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Da periclitação da vida e da saúde.

Uma análise do capítulo III do Código Penal brasileiro

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DOS MAUS-TRATOS

Eis o tipo penal:

Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos.  

Segundo Masson (2016, p. 182), embora apresente um só verbo como núcleo do tipo penal, o crime de maus-tratos por um tipo misto alternativo – crime de ação múltipla ou de conteúdo variado. Dessa forma, o agente pode consumar o crime com uma única conduta (privando alguém dos cuidados necessários, por exemplo) ou através de condutas variadas (privando a vítima de alimentação e sujeitando-a a trabalho excessivo). Em todo caso, porém, haverá um único crime, se as condutas forem praticadas no mesmo contexto fático.

O crime de maus-tratos é um crime próprio, pois para que seja configurado o tipo penal há que existir uma vinculação especial entre o autor e a vítima; esta deve estar sob autoridade, guarda ou vigilância do agente, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. Dessa forma, o sujeito passivo do crime de maus-tratos não pode ser qualquer pessoa, mas somente aquela que se encontrar nas condições específicas de estar sob autoridade, guarda ou vigilância do agente (MASSON, 2016, p. 184).

Em se tratando de pessoa idosa, há um tipo penal específico, tipificado pelo artigo 99 da Lei nº 10.741/2003, que instituiu o Estatuto do Idoso. A lei, buscando uma proteção especial ao idoso, trouxe um tipo penal mais abrangente, considerando como maus-tratos também a exposição a perigo da saúde psíquica do idoso (MASSON, 2016, p. 186).

O crime de maus-tratos tem por elemento subjetivo o dolo de perigo (direto ou eventual), não sendo admitida a modalidade culposa. Consuma-se o crime no momento em que a vítima sofre o perigo, sendo crime permanente nas hipóteses de privação de alimentos e cuidados e crime instantâneo nas demais hipóteses. É possível a forma tentada nos maus-tratos por comissão e admite qualificadoras se do fato resultar lesão grave ou morte (qualificadoras preterdolosas). Em sendo a vítima menor de 14 anos, a pena é aumentada em um terço. Em sendo a vítima maior de sessenta anos, a conduta se amolda ao tipo trazido pelo Estatuto do Idoso, ao qual aludimos acima.

Cleber Masson (2016) aborda importante distinção que deve ser feita entre os crimes de maus-tratos e o de tortura:

Caracteriza-se o crime de tortura, equiparado a hediondo, quando alguém, que se encontra sob a guarda, poder ou autoridade do agente, é submetido, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo (Lei 9.455/1997, art. 1º, inc. II). A pena, nesse caso, é de reclusão de dois a oito anos (MASSON, 2016, p. 188).

Aponta o referido doutrinador para o fato de que distinção entre os crimes de tortura e de maus-tratos deve ser feita no caso concreto. A configuração da tortura depende de intenso sofrimento físico ou mental. A configuração do maus-tratos depende da mera exposição a perigo da vida ou da saúde. Outra distinção cabível é acerca do dolo: nos maus-tratos há dolo de perigo, enquanto na tortura há dolo de dano. A diferenciação se baseia, portanto, no elemento subjetivo.


CONCLUSÃO

 O estudo do Capítulo III do Código Penal se mostra relevante, por conter minudências que exigem do operador do direito uma atenção mais detida, como nas necessárias distinções que devem ser observadas, por exemplo, entre os crimes de perigo de contágio venéreo e perigo de contágio de moléstia grave, ou entre os crimes de abandono de incapaz e o de abandono de recém-nascido. Este trabalho também propicia, embora não seja seu foco de estudo, uma análise de leis penais extravagantes, sobretudo da Lei 10.741/2003, que institui o Estatuto do Idoso. 


REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 12. Ed. São Paulo (SP) Saraiva, 2012.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial. Volume 2. 13. Ed. Niterói, RJ: Impetus, 2016.

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. Volume 2. 9. Ed. São Paulo: Método, 2016.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 9. Ed. São Paulo: Atlas, 2015.

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Sobre o autor
Tarcísio Raimundo Benfica Neto

Mestre em Letras e acadêmico de direito pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. É professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NETO, Tarcísio Raimundo Benfica. Da periclitação da vida e da saúde.: Uma análise do capítulo III do Código Penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4922, 22 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54316. Acesso em: 22 nov. 2024.

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