Artigo Destaque dos editores

Poder familiar: titularidade.

Inconstitucionalidade da primeira parte do caput do art. 1.631 do Código Civil

05/07/2004 às 00:00
Leia nesta página:

Sumário:1.TESE. 2. CONCLUSÃO. 3. PROPOSTA LEGISLATIVA


1. TESE

No pólo ativo, o poder familiar corresponde aos pais que, em igualdade de condições, têm a responsabilidade pelo cumprimento de todas as atribuições que lhes são inerentes. Em posição de igualdade jurídica, reconhecendo-se a ambos os mesmos direitos e obrigações, já não se fala em competências ou encargos diferenciados tão somente por serem de sexos diferentes, ainda que se saiba que na prática muitas são as diferenças e também as discriminações, tanto do lado masculino quanto do feminino.

Embora a locução poder familiar possa dar a entender que no pólo ativo se incluiriam outros integrantes da família, além dos pais, tal interpretação não se afigura correta. Primeiro, pela própria natureza do poder familiar, estabelecido em virtude do vínculo da paternidade e maternidade. Depois, porque eventual inclusão de terceiro não encontra qualquer amparo no ordenamento jurídico vigente, pois certo é que tanto as normas da CF, quanto as do CC, não se compatibilizam com esse entendimento. A propósito, a Carta Magna estabelece serem "os pais" que têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (art. 229). De outra banda, o caput do art. 1.634, do CC, preceitua que o exercício do poder familiar compete "aos pais". [1] Ainda, o art. 1.635, inc. I, do CC, prescreve que se extingue o poder familiar pela morte "dos pais", [2] ou o caput do art. 1.638, que pune com a perda do poder familiar apenas "o pai ou a mãe". [3] Assim, então, o poder familiar tem como titulares, no pólo ativo, o pai e a mãe, e lhes é privativo.

Por sua vez, a sujeição ativa ao poder familiar independe do estado dos pais, a despeito do contido na primeira parte do caput do art. 1.631 do CC: "Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais...". Aliás, a redação desta primeira parte do artigo se afigura adaptação grosseira e não refletida do revogado art. 380, do CC/1916, substituída, apenas, a expressão pátrio poder por poder familiar, e incluída a união estável. A toda evidência, não parece ter sido acertado colocar, nas disposições gerais sobre o poder familiar e já no segundo artigo, que o poder familiar compete aos pais durante o casamento e a união estável.

Se a própria CF, também o CC, concebem outras formas de constituição de família que não apenas a oriunda do matrimônio e da união estável, se o artigo anterior do próprio Código estabelece que os filhos menores (sem qualquer distinção, ou seja, todo e qualquer filho) estão sujeitos ao poder familiar, enfim, se todos os filhos são iguais em direitos e obrigações, havidos ou não da relação de casamento (CF, art. 227, par. 6º), não poderia, de modo algum, ter o legislador estabelecido como disposição geral, e em primeiro plano, que ele compete aos pais durante o casamento e a união estável.

E com relação ao filho havido fora do casamento de um dos pais, com terceira pessoa, a quem competiria o poder familiar, senão que também aos dois pais, igualmente? E o poder familiar de filho havido de relacionamento eventual, de pais solteiros, presentes e desimpedidos? Não teria ele, por prerrogativa constitucional, o mesmo direito a estar sob o poder familiar de ambos os pais? Por acaso, também não competiria aos dois pais, igualmente, a função paterna, ainda que o exercício pudesse ser atribuído a um ou outro conforme a convivência, mas intacta a titularidade? E onde o CC regula tal situação? Estariam os filhos havidos fora do casamento ou da união estável acéfalos do poder familiar, como estavam os havidos foram do matrimônio na disciplina do Código Civil de 1916?

Na verdade, o texto deixa margem à interpretação de que fora das hipóteses do art. 1.631, poderia haver outra disciplina relativamente ao poder familiar. O que parece é que se têm duas regras diferentes, conforme seja filho de casamento e de união estável ou filho havido fora destas duas formas de constituição de família, o que se afigura absolutamente inconcebível com os novos princípios que orientam o direito da filiação. A impropriedade na redação do artigo foi de tal envergadura que chegou a maculá-lo de inconstitucional por afronta manifesta ao que dispõe o art. 227, § 6º, da CF. Com efeito, estabelecendo referida norma que o poder familiar durante o casamento e a união estável compete aos pais, acabou por discriminar os filhos havidos da relação de casamento e união estável com os demais (filhos). Aí, então, a inconstitucionalidade.

Sendo o poder familiar função dos pais a ser exercida em benefício e no interesse do filho, não há que restringi-lo a certas e determinadas relações havidas entre os pais, senão estendê-lo a todo e qualquer filho, sem discriminação alguma, em consonância com os preceitos constitucionais.

E não se diga que o art. 1.630, do CC, supriria o contido no art. 1.631. Estabelecendo o primeiro que todo filho está sujeito ao poder familiar, e o subseqüente restringindo a função aos pais casados e em união estável, seria permitido concluir que fora destas hipóteses o poder familiar competiria a outras pessoas que não os pais, o que se poderia pensar até mesmo em virtude da expressão – poder familiar – o que, de resto, seria um absurdo também.

De rigor, portanto, a supressão da primeira parte do artigo "Durante o casamento e a união estável", para que fique constando apenas que "compete o poder familiar aos pais", o que, combinado com o artigo antecedente, dará a exata e correta compreensão de que todo pai e toda mãe, ou qualquer pai e qualquer mãe, de regra, são os sujeitos ativos do poder familiar, qualquer que seja a relação estabelecida entre eles. E assim, na seqüência, quando da regulamentação do exercício do poder familiar, enfrentar-se-iam e solucionar-se-iam as situações de falta, impedimento ou outras que implicassem em alterações no exercício da função, mas nunca na titularidade. Esse é o novo discurso do poder familiar.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

2. CONCLUSÃO

A primeira parte do caput do artigo 1.631 do Código Civil afronta o princípio constitucional da isonomia entre os filhos (art. 227, § 6º) ao estabelecer que o poder familiar compete aos pais durante o casamento e a união estável.

(aprovada por unanimidade)


3. PROPOSTA LEGISLATIVA

Supressão de parte do texto do caput do artigo 1.631, do Código Civil, para que fique apenas "Compete o poder familiar aos pais", mantidos os demais termos que se seguem ao ponto e vírgula.


Notas

1 CC, art. 1.634: "Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores..."

2 CC, art. 1.635: "Extingue-se o poder familiar: I – pela morte dos pais ou do filho..."

3CC, art. 1.638: "Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que..."

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Denise Damo Comel

Doutora em Direito, Juíza de Direito da 1ª Vara da Família e Anexos da Comarca de Ponta Grossa, Professora na Escola da Magistratura do Paraná, Núcleo de Ponta Grossa, Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Especialista em Psicologia da Educação. Autora das obras "Do Poder Familiar" (São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003) e “Manual prático da Vara de Família : roteiros, procedimentos, despachos, sentenças e audiências” (Curitiba : Juruá, 2010)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COMEL, Denise Damo. Poder familiar: titularidade.: Inconstitucionalidade da primeira parte do caput do art. 1.631 do Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 369, 5 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5414. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos