, na sequência, uma visão global a respeito do referido instituto.

Em linhas gerais, o vocábulo responsabilidade, originário do latim, respondere, significa responder, obrigar-se. A etimologia da palavra revela essa acepção, pois nela há a junção de RE, que tem sentido de volta, com SPONDERE, que significa garantir. Portanto, responsabilidade consiste na obrigação do sujeito assumir as consequências de seus atos pretéritos.

A incidência dessa obrigação na seara cível está prevista no Título IX do Código Civil. O artigo 927 assim prescreve: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Os artigos seguintes discorrem sobre os incapazes, os terceiros, as outras pessoas responsáveis pela reparação civil, entre outras singularidades. Nota-se, conquanto, que a abordagem do legislador nesse Título do diploma civil se restringe às pessoas físicas. As obrigações decorrentes das relações entre particulares é que são, nesse caso, estipuladas.

Já o conceito de Administração Pública pode ser compreendido a partir de vários aspectos, tais como formal, material e operacional. Porém, sem que haja o detalhamento de cada um deles, pode-se afirmar, lato sensu, que a Administração Pública é o conjunto dos órgãos governamentais, estabelecidos para cumprir os propósitos do Estado.

Avançando no deslinde da matéria, agora a avaliando de maneira integral, profícua se faz a observação do entendimento de Marcelo Alexandrino[7] (2014) sobre o assunto:

No âmbito do Direito Público, temos que a responsabilidade civil da Administração Pública evidencia-se na obrigação que tem o Estado de indenizar os danos patrimoniais ou morais que seus agentes, atuando em seu nome, ou seja, na qualidade agentes públicos, causem à esfera juridicamente tutelada dos particulares. Traduz-se na obrigação de reparar economicamente danos patrimoniais, e com tal reparação se exaure. (ALEXANDRINO, 2014, p. 814).

Na lição do eminente doutrinador, o conceito de responsabilidade civil da Administração Pública consiste no dever de reparar os danos causados ao patrimônio particular, pelos agentes públicos, em regular exercício.

Corroborando com esse pensamento, Hely Lopes Meirelles[8] assevera que a “responsabilidade civil da administração é, pois, a que impõe a fazenda pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las”.

Alexandre Mazza[9] (2012) é mais um importante nome que se soma a essa percepção. Para ele, a atuação do agente público reflete a própria ação estatal. Assim tece suas considerações:

A moderna teoria do órgão público sustenta que as condutas praticadas por agentes públicos, no exercício de suas atribuições, devem ser imputadas ao Estado. Assim, quando o agente público atua, considera -se que o Estado atuou. Essa noção de imputação é reforçada também pelo princípio da impessoa lidade, que assevera ser a função administrativa exercida por agentes públicos “sem rosto”, por conta da direta atribuição à Administração Pública das condutas por eles praticadas. Nesse contexto, é natural considerar que o Estado responde pelos prejuízos patrimoniais causados pelos agentes públicos a particulares, em decorrência do exercício da função administrativa. (MAZZA, 2012, p. 289).

Maria Sylvia Zanella de Pietro[10] (2014), ao dissertar sobre a questão faz uma importante ressalva:

Trate-se de dano resultante de comportamentos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, a responsabilidade é do Estado, pessoa jurídica; por isso é errado falar em responsabilidade da Administração Pública, já que esta não tem personalidade jurídica, não é titular de direitos e obrigações na ordem civil. A capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas que o representam no exercício de parcela de atribuições estatais. E a responsabilidade é sempre civil, ou seja, de ordem pecuniária. (DI PIETRO, 2014, p. 715).

Após essa breve explanação, é possível afirmar que a responsabilidade civil da Administração Pública é aquela imposta ao Estado, que o obriga a reparar o dano causado a terceiros por agentes públicos, na execução de suas funções.

Ademais, ressalte-se que é imprescindível a presença cumulativa de três requisitos para a caracterização da responsabilidade civil da Administração Pública, a saber: uma conduta lesiva de um agente público; um evento danoso; e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano. Observadas essas condições, a Administração Pública será obrigada a indenizar a vítima.


3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Após a análise conceitual da responsabilidade civil da Administração Pública, faz-se necessário, ainda em caráter propedêutico, compreender a sua contextualização histórica para, na sequência, explorar as questões pertinentes às suas teorias e espécies. Destaque-se que tal conjuntura será apreciada com maior atenção ao ordenamento jurídico brasileiro.

A origem jurídica da responsabilidade civil advém do Direito Romano. Na verdade, nas primeiras configurações de sociedade, inclusive nas pré-romanas, já havia uma noção, ainda que rudimentar, desse instituto, que tinha a ideia de vingança privada como fundamentação. Era uma espécie de resposta própria em face de uma perda.

A Lei de Talião (do latim, lex talionis) foi o primeiro ensaio no sentido de controlar a represália particular, designando uma proporção entre o delito e a pena. Nessa lei, o agente delituoso era punido taliter, ou seja, de tal forma ao dano que causara. As primeiras evidências da Lei de Talião foram identificadas em 1780 a. C, no Código de Hamurabi, no reino da Babilônia.

A partir dessa compreensão do delito emana o próprio Direito Romano, que assimila essa manifestação natural como axioma para, através de sua regulamentação, interferir na sociedade, permitindo-a ou estabelecendo vedações.

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Embora seja indiscutível a contribuição do Direito Romano para o desenvolvimento jurídico da responsabilidade civil, não pode ser olvidada a preciosa lição de Pablo Stolze Gagliano[11] (2012):

Ressalte-se, contudo, como se sabe, que o Direito Romano não manifestava uma preocupação teórica de sistematização de institutos, pois sua elaboração se deu muito mais pelo louvável trabalho dos romanistas, numa construção dogmática baseada no desenvolvimento das decisões dos juízes e dos pretores, pronunciamentos dos jurisconsultos e constituições imperiais. (GAGLIANO, 2012, p.55)

Outra referência histórica da responsabilidade civil foi a Lex Aquilia, que advogava pela substituição de multas fixas por penas proporcionais ao prejuízo causado. Tamanha é sua importância que, atualmente, consiste na nova denominação da responsabilidade civil extracontratual ou delitual.

Assentindo-se um avanço histórico, após o estudo dos primórdios da responsabilidade civil, agora esse instituto passa pelo crivo do direito brasileiro, já com foco na Administração Pública. A primeira Constituição brasileira (1824) entendia que o Estado não era responsável pelos danos causados por seus agentes a terceiros. Assim, os próprios agentes públicos deveriam responder pelas eventuais condutas danosas que viessem a assumir, vale ressaltar, no exercício de suas funções.

Nessa época, sob a égide imperial, o Estado absolutista conferia ao administrador uma espécie de superioridade que o distanciava de qualquer responsabilização perante seus súditos. Agir de maneira contrária ensejaria na percepção de nivelamento com seus subalternos, o que ia de encontro à sua natureza suprema.

Não obstante o acolhimento do regime republicano, a Constituição de 1891 preservou a visão de sua antecessora no tocante à responsabilidade civil da Administração Pública. Os agentes públicos continuavam suportando o ônus pelos próprios atos prejudiciais, praticados no exercício de suas funções.

O Código Civil de 1916, em seu artigo 15, responsabilizava, no âmbito civil, as pessoas jurídicas de direito público pelos danos causados a terceiros por seus representantes. No entanto, esse dispositivo foi declarado inconstitucional.

As Constituições de 1934 e 1937 adotaram a responsabilidade solidária. Desse modo, a obrigação de reparar os danos recaía tanto sobre o Estado quanto sobre seus agentes. Dessa forma, era facultado a administração pagar integralmente o dano e, a posteriori, cobrar a metade do valor ao agente culpado.

Apenas em 1946 a Lei Maior brasileira positivou a responsabilidade objetiva do Estado. As características dessa espécie de responsabilidade serão vistas com maior minudência adiante. As Constituições seguintes mantiveram a mesma ótica com relação ao tema.

Embora a Constituição de 1988 tenha adotado, como regra, a responsabilidade objetiva do Estado, é importante sublinhar que ainda é possível a aplicação da responsabilidade com culpa. Portanto, há a coexistência dessas duas espécies de responsabilidade no ordenamento jurídico brasileiro.

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Sobre os autores
Higor Neves Furtado

Graduando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

João Paulo Moreira Gaspar

Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em Educação Infantil e Ensino Fundamental pela Faculdade Integrada do Brasil (FAIBRA). Graduando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

Dante Feitosa Siebra de Holanda

Professor orientador. Graduado em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará (FAP). Especialista em Direito Previdenciário e Trabalhista pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

Ruan Neves Ribeiro

Graduando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho submetido à VII Semana de Direito da Urca, Grupo de Trabalho 04 – Administração Pública; Direito Penal Constitucional; Direito do Trabalho.

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