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Tutela antecipada e fumus boni iuris

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6 Fumus Boni Iuris, Relevante Fundamento e Abuso de Direito de Defesa

Conforme sustenta Antônio Machado (1999, p.407), tanto a "prova inequívoca, quanto a cláusula que diz respeito ao "relevante fundamento", estabelecida no § 3º do art. 461, e a concernente ao "abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu" do inciso II do art. 273, integram o instituto do fumus boni iuris com que trabalha o legislador toda vez que deseja instituir qualquer forma de provimento sumário cautelar ou não cautelar. O Juízo de verossimilhança tem perfeita identificação com a figura do fumus boni iuris no que diz respeito a antecipação de tutela fundada no abuso do direito de defesa prescrito pelo inciso II do art. 273 e nesse caso temos um fumus boni iuris "dobrado".

Tendo por objetivo o conhecimento para perfeita aplicação do fumus boni iuris para a concessão da tutela antecipada na esfera do processo de cognição de rito ordinário é que precisamos compreender o conceito, significado e repercussão do "relevante fundamento" do art. 461, bem como sobre o que se deve entender por "abuso de direito de defesa" e "manifesto propósito protelatório do réu".

6.1 A Noção de Relevante Fundamento

Para iniciar descreveremos a parte do art. 461 que nos interessa: "Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação... § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu... ".

Duas premissas essencias são importantes para se entender a noção de "relevante fundamento", segundo Antônio Machado (1999, p. 408-409), a saber:

a)a interpretação do § 3º do art. 461deve ser integrada com as regras do art. 273 porque o instituto da tutela antecipada é um sistema único de proteção e fomento da efetividade do processo civil;

b)há disposições reguladoras próprias da antecipação na esfera do art. 461 como a que instituiu a tutela específica e a que permite a imposição, por meio de liminar, de prazo para cumprimento e de multa diária ao réu em caso de desobediência ao preceito.

O professor Luiz Fux (1996, p.362) assevera que o "relevante fundamento" de uma demanda é aquele que tem relevo próprio, apresenta-se ao juiz como "acolhível prima facie", assemelha-se ao "direito líquido e certo" e se aproxima do embasamento da ação monitória documental. O referido autor afirma também nessas situações se opera mais do que o fumus boni iuris.

Portanto, a locução relevante fundamento, quer significar prova preconstituída, pois nemhuma outra é capaz de revelar o imediato atendimento de uma pretensão por liminar, similar ao que acontece no procedimento do mandado de segurança.

Sobre a questão da "relevância" da prova, Carreira Alvim (1995, p. 117-118), pautando-se nos ensinamentos de Calamandrei, nos revela que o mestre de Florença ao estudar a verossimilhança não falava de prova inequívoca, mas sim de prova "relevante", ressaltando que o juízo sobre ela formado é um juízo de direito, concernente ao mérito e que traz em seu cerne o germe da decisão definitiva. Acentua Calamandrei que na linguagem forense a locução provas relevantes é similar a provas ‘pertinentes’, ‘concernentes’ e ‘concludentes’.

Seguindo essa linha de raciocínio, o juízo de verossimilhança, além de convicção judicial sobre o quadro fático, é também a convicção do magistrado sobre a provável legitimidade do fundamento jurídico e, por consequência, a provável atendibilidade do pedido.

O juízo de verossimilhança como é juízo de fato e de direito, pois não é apenas convicção judicial sobre o quadro fático, mas igualmente convicção sobre a provável atendibilidade do pedido, torna-se mais adequado a expressão "prova relevante" ao nos referirmos ao lado fático, já no que concerne ao lado jurídico a locução "fundamento relevante" é mais esclarecedora no plano de comunicação das idéias. Fenômeno que não pode ser posto de lado quando da interpretação do § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil.

Assevera Antônio Machado (1999, p. 416) que sob a ótica do grau de convencimento do juiz, não existe diferença de fundamento probatório entre a tutela antecipada dada pela expressão "prova inequívoca" do art. 273 e a cláusula "relevante fundamento" do art. 461 §3º, senão vejamos:

a)o primeiro ponto de semelhança entre as duas expressões é que a "relevância" do fundamento do art. 461 §3º, na verdade, é a "inequivocidade" da prova produzida com a petição inicial a que se refere o art. 273. Isto em virtude que, num sentido processual, a "prova inequívoca" do texto do referido artigo, só pode ser compreendida como aquela que parece convincente, robusta como fonte de convicção, ou "concludente", "pertinente" ou "relevante" como diz Calamandrei, devido a impropriedade da palavra "inequívoca" utlizada pelo caput do art 273, como já mencionado anteriormente.

b) a segunda semelhança é que o "fundamento" deve possuir relevância tanto na dimensão dos fatos, o objeto da prova, quanto no aspecto do direito, chegando-se a conclusão de que a idéia de "fundamento", como causa de pedir, está inexoravelmente inserido no entendimento do termo "prova" utilizado pelo art. 273 (provam-se os fatos que compõe o fundamento jurídico do pedido, e esta prova é que leva o juiz ao reconhecimento da probabilidade da existência do direito afirmado pelo autor).

c)O terceiro método de se chegar a conclusão da similaridade das expressões em análise é o da origem remota do "relevante fundamento" somada à sua ubiquação no sistema da tutela antecipada genérica instituída pela Lei n. 8952 / 94. Assim, quanto a origem remota da cláusula "relevante fundamento", parece não haver dúvida que a mesma tem seu berço no mandado de segurança. Portanto, qualquer interpretação a respeito da expressão em contexto de lei processual posterior, não pode deixar de levar em consideração o seu significado no contexto do mandamus. Na esfera do mandado de segurança, o "relevante fundamento" exigido pelo art. 7º, inc. II, está intimamente ligado a locução "direito líquido e certo" que é entendido como sendo aquele direito subjetivo cujos fatos que lhe dão sustentação podem ser provados por meio de prova preconstituída. Ora, em que se pauta a "relevância do fundamento", senão na declaração judicial de que os fatos afirmados por meio de documentos (direito líquido e certo), tenha probabilidade de existência do direito subjetivo ? Betina Rizzato Lara (1994, p. 129), afirma que "relevante é o fundamento que indica a existência de uma provável procedência da ação". Em outras palavras, o "direito líquido e certo", corresponde a prova suficiente e pertinente capaz de permitir não só o julgamento do writ, ao final do processo, como, no seu início, o reconhecimento da probabilidade da existência do direito afirmado ou "fundamento relevante".

6.2 Abuso de Direito de Defesa e Manifesto Propósito Protelatório do Réu

Dedicaremos nossa análise agora para o inciso II do art. 273, na qual o juiz está autorizado a antecipar a tutela quando fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Como já foi mencionado anteriormente, a antecipação de tutela fundada no inciso II do art 273, representa a insuficiência da "prova inequívoca" para revelar a plenitude do fumus boni iuris, pois nesse caso, precisa-se além da "prova inequívoca", o comportamento reprovável do réu que, abusa do seu "direito de defesa", ou "manifesta propósito protelatório". Nessa situação, segundo Antônio Machado (1999, p.420), ocorre o fumus boni iuris dobrado. "Prova inequívoca" e "abuso de direito de defesa" ou "manifesto propósito protelatório do réu" integram, destarte, um único e mesmo requisito da tutela antecipada, o fumus boni iuris.

Ressalte-se que apesar da "inequivocidade" da prova produzida pelo autor e do comportamento de má-fé do réu, ainda assim o convencimento que o magistrado forma, com a finalidade de conceder a tutela antecipada, é convencimento de mera probabilidade ou verossimilhança, ou seja, juízo de cognição sumária, que não é a mesma coisa que julgamento antecipado da lide que materializa o fim do juízo de conhecimento.

Na mesma esteira de raciocínio, Humberto Theodoro (1999, p. 90) complementa que a antecipação de tutela não se supre com julgamento antecipado da lide, nos moldes do art. 330 do CPC. É que mesmo julgado o mérito, o direito subjetivo da parte poderá continuar insatisfeito e terá de aguardar a solução de eventual recurso do vencido para entrar no estágio de execução forçada.

Assim, explica o referido autor que o que se procura alcançar com a tutela antecipada do art. 273 é muito mais que a simples e provisória condenação do réu. São atos concretos de efetiva satisfação do direito do requerente. Antes da própria sentença, o que se lhe assegura é, dentro do processo de conhecimento, uma tutela de natureza executiva por antecipação. Isto, obviamente, jamais seria atingível com a simples prolação da sentença antecipada de mérito.

Dessa forma, ainda que se apresente cabível o julgamento de mérito previsto no art. 330 do CPC, ainda assim poderá haver interesse do requerente na obtenção de liminar dentro das características do art. 273 do mesmo estatuto legal.

6.2.1 Abuso de Direito de Defesa

Em princípio, como a própria lei de forma expressa, estatuiu duas formas de conduta reprovável do sujeito passivo no inciso II do art. 273 é porque existe diferença entre elas.

Preliminarmente, o entendimento do termo "defesa" é fundamental para compreensão da referida expressão. Segundo Calmon de Passos (1974, p. 18-19), não resta dúvida que o termo "defesa" deve ser compreendido como sinônimo de "contestação", e não de "resposta", pois tanto o inciso III do art. 14, como o inciso I do art. 17, referem-se a ela no sentido de razões dedutíveis pelo réu contra a pretensão do autor, razões que encontram na peça contestatória a sua materialização, conforme o art. 300.

Entendimento diverso do exposto acima, levaria a compreender como defesas, típicas manifestações do direito de ação, como a reconvenção, a declaratória incidental, a denunciação da lide ou a exibição de documento ou coisa, o que obviamente não se combina com a primeira cláusula do inciso II do art. 273.

A partir da compreensão do termo "defesa", podemos conceituar a expressão "abuso de direito de defesa". Conforme Antônio Machado (1999, p.423), "abuso de direito defesa" significa o uso excessivo ou exorbitante das faculdades que compõe o direito de contestar, como a apresentação de várias objeções processuais, ou defesas de mérito diretas ou indiretas, sem fundamentação ou articulação entre elas.

Na mesma esteira de pensamento encontramos a lição de Calmon de Passos (1974, p.18-19), que conceituando abuso de direito, ensina:

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"Talvez a melhor maneira de definir o abuso de direito seja dizer-se que ele ocorre quando se exercita, além do limite necessário, o direito que se tem, ou quando esse exercício objetiva não alcançar a tutela que a ele se associa e é devida a seu titular, sim outro fim, mesmo lícito que seja ou moralmente justificável. Todo desvio de finalidade é um abuso". O autor acredita que a defesa carecedora de consistência nos pontos fundamentais também é uma forma de abuso de direito de defesa. Em relação a este ponto, escreve: " A defesa carece de consistência quando são inconsistentes as alegações de fato ou alegações de direito, isto é, incapazes de tornar o fato controvertido (objeto de prova) ou representativa, em matéria de direito, daquele erro inescusável a que já nos referimos ".

Encontramos posicionamento similar em Luiz Fux (1996, p. 347) que manifestou o seguinte:

"A defesa abusiva é a inconsistente, bem como a que não enfrenta com objeções, defesa direta ou exceções materiais a pretensão deduzida, limitando-se à articulação de preliminares infundadas".

Do exposto acima, temos que o modelo de interpretação da expressão "abuso de direito defesa" está relacionado com a litigância de ma fé. De fato, sob o prisma de inconsistência que contamina a expressão sob análise, não é possível o não reconhecimento que o réu que se defende "contra texto expresso de lei ou fato incontroverso" (art. 17, inc. I), ou que altera "a verdade dos fatos" (art. 17, inc. II), realiza o que é cognominado pela lei de "abuso de direito de defesa". Nesse sentido, é o posicionamento de Cândido Dinamarco (1995, p.146) que assevera que constituem litigância de má-fé as condutas do inciso II do art. 273, ora apenadas com a antecipação de tutela.

Finalmente, assevera Antônio Machado (1999, p.425) que é o próprio art. 17 que nos fornece subsídios para distinguir as duas expressões do inciso II do art. 273. Assim, o citado autor acredita que os dois primeiros incisos do art. 17 se identificam com o "abuso de direito de defesa", sendo que os outros incisos correspondem a categoria do "propósito protelatório do réu", já que não se expressam por meio de contestação.

No entender do referido autor, o inciso I do art. 17 ("deduzir...defesa contra expresso texto de lei...") pode ser aplicado na categoria do "abuso de direito de defesa" como fundamento da antecipação de tutela, nas seguintes situações:

a)Em tese é suficiente que o texto de lei invocado pelo autor somado à "prova inequívoca" que tenha sido trazida para os autos gere a convicção do magistrado para que se reconheça que o réu abusou do direito de defesa ao realizar alegações fáticas ou jurídicas contra direito material previsto pelo texto da lei. Logicamente, que não se deve entender a expressão "texto expresso de lei" somente no sentido de literal disposição de lei, pois, com frequência, a convicção do juiz sobre a existência de um determinado direito subjetivo material não depende, em tese, de texto expresso de lei, mas da interpretação sistemática de vários textos ou diretamente de princípios;

b)O "abuso de direito de defesa" pode também ficar caracterizado quando na contestação o demandado argumente contra uma tese jurídica já consagrada e cristalizada em súmula de algum tribunal, fazendo o juiz reconhecer, salvo a excepcionalidade de um fato novo conhecível de ofício (art 462 do CPC), a abusividade com que o réu exerce o direito de se opor à pretensão do autor ao realizar alegação contra orientação já assentada nos pretórios.

Em relação à previsão do inciso II do art 17 ("alterar a verdade dos fatos") como fundamento para o entendimento do "abuso de direito de defesa", Antônio Machado (1999, p.427) nos ensina que este inciso diz respeito ao lado fático das alegações insustentáveis do réu. Assim, abusa do direito de defesa o réu que insiste em contestar o direito, em tese, incontestável, através de argumentos interpretativos absurdos, como o que nega fatos notórios, fatos que têm o condão da presunção absoluta de veracidade. Qualquer dessas condutas, somadas à "prova inequívoca", autorizam o órgão jurisdicional, legitimado pela lei, a antecipar os efeitos da providência final de mérito, como forma de penalizar o "abuso de direito de defesa".

No que concerne as defesas de mérito indiretas realizadas na contestação (art. 326), à luz da expressão do "abuso de direito de defesa", Antônio Machado (1999, p. 428) assevera que o réu pode mostrar toda a sua má-fé ao sustentar fatos extintivos, modificativos ou impeditivos que não possuam o menor fundamento fático ou jurídico. É o caso, por exemplo, da alegação de prescrição ou decadência que notoriamente não aconteceu. O "abuso" pode ser caracterizado por uma única defesa insustentável, como também é possível se concretizar, na convicção do magistrado, se duas ou três exceções materiais se mostrem sem fundamento razoável, tudo depende do grau de inconsistência da exceção substancial alegada.

Nesse sentido, Carreira Alvim (1995, p. 105) observa o seguinte:

"O conceito de verossimilhança depende do subjetivismo de cada autor, e continuará a depender do de cada juiz, no momento de decidir sobre o pedido de antecipação de tutela. O que é verossímel para um, pode não ser para outro, dependo do grau de percepção individual".

6.2.2 Manifesto Propósito Protelatório do Réu

Por "propósito protelatório do réu" deve-se entender a intenção do réu de tão só retardar o desfecho do processo, por quaisquer outros atos não pertencentes à contestação, segundo Antônio Machado (1999, p. 429).

Nesse mesmo diapasão, professor anteriormente citado, nos ensina que são três e não quatro as possíveis atitudes do demandado da ação que revelam o "manifesto propósito protelatório do réu" a que se refere o inciso II do art. 273, se é que realmente o instituto da litigância de má fé é o correto modelo normativo.

No mesmo sentido, não parece haver dúvida, conforme acredita o professor Antônio Machado (1999, p.429), que o réu que opõe "resistência injustificada ao andamento do processo", de acordo com o previsto no inciso IV do art. 17, revela intenção procrastinatória. Um exemplo disso ocorre quando o advogado do réu, repetidas vezes, retém os autos consigo fora do cartório além do prazo regular, ou do sujeito passivo que atrasa indefinidamente o pagamento dos honorários provisórios do perito quando lhe caiba tal ônus, por ter pedido sozinho a prova. Interessante notar que não será um único ato desse tipo que identificará o "propósito protelatório", mas a repetição de algum ou a somatória de alguns deles poderá trazer a convicção ao magistrado da intenção procrastinatória, para fins de antecipação de tutela. Logicamente, que essa convicção do "propósito protelatório do réu" vai depender do grau de percepção individual de cada magistrado, conforme assevera Carreira Alvim (1995, p. 105).

Ensina Antônio Machado (1999, p.429-430) que, uma outra forma de o réu demonstrar sua intenção de procrastinar o processo é o mesmo agir de acordo com o previsto pelo inciso VI do art. 17, ou seja, o demandado provocar incidentes manifestamente infundados. É o caso, por exemplo, quando o réu sem fundamentos razoáveis, provoca durante a fase instrutória a instauração do incidente de falsidade, de exibição de documento ou coisa, ou antes, ajuíza levianamente reconvenção, denunciação da lide, ou, ainda, sem razão nomeia à autoria, opõe exceção de incompetência, de suspeição ou de impedimento apenas com o intuito de estender a relação de processual de primeiro grau. Se a conduta do réu for similar a descrita anteriormente, certamente o mesmo pratica o que é chamado de litigância de má fé e revela com a sua ação o "propósito protelatório" estatuído pelo art. 273, inciso II, do CPC.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, é possível vislumbrar, de acordo com Antônio Machado (1999, p. 430), semelhante intenção reprovável do réu sempre que, conforme o inciso V do art. 17, o mesmo procede de "modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo". De fato, isto ocorre quando, por exemplo, o demandado procura tumultuar deliberadamente, do início ao fim, a produção de prova pericial ou mesmo procura retardar com argumentos falaciosos a realização da audiência de instrução ou o seu término.

Em relação a locução em análise Calmon de Passos (1995, p. 20) escreve o seguinte trecho:

"A par do abuso de direito, também pode fundamentar a antecipação a comprovação nos autos de que há, por parte do réu, manifesto propósito protelatório. No já mencionado art. 17, fala-se em provocar incidente manifestamente infundado; é uma hipótese capaz de configurar intuito pretelatório. Quem postula sem fundamento sério, abusa do direito de demandar; inclusive quem, no curso da demanda, provoca incidentes infundados, além do abuso de direito, revela propósito manifestamente protelatório. Também quem opõe resistência injustificada ao andamento do processo exterioriza manifesto intuito protelatório. Protelatório é tudo que retarda, sem razão atendível, o andamento do feito. E esse intuito é manifesto quando desprovido o ato, tido como protelatório, de justificação razoável, vale dizer, quando dele não poderá resultar proveito processual lícito para o interessado em sua prática".

Assim, Calmon de Passos identifica o que está previsto nos incisos IV e VI do art. 17, como relacionados com o "propósito protelatório" do art. 273, e não faz diferença se o estabelecido no art 17, inc. VI (provocar incidentes manifestamente infundados) pertence à categoria do "abuso de direito de defesa" ou do "propósito protelatório do réu". Essa conduta de não distinção é seguida na obra de Cândido Rangel Dinamarco Dinamarco (1999, p.146), sendo que nesse caso o referido autor não faz diferença em todos os incisos do art. 17.

De acordo com Sérgio Bermudes (1995, p. 37), a expressão "abuso de direito de defesa" está vinculada aos incisos I e II do art 17, enquanto o "manifesto propósito protelatório" está relacionado aos incisos IV a VI do referido artigo. Também considera que as "alegações de todo inverossímeis, ou desgarradas de qualquer prova " integram o "abuso", mas não se enquadram nos incisos I e II do art. 17.

Quanto ao inciso III do art. 17, Antônio Machado (1999, p.432) nos ensina que esta regra não serve para a antecipação de tutela fundada no art. 273, II. O motivo é porque "usar do processo para conseguir objetivo ilegal" como prescrito no inciso III, art. 17 é atitude pertinente ao sujeito ativo da ação, ou seja, é ação reprovável do autor, a não ser quando autor e réu simulando ato para conseguir fim proibido por lei (art. 129). Logicamente, nesse último caso não se pode utilizar o instituto da antecipação de tutela para sancionar o réu, apesar da sua participação, porque o processo deve ser anulado para impedir que autor e réu realizem seus objetivos.

Em sendo assim, Antônio Machado (1999, 433) assevera que "manifesto propósito protelatório do réu" é a intenção flagrante do réu de retardar o seguimento do processo e seu desfecho, intenção cuja clareza é mostrada pelo uso exaustivo do direito de provocar incidentes, assim como pela prática de quaisquer atos isolados de caráter temerário. No que tange ao direito de resposta, a excessividade se caracteriza tanto no caso de o réu utilizar uma de suas formas com clara intenção procrastinatória, como quando usa várias respostas ao mesmo tempo (reconvenção, exceção, denunciação, etc..) desprovidas, todas ou algumas, de razoável fundamentação.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Odilon Capucho Pontes. Tutela antecipada e fumus boni iuris. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 367, 9 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5430. Acesso em: 23 dez. 2024.

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