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A BM&F e o mercado de futuros de acordo com o novo Código Civil

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09/07/2004 às 00:00
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4. O MERCADO DE FUTUROS DE ACORDO COM O NOVO CÓDIGO CIVIL:

Durante o antigo regime civilista, a liquidação pela compensação ou pela diferença era o grande entrave jurídico das operações praticadas no mercado de futuros, isso por conta da redação do artigo 1.479 do Código de 1916, que dizia:

"São equiparados ao jogo, submetendo-se, como tais, ao disposto nos artigos antecedentes, os contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipule a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem, no vencimento do ajuste."

O artigo 1.477 do antigo Código Civil estipulava a não obrigatoriedade de pagamento das dívidas oriundas do jogo e, diante da simples leitura do artigo acima indicado, resta-nos claro a incerteza jurídica que rondava as operações de compra e venda do mercado de futuros promovidas nos pregões da BM&F, em decorrência da possibilidade de equiparação com as operações descritas nos artigos do antigo Código Civil citados (Jogo e Aposta X Contratos da BM&F que estipulavam a liquidação por diferença).

Era comum a discussão sobre a exigibilidade de dívidas eventualmente surgidas pela diferença da variação dos preços entre a data de constituição do contrato e a data de sua liquidação, estando a solução restrita a posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da matéria.

Waldirio Bulgarelli defende que, "a possibilidade de as operações a termo poderem ser liquidadas por diferença ensejou a questão do seu enquadramento, ou não, no chamado contrato diferencial, regulado no artigo 1.479 do Código Civil brasileiro" [11]. Além disso, importantes posições doutrinárias como a de Washington de Barros Monteiro e Caio Mário da Silva Pereira entendiam que, se o contrato dispusesse única e exclusivamente sobre a liquidação por diferença, não restava dúvida acerca de seu enquadramento na qualidade de contrato diferencial e da conseqüente impossibilidade de exigibilidade judicial das dívidas daí oriundas.

Esta situação de divergência não condizia com a importância do mercado de futuros que, além das altas cifras lá negociadas, sempre contribuiu para uma formação transparente dos preços das mercadorias ou ativos lá transacionados.

Com a entrada em vigor da nova legislação civilista o risco de não-exigilibilidade judicial das dívidas oriundas deste mercado foi, enfim, superado, garantindo sua licitude plena, uma vez que a nova Lei reconhece expressamente em seu artigo 816 a não aplicabilidade das disposições afetas ao jogo e à aposta aos contratos de compra e venda de mercadorias realizados no mercado de futuros da BM&F.

Diz, finalmente, o artigo 816 do Código Civil de 2002:

"As disposições dos artigos 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste".

O Novo Código Civil aboliu expressamente o denominado princípio da equiparação, que efetivamente não podia permanecer, uma vez que não era aceitável um mercado de tamanha importância no cenário econômico-nacional ter suas operações envoltas por discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca de sua natureza.

A partir da entrada em vigor do novo regime, enfim, tal discussão restou-se encerrada, tratando-se de contratos típicos de compra e venda de mercadorias que possuem seu operacional subordinado aos regulamentos e disposições impostas pela entidade responsável pela sua comercialização (BM&F), podendo ter duas formas de liquidação amplamente respaldadas pela legislação civil em vigor, quais sejam, (i) a física (entrega efetiva da coisa negociada) e (ii) a financeira (liquidação pela diferença dos preços da data da contratação e do vencimento), agora com base no artigo 816 do Código Civil Brasileiro.


5. CONCLUSÃO:

Podemos entender, então, que o mercado de futuros de agrícolas e de ativos financeiros possui a característica de conferir um "seguro" aos seus participantes, na medida que garante o preço mínimo de compra e venda dos bens ou ativos nela negociados, propiciando uma margem pré-estabelecida de ganhos aos produtores e consumidores que dele se utilizam.

Um instrumento largamente utilizado para a conferência da garantia citada trata-se do hedging, que pode ser entendido como o efeito gerado com a sobreposição de dois contratos formulados pelo interessado em posições antagônicas.

Além da garantia oferecida aos seus participantes, este mercado propicia ainda uma boa oportunidade de investimento para aqueles que estão em busca apenas do risco proveniente de suas operações.

O poder de auto-regulamentação conferido à BM&F, entidade privada com o intuito de criar um local adequado para a concretização dos negócios de seus criadores, possibilita a determinação de características singulares para os contratos nela negociados, em busca da padronização que os torna fungíveis, o que facilita sua compensação através de um sistema próprio.

Finalmente, quanto à equiparação dos contratos realizados no mercado de futuros da BM&F ao jogo e à aposta e a conseqüente dúvida acerca da obrigatoriedade de pagamento das dívidas oriundas de tais operações, todos os questionamentos existentes foram suprimidos com a entrada em vigor do novo Código Civil Brasileiro, que passou a prever a possibilidade de liquidação financeira apenas pela diferença dos preços apurados entra a data da contratação e a data de vencimento da operação, afastando definitivamente de tais contratos típicos de compra e venda os preceitos do jogo e da aposta.

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6. BIBLIOGRAFIA

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Notas

1 Conceito conferido por Cláudio Haddad, alto executivo no mercado de capitais, em "BM&F – A História do Mercado Futuro no Brasil", de Alcides Ferreira e Nilton Horita – Cultura Editores Associados, p.5.

2 Mercados de Futuros: Uma Introdução / Luiz F. Forbes – São Paulo: Bolsa de Mercadorias & Futuros, 1994, p. 24/25.

3 Dados extraídos do website www.bmf.com.br, em 19/01/2004.

4 A norma jurídica, segundo Goffredo Telles Junior, se define como imperativo autorizante. Ele é um imperativo porque é um mandamento. E é autorizante porque autoriza a reação contra a ação que a viola. Portanto, são fórmulas para o comportamento humano.

5 Fábio Konder Comparato, em Direito Empresarial – São Paulo: Saraiva, 1995, p. 320.

6 Fábio Konder Comparato, Direito Empresarial, São Paulo, Saraiva, 1995, p.320.

7 J.X. Carvalho de Mendonça – Tratado de Direito Comercial – VI 3ª parte, pagina 420/421.

8 Ecio Perin Jr - O hedging e o contrato de hedge. Mercados futuros. Artigo publicado Jus Navigandi, Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina. Acesso em: 13 jan. 2004.

9 Revista de Direito Mercantil – As operações a termo sobre mercadorias ("hedging") – nº29, ano XVII.

10 J. X. Carvalho de Mendonça – Tratado de Direito Comercial – VI 3ª parte, p. 422.

11 Waldirio Bulgarelli – Contratos Mercantis – 13 edição – Atlas, p. 276.

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Sobre o autor
Rodrigo Barros de Paula

Advogado, especialista em direito bancário, Pós-Graduando em Direito da Economia e da Empresa na FGV/SP, professor-assistente na em Direito Comercial na PUC/SP e Faculdade de Direito de Osasco - UNIFIEO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Rodrigo Barros. A BM&F e o mercado de futuros de acordo com o novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 367, 9 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5432. Acesso em: 25 abr. 2024.

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