Responsabilidade da Administração Estatal

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4. TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Como foi possível observar na análise histórica da responsabilidade civil da Administração Pública, esse instituto foi entendido de maneiras diversas ao longo das Constituições brasileiras. O fato é que as teorias elaboradas sobre o tema evoluíram com o próprio entendimento sobre a ideia de Estado. A responsabilização da Administração Pública só foi possível com o surgimento do Estado de Direito.

Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria objetiva da responsabilidade civil da Administração Pública. Todavia, como já ressaltado no capítulo anterior, essa percepção não foi aplicada desde a primeira Constituição do país. Houve uma morosa evolução até a sua consolidação.

Ampliando a contextualização dos diversos juízos formados sobre o assunto em comento, será realizada a partir deste momento, uma análise conceitual acerca das mais importantes fases da responsabilidade civil do Estado.

4.1. Irresponsabilidade do Estado

Nesta primeira fase o estado por dispor de autoridade incontestável perante os súditos, não aceitava ser colocado no mesmo plano que estes e por ser considerado um ser supremo seria um desrespeito a sua soberania, não podendo em nada ser responsabilizado pelos seus atos.

A esse respeito, aduz Maria Helena Diniz[12]:

A doutrina mais antiga é a da irresponsabilidade absoluta, decorrente da ideia absolutista que apresentava o Estado como um ente todo-poderoso, contra o qual não prevaleciam os direitos individuais. De modo que quem contratava com um funcionário público devia saber que este, enquanto preposto do Estado, não podia violar a norma, uma vez que o Estado exercia tutela do direito. Se o funcionário, no desempenho de sua função, lesasse direitos individuais, ele é que, pessoalmente, deveria reparar o dano e não o Estado. (DINIZ, 2012, p.316).

4.2. Responsabilidade com culpa, ou civilista

Representou uma análise mais profunda do caso, houve uma pequena superação em relação a irresponsabilidade total do estado, começou a admitir a responsabilidade do estado na ideia da culpa (responsabilidade subjetiva). Neste caso a vítima deveria provar o dolo ou a culpa para ressarcir e o estado teria o direito a ação regressiva contra o agente público. No código civil passado, a presente teoria serviu de base para o legislador quando da elaboração do artigo 15 do Código Civil de 1916[13]. In verbis:

Artigo 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. (BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil).

4.3. Publicista

Fase esta adotada pela constituição federal de 1988, em seu artigo 37, 6°, que prevê; as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços púbicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Pouco importa se a vítima é ou não usuário do serviço, princípio da isonomia (não houve essa restrição pela constituição).

Em conformidade com a teoria publicista, procurou-se desligar da responsabilidade do estado na ideia de culpa do agente público, passando a demostrar culpa do serviço público. Deve-se demostrar somente a ocorrência do dano.

4.4. Risco integral

De acordo a teoria do risco integral, o estado é responsável em todas as circunstancia, não sendo permitida nenhuma causa excludente de sua responsabilidade. É uma forma extrema da teoria do risco administrativo, uma vez que gera obrigação à Administração de indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, mesmo que resultante de dolo ou culpa da vitima.

Sobre essa teoria, pondera Carlos Roberto Gonçalves[14]:

Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio de que é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus, isto é, quem aufere os cômodos (lucros) deve suportar os incômodos ou riscos); ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo, em razão de uma atividade perigosa; ora, ainda, como “risco profissional”, decorrente da atividade ou profissão do lesado, como ocorre  nos acidentes de trabalho. (GONÇALVES, 2012, p. 479).

A ideia de culpa está inteiramente relacionada com a realidade de nexo de causalidade com o funcionamento do serviço público somado com o prejuízo sofrido pelo administrado, sendo desprendido que a atividade pública tenha ocorrido de forma regular ou irregular.


5. ESPÉCIES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

As espécies de responsabilidade civil, segundo doutrina majoritária, são: quanto ao fato gerador, contratual ou extracontratual; e em relação ao seu fundamento, subjetiva ou objetiva. A seguir são tecidos breves comentários no sentido de elucidá-las.

5.1. Responsabilidade civil contratual

Nessa espécie, o descumprimento das cláusulas contratuais é o elemento caracterizador do dano. Há uma obrigação stricto sensu. Destarte, a inobservância dessas disposições pelo agente público, gera o dever de indenizar do Estado.

5.2. Responsabilidade civil extracontratual

No que concerne à responsabilidade civil extracontratual, seu fundamento está na preservação do dever jurídico lato sensu. Dessa forma, ao violar um preceito geral, o Estado deve indenizar a vítima.

Celso Antônio Bandeira de Mello[15] assim discorre sobre o assunto em tela:

Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incube de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos. (MELLO, 2000. p. 837).

5.3. Responsabilidade subjetiva

Entende-se por responsabilidade subjetiva da Administração a possibilidade de exigir do Estado a reparação de um dano, causado por um agente público no exercício de suas funções, desde que haja demonstração de culpa. A vítima tem que provar a ocorrência de um fato danoso, o prejuízo que esse fato lhe causou e o nexo de casualidade entre o fato e o dano.

Flávio Tartuce[16] recorre ao nexo de causalidade para diferenciar a responsabilidade subjetiva da responsabilidade objetiva (essa última, analisada mais detalhadamente na sequência):

Na responsabilidade subjetiva o nexo de causalidade é formado pela culpa genérica ou lato sensu, que inclui o dolo e a culpa estrita (art. 1 86 do CC). Na responsabilidade objetiva o nexo de causalidade é formado pela conduta, cumulada com a previsão legal de responsabilização sem culpa ou pela atividade de risco (art. 927, parágrafo único, do CC). (TARTUCE, 2016, p. 514).

5.4. Responsabilidade objetiva

Na espécie objetiva de responsabilidade, basta a demonstração que houve uma conduta estatal, e que esta conduta causou um dano e que exista um nexo causal entre os dois. Não deve se comprovar dolo ou culpa. Esse entendimento está de acordo com o artigo 37, § 6º da Constituição Federal, que assevera que o Estado e aqueles que atuarem em seu nome e causarem danos a outrem, serão responsabilizados, tendo o dever de indenizar os danos materiais e morais.

A responsabilidade objetiva também está expressa no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 22ª Ed. São Paulo: Rideel, 2016).

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 Esse dever de responder caracteriza a responsabilidade extracontratual, que não decorre de um contrato anterior, mas de uma obrigação do Estado de reparar eventuais danos causados por atos praticados por seus agentes, no exercício de suas atribuições. Entretanto veremos mais adiante que o estado não responde por todo e qualquer dano que foi causado. Os fundamentos para essa responsabilidade são, por atos ilícitos que cometer e atos lícitos causadores de danos.

 Por atos ilícitos, baseado no princípio da legalidade, administrar e aplicar a lei de oficio. Se não aplicar a lei gera a responsabilidade do estado. Por atos lícitos, princípio da distribuição igualitária dos ônus e encargos, mesmo que dentro da legalidade, se houver algum prejuízo ao particular será indenizado.


6. RESPONSABILIDADE POR ATOS LEGISLATIVOS E JUDICIAIS

Em relação aos atos que vimos até agora, a regra é a responsabilidade objetiva do estado na modalidade risco administrativo, entretanto quanto aos atos legislativos e judiciais, o estado só responde mediante a comprovação de culpa manifesta, na sua expedição de maneira ilegítima e lesiva ao particular. Desta maneira a responsabilidade do estado para tais atos seria subjetiva, exigindo a demonstração de culpa ou dolo na conduta do agente político.

Contudo, é importante que se ressalte, a responsabilidade subjetiva, mencionada no parágrafo anterior, diz respeito às situações em que o Poder Judiciário atua nas suas funções típicas. Quando essa atuação ocorre nas funções atípicas, a responsabilidade passa a ser objetiva, conforme ensina o professor Matheus Carvalho[17]:

O Poder Judiciário produz inúmeros atos administrativos além dos correspondentes à sua função típica. E, nesses casos, ou seja, quando exerce função administrativa atipicamente, sua responsabilização por essa atuação é objetiva e se fundamenta na teoria do risco administrativo e art. 37, §6°, da CF. Isso porque, ainda que exercida pelos magistrados ou servidores do judiciário, tais condutas se configuram atos administrativos. (CARVALHO, 2016. p. 344).

A responsabilidade por ato judicial está presente em de três dispositivos. Na Constituição Federal, nos Códigos de Processo Penal e Civil.  Os atos judiciais causadores de dano em regra são eventuais atos judiciais que cause danos a alguém, e que o estado não tem responsabilidade, contudo vigora o chamado princípio da soberania entre os poderes ou independência entre os poderes. Entretanto em razão dessa soberania do poder judiciário para com os outros poderes, tudo aquilo que aquele poder decidir não gera indenização a vítima, porém a parte vencida terá o duplo grau de jurisdição, que se for mantida a decisão não poderá haver indenização. Porém há casos excepcionais que poderá imputar responsabilidade em razão de atos praticados pelo poder judiciário.

Nas situações de erro judiciário que cuida daquelas situações cuja absolvição do indivíduo pode ser obtida por meio de revisão criminal, exemplo condenações pessoais injustas, ou indivíduos que estão presos além do tempo fixado na sentença é o famoso erro judiciário consagrado no artigo 5°, LXXV da CF. Nesses casos o estado será responsável.

Adiante temos a responsabilidade civil do Estado por erro judiciário de natureza criminal, no artigo 630 do Código de Processo Penal. O conteúdo do texto determina que ao Tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos. Também no âmbito penal quando houver absolvição por inexistência do fato ou negativa de autoria, nessas situações comprovadas não será possível a punição do indivíduo em outras esferas, como a cível ou administrativa.

 Ainda de acordo com o art. 143 do Novo Código de Processo Civil, é prevista a responsabilidade pessoal do juiz, que responderá por perdas e danos quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Em relação aos atos legislativos a regra é da irresponsabilidade o Estado, não deverá ser responsabilizado, ou seja, não poderá ser responsabilizado pela promulgação de uma lei ou pela edição de um ato administrativo genérico e abstrato.

Entretanto alguns doutrinadores tem entendido que, a lei abstrata só enseja a responsabilização do estado quando causar danos e posteriormente for declarada inconstitucional. Nesses casos o estado será responsável à indenização.

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Sobre os autores
Higor Neves Furtado

Graduando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

João Paulo Moreira Gaspar

Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em Educação Infantil e Ensino Fundamental pela Faculdade Integrada do Brasil (FAIBRA). Graduando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

Dante Feitosa Siebra de Holanda

Professor orientador. Graduado em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará (FAP). Especialista em Direito Previdenciário e Trabalhista pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

Ruan Neves Ribeiro

Graduando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho submetido à VII Semana de Direito da Urca, Grupo de Trabalho 04 – Administração Pública; Direito Penal Constitucional; Direito do Trabalho.

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