1. INTRODUÇÃO
O benefício de auxílio-reclusão foi instituído com o desígnio de garantir o sustento da família do segurado recolhido à prisão, sendo assim, o fundamento do auxílio está pautado na inópia à família do segurado preso, a qual se despeita da perda temporária de uma fonte de subsistência.
Trata-se de um benefício constitucional, previsto no inciso IV do art. 201, redação dada pela EC nº 20, de 1998.
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: [...]; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; [...]”. (grifo nosso)
Antes da EC 20/98, qualquer pessoa poderia ser beneficiária de segurado preso, porém, após a Emenda, o benefício somente é devido ao(s) dependente(s) do segurado recolhido à prisão, desde que esse tenha salário de contribuição igual ou inferior a R$ 1.212,6[1] - desde 1º de janeiro de 2016, sendo variável de acordo com Portaria Interministerial que é emitida anualmente -, e que, independentemente da quantidade de contratos e de atividades exercidas, “não receba qualquer espécie de remuneração da empresa, nem esteja em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço[2]”[3].
Ao se falar em salário de contribuição, tem-se que o segurado, ou seja, o detento ou recluso encontrava-se no momento da prisão – independente do(s) fato(s) que a ocasionou(aram) – contribuindo regularmente com a Previdência Social.
Este trabalho não abordará sobre o detento ou recluso que seja servidor público civil da União, das autarquias e das fundações públicas federais, mas somente aqueles que fazem parte do Regime Geral da Previdência Social (RGPS).
2. REQUISITOS PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO
Requisitos são as condições básicas e necessárias para se obter alguma coisa ou para alcançar determinado propósito e consequentemente para mantê-lo (tema que será abordado no item 3.), ou seja, é uma exigência legal necessária que irá validar uma ação jurídica e assegurar sua manutenção pelo tempo necessário estipulado em lei.
Para a obtenção do benefício de auxílio-reclusão, são requisitos: I. Possuir qualidade de segurado na data da prisão; II. Estar recluso em regime fechado ou semiaberto (desde que a execução da pena seja em colônia agrícola, industrial ou similar); III. Ser segurado de baixa renda, ou seja, possuir o último salário de contribuição abaixo do valor previsto na legislação (Portaria Interministerial), conforme a época da prisão; IV. Não receber remuneração da empresa; V. Não estar em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço; VI. Comprovar casamento ou união estável na data em que o segurado foi preso (para cônjuge ou companheira) ou possuir menos de 21 anos de idade, salvo se for inválido ou com deficiência (para filho, pessoa a ele equiparada ou irmão, de ambos os sexos, desde que comprove a dependência).
Para apuração do que se refere o item I acima, é necessária a carência que de acordo com o art. 24 da Lei 8.213/91, é considerada como o tempo correspondente ao número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício.
“Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.”.
Porém, o art. 26 da mesma lei trata da carência exigida nos casos de concessões de benefícios de auxílio reclusão.
“Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações: I - pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família e auxílio-acidente; [...]”.
Notadamente a concessão do benefício de auxílio reclusão independe do período de carência, ou seja, não há tempo mínimo de contribuição para obtenção do direito, sendo tão só necessária a comprovação da condição de segurado pelo recluso.
A DIB será a data em que o preso foi recolhido à prisão, porém, para o recebimento a partir desta data, é necessário que o beneficiário a requeira em até 30 dias após a prisão. Perdido o prazo de até 30 dias, o início do benefício será a partir da data do requerimento.
3. REQUISITOS PARA MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO
Depois de obtido o benefício, resta ao segurado e beneficiário conservá-lo, e para tanto é igualmente imperioso que se atestem algumas condições sendo elas: I. Que o segurado não venha a falecer no decurso do auxílio, caso em que será o benefício convertido em pensão por morte; II. Permaneça o segurado preso (em caso de fuga, liberdade condicional, transferência para prisão albergue ou extinção da pena, o benefício deixará de ser pago), e para tanto, o beneficiário deverá apresentar trimestralmente um atestado de que o segurado continua em condição de detido ou recluso; III. O segurado não venha a receber auxílio-doença ou aposentadoria; IV. E ainda ocorrerá a perca quando o dependente completar 21 anos ou for emancipado ou com o fim da invalidez ou morte do dependente.
4. CESSAÇÃO E SUSPENSÃO DO BENEFÍCIO
A cessação trata-se do momento em que o auxílio reclusão não é mais devido ao beneficiário.
Segundo Lazzari (2016, p. 781), são causas de cessação: I. A extinção da última cota individual; II. Se o segurado, ainda que privado de sua liberdade ou recluso, passar a receber aposentadoria; III. O óbito do segurado ou beneficiário(s); IV. A soltura em seu momento; V. A ocorrência da perda da qualidade de dependente, no caso de filho ou equiparado ou irmão, de ambos os sexos; VI. Em caso de cessação da invalidez, verificada em exame médico pericial a cargo do INSS, em caso de dependente inválido; VII. Para o filho, caso adotado, exceto quando o(a) adotante for cônjuge ou companheiro(a).
Lazzari acrescenta ainda que: “A cessação em relação aos dependentes com deficiência intelectual ou mental se dá elo levantamento da interdição”.
O mesmo autor apresenta quais serão as causas em que o benefício deverá ser suspenso ao que retorne ao Status Quo[4] sendo: I. No caso de fuga do segurado (hipótese em que, quando recapturado, o benefício tornará a ser concedido); II. Se o segurado, ainda que privado de liberdade passar a receber auxílio doença; III. Se o dependente deixar de apresentar atestado trimestral que o segurado permanece preso, firmado pela autoridade competente; IV. Quando o segurado deixar a prisão por livramento condicional, por cumprimento da pena em regime aberto ou por prisão em albergue.
5. QUEM SÃO DEPENDENTES E QUAL A DURAÇÃO DO BENEFÍCIO
Os dependentes são facilmente identificados, visto que a Lei 8.213/91 determina-os em seu art. 16, sendo:
“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; [...]”.
Para se efetivar dependente, algumas regras devem ser observadas quando do momento do pedido de concessão.
A existência de dependente de qualquer das classes (citadas nos incisos I, II e II do artigo anterior), exclui do direito às prestações das classes seguintes, ou seja, se algum dependente se enquadrar nas referencias do inciso I, os que se enquandrarem nos incisos II e III, não farão jus as prestações, sendo somente os de classe I considerada presumida sua dependencia, devendo as outras classes ser comprovadas.
Provando a dependencia econômica mediante declaração do segurado, o enteado e o menor tutelado, equiparam-se a filho.
Será considerada(o) companheira(o) a pessoa que, sem ser casada, mantiver união estável com o segurado(a), de acordo com o § 3º do art. 226 da CF/88.
O auxílio-reclusão tem duração variável conforme a idade e o tipo de beneficiário.
Para o(a) cônjuge, o(a) companheiro(a), o(a) cônjuge divorciado(a) ou separado(a) judicialmente ou de fato que recebia pensão alimentícia:
- Duração de 4 meses a contar da data da prisão: Se a reclusão ocorrer sem que o segurado tenha realizado 18 contribuições mensais à Previdência ou; Se o casamento ou união estável se iniciar em menos de 2 anos antes do recolhimento do segurado à prisão;
- Duração variável conforme a tabela abaixo: Se a prisão ocorrer depois de vertidas 18 contribuições mensais pelo segurado e pelo menos 2 anos após o início do casamento ou da união estável;
Idade do dependente na data da prisão |
Duração máxima do benefício ou cota |
menos de 21 anos |
3 (três) anos |
entre 21 e 26 anos |
6 (seis) anos |
entre 27 e 29 anos |
10 (dez) anos |
entre 30 e 40 anos |
15 (quinze) anos |
entre 41 e 43 anos |
20 (vinte) anos |
a partir de 44 anos |
Vitalicio |
Para o cônjuge inválido ou com deficiência: O benefício será devido enquanto durar a deficiência ou invalidez, respeitando-se os prazos mínimos descritos na tabela acima.
Para os filhos, equiparados ou irmãos do segurado recluso (desde que comprovem o direito): O benefício é devido até os 21 (vinte e um) anos de idade, salvo em caso de invalidez ou deficiência.
6. QUEM É O SEGURADO DE BAIXA RENDA
Segurado de baixa renda é aquele definido pela Portaria Interministerial e que no ano base de 2016, recebe até R$ 1.212,64 (um mil duzentos e doze reais e sessenta e quatro centavos).
7. AFERIÇÃO DE BAIXA RENDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O STF no RE nº 587.365/SC, firmou posição determinando que baixa renda deva ser observada com relação ao segurado e não ao dependente conforme preceitua o inciso IV do art. 201 da CF/88.
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. ART. 201, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LIMITAÇÃO DO UNIVERSO DOS CONTEMPLADOS PELO AUXÍLIO-RECLUSÃO. BENEFÍCIO RESTRITO AOS SEGURADOS PRESOS DE BAIXA RENDA. RESTRIÇÃO INTRODUZIDA PELA EC 20/1998. SELETIVIDADE FUNDADA NA RENDA DO SEGURADO PRESO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. I - Segundo decorre do art. 201, IV, da Constituição, a renda do segurado preso é que a deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes. II - Tal compreensão se extrai da redação dada ao referido dispositivo pela EC20/1998, que restringiu o universo daqueles alcançados pelo auxílio-reclusão, a qual adotou o critério da seletividade para apurar a efetiva necessidade dos beneficiários. III - Diante disso, o art. 116 do Decreto 3.048/1999 não padece do vício da inconstitucionalidade.
IV - Recurso extraordinário conhecido e provido.
(STF - REsp: 587.365 SC, Relator: Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 25/03/2009, TP, Data de Publicação: DJe Nº 84 08/05/2009)
Nesse sentido, ainda que o segurado tenha renda mensal inferior ou igual a R$ 1.212,64 e seu dependente tenha auferido mensalmente renda superior a este valor, ainda assim, na interpretação do STF, fará jus ao direito de ser beneficiário do auxílio.
8. POSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO DO CONCEITO DE BAIXA RENDA
Dura Lex Sed Lex[5]. De modo um tanto quanto temerário, foi a posição do STJ quanto do julgamento do Recurso Especial nº 1.479.564/SP, onde a corte firmou entendimento de que é possível a flexibilização do conceito de baixa renda, que se deu em virtude do pedido de um segurado preso que ganhava R$ 10,12 acima do que o limite determinado para o segurado de baixa renda à época dos fatos, como pode ser visto adiante.
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. POSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO ECONÔMICO ABSOLUTO PREVISTO NA LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PREVALÊNCIA DA FINALIDADE DE PROTEÇÃO SOCIAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O benefício de auxílio-reclusão destina-se diretamente aos dependentes de segurado que contribuía para a Previdência Social no momento de sua reclusão, equiparável à pensão por morte; visa a prover o sustento dos dependentes, protegendo-os nesse estado de necessidade. 2. À semelhança do entendimento firmado por esta Corte, no julgamento do Recurso Especial 1.112.557/MG, Representativo da Controvérsia, onde se reconheceu a possibilidade de flexibilização do critério econômico definido legalmente para a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada, previsto na LOAS, é possível a concessão do auxílio-reclusão quando o caso concreto revela a necessidade de proteção social, permitindo ao Julgador a flexibilização do critério econômico para deferimento do benefício, ainda que o salário de contribuição do segurado supere o valor legalmente fixado como critério de baixa renda. 3. No caso dos autos, o limite de renda fixado pela Portaria Interministerial, vigente no momento de reclusão da segurada, para definir o Segurado de baixa-renda era de R$ 710,08, ao passo que, de acordo com os registros do CNIS, a renda mensal da segurada era de R$ 720,90, superior aquele limite 4. Nestas condições, é possível a flexibilização da análise do requisito de renda do instituidor do benefício, devendo ser mantida a procedência do pedido, reconhecida nas instâncias ordinárias. 5. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento.
(STJ - REsp: 1479564 SP 2014/0193771-0, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 06/11/2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/11/2014)
De tal modo, entendeu o STJ que o conceito de baixa renda não se deve limitar apenas com base no critério salarial, mas deverá igualmente considerar outros elementos existentes em cada caso concreto como a miserabilidade do beneficiário(a), desta forma permitindo que os dependentes do segurado tivessem acesso ao benefício do auxílio reclusão.
O citado REsp n. º 1.112.557/MG não se aplica ao caso em questão, a condição de miserabilidade questionada para a concessão do benefício assistencial em nenhum momento poderia ser análoga ao conceito de baixa renda, sendo o primeiro passível de análise por meios de provas e que vem revestida de suas peculiaridades, enquanto o segundo deve ser objetivo e pontual conforme preceitua a lei.
É como se um declarante do Imposto de Renda, que obtivesse, mensalmente, em 2016, renda de R$ 1.914,10 pleiteasse a sua flexibilização a fim de se enquadrar na classe de isentos, evitando assim o pagamento de 7,5% a título do referido imposto na categoria imediatamente superior.