Responsabilidade da Administração Estatal

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7. AÇÃO DE REPARAÇÃO DO DANO: PARTICULAR X ADMINISTRAÇÃO

O tema da responsabilidade civil encontra maior regulamentação no âmbito do Código Civil, em especial nos art. 186 e 927 do diploma, mas não é o único a tratar do assunto, pois, também, há disposições a respeito do tema em outras normas, a exemplo do CDC e da própria Constituição Federal. Pois bem, todo aquele que comete um ilícito e causa danos a outrem, mesmo que exclusivamente moral, desde que presente o nexo causal entre a conduta do agente e dano, tem o dever o repará-lo e com o Estado não é diferente, como visto em outro tópico do presente trabalho, ele responde, em regra, objetivamente pelos danos causados por seus agentes no exercício das funções ou em razão delas, conforme a Teoria do Risco Administrativo.

Nesta senda, prevê art. 37, § 6º da Constituição Federal[18]:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988).

O constituinte preferiu dar primazia ao interesse da vítima, ao viabilizar a responsabilização diretamente pelo Estado e não é para menos, já sabemos que segundo a Teoria do Órgão, o Estado exerce suas funções e manifesta sua vontade por meio dos seus agente e órgãos, devendo, assim, ele responder pelas condutas dos seus subordinados quando atuarem em seu em nome do Estado. Passada à época da irresponsabilidade do Estado, hoje o particular tem assegurado de forma eficiente o direito de bater as portas da administração ou, até mesmo, do próprio judiciário caso não tenha resolvido o problema administrativamente (o que seria o ideal e evitaria afogar ainda mais o nosso judiciário) em busca da responsabilização pelos danos sofridos.

Pela rápida analise do dispositivo constitucional conseguimos concluir que a dois enfoques de responsabilização, uma relação entre o particular e o Estado, onde este responde objetivamente; e outra entre o Estado e o agente público causador do dano, neste caso o agente será responderá subjetivamente – ou seja, após identificar se o mesmo agiu com dolo ou culpa – em ação de regresso proposta pelo Estado em face do agente. Percebe-se que a Constituição protegeu tanto o particular afetado pela conduta do Estado, como também concedeu ao agente causador do dano a garantia de apenas ser cobrado regressivamente se tiver agido com dolo ou culpa. É o que comumente ficou conhecido como Teoria da Dupla Garantia, resguardando além do direito do particular, o próprio agente público.

A jurisprudência superior já vem adotando uma posição consolidada quanto ao tema, reconhecendo a teoria da dupla garantia, como se observa no julgado a seguir no RE 327904/SP – Julgamento: 15/08/2006. (Órgão Julgador: Primeira Turma):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 327.904, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJ 8.9.2006)

Nota-se o nítido protecionismo ao particular, pois a norma tem o objetivo de assegurar uma fonte segura que irá garantir o ressarcimento de todos os prejuízos, sem, contudo, impor a ele o dever de provar a culpa na conduta do Estado, como é a regra nas relações entre particulares a responsabilidade subjetiva.


8. DENUNCIAÇÃO À LIDE DO AGENTE PÚBLICO

Não conseguido compor os danos na seara administrativa é de interesse da vítima a propositura de ação judicial em busca da reparação pelos danos sofridos, como já lembrado acima. Aqui é onde se encontra uma das maiores discussões jurisprudenciais e doutrinárias a respeito da reparação civil por parte do Estado, que é a possibilidade ou não da denunciação à lide do agente público por parte do Estado.

Antes de tudo, é importante conceituar a denunciação à lide, que se caracteriza como uma das espécies de intervenções de terceiros na relação processual, prevista nos arts. 125 a 129 do Código de Processo Civil, a qual uma das partes – autor ou réu – provoca a entrada de terceiro no processo, porque uma demanda lhe é dirigida. 

Atento a isso, se discute a possibilidade de denúncia do agente público dentro do mesmo processo em que foi proposta a ação de reparação contra ele. Porém, hoje o posicionamento que acreditamos ser o dominante é o da inviabilidade da denunciação dentro da relação particular X Estado, pois neste caso causaria apenas uma protelação na tutela dos interesses da vítima, já que a denunciação só iria alargar a relação subjetiva processual, além da discussão do dolo ou culpa do agente causador não terá interesse ao autor, mostrando-se, na verdade, medida desnecessária e desfavorável ao seu pleito, e, ainda, ferido o princípio da duração razoável do processo.

É válido, conquanto, lembrar o posicionamento hodierno do STJ, conforme leciona Matheus Carvalho[19]:

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo a denunciação à lide do agente público, deixando claro somente que, nesses casos, o estado não está obrigado a fazê-lo, sendo mantido o direito de regresso autônomo caso o ente público opte por não se valer da intervenção de terceiro, para cobrar de seu agente. Com efeito, o entendimento do STJ se baseia na garantia de economia processual, eficiência e celeridade. (CARVALHO, 2016, p.339).

Pelo entendimento exposto cabe, em um primeiro momento, uma relação exclusiva entre o particular/autor do evento e o Estado/réu causador, apenas caso venha a ser condenado a reparar o dano é que ele terá em seguida o direito de provocar em ação regressiva a responsabilização subjetiva, lembre-se, do agente causador do dano.


9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A responsabilidade civil da Administração Pública, como se verificou no decorrer desse trabalho, existe há muito tempo. Desde os seus primórdios, no Império Romano, até sua atual concepção, foram elaboradas diversas teorias que, de acordo com o entendimento de cada época, assumiram a tarefa de elucidar o tema.

Hodiernamente, a ordem constitucional e civilista visa proteger todo aquele que venha a sofrer dano causado por conduta de outrem. E, de certa forma, sempre foi assim, ainda que os meios de proteção fossem diversos.

O presente artigo trouxe uma análise sobre o instituto da responsabilidade civil voltada à conduta do Estado, desde o tempo em que vigorava a irresponsabilidade estatal, preponderando seus interesses sobre os da vítima, passando com o tempo a adotar a teoria da culpa administrativa, a qual a responsabilização do estado depende da comprovação do dolo ou culpa – ressalta-se que ainda é a teoria adotada em relação aos atos omissivos do Estado – e com a evolução do pensamento constitucional, em especial a Constituição Federal de 1998, no art. 37, § 6º, veio a consagrar a teoria do risco administrativo como a regra no direito brasileiro, respondendo o Estado objetivamente pelos danos causados pelos seus agentes nos exercício de suas funções ou quando atuarem nessa qualidade.

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De igual forma, foram abordados casos especiais de responsabilização, como a decorrente dos atos legislativos e judiciais, a qual é disciplinada de forma especial em virtude da natureza desses atos que possuem, eminentemente, caráter de manifestação da vontade imperativa do estado, com isto, o Estado só responde em casos excepcionais, a exemplo das hipóteses previstas no art. 5º, inciso LXXV da CF/88.  

Por fim, conclui-se que, em regra, a responsabilidade civil da Administração Pública é objetiva, no entanto o ordenamento jurídico brasileiro também vislumbra a modalidade subjetiva, bem como permite a análise de hipóteses excludentes. Destarte, o campo de estudo abordado é de suma importância, haja vista a sociedade atual ser marcada pela forte presença do Estado nas relações sociais, a fim de assegurar a consecução de seus objetivos fundamentais, e com isto acaba por, diversas vezes, geral danos aos particulares no exercício de suas funções. Assim, o tema deve ser cada vez mais aprofundado tanto no campo acadêmico quanto na seara do judiciário e da própria administração pública.


REFERÊNCIAS

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BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.  22ª Ed. São Paulo: Rideel, 2016.

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CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo 1 Matheus Carvalho-3. ed. rev. ampl. e atual. -Salvador: JusPODIVM, 2016.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro/volume 1; teoria geral do direito civil / Maria Helena Diniz. – 29. ed. São Pau lo: Saraiva, 2012.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 3: responsabilidade civil / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. — 10. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 1 : parte geral / Carlos Roberto Gonçalves. — 10. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012.

LOPES MEIRELLES, Helly: Direito Administrativo Brasileiro. 38ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. “Curso de direito administrativo”. 12. Ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

TARTUCE, Flávio Manual de direito civil: volume único I Flávio Tartuce. 6. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.

ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia: Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.


Notas

[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

[7]Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado / Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. – 22 ed. Ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014. p. 814.

[8]LOPES MEIRELLES, Helly: Direito Administrativo Brasileiro. 38ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 62.

[9] MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 289

[10] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella: Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 715

[11]Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 3: responsabilidade civil / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. — 10. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2012. p. 55

[12]DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro/volume 1; teoria geral do direito civil / Maria Helena Diniz. – 29. ed. São Pau lo: Saraiva, 2012 p. 316

[13] BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil.

[14]Gonçalves, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 1 : parte geral / Carlos Roberto Gonçalves. — 10. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012, p. 479.

[15] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. “Curso de direito administrativo”. 12. Ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 837.

[16] TARTUCE, Flávio Manual de direito civil: volume único I Flàvio Tartuce. 6. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. p. 514

[17]CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo 1 Matheus Carvalho-3. ed. rev. ampl. e atual. -Salvador: JusPODIVM, 2016. p. 344

[18]BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

[19]CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo 1 Matheus Carvalho-3. ed. rev. ampl. e atual. -Salvador: JusPODIVM, 2016. p. 339.

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Sobre os autores
Higor Neves Furtado

Graduando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

João Paulo Moreira Gaspar

Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em Educação Infantil e Ensino Fundamental pela Faculdade Integrada do Brasil (FAIBRA). Graduando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

Dante Feitosa Siebra de Holanda

Professor orientador. Graduado em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará (FAP). Especialista em Direito Previdenciário e Trabalhista pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

Ruan Neves Ribeiro

Graduando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho submetido à VII Semana de Direito da Urca, Grupo de Trabalho 04 – Administração Pública; Direito Penal Constitucional; Direito do Trabalho.

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